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desindustrialização, quedas acentuadas de<br />
postos de trabalho no mercado formal e também<br />
dos investimentos em serviços sociais básicos.<br />
É possível mesmo <strong>fazer</strong> uma cronologia<br />
da expansão das moradias precarizadas; nas<br />
palavras de Davis: “Os anos 1980, em que o<br />
FMI e o Banco Mundial usaram a alavancagem<br />
da dívida para reestruturar a economia<br />
da maior parte do Terceiro Mundo, foi a época<br />
em que as favelas transformaram-se no<br />
futuro implacável não somente dos migrantes<br />
rurais pobres como também de milhões<br />
de habitantes urbanos tradicionais” (p. 156).<br />
O resultado destas políticas de ajuste foi o<br />
crescimento pelo mundo de milhões de seres<br />
humanos que não têm acesso não só a uma<br />
moradia, mas sobretudo a uma vida digna.<br />
Se antes cabia falar num exército industrial<br />
de reserva, disponível para a economia em<br />
seus ciclos de expansão, talvez agora a situação<br />
seja mais dramática: estamos diante<br />
de uma massa de sujeitos sem perspectiva<br />
nenhuma de trabalho, humanidade excedente,<br />
cujas manifestações de insatisfação sem<br />
dúvida existem, mas ainda não encontraram<br />
uma orientação política mais abrangente (e<br />
parece-nos que este é também um dos sentidos<br />
presentes no trabalho de Davis).<br />
No final de seu livro, ele nos apresenta<br />
documentos que revelam as preocupações de<br />
estrategistas militares ligados ao Pentágono<br />
norte-americano com as multidões empobrecidas<br />
de algumas das principais favelas do<br />
Terceiro Mundo. Ao depararmo-nos com o<br />
tom maniqueísta destas análises, que preferem<br />
eleger bodes expiatórios circunstanciais<br />
para um processo muito mais complexo, fica<br />
patente que a “retórica demonizadora das<br />
várias ‘guerras’ internacionais ao terrorismo,<br />
às drogas e ao crime são igualmente<br />
um apartheid semântico: constroem paredes<br />
epistemológicas ao redor das favelas,<br />
gecekondus e chawls, que impossibilitam<br />
qualquer debate honesto sobre a violência<br />
cotidiana da exclusão econômica. E, como na<br />
época vitoriana, a criminalização categórica<br />
dos pobres urbanos é uma profecia que leva<br />
ao seu próprio cumprimento...” (p. 202).<br />
É neste momento que o trabalho de<br />
Mike Davis pode ser articulado ao do importante<br />
sociólogo francês Löic Wacquant (autor<br />
de “Prisões da miséria” e de “Punir os pobres:<br />
a nova gestão da miséria nos Estados Unidos”).<br />
Com efeito, a pesquisa de Wacquant<br />
nos mostra que o crescente inchaço do sistema<br />
prisional nos últimos anos é observável<br />
em praticamente todos os países, mesmo no<br />
chamado Primeiro Mundo (como ocorre com<br />
os Estados Unidos). Ora, tal inchaço das prisões<br />
é também uma resposta conservadora<br />
para lidar com a pobreza que invade as ruas<br />
das grandes metrópoles: transitar das favelas<br />
para os presídios – mesmo que apenas em<br />
função de pequenos delitos - é o triste destino<br />
de muitos cidadãos pobres, donde a formulação<br />
bastante cáustica de Wacquant: trata-se<br />
de um “sinistro programa habitacional para<br />
os novos pobres”.... Como se vê, encaixamse<br />
aqui mais algumas peças do contraditório<br />
quebra-cabeças contemporâneo: o “Planeta<br />
favela” se ramifica, infiltrando-se também<br />
pelas prisões do mundo afora.<br />
CLASSE – Revista da Associação dos Docentes da UFF – OUTUBRO/NOVEMBRO/DEZEMBRO/2008 65