Conhece esta mulher? - Fonoteca Municipal de Lisboa
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COLECÇÃO MUSEU NACIONAL DO TEATRO/GROSSINGER’S STUDIO ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 7122 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE<br />
Sexta-feira<br />
2 Outubro 2009<br />
www.ipsilon.pt<br />
Air Batida Stockhausen Au Revoir Simone Philippe Lioret David Grann<br />
<strong>Conhece</strong> <strong>esta</strong> <strong>mulher</strong>?
Flash<br />
Sumário<br />
Amália 6<br />
Vamos conhecê-la<br />
Batida 12<br />
A colisão entre a música<br />
angolana <strong>de</strong> ontem e os<br />
ritmos <strong>de</strong> hoje.<br />
Au Revoir Simone 15<br />
As meninas da caixinha<br />
<strong>de</strong> música<br />
Air 16<br />
“Love 2” is in the Air<br />
Stockhausen 18<br />
A Gulbenkian dá a ouvir<br />
pelas do ciclo “Klang”<br />
Phillipe Lioret 20<br />
Filma o encontro <strong>de</strong> um<br />
imigrante clan<strong>de</strong>stino e<br />
um professor <strong>de</strong> natação:<br />
“Welcome”, melodrama com<br />
a realida<strong>de</strong> colada à pele<br />
David Grann 25<br />
Foi atrás do rasto <strong>de</strong> Percy<br />
Fawcett, o último gran<strong>de</strong><br />
explorador romântico da<br />
Amazónia<br />
Ficha Técnica<br />
Director José Manuel Fernan<strong>de</strong>s<br />
Editor Vasco Câmara, Inês Nadais<br />
(adjunta)<br />
Conselho editorial Isabel<br />
Coutinho, Óscar Faria, Cristina<br />
Fernan<strong>de</strong>s, Vítor Belanciano<br />
Design Mark Porter, Simon<br />
Esterson, Kuchar Swara<br />
Directora <strong>de</strong> arte Sónia Matos<br />
Designers Ana Carvalho, Carla<br />
Noronha, Mariana Soares<br />
Editor <strong>de</strong> fotografia Miguel<br />
Ma<strong>de</strong>ira<br />
E-mail: ipsilon@publico.pt<br />
Cartas <strong>de</strong> Lord<br />
Byron vão a leilão<br />
É o mais impressionante conjunto<br />
<strong>de</strong> cartas <strong>de</strong> Lord Byron a aparecer<br />
no mercado nos últimos 30 anos: a<br />
correspondência adquirida em 1885<br />
pelo con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Roserbery, que inclui<br />
alguns documentos inéditos, será<br />
agora colocada em leilão pela<br />
Sotheby’s, em Londres, embora a<br />
data ainda não tenha sido revelada.<br />
Do lote fazem parte as cartas que o<br />
poeta inglês escreveu a Francis<br />
Hodgson, um membro do clero da<br />
Tintin<br />
troca<br />
<strong>de</strong> editor<br />
português<br />
e muda<br />
<strong>de</strong> nome<br />
Descontente com as vendas<br />
em Portugal, o editor<br />
histórico <strong>de</strong> Tintin e<br />
<strong>de</strong>tentor universal dos<br />
direitos para álbum<br />
(Casterman) pôs termo em<br />
Janeiro <strong>de</strong>ste ano ao<br />
contrato que o ligava à<br />
Editorial Verbo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1988.<br />
Esta semana ficou a<br />
também saber-se quem lhe<br />
suce<strong>de</strong>: as Edições ASA,<br />
que já estão a trabalhar em<br />
novas traduções e<br />
prometem os primeiros<br />
álbuns para a Primavera <strong>de</strong><br />
2010.<br />
Willy Fa<strong>de</strong>ur, director do<br />
<strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> direitos<br />
internacionais da<br />
Casterman, confirmou ao<br />
Ípsilon a “insatisfação” com<br />
as vendas, consi<strong>de</strong>radas<br />
“insuficientes tendo em<br />
conta a notorieda<strong>de</strong> do<br />
herói e do seu criador”. A<br />
rapi<strong>de</strong>z com que foi<br />
escolhido um novo editor é<br />
justificada com a<br />
importância que o editor<br />
franco-belga atribui ao<br />
mercado português: “Para<br />
nós, o mercado português,<br />
francófilo e francófono, é<br />
<strong>de</strong> primeira linha.”<br />
era vitoriana que era seu amigo. Aí<br />
revela <strong>de</strong>talhes íntimos, como o<br />
caso que teve com uma criada,<br />
Susan Vaughan, que abandonou<br />
quando percebeu que ela o traía<br />
com outros. Gabriel Heaton,<br />
especialista da Sotheby’s, disse ao<br />
“Guardian” que Byron nunca diz<br />
nas cartas que vai ser fiel a Susan,<br />
mas escreve que espera que ela lhe<br />
seja fiel. E quando lhe chegam<br />
rumores <strong>de</strong> que Susan não lhe foi<br />
fiel, a criada e amante per<strong>de</strong> o<br />
emprego.<br />
A <strong>de</strong>terminada altura, escreve<br />
Numa das suas cartas, Lord<br />
Byron diz que os portugueses<br />
têm poucos vícios, “exceptuando<br />
os piolhos e a sodomia”<br />
também que os portugueses são um<br />
povo <strong>de</strong> poucos vícios,<br />
“exceptuando os piolhos e a<br />
sodomia”. E fala também sobre a<br />
Albânia, <strong>de</strong>screvendo ao amigo o<br />
governante Ali Pasha como sendo<br />
“uma pessoas boa, corpulenta e<br />
com 200 <strong>mulher</strong>es e outros tantos<br />
rapazes” - “alguns dos quais eu vi e<br />
que lindas criaturas eram”,<br />
sublinha. Byron claramente achava<br />
“graça a escrever coisas<br />
ligeiramente chocantes a um<br />
homem do clero, mas também se vê<br />
que eles mantinham uma amiza<strong>de</strong><br />
Segundo a ASA, o<br />
objectivo é pôr cá fora<br />
toda a colecção Tintin<br />
(24 álbuns) até 2011,<br />
data da estreia do filme<br />
<strong>de</strong> Spielberg<br />
Maria José Pereira Pereira,<br />
alteração” alteração”, explica Maria<br />
responsável pelo<br />
José Pereira.<br />
<strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> BD da Graças a este negócio, as<br />
ASA, diz que o objectivo é Edições ASA ganham para o<br />
pôr cá fora toda a colecção seu catálogo uma das séries<br />
das aventuras <strong>de</strong> Tintin mais emblemáticas (e<br />
(num total <strong>de</strong> 24 álbuns) até também mais lucrativas) da<br />
2011, data prevista para a BD mundial. Os fãs po<strong>de</strong>m<br />
estreia do filme que Steven contar com uma presença<br />
Spielberg está a realizar. O mais agressiva do<br />
editor português assegura herói nas livrarias,<br />
que o herói vai recuperar o on<strong>de</strong> teve um lugar<br />
seu nome original – “Tintin” relativamente<br />
em vez do “Tintim” que discreto nas últimas<br />
surgia nos álbuns da Verbo: décadas. Recor<strong>de</strong>-<br />
“É o nome da personagem e se que Portugal<br />
uma marca. Não há razão foi o primeiro<br />
para não fazermos essa país não-<br />
JEAN PIERRE MULLER/ AFP<br />
muito forte. Nota-se que há<br />
intimida<strong>de</strong> entre eles”, continua<br />
Gabriel Heaton em <strong>de</strong>clarações ao<br />
“The Guardian”. Por fim, Byron<br />
também tece comentários sobre<br />
outros poetas do seu tempo, como<br />
Robert Southey e William<br />
Wordsworth. Este último <strong>de</strong>negriu<br />
o poeta que Byron muito admirava,<br />
Alexan<strong>de</strong>r Pope, ao dizer que o seu<br />
estilo era artificial e arcaico e por<br />
isso é referido n<strong>esta</strong>s cartas <strong>de</strong><br />
maneira <strong>de</strong>preciativa. Quinze por<br />
cento do material d<strong>esta</strong><br />
correspondência nunca foi<br />
publicado e está por estudar.<br />
francófono fr do mundo a<br />
publicar p Tintin, em 1936<br />
(revista (r “O Papagaio”). Foi<br />
também ta o primeiro país do<br />
mundo m on<strong>de</strong> se pu<strong>de</strong>ram<br />
ler le as aventuras do famoso<br />
jornalista jo a cores, ainda<br />
antes a <strong>de</strong> isso acontecer na<br />
Bélgica B ou em França.<br />
Para P a Casterman, o<br />
negócio n com a ASA é<br />
também ta vantajoso, pois<br />
ganha g alguma margem <strong>de</strong><br />
manobra m relativamente à<br />
socieda<strong>de</strong> s Moulinsart,<br />
gestora g dos direitos<br />
mundiais m <strong>de</strong> Hergé (16<br />
milhões m <strong>de</strong> euros por ano).<br />
Nick N Rodwell, marido <strong>de</strong><br />
Fanny F Vlaminck (segunda<br />
<strong>mulher</strong> m <strong>de</strong> Hergé e her<strong>de</strong>ira<br />
do d património do artista) e<br />
administrador a<br />
da<br />
Moulinsart, M exprimiu em<br />
Abril A passado o seu<br />
<strong>de</strong>scontentamento d<br />
com a<br />
forma fo como o editor<br />
franco-belga fr<br />
tem gerido os<br />
direitos d sobre os álbuns <strong>de</strong><br />
Tintin. T Embora nunca<br />
tenha te sido oficialmente<br />
afirmado, admitia-se nos<br />
meios ligados à BD que as<br />
divergências pu<strong>de</strong>ssem<br />
acabar em divórcio entre os<br />
dois parceiros.<br />
Passados quase seis meses,<br />
não houve novos <strong>de</strong>senvolvimentos<br />
e Willy Fa<strong>de</strong>ur,<br />
interpelado sobre o<br />
assunto, foi lacónico: “A<br />
Casterman é contratualmente<br />
o gestor mundial<br />
dos direitos das<br />
aventuras <strong>de</strong> Tintin<br />
e tenciona<br />
continuar a sê-lo.”<br />
Carlos Pessoa<br />
3
Flash<br />
Arquitecto da Tate<br />
Mo<strong>de</strong>rn <strong>de</strong>ixa<br />
Herzog & <strong>de</strong> Meuron<br />
Harry Gugger, o arquitecto que<br />
projectou e dirigiu a transformação<br />
do edifício <strong>de</strong> uma velha central <strong>de</strong><br />
energia londrina na actual Tate<br />
Mo<strong>de</strong>rn, em Londres, anunciou que<br />
irá <strong>de</strong>ixar o prestigiado “atelier”<br />
suíço Herzog & <strong>de</strong> Meuron, <strong>de</strong> que é<br />
sócio <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1991. No âmbito da sua<br />
longa colaboração com o gabinete<br />
fundado por Jacques Herzog e<br />
Pierre <strong>de</strong> Meuron, Gugger assinou<br />
alguns outros projectos marcantes,<br />
como a Biblioteca da Escola Técnica<br />
<strong>de</strong> Eberswal<strong>de</strong>, na Alemanha, a<br />
se<strong>de</strong> da Prada em Nova Iorque, ou o<br />
Schaulager, em Basileia. A planeada<br />
extensão da Tate Mo<strong>de</strong>rn, que<br />
<strong>de</strong>verá arrancar em breve, e que se<br />
prevê que esteja concluída em 2012,<br />
já não contará com Gugger, ainda<br />
que este se tenha disponibilizado<br />
para trabalhar, até ao final do ano,<br />
com Ascan Mergenthaler, o<br />
arquitecto da Herzog & <strong>de</strong> Meuron<br />
que o irá substituir.<br />
Formado em Engenharia Mecânica<br />
e Arquitectura, Gugger preten<strong>de</strong><br />
iniciar uma carreira in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte,<br />
mas continuará a dar aulas no<br />
Instituto <strong>de</strong> Tecnologia <strong>de</strong> Zurique.<br />
Homenagem ao<br />
“Megafone” <strong>de</strong> João<br />
Aguar<strong>de</strong>la<br />
Quando foi apanhado pela morte,<br />
em Janeiro, João Aguar<strong>de</strong>la não<br />
concluíra o “Megafone”, o projecto<br />
visionário que criara em 1997, no<br />
qual cruzava recolhas do<br />
cancioneiro tradicional português<br />
com linguagens electrónicas.<br />
“Música para raves e arraiais”, assim<br />
o <strong>de</strong>screvia o fundador dos Sitiados<br />
e, mais tar<strong>de</strong>, co-fundador com Luís<br />
Varatojo d’A Naifa. Dizia Aguar<strong>de</strong>la<br />
que o “Megafone” era um projecto<br />
<strong>de</strong> cinco<br />
álbuns.<br />
João Aguar<strong>de</strong>la<br />
4<br />
“Between Waves” será editado<br />
a 2 <strong>de</strong> Novembro<br />
Deixou-nos quatro, o último editado<br />
em 2006. Agora, um colectivo <strong>de</strong><br />
amigos e admiradores, a associação<br />
Megafone 5, tratará <strong>de</strong> o cumprir.<br />
Antes, porém, há música para<br />
homenagear o músico. Dia 4 <strong>de</strong><br />
Novembro, o Gran<strong>de</strong> Auditório do<br />
Centro Cultural <strong>de</strong> Belém acolhe um<br />
concerto on<strong>de</strong> A Naifa, Dead<br />
Combo, O’queStrada e Gaiteiros <strong>de</strong><br />
<strong>Lisboa</strong> revisitam a obra <strong>de</strong> João<br />
Aguar<strong>de</strong>la – os bilhetes, a 20 euros,<br />
encontram-se à venda nos locais<br />
habituais. O concerto servirá,<br />
também, para anunciar o Prémio<br />
Megafone, a atribuir anualmente<br />
pela Socieda<strong>de</strong> Portuguesa <strong>de</strong><br />
Autores a músicos ou entida<strong>de</strong>s que<br />
se distingam no trabalho sobre a<br />
tradição musical portuguesa.<br />
Entretanto, está “online” o “site”<br />
Megafone 5 (www.aguar<strong>de</strong>la.com),<br />
on<strong>de</strong>, além <strong>de</strong> um extenso trabalho<br />
biográfico e <strong>de</strong> arquivos<br />
relacionados com a carreira <strong>de</strong><br />
Aguar<strong>de</strong>la, estão disponíveis<br />
para “download” gratuito<br />
os quatro álbuns<br />
“Megafone”.<br />
David Fonseca<br />
entre ondas<br />
no novo álbum<br />
O novo álbum <strong>de</strong> originais <strong>de</strong> David<br />
Fonseca já tem nome, chama-se<br />
“Between Waves”, e será editado a<br />
2 <strong>de</strong> Novembro, com a pré-venda a<br />
realizar-se a partir <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> Outubro<br />
nas Fnac. Quarto longa-duração, e<br />
sucessor <strong>de</strong> “Dreams In Colour”<br />
(2007), é produzido pelo próprio e<br />
por Nelson Carvalho e será alvo <strong>de</strong><br />
edições diferenciadas em vários<br />
formatos. Haverá uma “huge fan<br />
pack”, uma edição especial<br />
limitada, que conterá o CD, o DVD<br />
“Streets of Lisbon acoustic live<br />
sessions”, com cinco canções do<br />
novo disco gravadas ao vivo em<br />
formato acústico, e um EP<br />
em vinil (com três versões inéditas<br />
<strong>de</strong> “A cry for love”, o single <strong>de</strong><br />
lançamento já revelado, entre elas<br />
uma remistura <strong>de</strong> Rui Maia dos<br />
X-Wife). Haverá também uma<br />
edição especial e limitada (CD +<br />
DVD), uma edição com CD + vinil e<br />
a vulgar edição em CD. No último<br />
ano, para além <strong>de</strong> concertos, o<br />
músico tem investido num<br />
percurso internacional, com<br />
d<strong>esta</strong>que para Espanha, on<strong>de</strong><br />
actuou várias vezes e on<strong>de</strong> foi alvo<br />
<strong>de</strong> artigos elogiosos por parte da<br />
imprensa.<br />
Fhjn Fh Fhjn jn j<br />
Nova Iorque aplau<strong>de</strong><br />
João Pedro Rodrigues<br />
Po<strong>de</strong> não ter gerado<br />
gran<strong>de</strong> entusiasmo no<br />
Festival <strong>de</strong> Cannes, on<strong>de</strong><br />
passou na secção “Un<br />
Certain Regard”, mas<br />
“Morrer como um<br />
Homem”, <strong>de</strong> João Pedro<br />
Rodrigues, está a chamar a<br />
atenção da crítica<br />
americana. Exibido <strong>esta</strong><br />
semana no Festival <strong>de</strong> Nova<br />
Iorque, ao lado da Palma<br />
<strong>de</strong> Ouro <strong>de</strong> Cannes, “The<br />
White Ribbon”, <strong>de</strong> Michael<br />
Haneke, do Leão <strong>de</strong> Ouro<br />
<strong>de</strong> Veneza, “Lebanon”, <strong>de</strong><br />
Samuel Maoz, do mais<br />
recente Alain Resnais, “Les<br />
Herbes Folles”, ou das<br />
“Singularida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> uma<br />
Rapariga Loura”, <strong>de</strong><br />
Oliveira, a terceira longa<br />
do autor <strong>de</strong> “O Fantasma”,<br />
história <strong>de</strong> um travesti<br />
dilacerado entre viver<br />
como uma <strong>mulher</strong> ou<br />
morrer como um homem,<br />
foi elogiada por dois dos<br />
mais respeitados e<br />
influentes críticos novaiorquinos.<br />
J. Hoberman, da<br />
“Village Voice” e um dos<br />
programadores do festival,<br />
escolheu “Morrer como<br />
um Homem” como um dos<br />
seus cinco “imperdíveis”<br />
João Pedro Rodrigues e os<br />
seus actores, Jenny Larrue e<br />
Cindy Scrash, no último<br />
Festival <strong>de</strong> Cannes<br />
do certame ainda sem<br />
distribuição americana,<br />
chamando-lhe “uma fábula<br />
profunda e fabulosamente<br />
triste, bem como um<br />
exemplo <strong>de</strong> cinema lírico,<br />
lúdico e imprevisível”. A<br />
temida Manohla Dargis, do<br />
“New York Times”, por seu<br />
lado, critica uma “primeira<br />
hora muitas vezes lúgubre”<br />
mas diz em seguida que o<br />
filme “recompensa a nossa<br />
paciência com beleza e<br />
mistério”: “No exacto<br />
momento em que a história<br />
parece <strong>esta</strong>r à beira <strong>de</strong> se<br />
afogar em torrentes <strong>de</strong><br />
lágrimas, Rodrigues<br />
<strong>de</strong>smultiplica o tom e o<br />
cenário e transporta as<br />
personagens para um<br />
santuário on<strong>de</strong> outro<br />
travesti, inspirado por Judy<br />
Garland cerca <strong>de</strong> 1961, as<br />
conduz — e a nós — para lá<br />
do arco-íris. E <strong>de</strong>pois tudo<br />
volta a mudar, d<strong>esta</strong> vez<br />
para uma tragédia<br />
justamente merecida.” Por<br />
cá, “Morrer como um<br />
Homem” chega às salas já a<br />
15 <strong>de</strong> Outubro, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
ter sido o filme <strong>de</strong> abertura<br />
da edição 2009 do Queer<br />
<strong>Lisboa</strong>.<br />
ERIC GAILLARD/ REUTERS
Consulte a agenda cultural Fnac em
Capa<br />
LISBOA, 1964, COLECÇÃO MUSEU NACIONAL DO TEATRO/JOSÉ TUDELA<br />
6
Temos<br />
<strong>de</strong> mexer<br />
na Amália<br />
Tem sido assim a nossa relação com ela: aprisionámos<br />
o monstro. Amália tornou-se figura sem corpo, à mercê<br />
do imaginário colectivo. A exposição “Amália, Coração<br />
In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte” po<strong>de</strong> ser o início <strong>de</strong> uma nova relação.<br />
Temos <strong>de</strong> mexer nela. Kathleen Gomes<br />
Quando Jean-François Chougnet sugeriu<br />
o título “Coração In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte”<br />
para a exposição que abre terçafeira<br />
em <strong>Lisboa</strong>, no Museu Berardo e<br />
no Museu da Electricida<strong>de</strong>, não <strong>esta</strong>va<br />
a contar com resistência interna.<br />
Fez uma sondagem junto da sua equipa<br />
e “ninguém gostou”, revela. “Diziam<br />
que era um fado <strong>de</strong> que ninguém<br />
gosta, que não era um fado popular,<br />
mas um fado para a ‘intelligentsia’,<br />
etc.” No dia seguinte, o director do<br />
Museu Colecção Berardo apanhou o<br />
autocarro 745 para o aeroporto <strong>de</strong><br />
<strong>Lisboa</strong> e reparou num jovem com um<br />
leitor <strong>de</strong> MP3 a seu lado – isto é, reparou<br />
no que ele ouvia. “Dois dias <strong>de</strong>pois<br />
regresso aqui e digo: ‘Se há um<br />
jovem no autocarro 745 a ouvir ‘Estranha<br />
Forma <strong>de</strong> Vida’ [canção <strong>de</strong> que<br />
fazem parte os versos ‘Coração in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte,<br />
coração que não comando’],<br />
é porque não é uma coisa totalmente<br />
fora...”, ri-se.<br />
É uma “petite histoire”, mas é reveladora<br />
do que tem sido a história<br />
da nossa relação com Amália Rodrigues:<br />
à força <strong>de</strong> a meter em caixinhas,<br />
nunca <strong>de</strong>ixámos que fosse tudo o que<br />
podia ser. Aprisionámos o monstro e<br />
criámos regras <strong>de</strong> convivência para o<br />
manter sob controle. Amália tornouse<br />
uma figura sem corpo à mercê das<br />
disposições do imaginário colectivo.<br />
Somos reféns convertidos em sequestradores:<br />
a sombra <strong>de</strong> Amália é inescapável,<br />
mas também não a <strong>de</strong>ixamos<br />
à solta (e tentamos sempre disparar<br />
primeiro).<br />
É por isso que este po<strong>de</strong> ser o início<br />
<strong>de</strong> uma nova relação com Amália: a<br />
exposição “Amália, Coração In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte”,<br />
que está no centro <strong>de</strong> uma<br />
verda<strong>de</strong>ira Operação Amália, com<br />
uma programação intensa que se es-<br />
ten<strong>de</strong> a outras instituições (Teatro S.<br />
Luiz, Museu do Fado) no momento<br />
em que se assinala o décimo aniversário<br />
da morte da fadista, propõe repensar<br />
o fenómeno nas suas múltiplas<br />
dimensões com uma perspectiva contemporânea.<br />
Além da tentativa <strong>de</strong><br />
concentrar Amália na sua totalida<strong>de</strong><br />
– fadista, actriz <strong>de</strong> cinema, ve<strong>de</strong>ta internacional,<br />
mito nacional, etc. – procuram<br />
lançar-se novas abordagens<br />
que, se não quebram o espelho, pelo<br />
menos po<strong>de</strong>rão abrir fissuras na percepção<br />
pública da figura.<br />
Talvez um dia olhemos para agora<br />
como o momento em que se fez o “reset”<br />
<strong>de</strong> Amália.<br />
Obra aberta<br />
Primeira constatação: apesar da sua<br />
popularida<strong>de</strong>, prestígio e amplitu<strong>de</strong>,<br />
Amália tem sido pouco estudada, o<br />
que é revelador do <strong>esta</strong>do incipiente<br />
dos estudos culturais em Portugal. “A<br />
minha primeira surpresa, ao começar<br />
a trabalhar sobre Amália, é que não<br />
há gran<strong>de</strong> bibliografia”, diz Jean-François<br />
Chougnet. “É um assunto evi<strong>de</strong>nte<br />
mas que não é tão tratado quanto<br />
parece.”<br />
A única biografia existente, que<br />
continua a ser a referência <strong>de</strong> base<br />
para qualquer investigador, foi publicada<br />
em 1987 pelo ex-crítico <strong>de</strong> teatro<br />
e antigo director do Museu Nacional<br />
do Teatro, Vítor Pavão dos Santos, e<br />
reeditada em 2005. Intitulada “Amália<br />
– Uma Biografia”, é, na verda<strong>de</strong>,<br />
uma espécie <strong>de</strong> autobiografia composta<br />
a partir <strong>de</strong> inúmeras e extensas<br />
entrevistas (78 horas <strong>de</strong> gravações)<br />
conduzidas entre 1982 e 1986.<br />
“O Vítor Pavão dos Santos é o ponto<br />
<strong>de</strong> partida e <strong>de</strong> chegada <strong>de</strong> todos<br />
os estudiosos da Amália e a gente tem<br />
Além da tentativa<br />
<strong>de</strong> concentrar Amália<br />
na sua totalida<strong>de</strong><br />
– fadista, actriz <strong>de</strong><br />
cinema, ve<strong>de</strong>ta<br />
internacional, mito<br />
nacional, etc.<br />
– procuram lançar-se<br />
novas abordagens<br />
que, se não quebram<br />
o espelho, pelo menos<br />
po<strong>de</strong>rão abrir<br />
fissuras na percepção<br />
pública da figura<br />
Amália<br />
tem sido<br />
pouco<br />
estudada,<br />
o que é<br />
revelador<br />
do <strong>esta</strong>do<br />
incipiente<br />
dos estudos<br />
culturais em<br />
Portugal<br />
<strong>de</strong> tirar o chapéu ao trabalho <strong>de</strong>le<br />
porque sem ele tínhamos <strong>de</strong> começar<br />
do zero”, nota o musicólogo Rui Vieira<br />
Nery. “Mas não po<strong>de</strong>mos esquecer<br />
que são entrevistas tardias. E que a<br />
Amália relembra a sua vida mas também<br />
reconstrói a sua imagem. Não é<br />
que esteja a tentar enganar-nos. Mas<br />
ela própria vai olhando para a sua vida<br />
e vai refazendo as coisas. Olha com<br />
uma perspectiva que já é posterior e<br />
que não correspon<strong>de</strong> àquela que ela<br />
tinha na altura. Temos <strong>de</strong> <strong>de</strong>smontar<br />
o seu discurso e perceber em cada<br />
época qual é a postura <strong>de</strong>la e como é<br />
que foi evoluindo.”<br />
David Ferreira, ex-director da EMI-<br />
Valentim <strong>de</strong> Carvalho, responsável<br />
por muitas reedições da obra <strong>de</strong> Amália<br />
e pelas duas compilações que vão<br />
ser lançadas em simultâneo com a<br />
exposição “Coração In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte”,<br />
corrobora: “Faz falta um documento<br />
do mesmo género pré-1974” porque<br />
“não é a mesma pessoa”.<br />
Segunda constatação: pelas suas<br />
características, Amália é um tema que<br />
resiste à análise crítica. “Há um obstáculo<br />
muito gran<strong>de</strong> que parte da relação<br />
afectiva que temos todos com<br />
ela”, diz Nery, acrescentando que<br />
existe uma tentação <strong>de</strong> proteccionismo<br />
em relação à figura. “É preciso<br />
não divinizar <strong>de</strong> tal maneira a Amália<br />
que ela se liberta da espécie humana<br />
e do contexto específico em que se<br />
moveu.”<br />
A exposição “Coração In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte”<br />
é acompanhada por um catálogo,<br />
que é um complemento, mais do que<br />
uma reprodução gráfica da mostra, e<br />
<strong>de</strong>nota um esforço para produzir análise.<br />
Pediu-se a um conjunto <strong>de</strong> especialistas<br />
que reflectissem sobre os<br />
campos <strong>de</strong> acção <strong>de</strong> Amália ou so-<br />
7
Amália<br />
“teve cinco ou seis<br />
carreiras diferentes”,<br />
resume o director<br />
do Museu do Berardo:<br />
os anos iniciais<br />
marcados pelo reportório<br />
clássico do<br />
fado e pela música<br />
<strong>de</strong> Fre<strong>de</strong>rico Valério;<br />
a carreira <strong>de</strong> estrela<br />
<strong>de</strong> cinema a partir<br />
<strong>de</strong> 1947; a “fase francesa”,<br />
que arranca<br />
com a sua participação<br />
no filme <strong>de</strong><br />
1955 “Les Amants du<br />
Tage”, on<strong>de</strong> canta<br />
“Barco negro”, e que<br />
<strong>de</strong>sperta o interesse<br />
<strong>de</strong> Bruno Coquatrix,<br />
empresário do<br />
Olympia; a “explosão<br />
<strong>de</strong> carreira”,<br />
que correspon<strong>de</strong> à<br />
colaboração com<br />
Alain Oulman a<br />
partir <strong>de</strong> 1962; e o<br />
pós-25 <strong>de</strong> Abril<br />
bre aspectos específicos: a sua dimensão<br />
política durante o regime<br />
salazarista, o reportório musical (Rui<br />
Vieira Nery) e poético (António Guerreiro),<br />
imagem fotográfica (Emília<br />
Tavares), filmografia (António Rodrigues),<br />
etc.<br />
Muitos <strong>de</strong>les, ouvidos pelo Ípsilon,<br />
admitem que uma das dificulda<strong>de</strong>s<br />
na abordagem <strong>de</strong> Amália é a profusão<br />
<strong>de</strong> lugares-comuns, a par <strong>de</strong> uma “aura<br />
<strong>de</strong> respeitabilida<strong>de</strong>” (Emília Tavares)<br />
que contribui para a preservação<br />
<strong>de</strong> uma imagem canónica. “Como é<br />
um mito, Amália convida muito à repetição<br />
das fórmulas litúrgicas <strong>de</strong><br />
veneração – ‘a santa do fado’ e por aí<br />
fora”, aponta Vieira Nery. “Não po<strong>de</strong>mos<br />
ter <strong>esta</strong>s relações <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong><br />
mórbida a uma figura intocável. Temos<br />
<strong>de</strong> mexer na Amália.”<br />
CARLOS LOPES/ ARQUIVO<br />
8<br />
O Estado Novo e os fantasmas<br />
Houve pelo menos um caso em que<br />
isso implicou tocar numa questão<br />
sensível: a eterna dúvida sobre o nível<br />
<strong>de</strong> envolvimento político <strong>de</strong> Amália<br />
durante o Estado Novo. Se calhar, não<br />
é por acaso que tenha sido um francês<br />
a reabrir o “dossier Amália” no catálogo.<br />
Ele admite: não foi por acaso.<br />
“A polémica tem a ver com a relação<br />
da socieda<strong>de</strong> portuguesa com o Estado<br />
Novo. Não é uma questão específica<br />
<strong>de</strong> Portugal. O dossier da ocupação<br />
alemã no meu país só foi reaberto<br />
nos anos 70-80, aliás por um<br />
americano, Robert O. Paxton.”<br />
Sem escamotear alguns “erros” cometidos<br />
pela fadista – a sua actuação<br />
no Estádio <strong>de</strong> Alvala<strong>de</strong> numa gala<br />
promovida pelo Governo num momento<br />
<strong>de</strong> apelo ao boicote e protesto<br />
face à frau<strong>de</strong> eleitoral <strong>de</strong> 1958, e umas<br />
quadras enviadas a Salazar quando<br />
este caiu da ca<strong>de</strong>ira (“Ponha-se-me<br />
bom <strong>de</strong>pressa / Meu querido presi<strong>de</strong>nte<br />
/ Depressa, que essa cabeça /<br />
Não merece <strong>esta</strong>r doente”) –, Chougnet<br />
dissipa quaisquer fantasmas <strong>de</strong><br />
colaboracionismo. “Muitos amalianos<br />
dizem que não vale a pena falar disso.<br />
Eu acho que vale a pena, precisamente<br />
porque não houve crime. A Amália<br />
nunca fez parte da PIDE, nunca houve<br />
um túnel entre o Palácio <strong>de</strong> São<br />
Bento e a casa <strong>de</strong>la, como foi dito <strong>de</strong>pois<br />
do 25 <strong>de</strong> Abril.” Refere-se à campanha<br />
<strong>de</strong> boatos que visaram Amália<br />
durante o período revolucionário, e<br />
que a alinhavam com o regime <strong>de</strong>posto.<br />
Vieira Nery: “Quando tiveram essa<br />
postura, as pessoas esqueceram-se<br />
<strong>de</strong> coisas importantíssimas, como o<br />
facto <strong>de</strong> nos anos 50 Amália cantar<br />
Sidónio Muralha, que era um exilado<br />
político anti-fascista, perseguido pela<br />
PIDE. E cantou o ‘Libertação’ do<br />
David Mourão-Ferreira, que era o ‘Fado<br />
<strong>de</strong> Peniche’, que toda a gente sabe<br />
que foi escrito em alusão à prisão <strong>de</strong><br />
Álvaro Cunhal. A casa da Amália era<br />
um espaço <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> on<strong>de</strong> conviviam<br />
intelectuais maioritariamente<br />
da oposição. Não se conspirava contra<br />
o regime mas não havia restrições <strong>de</strong><br />
palavra. Portanto, Amália é tudo menos<br />
um símbolo da i<strong>de</strong>ologia fascista<br />
pura e dura.”<br />
António Rodrigues, programador<br />
da Cinemateca, diz que a filmografia<br />
<strong>de</strong> Amália (oito filmes, entre 1946 e<br />
1965) permanece <strong>de</strong>sconhecida porque<br />
“a maior parte das pessoas não<br />
viu os filmes”. “Os portugueses em<br />
geral têm tamanha rejeição em relação<br />
ao cinema anterior ao 25 <strong>de</strong> Abril<br />
que se recusam a ver. Se eu passar<br />
uma coisa ‘kitsch’, em ‘cinemascope’<br />
Retratada por<br />
portugueses como<br />
Silva Nogueira<br />
e Augusto Cabrita,<br />
e por fotógrafos<br />
estrangeiros que são<br />
a referência para<br />
o “star-system” da<br />
época, o seu portfolio<br />
revela rupturas e a<br />
exposição explora<br />
os contrastes entre a<br />
Amália dos primeiros<br />
anos, representada<br />
segundo estereótipos<br />
fadistas (mãos na<br />
anca, olhar enlevado<br />
e dirigido ao céu),<br />
e a progressiva<br />
sofisticação que<br />
acompanha a<br />
internacionalização<br />
(retrato à maneira<br />
<strong>de</strong> Hollywood)<br />
e a cores, com o António Calvário, as<br />
pessoas não vão ver, nem para rir<br />
nem para atirar pedras. Mas se passar<br />
uma coisa pimba com a Doris Day, já<br />
vão.”<br />
Entre os especialistas existe a opinião<br />
<strong>de</strong> que a carreira <strong>de</strong> Amália no<br />
cinema nunca arrancou como podia,<br />
que “não <strong>de</strong>u certo”, que foi uma ocasião<br />
perdida. Rodrigues nota que ela<br />
“não falhou mais do que a <strong>de</strong> Edith<br />
Piaf ou Billie Holiday”, que até trabalharam<br />
em cinematografias mais sólidas<br />
e ricas do que a portuguesa. Tem<br />
uma filmografia maior e foi das poucas<br />
cantoras “a fazer um papel inteiro”.<br />
Amália “nunca é má no cinema”,<br />
diz. “É sóbria e intensa.”<br />
Amália total<br />
Jean-François Chougnet viu Amália<br />
pela primeira vez ao vivo no Olympia<br />
em 1975, e assistiu a mais três<br />
concertos em Paris. “Cada um <strong>de</strong><br />
nós, provavelmente, tem uma Amália<br />
verda<strong>de</strong>ira a <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r”, reconhece.<br />
Na prática, isso significa que<br />
aceitamos uma parte da história mas<br />
rejeitamos outra ou outras. A perda<br />
é nossa.<br />
Amália “teve cinco ou seis carreiras<br />
diferentes”, resume o director do Museu<br />
do Berardo: os anos iniciais marcados<br />
pelo reportório clássico do fado<br />
e pela música do compositor Fre<strong>de</strong>rico<br />
Valério; a carreira <strong>de</strong> estrela <strong>de</strong><br />
cinema a partir <strong>de</strong> 1947; a “fase francesa”,<br />
que arranca com a sua participação<br />
no filme <strong>de</strong> 1955 “Les Amants<br />
du Tage”, on<strong>de</strong> canta “Barco negro”,<br />
e que <strong>de</strong>sperta o interesse <strong>de</strong> Bruno<br />
Coquatrix, empresário do Olympia;<br />
a “explosão <strong>de</strong> carreira”, que correspon<strong>de</strong><br />
à colaboração com o compositor<br />
Alain Oulman a partir <strong>de</strong> 1962;<br />
e o pós-25 <strong>de</strong> Abril. Mas em vez <strong>de</strong>
G.GARABEDIAN - PARIS, 1956,57 - COLECÇÃO MUSEU NACIONAL DO TEATRO<br />
uma visão <strong>de</strong> totalida<strong>de</strong>, <strong>esta</strong> evolução<br />
cambiante tem gerado leituras<br />
segmentadas, com o privilégio <strong>de</strong> certas<br />
fases em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> outras.<br />
“Da gran<strong>de</strong> fase Oulman sabemos tudo”,<br />
lembra Chougnet. “Mas a última<br />
fase é como algo nos gran<strong>de</strong>s pintores:<br />
o último Picasso, o último Renoir<br />
são pouco consi<strong>de</strong>rados. E, <strong>de</strong> facto,<br />
os amalianos tradicionais dizem que<br />
a última fase é mais fraca.”<br />
Vieira Nery diz que a Amália dos<br />
primeiros 20 anos <strong>de</strong> carreira é tão<br />
importante quanto a gran<strong>de</strong> renovação<br />
dos anos 60 trazida pela sua associação<br />
com Alain Oulman. “Se Amália<br />
tivesse morrido em 59, nós teríamos<br />
<strong>de</strong> qualquer maneira um<br />
contributo extraordinário para a história<br />
do fado. É preciso trazer essa<br />
primeira Amália ao <strong>de</strong> cima, para<br />
ANA BANHA<br />
combinar com a Amália da época <strong>de</strong><br />
gran<strong>de</strong> maturida<strong>de</strong> e para fazermos<br />
um exercício que é <strong>de</strong>licado e melindroso:<br />
ver a Amália final. É muito fácil<br />
dizer: ‘Ah, é a Amália sem voz, com<br />
a voz estragada’ e tudo o mais. A voz<br />
está num frangalho mas há tantos<br />
cantores, <strong>de</strong> jazz por exemplo, que<br />
ouvimos até ao fim com interesse. Há<br />
uma espécie <strong>de</strong> maturida<strong>de</strong> final com<br />
uma profundida<strong>de</strong> e uma inteligência<br />
redobradas. Se tivermos <strong>esta</strong>s três<br />
épocas traçadas, percebemos um fenómeno<br />
muito mais complexo, muito<br />
mais rico e muito mais facetado do<br />
que lembrarmo-nos apenas da ‘Gaivota’,<br />
do ‘Fado Português’ ou do ‘Povo<br />
Que Lavas no Rio”, que são momentos<br />
gran<strong>de</strong>s mas têm um contexto,<br />
têm uma história, não são coisas<br />
isoladas.”<br />
O som e o silêncio<br />
“Amália, Coração In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte” reparte-se<br />
entre o Museu Colecção Berardo e o muito próximo<br />
Museu da Electricida<strong>de</strong>, em <strong>Lisboa</strong>.<br />
“Amália, Coração In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte”<br />
(<strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> Outubro a 31 <strong>de</strong> Janeiro<br />
<strong>de</strong> 2010) reparte-se entre o<br />
Museu Colecção Berardo e<br />
o muito próximo Museu da<br />
Electricida<strong>de</strong>, em <strong>Lisboa</strong>. Não<br />
é obrigatório começar por<br />
nenhum <strong>de</strong>les. São núcleos<br />
temáticos diferentes, mas<br />
paralelos: no Museu Berardo<br />
explora-se o “Mito/Diva”,<br />
no Museu da Electricida<strong>de</strong><br />
o “Glamour”, aproveitando<br />
a cenografia industrial da<br />
antiga Central Tejo para exibir<br />
os vestidos e jóias (<strong>de</strong> cena e<br />
verda<strong>de</strong>iras) <strong>de</strong> Amália.<br />
Apesar <strong>de</strong> ser composta<br />
em gran<strong>de</strong> parte por material<br />
iconográfico – fotos, revistas,<br />
cartazes, capas <strong>de</strong> discos, trajes<br />
provenientes dos principais<br />
acervos amalianos, como a<br />
Fundação Amália Rodrigues,<br />
Museu Nacional do Teatro e<br />
Edições Valentim <strong>de</strong> Carvalho –<br />
não é uma exposição ilustrativa<br />
da vida e carreira da maior<br />
estrela do fado.<br />
Aproveita-se a cenografia<br />
industrial da antiga Central<br />
Tejo para exibir vestidos e jóias<br />
Apesar <strong>de</strong> ser<br />
composta por<br />
material e objectos<br />
iconográficos,<br />
não é uma exposição<br />
ilustrativa da vida<br />
e carreira da maior<br />
estrela do fado<br />
CARLOS RAMOS/ UM PONTO QUATRO<br />
No Museu Berardo, há<br />
uma cronologia inicial para<br />
contextualizar a figura, em que<br />
os principais momentos da<br />
carreira surgem sinalizados<br />
com a apresentação <strong>de</strong> trajes<br />
e acessórios usados em palco<br />
(mas a colecção principal<br />
<strong>de</strong> vestidos está no Museu<br />
da Electricida<strong>de</strong>). Uma das<br />
secções é <strong>de</strong>dicada à fotografia<br />
e à evolução da representação<br />
da fadista ao longo dos anos,<br />
mostrando a cumplicida<strong>de</strong> que<br />
Amália teve com fotógrafos<br />
nacionais e estrangeiros,<br />
geradora <strong>de</strong> imagens diversas<br />
e, nalguns casos, contrastantes.<br />
Noutra área explora-se a<br />
contemporaneida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Amália,<br />
expondo peças <strong>de</strong> artistas que<br />
a tiveram como referência. Pela<br />
primeira vez são apresentados<br />
em conjunto os três corações<br />
<strong>de</strong> filigrana feitos a partir <strong>de</strong><br />
talheres <strong>de</strong> plástico por Joana<br />
Vasconcelos, intitulados<br />
“Coração In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte”, e<br />
<strong>de</strong> cor diferente, a par <strong>de</strong> um<br />
ví<strong>de</strong>o do italiano Francesco<br />
Vezzoli, “Amália Traída”,<br />
súmula biográfica telenovelesca<br />
conduzida por duas divas,<br />
Lauren Bacall e Sónia Braga,<br />
e dos retratos produzidos por<br />
Leonel Moura e Adriana Mol<strong>de</strong>r.<br />
Bruno <strong>de</strong> Almeida, autor<br />
<strong>de</strong> “The Art of Amália”,<br />
documentário concebido<br />
nos anos finais <strong>de</strong> Amália,<br />
realizou uma instalação-ví<strong>de</strong>o<br />
para a exposição, trabalho <strong>de</strong><br />
montagem e processamento <strong>de</strong><br />
imagens <strong>de</strong> arquivo e sons que<br />
vai ser projectado em quatro<br />
ecrãs gigantes.<br />
No centro da mostra<br />
haverá uma “sala <strong>de</strong> escuta”,<br />
que propõe uma síntese do<br />
reportório musical amaliano:<br />
52 temas remasterizados<br />
pela Valentim <strong>de</strong> Carvalho a<br />
partir das gravações originais,<br />
que irão passar em contínuo.<br />
Jean-François Chougnet,<br />
director do Museu Berardo<br />
e coor<strong>de</strong>nador <strong>de</strong> “Amália,<br />
Coração In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte”, explica<br />
que quis evitar “uma cacofonia<br />
<strong>de</strong>ntro da exposição”, preferindo<br />
concentrar o som numa sala.<br />
Seria “uma traição a Amália”<br />
tratar o seu reportório como<br />
“música <strong>de</strong> elevador”, diz.<br />
A exposição no Museu Berardo<br />
fecha com uma instalação-ví<strong>de</strong>o<br />
concebida por encomenda por<br />
Ana Rito: no tríptico “Encore”,<br />
duas bailarinas interpretam o<br />
tema “Grito” (“Lágrima”, 1983),<br />
enquanto no ecrã central várias<br />
bocas pronunciam o nome <strong>de</strong><br />
Amália como um mantra. Em<br />
qualquer dos casos, o som é<br />
inaudível para o espectador.<br />
Silêncio, que se vai cantar o<br />
fado. K.G.<br />
“Encore”,<br />
<strong>de</strong> Ana Rito:<br />
uma das<br />
encomendas<br />
da exposição<br />
a artistas<br />
plásticos<br />
As fotos,<br />
revistas,<br />
cartazes,<br />
discos, trajes,<br />
acessórios,<br />
são<br />
provenientes<br />
dos acervos<br />
amalianos,<br />
como a<br />
Fundação<br />
Amália<br />
Rodrigues,<br />
Museu<br />
Nacional do<br />
Teatro e<br />
Edições<br />
Valentim <strong>de</strong><br />
Carvalho<br />
9
Para falar <strong>de</strong> Amália,<br />
sem lugares-comuns<br />
O teatro São Luiz e o Museu do Fado têm em Outubro<br />
uma série <strong>de</strong> iniciativas para homenagear a fadista<br />
Uma tertúlia, com amigos a<br />
conversar, como Amália gostava<br />
<strong>de</strong> ter em casa, é o que o Teatro<br />
São Luiz se propõe fazer a 6 <strong>de</strong><br />
Outubro (21h, entrada livre) no<br />
encontro Amigos <strong>de</strong> Amália.<br />
“Conversar sobre Amália po<strong>de</strong><br />
ser um contínuo <strong>de</strong> lugares<br />
comuns. Po<strong>de</strong> também ser<br />
uma tentativa <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r<br />
melhor uma artista complexa,<br />
sem protagonismos nem<br />
afirmações <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong><br />
dos intervenientes. E é por<br />
esse caminho que queremos<br />
seguir”, explica, no programa,<br />
Nuno Vieira <strong>de</strong> Almeida, que<br />
vai mo<strong>de</strong>rar a conversa entre<br />
Duarte Pinto Coelho, João<br />
Braga, José Manuel dos Santos,<br />
Lili, Mané Bobone, Maria João<br />
Avillez e Vítor Pavão dos Santos.<br />
No dia seguinte, 7 (18h30,<br />
entrada livre), <strong>de</strong>bate-se o<br />
futuro do património <strong>de</strong> Amália.<br />
Um património que, escreve<br />
o mo<strong>de</strong>rador Rui Vieira Nery,<br />
passa pelo “legado físico do seu<br />
espaço íntimo”, pelo “registo<br />
da sua voz” e por todo “o corpus<br />
da documentação que se lhe<br />
refere”. Mas vai para além disso.<br />
Esse legado “é sobretudo o<br />
exemplo da sua postura artística<br />
que permanece vivo e continua<br />
a motivar intérpretes, poetas<br />
e compositores <strong>de</strong> todos os<br />
géneros, bem como artistas em<br />
todos os ramos”.<br />
Para falar sobre esse<br />
património foram convidados<br />
Jean-François Chougnet,<br />
10<br />
No Museu do Fado <strong>esta</strong>rão<br />
expostas fotos inéditas <strong>de</strong> Rui<br />
Valentim <strong>de</strong> Carvalho com<br />
Amália – homenagem à relação<br />
editor/artista que mantiveram<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1952<br />
Conversar<br />
sobre Amália po<strong>de</strong><br />
ser uma tentativa <strong>de</strong><br />
compreen<strong>de</strong>r melhor<br />
uma artista complexa<br />
director do Museu Berardo,<br />
Sara Pereira, directora do<br />
Museu do Fado, Américo<br />
Lourenço, presi<strong>de</strong>nte da<br />
Fundação Amália, Vítor Pavão<br />
dos Santos, historiador <strong>de</strong><br />
Teatro, José Carlos Alvarez,<br />
director do Museu do Teatro,<br />
Manuel Bairrão Oleiro, director<br />
do Instituto dos Museus e da<br />
Conservação, e David Ferreira,<br />
editor discográfico.<br />
Para os dias 9 e 10 (23h30,<br />
no Jardim <strong>de</strong> Inverno), em<br />
Fadistas Cantam Amália, o São<br />
Luiz convidou os “intérpretes<br />
com quem [a fadista] partilhou<br />
gran<strong>de</strong>s momentos da sua<br />
vida e alguns dos músicos<br />
com quem percorreu os quatro<br />
cantos do mundo”, para além<br />
<strong>de</strong> representantes da actual<br />
geração do fado – ocasião<br />
para ouvir Joana Amendoeira,<br />
Celeste Rodrigues e João<br />
Ferreira Rosa, acompanhados<br />
na guitarra portuguesa por<br />
Pedro Amendoeira e José Fontes<br />
Rocha, na viola <strong>de</strong> fado por<br />
Diogo Clemente e Pedro Pinhal,<br />
na viola baixo por Joel Pina e no<br />
contrabaixo (e também baixo)<br />
por Paulo Vaz, num espectáculo<br />
concebido por Hél<strong>de</strong>r Moutinho.<br />
No Museu do Fado, entre 6 e<br />
10 <strong>de</strong> Outubro, <strong>esta</strong>rão expostas<br />
fotografias inéditas <strong>de</strong> Rui<br />
Valentim <strong>de</strong> Carvalho com<br />
Amália – homenagem à relação<br />
editor/artista que mantiveram<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1952. Na mesma semana,<br />
o museu passa diariamente<br />
uma selecção <strong>de</strong> programas<br />
<strong>de</strong> concertos <strong>de</strong> Amália (entre<br />
1962 e 1973) escolhidos pelo<br />
realizador Bruno <strong>de</strong> Almeida,<br />
num ciclo intitulado Memórias<br />
<strong>de</strong> Amália na Televisão. No dia<br />
10, a terminar a semana, será<br />
exibido “The Art of Amália” <strong>de</strong><br />
Bruno <strong>de</strong> Almeida.<br />
Entre as iniciativas previstas<br />
pelo museu está ainda o<br />
espectáculo “Amália em Nova<br />
Iorque”, com encenação <strong>de</strong><br />
Miguel Abreu e interpretação <strong>de</strong><br />
Maria José Pascoal. E as Visitas<br />
Cantadas ao circuito expositivo,<br />
com vários artistas a interpretar<br />
temas do reportório <strong>de</strong> Amália.<br />
Foi entretanto já lançada<br />
a colecção “Amália Nossa: A<br />
Primeira Época <strong>de</strong> Ouro”, em<br />
12 livros com CD, um projecto<br />
editado por João Pinto <strong>de</strong><br />
Sousa e coor<strong>de</strong>nado por Rui<br />
Vieira Nery, que conta com<br />
comentários poéticos <strong>de</strong> Vasco<br />
Graça Moura e a direcção <strong>de</strong><br />
arte e <strong>de</strong>sign <strong>de</strong> Maria João<br />
Ribeiro (uma edição Tugaland<br />
em parceria com o Museu do<br />
Fado, Fundação Amália, jornal<br />
PÚBLICO e Museu Colecção<br />
Berardo).<br />
Para <strong>esta</strong> edição – distribuída<br />
em exclusivo com o PÚBLICO<br />
e disponível nas lojas Fnac<br />
– a Tugaland convidou 12<br />
ilustradores a fazerem uma<br />
ilustração/imagem <strong>de</strong> Amália.<br />
Haverá também uma edição<br />
limitada <strong>de</strong> 12 LPs em vinil da<br />
mesma colecção que é editada<br />
em CD (a colecção em vinil é<br />
exclusiva para a Fnac).<br />
Mas há outros projectos<br />
editoriais em torno <strong>de</strong> Amália:<br />
o livro “Nessa Solidão Que<br />
É Minha: Amália e os Poetas<br />
Que Cantou”, uma compilação<br />
<strong>de</strong> todos os poemas gravados<br />
por Amália ao longo da sua<br />
carreira; e BD Amália+ 1 CD,<br />
uma edição em três volumes <strong>de</strong><br />
uma banda <strong>de</strong>senhada <strong>de</strong> Nuno<br />
Saraiva, que “aborda numa<br />
linguagem algo ficcionada mas<br />
simultaneamente humorística a<br />
vida e obra <strong>de</strong> Amália”. A.P.C.<br />
Uma das dificulda<strong>de</strong>s<br />
na abordagem <strong>de</strong><br />
Amália é a profusão<br />
<strong>de</strong> lugares-comuns,<br />
a par <strong>de</strong> uma “aura<br />
<strong>de</strong> respeitabilida<strong>de</strong>”<br />
que contribui para a<br />
preservação <strong>de</strong> uma<br />
imagem canónica<br />
Mudar a (sua) imagem<br />
Emília Tavares, historiadora e curadora<br />
<strong>de</strong> fotografia, analisou a construção<br />
da imagem <strong>de</strong> Amália ao longo<br />
da sua carreira. O encontro com<br />
a fotografia não foi um produto da<br />
sua fotogenia, espontaneamente captada<br />
pela objectiva, mas o resultado<br />
uma gestão cuidada da imagem. “A<br />
Amália é muito mo<strong>de</strong>rna nisso. É como<br />
se um <strong>de</strong>signer hoje pegasse no<br />
fado e na imagem <strong>de</strong>la e fizesse uma<br />
coisa nova. Sem distorcer nem renegar<br />
os aspectos visuais ligados ao fado,<br />
ela consegue mo<strong>de</strong>rnizá-los e<br />
dar-lhes uma nova interpretação e<br />
um novo uso. Consegue criar uma<br />
personagem, que tem poucos a<strong>de</strong>reços.<br />
Reinventa a maneira <strong>de</strong> usar o<br />
xaile, reinventa a maneira <strong>de</strong> usar o<br />
preto, veste-se com vestidos muito<br />
mais vaporosos e <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> usar a chita<br />
da Severa. Aquela voluptuosida<strong>de</strong><br />
bairrista que a Severa tinha, a Amália<br />
sofistica-a. Dá-lhe uma envolvência<br />
muito misteriosa: o negro, a expressivida<strong>de</strong>,<br />
o fechar os olhos quando<br />
canta...”<br />
Ao mesmo tempo, Amália não se<br />
manteve fiel a um estilo fotográfico.<br />
Retratada por portugueses como Silva<br />
Nogueira e Augusto Cabrita, e por<br />
fotógrafos estrangeiros que são a referência<br />
para o “star-system” da época<br />
(o Studio Harcourt, em Paris, e<br />
Bruno Hollywood), o portfolio <strong>de</strong><br />
Amália revela mudanças e rupturas<br />
e a exposição explora os contrastes<br />
entre a Amália dos primeiros anos,<br />
representada segundo estereótipos<br />
fadistas (mãos na anca, olhar enlevado<br />
e dirigido ao céu), e uma progressiva<br />
sofisticação que acompanha a sua<br />
internacionalização (retrato <strong>de</strong> estúdio<br />
à maneira <strong>de</strong> Hollywood, imagens
que dão a ver o mundanismo <strong>de</strong> uma<br />
estrela, mudanças físicas radicais que<br />
abalam a representação tradicional<br />
da fadista).<br />
Tal como mudou o reportório do<br />
fado para que um público internacional<br />
o acolhesse, “Amália percebeu,<br />
pela gran<strong>de</strong> intuição que tinha, que<br />
era preciso mudar a sua imagem”, diz<br />
Emília Tavares. Uma imagem que faz<br />
valer a sua feminilida<strong>de</strong> – “há uma<br />
certa erotização, que foi sempre uma<br />
coisa pudica <strong>de</strong> se falar, como se a<br />
Amália não tivesse sexualida<strong>de</strong>” – e<br />
que se afasta dos mo<strong>de</strong>los da cultura<br />
oficial do salazarismo.<br />
“Era uma <strong>mulher</strong> in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />
que fumava em público, e emancipada”,<br />
lembra José Manuel dos Santos,<br />
programador da Fundação EDP, amigo<br />
<strong>de</strong> Amália. “Parecia, quase antes<br />
do tempo, uma daquelas romancistas<br />
francesas... Quer dizer, vemos fotografias<br />
<strong>de</strong>la dos anos 60 e parece uma<br />
<strong>mulher</strong> tão livre e emancipada como<br />
a Françoise Sagan. Não tinha o estereótipo<br />
da <strong>mulher</strong> portuguesa <strong>de</strong>sse<br />
tempo.”<br />
Emília Tavares lamenta a inexistência<br />
<strong>de</strong> uma reflexão crítica no campo<br />
dos estudos <strong>de</strong> género: “Era interessante<br />
perceber que efeitos é que <strong>esta</strong><br />
imagem da Amália teve ou não nalguns<br />
sectores da socieda<strong>de</strong> portuguesa”,<br />
diz.<br />
Rui Vieira Nery diz o que podia ser<br />
o programa <strong>de</strong> “Coração In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte”:<br />
“Não há her<strong>de</strong>iros legítimos da<br />
Amália. Todos nós somos her<strong>de</strong>iros<br />
e nela cabem os nossos olhares todos.<br />
Porque é uma obra aberta.”<br />
Temos hoje condições para avaliála<br />
<strong>de</strong> forma diferente?<br />
Jean-François Chougnet é cauteloso.<br />
“Se calhar é um pouco cedo. É<br />
como na história geral: normalmente<br />
temos capacida<strong>de</strong> para começar uma<br />
outra avaliação – não sei se é melhor<br />
ou pior – quando a última pessoa a<br />
conhecer o facto histórico morre. As<br />
primeiras histórias críticas da I Guerra<br />
Mundial foram feitas há 20 anos.<br />
Da II Guerra começam a ser feitas agora,<br />
por uma geração que não fez parte<br />
dos acontecimentos. No caso <strong>de</strong><br />
Amália, a avaliação da geração seguinte<br />
vai ser muito diferente. O décimo<br />
aniversário da morte, provavelmente,<br />
é o primeiro passo. É mais fácil falar<br />
da questão politica, por exemplo, do<br />
que há <strong>de</strong>z anos.”<br />
Chougnet já trabalhou sobre pesospesados<br />
da música popular como<br />
Serge Gainsbourg e Jacques Brel, mas<br />
não encontra paralelo francês para a<br />
relação “única” que os portugueses<br />
têm com Amália. “É uma relação <strong>de</strong><br />
i<strong>de</strong>ntificação enorme, e toda essa<br />
i<strong>de</strong>ntificação é acompanhada <strong>de</strong> coisas<br />
verda<strong>de</strong>iras e coisas falsas, toda a<br />
gente tem uma projecção sobre a imagem<br />
<strong>de</strong> Amália que é diferente da realida<strong>de</strong>.<br />
Ela continua a ocupar um<br />
lugar central na vida cultural do país,<br />
e é provavelmente a personalida<strong>de</strong><br />
que mais representa o Portugal contemporâneo.<br />
Não há muitos casos<br />
assim. Talvez só a Oum Kalsoum, no<br />
Egipto. Se entrar num autocarro do<br />
Cairo, vai ouvir a Oum Kalsoum. Se<br />
entrar num autocarro em <strong>Lisboa</strong>, vai<br />
ouvir a Amália.” Num MP3 perto <strong>de</strong><br />
si.<br />
Ver crítica <strong>de</strong> discos págs. 31 e segs.<br />
Rara e inédita<br />
Vem aí uma edição remasterizada e crítica <strong>de</strong><br />
“Com Que Voz”, com “takes” adicionais: Março <strong>de</strong> 2010,<br />
no 40º aniversário do álbum<br />
Amália e a Valentim <strong>de</strong> Carvalho<br />
tiveram uma relação <strong>de</strong><br />
fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> que durou 47 anos<br />
e que apenas foi interrompida<br />
por um breve período <strong>de</strong><br />
dois anos, entre 1958 e 1960,<br />
quando grava com a editora<br />
francesa Ducretet-Thomson.<br />
Nos seus últimos anos <strong>de</strong> vida,<br />
a Valentim <strong>de</strong> Carvalho (VC)<br />
editou alguns discos <strong>de</strong> inéditos,<br />
nomeadamente “Segredo”, em<br />
1997, que, entre outros, continha<br />
temas compostos por Alain<br />
Oulman nunca publicados, e<br />
“Rara e Inédita” em 1989, que<br />
fez parte <strong>de</strong> uma caixa <strong>de</strong> oito<br />
CDs que assinalou os 50 anos<br />
<strong>de</strong> carreira. Em 2002, o 40º<br />
aniversário <strong>de</strong> “Busto”, um dos<br />
álbuns mais emblemáticos <strong>de</strong><br />
Amália, foi pretexto para uma<br />
edição revista e aumentada,<br />
contendo versões alternativas<br />
<strong>de</strong> temas originais e registos<br />
<strong>de</strong> ensaios. Estes lançamentos<br />
vieram levantar a ponta do véu<br />
sobre a existência <strong>de</strong> material<br />
inédito nos arquivos da VC,<br />
cuja dimensão e características<br />
talvez nunca tenham sido<br />
publicamente esclarecidas.<br />
Rui Vieira Nery, coor<strong>de</strong>nador<br />
da colecção <strong>de</strong> 12 CDs “Amália<br />
Nossa” que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a última<br />
semana começou a ser vendida<br />
pelo PÚBLICO, lamenta que<br />
a edição integral e crítica da<br />
discografia <strong>de</strong> Amália ainda não<br />
tenha sido feita. “Devíamos já<br />
Contagem<br />
aproximada do<br />
material inédito por<br />
década: cerca <strong>de</strong> 30<br />
trechos nos anos 50,<br />
sobretudo “takes”<br />
alternativos <strong>de</strong> temas<br />
editados ou registos<br />
<strong>de</strong> ensaios e “quatro<br />
ou cinco inéditos<br />
absolutos”; dos anos<br />
60 existem oito<br />
inéditos, e dos anos<br />
70, outros oito, mas<br />
“quase todos<br />
absolutos”; dos anos<br />
80 estão i<strong>de</strong>ntificados<br />
quase 40 inéditos<br />
ter todas as sessões <strong>de</strong> gravação,<br />
<strong>de</strong>víamos saber exactamente<br />
o que é que se fez, que ‘takes’ é<br />
que foram rejeitados. Tenho a<br />
impressão que não há uma nota<br />
gravada em estúdio pela Billie<br />
Holiday que não esteja editada<br />
com comentários. Este trabalho<br />
básico não está feito no caso da<br />
Amália.”<br />
Em 1999, David Ferreira, então<br />
director da EMI-VC, encarregou<br />
Jorge Mourinha (actual crítico<br />
do PÚBLICO) <strong>de</strong> inventariar e<br />
datar toda a discografia e todo<br />
o material gravado por Amália,<br />
procurando fixar um reportório<br />
o mais exaustivo possível.<br />
Uma base <strong>de</strong> dados que viria<br />
a servir <strong>de</strong> referência a um<br />
plano <strong>de</strong> edições e reedições<br />
críticas da discografia <strong>de</strong><br />
Amália, entretanto iniciado com<br />
alguns lançamentos: “Amália/<br />
Vinícius”, “Bobino”, “For Your<br />
Delight” e “Abbey Road 1952”.<br />
David Ferreira, que <strong>de</strong>ixou<br />
a EMI e a VC em 2007, mas<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Primavera é consultor<br />
para o catálogo Amália,<br />
tenciona lançar uma edição<br />
remasterizada e crítica <strong>de</strong><br />
“Com Que Voz”, com “takes”<br />
adicionais, à semelhança <strong>de</strong><br />
“Busto”, prev prevista para<br />
Março <strong>de</strong> 2010, no<br />
40º aniversário<br />
an<br />
do ál álbum. Até<br />
fina final do ano,<br />
ta também<br />
pplaneia<br />
editar<br />
discos<br />
com a<br />
Amália a<br />
cantar em<br />
eespanhol,<br />
it italiano e<br />
fra francês.<br />
Co Contagem<br />
aproximada aproxi do<br />
material inédito i<br />
por década: cerca <strong>de</strong> 30<br />
trechos nos anos 50, que são<br />
sobretudo “takes” alternativos<br />
<strong>de</strong> temas editados ou registos<br />
<strong>de</strong> ensaios e “quatro ou cinco<br />
inéditos absolutos”; dos anos<br />
60 existem oito inéditos, “entre<br />
os quais um possível inédito<br />
absoluto”, e dos anos 70,<br />
outros oito, mas “quase todos<br />
absolutos”; dos anos 80 estão<br />
i<strong>de</strong>ntificados quase 40 inéditos,<br />
gravados na sua maioria no<br />
início da década, e entre os quais<br />
se incluem as gravações feitas<br />
para o que <strong>de</strong>veria ter sido um<br />
LP <strong>de</strong> músicas populares, com<br />
orquestra, que não chegou a<br />
ser publicado. David Ferreira<br />
diz que a sua preocupação<br />
sempre foi “pr<strong>esta</strong>r um bom<br />
serviço”, fazendo “edições<br />
cuidadas e seguras” com “som<br />
<strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>”. “Não assino<br />
coisas que não sejam bem feitas.<br />
As gran<strong>de</strong>s obras são gran<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong>safios e não po<strong>de</strong>m ser<br />
tratadas com os pés. Compare<br />
com a arca do Pessoa 10 anos<br />
<strong>de</strong>pois da sua morte. A arca do<br />
Pessoa <strong>de</strong>morou muito tempo a<br />
ser catalogada.” K. G.<br />
11
Já tinham a capa do disco. Um miúdo<br />
em primeiro plano, ao lado <strong>de</strong> um coluna<br />
<strong>de</strong> som, com tanga vestida e dança<br />
preparada num terreiro do Sambila,<br />
o calão <strong>de</strong> Luanda para o bairro<br />
Sambizanga. Já tinham as fotos para<br />
o interior. O dia <strong>de</strong>scendo sobre a baía<br />
e os prédios na paisagem. Já tinham<br />
isto e sabiam como queriam trabalhálo.<br />
Eles que já tinham isto são Pedro<br />
Coquenão (DJ Mpula), Bruno Lobato<br />
(Beat La<strong>de</strong>n) e Luaty Beirão (Ikonoklasta),<br />
nomes chave <strong>de</strong> um projecto,<br />
Batida, que não se esgota neles. E<br />
sabiam como queriam trabalhar aquelas<br />
imagens, como inscrever nelas<br />
aquilo que viria a ser este Batida que<br />
agora chega até nós.<br />
A Luanda que vemos daqui<br />
É uma colisão entre a música angolana <strong>de</strong> ontem e os ritmos <strong>de</strong> hoje.<br />
Nasceu da “uma nova sauda<strong>de</strong>” <strong>de</strong> uma nova geração e nela espelha-se uma Luanda<br />
que se re<strong>de</strong>scobre enquanto se abre ao mundo. Batida é isto. Mário Lopes<br />
12<br />
DJ Mpula elenca: “arte zulu e arte<br />
pop, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser tradicional<br />
e urbano”.<br />
Roda, <strong>de</strong>signer, concretizou: o miúdo<br />
em primeiro plano ganhou capa<br />
e coroa <strong>de</strong> super-herói, a coluna <strong>de</strong><br />
som dinamismo <strong>de</strong> BD e a paisagem<br />
<strong>de</strong> Luanda palancas voadoras, muito<br />
naifs, sóis que brilham perguntas<br />
(“Sauda<strong>de</strong>?”), divisões territoriais <strong>de</strong>finidas<br />
(gueto, colinas, kandongueiro).<br />
Aquilo po<strong>de</strong> não nos dizer o que é<br />
exactamente <strong>esta</strong> Batida, projecto <strong>de</strong>senvolvido<br />
entre <strong>Lisboa</strong> e Luanda,<br />
entre o passado da música angolana<br />
preservado nos arquivos da Valentim<br />
<strong>de</strong> Carvalho e o presente <strong>de</strong> um Por-<br />
tugal que agora dança o kuduro que<br />
Angola inventou. Mas diz-nos muito<br />
sobre aquilo que Mpula, Beat La<strong>de</strong>n<br />
e Ikonoklasta i<strong>de</strong>alizaram.<br />
Batida é isto: felicíssima colisão entre<br />
a música angolana <strong>de</strong> ontem e os<br />
ritmos <strong>de</strong> hoje. Como um encontro <strong>de</strong><br />
almas gémeas separadas por contingência<br />
cronológica. Os Águias Reais<br />
da década <strong>de</strong> 60 e 70 a “rebentar” no<br />
kuduro <strong>de</strong> “Bazuka”, os berimbaus do<br />
Grupo <strong>de</strong> Folclore <strong>de</strong> Angola a ressoar<br />
como ritmo ancestral entre os graves<br />
e os sintetizadores convulsivos criados<br />
por Mpula e Beat La<strong>de</strong>n.<br />
Ao Ípsilon, Pedro Coquenão e Luaty<br />
Beirão acentuam: “Tendo os pés<br />
em Angola, este disco tem a cabeça<br />
“Tendo os pés em<br />
Angola, este disco<br />
tem a cabeça noutros<br />
sítios. E tirámos<br />
partido disso. Um<br />
português cá não o<br />
conseguiria fazer, um<br />
angolano lá também<br />
não” Pedro Coquenão<br />
e Luaty Beirão<br />
noutros sítios. E tirámos partido <strong>de</strong>ssa<br />
situação. Um português cá não o<br />
conseguiria fazer, um angolano lá também<br />
não. Assim, po<strong>de</strong>mos arremessálo<br />
lá para <strong>de</strong>ntro, po<strong>de</strong>mos celebrá-lo<br />
aqui, envergonhar quem <strong>de</strong> direito e<br />
<strong>de</strong>senvergonhar quem acha que tem<br />
vergonha seja do que for”.<br />
N<strong>esta</strong> música, reflecte-se aquilo que<br />
<strong>de</strong>finem como “nova sauda<strong>de</strong>”. Ouçamos<br />
Pedro Coquenão, filho <strong>de</strong> portugueses<br />
nascido em Angola, no Huambo:<br />
“Já não é a sauda<strong>de</strong> da vida<br />
Martini Bianco dos anos 60 e 70, mas<br />
uma sauda<strong>de</strong> da própria terra, só possível<br />
para aqueles que estão afastados”.<br />
Escutemos Luaty Beirão, angolano<br />
que viveu anos fora: “Os primei-
Música<br />
Da esquerda<br />
para a direita:<br />
Beat La<strong>de</strong>n,<br />
Ikonoklasta,<br />
Sacerdote e DJ<br />
Mpula<br />
CATARINA LIMÃO<br />
ros 17 anos da minha vida foram<br />
passados num perímetro <strong>de</strong> catorze<br />
metros quadrados. Tudo à volta era<br />
guerra. Daí nasce aquele complexo <strong>de</strong><br />
ignorar o que está à volta, <strong>de</strong> olhar<br />
para fora e querer imitar. Só quando<br />
se sai, quando se ganha noção <strong>de</strong> uma<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é que surge a necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> resgatar o que antes ignorávamos”.<br />
Mas Batida não é apenas sauda<strong>de</strong>.<br />
Utiliza-se a música como espelho<br />
<strong>de</strong> um tempo e são convocados Sacerdote,<br />
Maskarado e Dama Ivone, directamente<br />
da Sambila, ou Bob da Rage<br />
Sense, rapper angolano radicado em<br />
Portugal, para dar voz às novas canções.<br />
Alarga-se o ritmo para além do<br />
kuduro – recolhem-se baixos gordos<br />
no kwaito sul-africano e não se per<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> vista o Congo que, dir-nos-á Coquenão,<br />
“tem com Angola uma comunicação<br />
que flui como sangue” - e transforma-se<br />
um disco chamado “Dance<br />
Mwangolé” numa explosão musical<br />
com vidas <strong>de</strong>ntro: entre temas, ouvem-se<br />
<strong>de</strong>poimentos recolhidos nas<br />
ruas, vozes <strong>de</strong> veteranos com estilhaços<br />
<strong>de</strong> guerra, excertos do DJs incentivando<br />
à compra <strong>de</strong> “Batidas”, as<br />
compilações <strong>de</strong> kuduro distribuídas<br />
e vendidas em cd pirata pelas ruas.<br />
Depois dos Buraka Som Sistema terem<br />
legitimado o <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rado kuduro,<br />
estes Batida trabalham-no como algo<br />
mais selvagem, como emanação das<br />
ruas e da sua história.<br />
Dançando<br />
pela mudança<br />
Chamam “batidas” às<br />
compilações pirata <strong>de</strong> kuduro<br />
que saem dos subúrbios<br />
<strong>de</strong> Luanda para a cida<strong>de</strong>.<br />
Foi a ven<strong>de</strong>r “batidas” num<br />
concerto <strong>de</strong> MC Kapa no Elinga<br />
Teatro, se<strong>de</strong> do grupo teatral<br />
homónimo, com história longa<br />
<strong>de</strong> duas décadas, que Luaty<br />
Beirão e Pedro Coquenão<br />
conheceram Sacerdote,<br />
voz <strong>de</strong> d<strong>esta</strong>que em “Dance<br />
Mangwolé”.<br />
Coquenão compara o Elinga<br />
à lisboeta Galeria Zé dos Bois,<br />
<strong>de</strong>screvendo o ambiente que<br />
nele se vive como “terapia<br />
colectiva”. Nos concertos,<br />
como aquele <strong>de</strong> MC Kapa, “está<br />
público que sabe as letras e<br />
que grita palavras <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m<br />
políticas, sem conotação<br />
partidária, reclamando uma<br />
Angola melhor”. Na sua<br />
maioria, aponta Luaty, aquele<br />
é formado por pessoas que,<br />
tal como ele, “cresceram<br />
favorecidas, com acesso a<br />
coisas vedadas a 92 por cento<br />
da população angolana”: a<br />
informação ou a possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> estudar fora do país.<br />
Sacerdote tal como MC Kapa<br />
não cresceram com as mesmas<br />
condições: “encontram ali o<br />
único momento da semana, do<br />
mês ou do trimestre em que<br />
convivem com almas gémeas<br />
no seu percurso <strong>de</strong> revolta, na<br />
exigência <strong>de</strong> fazer <strong>de</strong> Angola<br />
um país melhor”.<br />
Por cada Conjunto<br />
Ngonguenha ou Nástio<br />
Mosquito (músico, escritor,<br />
poeta, artista multimédia)<br />
existe um MC Kapa ou um<br />
Sacerdote. Dois contextos que<br />
se unem nos mesmos anseios.<br />
Sobre isso escreveu Marta<br />
Lança no Ípsilon <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> Julho<br />
Chamam “batidas”<br />
às compilações<br />
pirata <strong>de</strong> kuduro<br />
que saem dos<br />
subúrbios <strong>de</strong> Luanda<br />
para a cida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> 2007, quando mergulhou<br />
na cena hip hop local para<br />
concluir “Luanda está a<br />
mexer”.<br />
Batida, fazendo a ponte<br />
entre criadores angolanos<br />
e portugueses que sentem<br />
Angola próxima, é<br />
inspiradíssima prova disso.<br />
Num país on<strong>de</strong> a guerra já é<br />
passado mas continua a ter<br />
marca no presente, olha-se<br />
em frente e há quem exija<br />
mudança. A Batida fá-lo<br />
celebrando, dançando o que<br />
existe. No ritmo contagiante,<br />
celebratório. No homem que<br />
ouvimos, humor incisivo,<br />
exclamar algures: “Cheguei<br />
à conclusão que em Angola<br />
o dinheiro corrompe a lei.<br />
A conclusão é vossa, o<br />
importante é que já falei”. M.L.<br />
FAZUMA<br />
Chamam<br />
“batidas” às<br />
compilações<br />
pirata <strong>de</strong><br />
kuduro que<br />
saem dos<br />
subúrbios<br />
<strong>de</strong> Luanda<br />
para a cida<strong>de</strong><br />
FAZUMA<br />
13
A dança da bazuka<br />
Estamos em <strong>Lisboa</strong>, numa esplanada<br />
do Martim Moniz. Partilhamos uma<br />
mesa com Pedro Coquenão e Luaty<br />
Beirão. São, respectivamente, o primeiro<br />
impulsionador <strong>de</strong> Batida (juntamente<br />
com Beat La<strong>de</strong>n) e o “conspirador”<br />
que se juntaria ao projecto<br />
pouco <strong>de</strong>pois. Coquenão, juntamente<br />
com António Fazuma, é um dos<br />
fundadores da Rádio Fazuma. Inicialmente<br />
um projecto radiofónico <strong>de</strong>dicado<br />
ao reggae e às músicas <strong>de</strong> influência<br />
africana, tornou-se uma plataforma<br />
que não se limita a divulgar:<br />
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14<br />
apoia edições e cria a sua intervenção.<br />
É <strong>de</strong>les o documentário “É Dreda Ser<br />
Angolano” (2007), que viajava pelo<br />
quotidiano <strong>de</strong> Luanda ao som <strong>de</strong> um<br />
programa <strong>de</strong> rádio imaginário que<br />
nos revelou nomes como MC Kapa,<br />
representante da nova face do hip<br />
hop angolano. Interventivo, com<br />
olhar lúcido e clínico, MC Kapa é autor<br />
<strong>de</strong> “Atrás do prejuízo”, obra-prima<br />
da música angolana recente e da música<br />
cantada em português.<br />
Já Luaty Beirão é membro do Conjunto<br />
Ngonguenha, cujo álbum,<br />
“Ngonguenhação” (2004), represen-<br />
<br />
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tou um <strong>de</strong>cisivo momento <strong>de</strong> viragem.<br />
A sua premissa era criar um rap angolano,<br />
resgatando para as rimas as peculiarida<strong>de</strong>s<br />
do português angolano<br />
e para a música uma história feita <strong>de</strong><br />
Bonga, Wal<strong>de</strong>mar Bastos ou Carlos<br />
Lamartine. Naturalmente, não há<br />
coincidências: foi ao ouvir “Ngonguenhação”<br />
que os membros da Rádio<br />
Fazuma <strong>de</strong>cidiram encarregar Luaty<br />
<strong>de</strong> filmar a Luanda da actualida<strong>de</strong>, daí<br />
resultando “É Dreda Ser Angolano” - e<br />
Condutor, o produtor do Ngonguenha,<br />
seria <strong>de</strong>pois um dos fundadores<br />
dos Buraka Som Sistema.<br />
No final <strong>de</strong> 2007, Pedro Coquenão,<br />
responsável pelo programa “Batida”,<br />
no ar na Antena 3, pegou na “Bazuka”,<br />
dos Águias Reais, e trabalhoua<br />
em ritmo kuduro. Começou a passar<br />
a “brinca<strong>de</strong>ira” no programa e mostrou-a<br />
a Beat La<strong>de</strong>n, cujo entusiasmo<br />
o convenceu a investir em novos cruzamentos.<br />
Para legitimar a criação,<br />
procuraram os <strong>de</strong>tentores dos direitos<br />
autorais da canção. Na editora, a Difference,<br />
ouviram aquela nova “Bazuka”<br />
e ofereceram-lhes uma proposta<br />
irrecusável. Acesso aos arquivos<br />
“angolanos” da Valentim <strong>de</strong> Carvalho,<br />
para extraírem novas “bazukas”. Assim<br />
fizeram: samples <strong>de</strong> Lancerdo ou<br />
dos Cabinda Ritmos originaram temas<br />
como “Puxa” ou o “Tribalismo” rappado<br />
por Sacerdote, canções como<br />
“N’Congo jami”, <strong>de</strong> Carlos Lamartine,<br />
ou “Nufeko disole”, <strong>de</strong> Brás Firmino,<br />
foram alvo <strong>de</strong> remistura.<br />
Em diálogo transfronteiriço, criaram<br />
algo novo. Enviaram as produções<br />
para Maskarado e Sacerdote,<br />
em Luanda, e eles, pouco<br />
familiarizados com a “inclusão<br />
<strong>de</strong> elementos tradicionais<br />
no kuduro”, estranharam<br />
primeiro, entusiasmaram-se<br />
em seguida.<br />
Descobriram uma familiarida<strong>de</strong> entre<br />
duas músicas <strong>de</strong> dança separadas por<br />
décadas: “ambas vivem da repetição<br />
da percussão, algo essencial na música<br />
africana”, explica Coquenão.<br />
Acrescenta outro dado: “o ‘Bazuka’<br />
original, dos Águias Reais, tem 136<br />
bpm [batidas por minuto], o kuduro<br />
original 135”. Ou seja, quando o kuduro<br />
surgiu, na década <strong>de</strong> 90, <strong>esta</strong>va<br />
“lento” em relação ao semba da <strong>de</strong><br />
1960.<br />
Depois dos Buraka<br />
Som Sistema terem<br />
legitimado perante<br />
Portugal e no mundo<br />
o outrora<br />
<strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rado<br />
kuduro, estes Batida<br />
trabalham-no como<br />
algo mais selvagem,<br />
como emanação das<br />
ruas e da sua história<br />
MC Kapa, a nova face do hip hop angolano,<br />
autor <strong>de</strong> “Atrás do prejuízo”, obra-prima<br />
da música angolana recente e da música<br />
cantada em português<br />
“Dance Mwangolé”, termo da autoria<br />
<strong>de</strong> Sebem, precursor do kuduro,<br />
<strong>de</strong>screve qualquer tipo <strong>de</strong> música<br />
electrónica feita por angolanos. “Dance<br />
Mwangolé”, o disco d<strong>esta</strong> Batida<br />
que agora ouvimos, é mais que isso.<br />
A partir <strong>de</strong> Portugal, reenquadra a<br />
História e a diversida<strong>de</strong> da música<br />
angolana. Como dizem os seus autores,<br />
só seria possível criá-lo aqui, mas<br />
o seu centro é Luanda, capital on<strong>de</strong><br />
convive gente <strong>de</strong> todas as províncias<br />
e on<strong>de</strong> a música reflecte essa diversida<strong>de</strong>.<br />
No seu formato, on<strong>de</strong> as canções<br />
se misturam com voz da rua,<br />
reflecte-se a dinâmica <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong><br />
que se re<strong>de</strong>scobre a si mesma e se<br />
abre ao mundo.<br />
Luaty: “Este disco nunca vai dar o<br />
complexo espectro do que é o país,<br />
mas oferece bastante para essa compreensão”.<br />
Estão lá as memórias do<br />
“fungi <strong>de</strong> Sábado” e dos “domingos<br />
a jogar à bola” <strong>de</strong> Bob da Rage Sense<br />
e o “kota e a sua orquestra alcoólica”<br />
apresentados por Luaty (aka Ikonoklasta).<br />
Estão lá as guitarras bailarinas<br />
do semba e o ritmo convulsivo<br />
do kuduro. Está lá a euforia que “Bazuka”<br />
provoca e o que ouvimos logo<br />
a seguir, na voz arrastada <strong>de</strong> alguém<br />
não i<strong>de</strong>ntificado: “Tenho dois estilhaços<br />
<strong>de</strong> guerra, um na cabeça e<br />
outro ali. De guerra mesmo. Só era<br />
isso”.<br />
Luaty Beirão: “Temos sempre um<br />
elemento subversivo; é a missão do<br />
artista”. Pedro Coquenão: “Ao fazermos<br />
um disco inspirado n<strong>esta</strong> música<br />
e n<strong>esta</strong> realida<strong>de</strong>, há um lado cool,<br />
estimulante que se instala. Mas <strong>de</strong>pois<br />
algo toma esse lugar. É quando percebes<br />
que estás a representar mais<br />
que isso [a música]”. E Batida representa.<br />
Ver crítica <strong>de</strong> discos págs, 31 e segs.<br />
CATARINA LIMÃO
ENRIC VIVES-RUBIO<br />
São a banda que David Lynch fez questão<br />
<strong>de</strong> ter na banda sonora do seu casamento<br />
com Emily Stofle, em Fevereiro<br />
<strong>de</strong>ste ano, e na apresentação do<br />
seu livro “Catching the Big Fish”, em<br />
Janeiro <strong>de</strong> 2007. “Atrai-me a melancolia<br />
das canções das Au Revoir Simone<br />
– uma melancolia alegre. [As canções]<br />
Têm a ver com os sonhos e os amores<br />
<strong>de</strong>las, mas são maiores do que a vida<br />
<strong>de</strong>las”, explicou, em Maio, ao jornal<br />
britânico “Telegraph”.<br />
O cineasta não está sozinho: os três<br />
discos do trio <strong>de</strong> Brooklyn, Nova Iorque,<br />
tornaram-se objecto <strong>de</strong> <strong>de</strong>voção<br />
<strong>de</strong> muita gente. Actuam amanhã na<br />
Casa da Música (numa noite partilhada<br />
com outra banda <strong>de</strong> <strong>mulher</strong>es, as<br />
Slits), com um álbum, o terceiro da<br />
discografia, ainda fresco para apresentar,<br />
“Still Night, Still Light”, editado<br />
em Maio.<br />
David Lynch “é um génio”, diz Annie<br />
Hart (teclas e vozes), com evi<strong>de</strong>nte<br />
orgulho, ao telefone com o Ípsilon<br />
a partir <strong>de</strong> um quarto <strong>de</strong> hotel na Suíça.<br />
Tem uma voz suave e um discurso<br />
com algumas hesitações, disfarçadas<br />
pelo riso fácil - condiz com a imagem<br />
<strong>de</strong> meninas tímidas, bonitas e<br />
bem comportadas que transmitem na<br />
sua música (pop melancólica feita<br />
apenas com teclados, uma caixa <strong>de</strong><br />
ritmos e as vozes das três) e fotografias<br />
promocionais. “Ele começou da<br />
mesma forma que nós: sem querer<br />
saber se as pessoas conheciam a arte<br />
<strong>de</strong>le. [Fazer filmes] Era algo que ele<br />
precisava <strong>de</strong> fazer”.<br />
As Au Revoir Simone nasceram em<br />
2003 numa viagem <strong>de</strong> comboio em<br />
que as três perceberam que tinham<br />
um <strong>de</strong>sejo em comum: fazer uma banda<br />
<strong>de</strong> teclados. A relação com estes<br />
instrumentos já vem <strong>de</strong> longe. “Tinha<br />
oito ou nove anos e recebi um Casio<br />
pequeno como presente <strong>de</strong> natal. Há<br />
pouco tempo comprei um novo e é<br />
óptimo”, recorda Hart. Esse Casio SK1,<br />
em que “tocava horas a fio”, ocupavalhe<br />
parte dos dias da estudante. “Tinha<br />
aulas em casa, logo tinha imenso<br />
tempo livre e tocava o dia inteiro. Ainda<br />
estou muito surpreendida que as<br />
pessoas gostem <strong>de</strong> ouvir as canções<br />
que escrevo para me divertir”.<br />
Depois disso, já no liceu, Annie encontrou<br />
na cena punk-hardcore a<br />
companhia que lhe faltava – ninguém<br />
diria, agora que a vemos entretida em<br />
melodias melancólicas e em adoráveis<br />
sessões fotográficas, que fosse uma<br />
frequentadora dos concertos da cena<br />
<strong>de</strong> Long Island, em Nova Iorque. “Fiz<br />
uma fanzine [revista artesanal]. Escrevia<br />
sobre ser vegetariano, assuntos<br />
ecológicos, política, coisas <strong>de</strong>ssas”,<br />
lembra. Não tocava em nenhuma banda,<br />
só na “marching band” da escola.<br />
David Lynch<br />
teve as Au<br />
Revoir Simone<br />
no seu<br />
casamento<br />
“Quando entrei na cena hardcore fiquei<br />
muito excitada porque <strong>de</strong>scobri<br />
que havia um gran<strong>de</strong> grupo <strong>de</strong> pessoas<br />
e uma cultura que acreditavam<br />
nas mesmas coisas que eu: o ambiente,<br />
o vegetarianismo, a política, <strong>esta</strong>r<br />
envolvido com a comunida<strong>de</strong>”.<br />
Na faculda<strong>de</strong>, vieram os Pixies, os<br />
Yo La Tengo e outros grupos da cena<br />
indie rock dos anos 1980 e 1990. Essas<br />
bandas, mas sobretudo os Mo<strong>de</strong>st<br />
Mouse (cujo disco <strong>de</strong> estreia, <strong>de</strong> 1996,<br />
ouvia “quatro vezes por dia durante<br />
dois anos”), “tiveram um gran<strong>de</strong> impacto”<br />
na forma como Annie pensava<br />
em fazer música.<br />
Amor pelos teclados<br />
Desses grupos indie, as Au Revoir Simone<br />
conservam o “entrelaçar” <strong>de</strong><br />
melodias (já não <strong>de</strong> guitarras, mas <strong>de</strong><br />
teclados), diz Annie. Mas o espírito<br />
indie está, dizemos nós, sobretudo,<br />
na aura que as três transmitem, com<br />
aquele ar <strong>de</strong> meninas <strong>de</strong> biblioteca –<br />
não é pose, pelo menos no que toca<br />
Música<br />
a Hart, que trabalhou anos em bibliotecas<br />
e numa livraria - e a timi<strong>de</strong>z como<br />
<strong>esta</strong>do natural.<br />
Com as Au Revoir Simone, cada<br />
disco parece uma continuação do disco<br />
anterior, um aprimoramento da<br />
mesma caixinha <strong>de</strong> música. “Algumas<br />
bandas fazem um terceiro álbum; outras<br />
fazem antes um terceiro refinamento<br />
‘do álbum’”, <strong>de</strong>finiu bem o<br />
jornal “The Boston Phoenix”. “Still<br />
Night, Still Light” lembra o embalo<br />
“kraut” das Electrelane em “Knight<br />
Wands”, traz uma hipotética versão<br />
indie dos Abba (“Another Likely<br />
Story), uma <strong>de</strong>lícia <strong>de</strong> sintetizadores<br />
borbulhantes (“Shadows”) e mais coisas<br />
boas, sempre com as teclas como<br />
rainhas e senhoras.<br />
“Still Night, Still Light” foi sendo<br />
feito ao longo <strong>de</strong> quatro meses, entre<br />
os apartamentos dos membros e alguns<br />
estúdios profissionais. Perseguindo<br />
o trio, Thom Monahan (que<br />
trabalhou com gente como os Vetiver<br />
e Devendra Banhart) ia gravando as<br />
A fixação pelos teclados<br />
levou-as até a uma<br />
empresa <strong>de</strong> música<br />
para anúncios à<br />
procura <strong>de</strong><br />
instrumentos antigos.<br />
“Havia cinco teclados<br />
antigos, órgãos e sintetizadores.<br />
Estivemos<br />
num escritório durante<br />
duas semanas, íamos<br />
almoçar com os<br />
trabalhadores”, lembra<br />
Annie Hart, a rir-se<br />
As Au Revoir<br />
Simone nasceram<br />
em 2003<br />
numa viagem<br />
<strong>de</strong> comboio<br />
em que as três<br />
perceberam<br />
que tinham<br />
um <strong>de</strong>sejo em<br />
comum: fazer<br />
uma banda<br />
<strong>de</strong> teclados<br />
várias camadas <strong>de</strong> teclados, vozes e<br />
ritmos. “Queríamos alguém que fizesse<br />
a nossa música soar menos electrónica<br />
e mais humana. Queríamos<br />
trabalhar com Thom e acabámos por<br />
<strong>de</strong>scobrir que ele queria trabalhar<br />
connosco porque adora teclados, música<br />
electrónica e coisas minimais,<br />
como os Suici<strong>de</strong>, a Kate Bush... Ele foi<br />
excelente: no passado sabíamos como<br />
queríamos que as nossas canções soassem,<br />
mas não como lá chegar. O<br />
Thom sabia como pôr as canções a<br />
soar da forma como a <strong>de</strong>screvíamos”.<br />
A fixação pelos teclados levou-as<br />
até a uma empresa <strong>de</strong> música para<br />
anúncios à procura <strong>de</strong> instrumentos<br />
antigos. “Havia cinco teclados antigos,<br />
órgãos e sintetizadores. Estivemos<br />
num escritório durante duas semanas,<br />
íamos almoçar com os trabalhadores”,<br />
lembra Annie, a rir-se.<br />
Ver agenda <strong>de</strong> concertos págs. 33<br />
e segs.<br />
Au Revoir Simone,<br />
as meninas da caixinha <strong>de</strong> música<br />
Têm nos teclados objectos <strong>de</strong> culto. Curioso <strong>de</strong>stino<br />
para um trio a que pertence uma ex-frequentadora<br />
<strong>de</strong> concertos hardcore. Actuam amanhã na Casa da<br />
Música e segunda-feira na Aula Magna. Pedro Rios<br />
15
No século passado, nos idos <strong>de</strong> 30 e<br />
40, Hollywood <strong>de</strong>scobriu um filão nos<br />
filmes <strong>de</strong> capa e espada. Entre todos<br />
os actores que se <strong>de</strong>dicaram à nobre<br />
arte <strong>de</strong> fazer <strong>de</strong> conta que sabiam espadachar,<br />
o mais importante foi Errol<br />
Flynn, tão galã na tela como conquistador<br />
inveterado em terra. Deixou<br />
para a posterida<strong>de</strong> uma frase que resume<br />
não só a sua vida como a vida<br />
i<strong>de</strong>alizada <strong>de</strong> boa parte do género<br />
masculino: “Gosto do meu uísque velho<br />
e das minhas <strong>mulher</strong>es novas”.<br />
Assim.<br />
Mais <strong>de</strong> 60 anos <strong>de</strong>pois ficamos<br />
surpreendidos ao ouvi-la reformulada<br />
ao telefone. Do outro lado da<br />
linha vem a seguinte frase: “Gosto<br />
<strong>de</strong> música antiga”. Segue-se uma<br />
pausa e <strong>de</strong>pois o remate: “Mas gosto<br />
<strong>de</strong> fazer amor com <strong>mulher</strong>es mais<br />
novas”.<br />
Quem o diz é Nicolas Godin, meta<strong>de</strong><br />
do duo francês Air que em 1998<br />
tomou <strong>de</strong> assalto a indústria com<br />
“Moon Safari”, disco retro-futurista,<br />
repleto <strong>de</strong> órgãos que nos anos 60<br />
eram usados pelas crianças para brincar,<br />
repleto <strong>de</strong> caixas <strong>de</strong> ritmo, melodias<br />
preguiçosas, linhas <strong>de</strong> sintetizador<br />
roubadas a bandas-sonoras <strong>de</strong><br />
séries <strong>de</strong> televisão sci-fi.<br />
Os Air tinham pegado em tudo o<br />
que havia sido consi<strong>de</strong>rado futurista<br />
e haviam-no tornado nostálgico e terno.<br />
Havia um óbvio charme naquela<br />
música, mas não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>signá-la<br />
por romântica. Quando muito o termo<br />
po<strong>de</strong>ria ser aplicado ao amor quase<br />
infantil que o duo <strong>de</strong>votava a instrumentos<br />
esquecidos nos sotãos dos<br />
pais. O<br />
E é por isso que a frase <strong>de</strong> Godin<br />
causa surpresa, mesmo que ele a acabe<br />
a rir-se. Porque não os tomamos<br />
por conquistadores inveterados, <strong>de</strong>bochados<br />
profissionais, <strong>de</strong>sencaminhadores<br />
<strong>de</strong> adolescentes como Flynn<br />
era. Mas aos 39 anos o solteiro Godin<br />
está à vonta<strong>de</strong> para dizer o que pensa.<br />
Quando lhe perguntamos se os Air se<br />
vão tornar uma banda <strong>de</strong> culto ou se<br />
acha que ainda têm hipóteses <strong>de</strong> crescer,<br />
ele não hesita: “Não faço i<strong>de</strong>ia<br />
porque tentamos o mais que po<strong>de</strong>mos<br />
ser ‘outsi<strong>de</strong>rs’”. Insistimos e especificamos:<br />
que lugar têm hoje os<br />
Air na indústria, ou que lugar hão-<strong>de</strong><br />
ter neste momento <strong>de</strong> crise <strong>de</strong> vendas<br />
<strong>de</strong> discos? Volta a não ter hesitações:<br />
“Não sei que lugar temos na indústria<br />
– <strong>de</strong> preferência quero distância <strong>de</strong><br />
tudo isso”.<br />
Isto po<strong>de</strong> soar estranho numa banda<br />
que assina por uma editora gran<strong>de</strong>,<br />
mas acaba por fazer sentido se pensarmos<br />
que há muito que a imagem<br />
dos Air <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> <strong>esta</strong>r associada à<br />
inovação, ao topo da experiência pop,<br />
à próxima gran<strong>de</strong> onda que convém<br />
apanhar, para <strong>esta</strong>r i<strong>de</strong>ntificada com<br />
uma pop quase clássica. Godin, aliás,<br />
di-lo <strong>de</strong> forma explícita: “Estou <strong>de</strong>sa<strong>de</strong>quado<br />
em relação ao mundo <strong>de</strong><br />
hoje”. Não há amargura na voz do<br />
homem, o que lhe dá o tal tom romântico<br />
que nunca nos tinha ocorrido<br />
16<br />
que<br />
Música<br />
Nunca mais, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a estreia, voltaram a ter um êxito<br />
inapelável. Mas em “Love 2” voltam a conseguir canções<br />
imediatas. E ao mesmo tempo fazem meio disco<br />
experimental e inventivo. João Bonifácio<br />
atribuir-lhes. Continua:<br />
“O que eu faço não se a<strong>de</strong>qua<br />
ao mundo <strong>de</strong> hoje. Sou muito ‘oldschool’,<br />
gosto <strong>de</strong> músicos velhos, gosto<br />
<strong>de</strong> música antiga”. É então que<br />
acrescenta “Mas gosto <strong>de</strong> fazer amor<br />
com <strong>mulher</strong>es mais novas”.<br />
Um disco <strong>de</strong> músicos<br />
A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> <strong>de</strong>sa<strong>de</strong>quação faz sentido:<br />
há <strong>de</strong>z anos os Air eram a banda-sonora<br />
dos miúdos hip, hoje é M.I.A..<br />
Não há competição para um velho <strong>de</strong><br />
39 anos. Além disso, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a estreia<br />
os Air nunca mais voltaram a ter um<br />
êxito monumental: “10,000 HZ”, o<br />
segundo disco (2001), foi mais ou menos<br />
rejeitado por público e crítica: era<br />
<strong>de</strong>masiado cerebral, <strong>de</strong>masiado produzido,<br />
<strong>de</strong>masiado atreito a experiências.<br />
“Talkie Walkie” (2004) e “Pocket<br />
Simphony” recuperaram a vertente<br />
pop <strong>de</strong>ixando o lado mais<br />
experimental <strong>de</strong> fora, mas não ven<strong>de</strong>ram<br />
como o primeiro – e não conseguiam<br />
alcançar a imediatez da estreia.<br />
N<strong>esta</strong>s condições podia esperar-se<br />
que “Love 2” fosse uma tentativa <strong>de</strong><br />
fazer canções directas. Mas não: pelo<br />
menos meta<strong>de</strong> das canções têm várias<br />
partes diferentes, por vezes no fim<br />
esten<strong>de</strong>m-se em jams,<br />
há pilhagens a Bollywood, <strong>de</strong>sconstrução<br />
<strong>de</strong> ritmos africanos, proto-westerns.<br />
O curioso é que nessa<br />
óptima meta<strong>de</strong> os Air continuam a<br />
soar a Air, apenas menos betinhos.<br />
Dir-se-ia que <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> tomar morfina<br />
antes <strong>de</strong> comer – passaram para<br />
o Valium, que dá sono, mas menos.<br />
É um cortar com o passado, mas<br />
Godin não gosta <strong>de</strong> falar disso. Diz<br />
que nunca volta a ouvir os discos <strong>de</strong>pois<br />
<strong>de</strong> acabados. “Gosto <strong>de</strong> fazê-los,<br />
gosto do processo, gosto das canções<br />
na altura, mas não tenho prazer nenhum<br />
quando volto a ouvi-los”. Ainda<br />
assim admite fazer uma pequena
Com “Love<br />
2” foi tudo<br />
rápido:<br />
é o primeiro<br />
disco dos Air<br />
lançado em<br />
menos <strong>de</strong> três<br />
anos <strong>de</strong>pois<br />
do anterior<br />
Quando lhe<br />
perguntamos se os<br />
Air se vão tornar<br />
uma banda <strong>de</strong> culto<br />
ou se acha que ainda<br />
têm hipóteses <strong>de</strong><br />
crescer, Nicolas<br />
Godin não hesita:<br />
“Não faço i<strong>de</strong>ia<br />
porque tentamos<br />
o mais que po<strong>de</strong>mos<br />
ser ‘outsi<strong>de</strong>rs’”<br />
comparação com a obra feita e lá vai<br />
dizendo que “10000 Hz” era “um disco<br />
<strong>de</strong> produtor”, e “foi sobre-produzido”,<br />
que os r<strong>esta</strong>ntes eram “discos<br />
<strong>de</strong> canções” em que não sentiam<br />
“obrigação <strong>de</strong> fazer canções canónicas”,<br />
enquanto “este é um disco <strong>de</strong><br />
músicos”. Para provar a afirmação faz<br />
ver que tocaram “tudo no estúdio”<br />
em “regime jam”. “Vamos todos os<br />
dias para o estúdio às 15 e saímos às<br />
21. Encontramo-nos cara a cara, é tudo<br />
feito ali, no osso, sem planos, apenas<br />
com improviso”.<br />
O estúdio, localizado em Paris, on<strong>de</strong><br />
os Air vivem, está na posse da dupla<br />
“apenas há ano e meio”. Normalmente<br />
compõem e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>moram<br />
“seis meses a gravar”. Agora foi tudo<br />
mais rápido: é o primeiro disco dos<br />
Air lançado em menos <strong>de</strong> três anos<br />
<strong>de</strong>pois do anterior. E tudo aconteceu<br />
com menos dose <strong>de</strong> planeamento do<br />
que era costume: “Primeiro tínhamos<br />
uma i<strong>de</strong>ia do que íamos fazer e <strong>de</strong>pois<br />
as canções vinham <strong>de</strong>pressa. <strong>Conhece</strong>mo-nos<br />
bem, conhecemos bem os<br />
instrumentos: uma i<strong>de</strong>ia tornava-se<br />
numa canção em segundos”.<br />
Fizeram tudo entre eles e um baterista,<br />
e sentiam “uma liberda<strong>de</strong> enorme”.<br />
Pelo que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> fazerem<br />
tudo certinho, divertiram-se a escavar:<br />
“Neste disco há canções que têm<br />
partes muito diferentes porque quando<br />
uma canção <strong>esta</strong>va acabada apetecia-nos<br />
adicionar-lhe uma coda<br />
completamente diferente ou uma parte<br />
nova que não fosse óbvia”. Godin<br />
diz que pareciam “crianças no jardimescola<br />
com os brinquedos”.<br />
Não há – novamente – uma canção<br />
tão óbvia como “Sexy Boy”. E, muto<br />
possivelmente, não voltará a haver<br />
coisa assim na carreira dos Air. Mas<br />
há um punhado <strong>de</strong> canções que se<br />
não <strong>de</strong>ixarem um tremendo sorriso<br />
nos lábios à primeira, à segunda poem<br />
ombros a menear, pezinhos a bater<br />
e ancas a <strong>de</strong>sencaminhar-se. Em<br />
particular a magnífica “Eat my beat”,<br />
que se aproxima do funk, do disco,<br />
<strong>de</strong> uma Bollywood imaginária.<br />
“Disco? Não, não”, nega Godin, verda<strong>de</strong>iramente<br />
surpreso. É picuinhas:<br />
“Um pouco <strong>de</strong> funk, sim”. Mas a terceira<br />
parte da receita está correcta:<br />
“Houve um certo roubo em BSOs <strong>de</strong><br />
Blaxpoitation e andámos a ouvir muita<br />
música indiana <strong>de</strong> cinema. Somos<br />
gran<strong>de</strong>s fãs <strong>de</strong> alguns compositores”.<br />
Lá pelo meio ouve-se uma cítara.<br />
Godin explica que não é uma cítara,<br />
é uma emulação do som d<strong>esta</strong> feita<br />
num órgão antigo. Depois <strong>de</strong>sata a<br />
falar do órgão com visível prazer, o<br />
que prova que nunca po<strong>de</strong>rá ser Erroll<br />
Flynn: é <strong>de</strong>masiado “geek” para<br />
isso.<br />
Nessa meta<strong>de</strong> mais avariada as vozes,<br />
que nunca foram primordiais nos<br />
Air, são tratadas <strong>de</strong> forma ainda menos<br />
canónica: quando surgem é, por<br />
norma, no final da canção, e nunca<br />
em forma <strong>de</strong> refrão. “A voz para nós<br />
é um instrumento como outro qualquer.<br />
Pomo-la quando queremos, seja<br />
a meio da canção, seja no fim, seja<br />
uma frase, sejam duas palavras. Já é<br />
uma marca nossa. Não ter a obrigatorieda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> colocar vozes em todas as<br />
canções num refrão formatado dá-nos<br />
gran<strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>”.<br />
Godin diz que isto é o que sempre<br />
fizeram. E que no fundo se trata <strong>de</strong><br />
“<strong>de</strong>sconstruir géneros”, <strong>de</strong> “retirar<br />
[elementos]”, e reduzir ao mínimo<br />
<strong>de</strong>nominador comum. Só que o feito<br />
“é especialmente notório no último<br />
álbum”. Mas mais que tudo a dupla<br />
cuidou “em não preencher <strong>de</strong>masiado<br />
as canções, para não per<strong>de</strong>rem a<br />
frescura”. E é por isso, termina, que<br />
“este disco foi uma benção”.<br />
Ver crítica <strong>de</strong> discos págs. 31 e segs.<br />
<br />
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17
Música<br />
Good morning,<br />
this is Karlheinz Stockhausen!<br />
Num dia <strong>de</strong> Natal um português recebeu um telefonema: “Good morning, this is Karlheinz<br />
Stockhausen!” Pedro Amaral recorda a personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um gigante do século XX.<br />
aA Gulbenkian dá a ouvir peças do ciclo “Klang”, última obra do alemão. Cristina Fernan<strong>de</strong>s<br />
Depois <strong>de</strong> concluir o monumental<br />
ciclo “Licht” (Luz) em 2004, com as<br />
suas sete óperas <strong>de</strong>dicadas aos dias<br />
da semana, Stockhausen iniciou o ciclo<br />
“Klang” (palavra que <strong>de</strong>signa som,<br />
mas à qual se liga a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> timbre)<br />
<strong>de</strong>dicado às 24 horas do dia, que ficaria<br />
incompleto <strong>de</strong>vido à sua morte em<br />
Dezembro <strong>de</strong> 2007. A Fundação Gulbenkian<br />
foi responsável pela encomenda<br />
da 6.ª hora, intitulada “Schönheit”<br />
(Beleza), que terá a sua estréia<br />
mundial em <strong>Lisboa</strong> no dia 5 no âmbito<br />
<strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> concertos <strong>de</strong>dicados<br />
ao compositor, on<strong>de</strong> se incluem<br />
também algumas das r<strong>esta</strong>ntes Horas<br />
em primeira audição em Portugal.<br />
Esta ocasião única para mergulhar no<br />
sempre surpreen<strong>de</strong>nte mundo criativo<br />
e inesperado <strong>de</strong> Stockhausen será<br />
acompanhada por alguns filmes e<br />
por uma conferência pelo compositor<br />
e maestro Pedro Amaral (dia 5, às<br />
18h), que tem <strong>de</strong>dicado parte dos seus<br />
trabalhos teóricos à obra <strong>de</strong> Stockhausen<br />
e que o conheceu <strong>de</strong> perto na<br />
qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> assistente na edição da<br />
partitura <strong>de</strong> “Momente”.<br />
Pedro Amaral (n. 1972) já não se<br />
recorda bem da primeira vez que ouviu<br />
música <strong>de</strong> Stockhausen, mas ela<br />
fez parte da sua vida <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito cedo.<br />
“Aos 15 ou 16 anos comecei a dar<br />
aulas <strong>de</strong> iniciação musical — ainda <strong>esta</strong>va<br />
no liceu mas isso ajudava-me a<br />
ter uma espécie <strong>de</strong> semanada — e nessa<br />
altura costumava levar música das<br />
óperas <strong>de</strong> Stockhausen para as aulas<br />
e fazia com as crianças uma espécie<br />
<strong>de</strong> dramatização”, contou ao Ípsilon.<br />
“A reacção das crianças era fantástica,<br />
elas são muito mais abertas, pois não<br />
têm preconceitos e ainda não têm a<br />
audição formatada.”<br />
A música do compositor alemão<br />
<strong>de</strong>pressa invadiu também os programas<br />
<strong>de</strong> Pedro Amaral na RDP – Antena<br />
2 e viria a tornar-se objecto dos<br />
seus trabalhos <strong>de</strong> investigação e análise<br />
no mestrado e num doutoramento,<br />
que <strong>de</strong>dicou a duas obras maiores:<br />
respectivamente, “Gruppen” e “Momente”.<br />
Curiosamente, essa escolha foi feita<br />
18<br />
mais por oposição do que por afinida<strong>de</strong><br />
no modo <strong>de</strong> encarar o acto criativo:<br />
“Fui aluno <strong>de</strong> Emmanuel Nunes no<br />
Conservatório Superior <strong>de</strong> Paris, que<br />
por sua vez tinha sido aluno do Stockhausen.<br />
Uma gran<strong>de</strong> parte da técnica<br />
do Nunes provém do Stockhausen,<br />
mas acabei por construir a minha<br />
técnica por oposição à do Nunes, como<br />
um filho cuja personalida<strong>de</strong> se vai<br />
fazendo por oposição à dos pais. Se a<br />
minha maneira <strong>de</strong> trabalhar fosse<br />
mais próxima do Stockhausen teria<br />
feito a tese sobre o Boulez!”, diz.<br />
Mas quais são as gran<strong>de</strong>s diferenças<br />
entre estes dois gigantes do século<br />
XX? “Stockhausen partia sempre <strong>de</strong><br />
uma postura extremamente racionalizada.<br />
Tal como um arquitecto, <strong>de</strong>screvia<br />
a obra inteiramente antes <strong>de</strong><br />
começar a compor e <strong>de</strong>screvia-a como<br />
se se tratasse <strong>de</strong> uma entida<strong>de</strong><br />
divina. Era uma visão quase <strong>de</strong>miúrgica.<br />
O mais fascinante é que usava<br />
sempre um esquema diferente. Eram<br />
normas muito impositivos mas ele<br />
tinha a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> encontrar uma<br />
liberda<strong>de</strong> espantosa <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sse colete<br />
<strong>de</strong> forças.”<br />
“Ele reinventava-se<br />
constantemente. O<br />
que permanecia era o<br />
gesto composicional,<br />
essa dualida<strong>de</strong> entre<br />
o circunscrever<br />
racionalmente um<br />
território e <strong>de</strong>pois<br />
ser completamente<br />
aventuroso na<br />
maneira <strong>de</strong> o<br />
percorrer”<br />
Pedro Amaral<br />
Pedro Amaral,<br />
que tem<br />
<strong>de</strong>dicado<br />
parte dos seus<br />
trabalhos<br />
teóricos à obra<br />
<strong>de</strong><br />
Stockhausen e<br />
que o<br />
conheceu <strong>de</strong><br />
perto na<br />
qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
assistente na<br />
edição da<br />
partitura <strong>de</strong><br />
“Momente”, dá<br />
uma<br />
conferência<br />
no dia 5, às 18h<br />
A abordagem <strong>de</strong> Boulez é um bocadinho<br />
a antítese pois não usa propriamente<br />
um esquema mas sim um<br />
conjunto <strong>de</strong> materiais, acor<strong>de</strong>s e entida<strong>de</strong>s<br />
rítmicas. “A partir daí vai<br />
construindo, vai tecendo a sua obra<br />
como uma tapete”, explica Pedro<br />
Amaral. A relação com a história também<br />
é diferente para os dois compositores<br />
pois Boulez “sempre viu a sua<br />
obra como uma continuação perfeitamente<br />
lógica da genealogia histórica”,<br />
enquanto Stockhausen parecia<br />
não ter a história em conta. “Ele que<br />
no fim dos anos 40 admirava Hin<strong>de</strong>mith<br />
e Frank Martin chegou rapidamente<br />
a um ponto, no final dos anos<br />
50, em que <strong>esta</strong>va completamente<br />
sozinho, no sentido em que era uma<br />
voz única. Olhava para cada projecto<br />
JOÃO HENRIQUES<br />
novo com uma atitu<strong>de</strong> quase infantil,<br />
como se fosse a primeira vez que <strong>esta</strong>va<br />
a compor.”<br />
Arguto e infantil<br />
Stockhausen manteve essa atitu<strong>de</strong> até<br />
ao fim, incluindo o ciclo “Klang”, do<br />
qual po<strong>de</strong>remos ouvir seis peças na<br />
Gulbenkian entre os dias 3 e 5. “Além<br />
<strong>de</strong> serem projectos completamente
originais ele explorava exaustivamente<br />
em cada peça as técnicas que criava,<br />
mesmo que existisse uma família<br />
<strong>de</strong> material constante.” Pedro Amaral<br />
refere que, por exemplo, a peça para<br />
duas harpas — “uma obra fabulosa”<br />
— tem um tipo <strong>de</strong> técnica e <strong>de</strong> sonorida<strong>de</strong><br />
muito diferente da peça <strong>de</strong><br />
percussão ou da peça para órgão, on<strong>de</strong><br />
existe uma velocida<strong>de</strong> diferente<br />
para a mão direita e para a mão esquerda<br />
do organista. “Ele reinventava-se<br />
constantemente. O que permanecia<br />
era o gesto composicional, essa<br />
dualida<strong>de</strong> entre o circunscrever racionalmente<br />
um território e <strong>de</strong>pois<br />
ser completamente aventuroso na<br />
maneira <strong>de</strong> o percorrer”<br />
Stockhausen morreu antes <strong>de</strong> terminar<br />
o ciclo “Klang”, mas teria <strong>de</strong>ixado<br />
instruções para <strong>de</strong>duzir algumas<br />
das peças que faltam a partir das que<br />
<strong>de</strong>ixou inteiramente compostas, sobretudo<br />
a partir das diferentes camadas<br />
rítmicas e <strong>de</strong> acumulação polifónica<br />
<strong>de</strong> “Cosmic Pulses” e do Trio<br />
para clarinete, flauta e trompete.<br />
Pedro Amaral conta que o próprio<br />
compositor lhe chegou a mostrar o<br />
manuscrito <strong>de</strong> “Schönheit”, a peça<br />
encomendada pela Gulbenkian. “Inicialmente<br />
era uma peça para clarinete<br />
solo, mas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>cidiu convertêla<br />
em trio. E dizia-me: ‘ao retrabalhar<br />
o texto original encontrei uma maneira<br />
<strong>de</strong> fazer loopings como nunca fiz<br />
na vida’. Estava fascinado como uma<br />
criança! Ele tinha esse inverosímil<br />
equilíbrio entre uma inteligência arguta<br />
e uma candura infantil.”<br />
O primeiro encontro pessoal com<br />
Stockhausen ocorreu em Amesterdão<br />
num seminário com Peter Eotvos com<br />
quem Pedro Amaral estudou direcção<br />
<strong>de</strong> orquestra. “Conversámos um bocadinho<br />
e ele falou-me dos seus projectos,<br />
acabámos por permanecer em<br />
contacto e começámos a trocar correspondência.<br />
Mais tar<strong>de</strong>, quando<br />
<strong>esta</strong>va a fazer a minha tese <strong>de</strong> doutoramento,<br />
ele abriu-me gentilmente o<br />
seu arquivo. Ele escrevia muito, tenho<br />
várias cartas manuscritas.”<br />
Stockhausen ficou fascinado com<br />
os DJs que faziam misturas com os<br />
discos <strong>de</strong> vinil. Convidou uns quantos<br />
para irem a sua casa. Dizia, encantado:<br />
“não há nada assim na tradição<br />
erudita oci<strong>de</strong>ntal, a sonorida<strong>de</strong> é única”<br />
AFP<br />
Num dia <strong>de</strong> Natal, em 2003 ou<br />
2004, o português recebeu um telefonema:<br />
“Good morning, this is Karlheinz<br />
Stockhausen!” Foi uma surpresa<br />
pois além <strong>de</strong> dos votos <strong>de</strong> bom<br />
Natal, Stockhausen convidou Pedro<br />
Amaral a trabalhar com ele. “Na altura<br />
era complicado porque eu tinha<br />
recebido um prémio <strong>de</strong> composição<br />
e ía passar um ano em Itália, mas ele<br />
esperou”.<br />
A proposta era a edição <strong>de</strong> “Momente”.<br />
“Esta portentosa obra aberta<br />
dos anos 60 <strong>de</strong>via ter sido editada<br />
pela Universal, mas como o tipo <strong>de</strong><br />
fomato da partitura coloca problemas<br />
tremendos a editora acabou por a <strong>de</strong>volver”,<br />
conta Pedro Amaral. “São<br />
páginas A2 on<strong>de</strong> há aquilo a que Stockhausen<br />
chamava fendas. N<strong>esta</strong>s<br />
<strong>de</strong>veriam ser introduzidas pelo intérprete<br />
partes que aparecem noutras<br />
folhas da partitura. O meu trabalho<br />
foi ler os manuscritos todos, e eram<br />
muitos, centenas!, assimilar tudo o<br />
que nas várias versões tinha sido alterado<br />
e <strong>de</strong>pois editar uma versão que<br />
foi a realizada em 1972 e a mesma que<br />
foi gravada em disco.”<br />
Pedro Amaral recorda que Stockhausen<br />
consi<strong>de</strong>rava “Momente” a<br />
sua obra máxima. “Dormia com o manuscrito<br />
numa gaveta <strong>de</strong>baixo da cama<br />
e não queria morrer sem ver a<br />
edição terminada. De facto ele recebeu<br />
a partitura que nós fizemos no<br />
dia em que faleceu. É curioso porque<br />
se fecha um ciclo. O meu professor,<br />
Emmanuel Nunes foi aluno <strong>de</strong> Stockhausen<br />
quando ele <strong>esta</strong>va a compor<br />
os ‘Momente’ e eu fechei o ciclo com<br />
a concretização da edição.”<br />
Durante o trabalho, Pedro Amaral<br />
instalou-se algum tempo em Kürten,<br />
numa das casas do compositor e a relação<br />
sempre foi <strong>de</strong> cordialida<strong>de</strong>. “Muitas<br />
vezes telefonava-me extravagantemente<br />
às 7h30 ou 8h da manhã. Recordo<br />
que um dia <strong>esta</strong>va em sobressalto<br />
porque <strong>de</strong>scobriu que um harpista não<br />
consegue tocar com as duas mãos na<br />
oitava mais grave da harpa — uma das<br />
mãos não chega lá porque a harpa fica<br />
ligeiramente <strong>de</strong> lado — e dizia: ‘tenho<br />
77 anos, passei a minha vida a compor<br />
e ignorava completamente isto, não<br />
vem em nenhum tratado!’ Mas <strong>de</strong>pois<br />
acrescentou com uma calma admirável:<br />
‘Ainda bem que e aconteceu, com<br />
<strong>esta</strong> ida<strong>de</strong> continuo a apren<strong>de</strong>r.”<br />
Stockhausen marcou profundamente<br />
a atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma época. “Nos anos<br />
50 era o gran<strong>de</strong> senhor da tecnologia.<br />
Essa dimensão <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobridor e <strong>de</strong><br />
aventureiro valeu-lhe a fama mundial<br />
e converteu-o numa referencia absoluta<br />
mesmo em meios como os da<br />
música pop. Berio orquestrou canções<br />
do John Lennon mas os Beatles queriam<br />
que Stockhausen aparecesse com<br />
eles num cartaz. Havia ali um namoro<br />
consentido <strong>de</strong> ambas as partes.” Contribuiu<br />
também para a gran<strong>de</strong> curiosida<strong>de</strong><br />
pelos sintetizadores. “Não vou<br />
dizer que foi por causa do Stockhausen<br />
que o sintetizador se <strong>de</strong>senvolveu<br />
tanto, houve outras <strong>de</strong>scobertas importantíssimas,<br />
mas a sua atitu<strong>de</strong> ao<br />
influenciar músicos que não eram só<br />
da vertente erudita contribuiu para<br />
esse <strong>de</strong>senvolvimento.”<br />
Pedro Amaral refere que o ciclo se<br />
fechou no fim da vida. “Em <strong>de</strong>terminado<br />
momento, já no século XXI, Stockhausen<br />
ficou fascinado com uns DJs<br />
que faziam aquelas misturas com os<br />
discos <strong>de</strong> vinil. Convidou uns quantos<br />
para irem a sua casa e dizia-me encantado:<br />
‘não há nada assim na tradição<br />
erudita oci<strong>de</strong>ntal, a sonorida<strong>de</strong><br />
é única. O conteúdo não me interessa,<br />
mas o que eles fazem com aquele conteúdo,<br />
a maneira como o <strong>de</strong>sfazem,<br />
como o apresentam, como o reconstroem<br />
é extraordinário.”<br />
Ver agenda <strong>de</strong> concertos págs. 33 e 34<br />
19
Encontro em Ca<br />
O que fazem um professor <strong>de</strong> natação<br />
e um imigrante clan<strong>de</strong>stino em Calais, Norte<br />
<strong>de</strong> França? Um prepara-se para atravessar<br />
a Mancha a nado. O outro leva uma lição<br />
<strong>de</strong> vida. Melodrama com a realida<strong>de</strong> a<br />
colar-se à pele do filme. Vasco Câmara<br />
Calais, Norte <strong>de</strong> França, na semana<br />
passada: um acampamento <strong>de</strong> imigrantes<br />
ilegais, na sua maioria afegãos,<br />
foi <strong>de</strong>smantelado por forças<br />
policiais e “bulldozers”, quase 300<br />
pessoas <strong>de</strong>tidas, meta<strong>de</strong> das quais<br />
menores – o PÚBLICO noticiou. Viviam<br />
escondidas, durante o dia, num<br />
bosque nos arredores da cida<strong>de</strong> portuária.<br />
À noite, como fantasmas, espreitavam<br />
os camiões em busca <strong>de</strong><br />
uma aberta, através do canal da Mancha,<br />
para chegarem ao Reino Unido.<br />
Viviam, então, naquilo que é conhecido<br />
como “a selva” – um acampamento<br />
precário, sem hierarquia, sem<br />
lei, como outros que apareceram após<br />
o encerramento, em 2002, <strong>de</strong> um centro<br />
<strong>de</strong> acolhimento <strong>de</strong> imigrantes ilegais<br />
gerido pela Cruz Vermelha em<br />
Sangatte, próximo <strong>de</strong> Calais (o governo<br />
francês foi pressionado pelo governo<br />
britânico a fazê-lo, para terminar<br />
com um chamariz para os imigrantes<br />
ilegais que querem chegar às<br />
terras <strong>de</strong> Sua Maj<strong>esta</strong><strong>de</strong>).Os imigrantes<br />
ainda empunharam as suas ban<strong>de</strong>iras:<br />
“A selva é a nossa casa. Pf [por<br />
favor] não a <strong>de</strong>struam. Se o fizerem,<br />
para on<strong>de</strong> havemos <strong>de</strong> ir?”.<br />
Para a oposição ao governo francês<br />
o <strong>de</strong>smantelamento é apenas operação<br />
<strong>de</strong> cosmética que não resolve o<br />
verda<strong>de</strong>iro problema nem enfrenta a<br />
questão. Mas os governos <strong>de</strong> França<br />
e <strong>de</strong> Inglaterra congratularam-se,<br />
apoiando a <strong>de</strong>cisão “firme” do ministro<br />
da Imigração francês Eric Besson.<br />
E é aí que Philippe Loiret, um ex-<br />
“<strong>de</strong>signer” <strong>de</strong> som que passou à realização,<br />
54 anos, nos completa e se<br />
indigna: “Ministro da Imigração, da<br />
Integração e da I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> Nacional...<br />
É-me insuportável essa <strong>de</strong>signação, o<br />
que é isso da I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> Nacional?”<br />
E explicita os fantasmas: nessa política<br />
“repressiva” dos imigrantes ilegais<br />
e na legislação penal que contempla<br />
pena <strong>de</strong> prisão para quem aju<strong>de</strong><br />
um clan<strong>de</strong>stino, Lioret vê um lastro<br />
comum com a forma <strong>de</strong> actuação da<br />
“polícia francesa durante a Ocupação”.<br />
“É, antes <strong>de</strong> tudo, um incitamento<br />
à <strong>de</strong>lação”, atira. Declarações d<strong>esta</strong>s<br />
já tinham <strong>esta</strong>do na origem <strong>de</strong> uma<br />
polémica com o ministro, há seis meses,<br />
quando “Welcome” chegou às<br />
salas francesas. É esse filme, história<br />
<strong>de</strong> um jovem iraquiano que quer atra-<br />
20<br />
Cinema<br />
Bilal,<br />
refugiado<br />
iraquiano,<br />
pe<strong>de</strong> a Simon<br />
que o ensine a<br />
nadar – quer<br />
chegar a<br />
Inglaterra a<br />
nado
alais<br />
vessar a Mancha para se juntar à sua<br />
noiva que vive com a família em Inglaterra,<br />
que chega agora a Portugal.<br />
“É a actualida<strong>de</strong> que acompanha o<br />
filme, que se pega a ele. Não fiz um<br />
filme com intuito político. Mas é certo<br />
que não há coincidências [entre<br />
aquilo que o filme conta e a realida<strong>de</strong>]”,<br />
diz Lioret, que <strong>de</strong>scobriu “o que<br />
se está a passar na Europa” num microcosmos,<br />
num ponto <strong>de</strong> concentração,<br />
Calais. “Os imigrantes continuam<br />
a chegar, a polícia continua a persegui-los,<br />
as rusgas policiais continuam<br />
a acontecer. Mas o que aconteceu [na<br />
semana passada] é uma entre outras,<br />
Os imigrantes voltarão a Calais, tudo<br />
continuará como sempre”.<br />
Não fez um filme com intuito político<br />
e não faz também um documentário,<br />
sublinha. “Uma parte do filme<br />
po<strong>de</strong> parecer um documentário, mas<br />
é tudo reconstituição, tudo foi feito<br />
por nós. É um filme relativamente<br />
caro, porque tivemos que reconstituir<br />
tudo, Acredito na ficção, as personagens<br />
são mais importantes para mim<br />
do que a história. Fui a Calais à procura<br />
<strong>de</strong> personagens. Encontrei pessoas<br />
que me levaram a construir a<br />
personagem do jovem, Bilal, até dos<br />
polícias e <strong>de</strong> Simon”.<br />
O par<br />
É o par central <strong>de</strong> “Welcome”: Simon,<br />
um professor <strong>de</strong> natação (Vincent<br />
Lindon), e Bilal (Firat Ayverdi), um<br />
jovem iraquiano que piorou a sua si-<br />
Na política<br />
“repressiva” dos<br />
imigrantes ilegais e na<br />
legislação penal que<br />
contempla pena <strong>de</strong><br />
prisão para quem<br />
aju<strong>de</strong> um clan<strong>de</strong>stino,<br />
Lioret vê um lastro<br />
comum com a forma<br />
<strong>de</strong> actuação da<br />
“polícia francesa<br />
durante a Ocupação”.<br />
“É, antes <strong>de</strong> tudo, um<br />
incitamento à<br />
<strong>de</strong>lação”, atira<br />
tuação <strong>de</strong> clan<strong>de</strong>stino em Calais, isto<br />
é, isolou-se ainda mais, ao estragar<br />
involuntariamente a fuga do seu grupo<br />
- a sua respiração <strong>de</strong>nunciou presença<br />
humana num camião. Bilal quer<br />
agora ter aulas <strong>de</strong> natação. Para se<br />
preparar para o seu objectivo, chegar<br />
a Inglaterra on<strong>de</strong> vive a noiva. E chegar<br />
a nado...<br />
O que une Simon a Bilal – melhor,<br />
o que atrai o quarentão Simon para o<br />
adolescente Bilal – é algo <strong>de</strong> misterioso.<br />
Claro, lá está a parte <strong>de</strong> “Welcome”<br />
em que se percebe que o casamento<br />
<strong>de</strong> Simon acabou mas este<br />
tenta tudo para ainda conseguir impressionar<br />
a ex-<strong>mulher</strong>: mostrar-lhe,<br />
por exemplo, que se preocupa com<br />
os outros, que tem consciência - há<br />
um significativo diálogo entre o excasal,<br />
em que ela critica o alheamento<br />
<strong>de</strong>le, por passar por cima do que a<br />
História ensinou. Mas os silêncios da<br />
personagem interpretada por Vincent<br />
Lindon, a sombra <strong>de</strong> nostalgia que<br />
passa nos seus olhos cansados (foi um<br />
ex-nadador, ex-campeão), e a obsessão<br />
<strong>de</strong> Bilal enchem essa parte do<br />
melodrama <strong>de</strong> uma tristeza mais in<strong>de</strong>finível.<br />
O filme aí aguenta-se numa<br />
tensão que não esmorece. É a parte<br />
mais obsessiva <strong>de</strong> “Welcome”, e chegamos<br />
a dizer a Lioret que <strong>de</strong>via ser<br />
mais monomaníaco ainda, não per<strong>de</strong>r<br />
energias nem com a situação conjugal<br />
<strong>de</strong> Simon nem com as cenas em Inglaterra<br />
com a família da noiva <strong>de</strong><br />
Bilal. Lioret não gostou da sugestão,<br />
Um grupo <strong>de</strong> imigrantes ilegais <strong>de</strong>ambula por Calais,<br />
espreitando camiões, em busca <strong>de</strong> uma aberta para<br />
atravessarem o Canal da Mancha<br />
Vincent Lindon<br />
e Philippe Lioret na rodagem<br />
está-se a ver. “É um filme que fala da<br />
vida, não é a história que me interessa,<br />
são as personagens. São as personagems<br />
que me guiam. O meu filme<br />
é como a vida, faz-se <strong>de</strong> relações múltiplas.<br />
Não tenho a impressão que o<br />
filme se perca”.<br />
A crispação esmorece quando lhe<br />
dizemos que Lindon, actor com quem<br />
ele criou uma relação <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong><br />
(“tornámo-nos próximos, falamos praticamente<br />
todos os dias, temos projectos<br />
comuns”), nos lembrou o sonambulismo<br />
<strong>de</strong> Robert Mitchum. Dito<br />
<strong>de</strong> outra forma, e não per<strong>de</strong>ndo tempo<br />
com o individual: que tal como os<br />
actores do cinema americano clássico<br />
Lindon não precisa <strong>de</strong> muito para<br />
mostrar a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sentimentos<br />
– tomada <strong>de</strong> consciência social e política,<br />
sim, mas também olhar para um<br />
adolescente e rever a sua própria juventu<strong>de</strong><br />
– que tomaram conta <strong>de</strong>le.<br />
“Fico contente, vou dizer isso a Vincent,<br />
que também vai ficar contente.<br />
Vincent tinha a ida<strong>de</strong> i<strong>de</strong>al para compreen<strong>de</strong>r<br />
o essencial das coisas. Tem<br />
algo <strong>de</strong> muito terreno. Quanto aos silêncios...<br />
lêncios na verda<strong>de</strong> o filme tem mui-<br />
tos diál diálogos, mas não são explicativos.<br />
Na TV é<br />
que se explica tudo. O encon-<br />
tro entre entr tr as duas personagens [o pro-<br />
fessor <strong>de</strong> d natação e o clan<strong>de</strong>stino] ti-<br />
nha <strong>de</strong> d ser mesmo um encontro. A<br />
partir parti do momento em que Simon<br />
vê Bilal, B ele <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser uma abstracção.<br />
trac Os imigrantes ilegais estão<br />
nos jornais, vêmo-los na televisão,<br />
mas não os vemos. Bilal, personagem<br />
gem com uma energia incrível, dá<br />
uma lição <strong>de</strong> vida a Simon”.<br />
Ver crítica crít ít <strong>de</strong> filme págs. 35 e segs<br />
MUSEU DO ORIENTE<br />
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21
Percy<br />
Fawcett,<br />
o último<br />
gran<strong>de</strong><br />
enfeitiçado<br />
pelo mito da<br />
civilização<br />
perdida na<br />
Amazónia<br />
Afinal,<br />
o Eldorado<br />
existia mesmo<br />
Descobrir a personagem que foi o coronel Fawcett,<br />
o último gran<strong>de</strong> explorador romântico da Amazónia,<br />
leva-nos numa aventura que é ao mesmo tempo<br />
literatura <strong>de</strong> viagens <strong>de</strong> arrepiar e <strong>de</strong>scoberta<br />
do mais recente pensamento sobre a América<br />
pré-colombiana. Clara Barata<br />
Afinal, o Eldorado existe.<br />
Mas em vez <strong>de</strong> ser <strong>de</strong> ouro<br />
resplan<strong>de</strong>cente está coberto<br />
pelo ver<strong>de</strong> da flor<strong>esta</strong> do<br />
Parque Natural do Xingu, no<br />
Brasil, e só começou a ser visível<br />
na última década, graças às novas<br />
tecnologias que permitem estudar<br />
a Terra a partir do céu com um pormenor<br />
nunca antes imaginado. Se o<br />
coronel Percy Fawcett soubesse disto,<br />
ele que foi o último gran<strong>de</strong> enfeitiçado<br />
pelo mito da civilização perdida<br />
na Amazónia. talvez não tivesse <strong>de</strong>saparecido,<br />
sem <strong>de</strong>ixar rasto, em<br />
1925, no inferno ver<strong>de</strong> em que tinha<br />
aprendido a viver quase tão bem como<br />
um <strong>de</strong>mónio nativo.<br />
O nome se calhar não lhe diz nada.<br />
Mas Fawcett foi um dos últimos gran<strong>de</strong>s<br />
exploradores do século XX, não<br />
do Pólo Norte ou do Pólo Sul, ou dos<br />
<strong>de</strong>sertos <strong>de</strong> areias escaldantes, mas<br />
da flor<strong>esta</strong> mais cerrada da Amazónia<br />
– primeiro, com a missão <strong>de</strong> cartografar<br />
fronteiras entre a Bolívia e outros<br />
países, seguindo o curso <strong>de</strong> rios tributários<br />
do Amazonas, o maior em<br />
termos <strong>de</strong> caudal do planeta, para a<br />
Royal Geographic Society britânica.<br />
Depois, como entusiasta da antropo-<br />
logia, ciência que dava os primeiros<br />
passos no início do século. Ele era um<br />
misto <strong>de</strong> visionário iluminado, com<br />
i<strong>de</strong>ias à frente do seu tempo, e <strong>de</strong> visionário<br />
apenas, obcecado com o sonho<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir no século XX as<br />
enormes e ricas cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> que falavam<br />
os “conquistadores” espanhóis<br />
que primeiro puseram pé nas Américas.<br />
As aventuras na selva <strong>de</strong> Fawcett,<br />
amigo <strong>de</strong> Arthur Conan Doyle, serviram<br />
<strong>de</strong> inspiração para a história <strong>de</strong>ste,<br />
“O Mundo Perdido” (1912), em que<br />
num planalto inexplorado da América<br />
do Sul se encontra um local on<strong>de</strong> os<br />
dinossauros sobreviveram. É na sua<br />
vida (sobretudo nos seus diários <strong>de</strong><br />
expedição) que se baseia “A Cida<strong>de</strong><br />
Perdida <strong>de</strong> Z”, do jornalista da revista<br />
“New Yorker” David Grann. Concentra-se<br />
em Fawcett, o último dos intrépidos<br />
exploradores vitorianos (um<br />
bocadinho já fora do seu tempo), e na<br />
sua <strong>de</strong>manda por “Z”, como ele intrigantemente<br />
chamava ao que outros<br />
antes <strong>de</strong>le chamavam Eldorado.<br />
Enfeitiçado pela selva<br />
Fawcett não <strong>esta</strong>va cego pela busca<br />
<strong>de</strong> ouro, como os espanhóis que fo-<br />
As <strong>de</strong>scobertas<br />
dos últimos <strong>de</strong>z<br />
a 20 anos fizeram<br />
mudar a forma como<br />
os arqueólogos olham<br />
para a Amazónia –<br />
não uma flor<strong>esta</strong><br />
intocada pelo homem,<br />
mas um “habitat” por<br />
ele modificado, com<br />
estradas, caminhos<br />
elevados e pontes,<br />
canais e até tanques<br />
<strong>de</strong> aquacultura<br />
Livros<br />
Os cuicuro<br />
num dos seus<br />
rituais mais<br />
sagrados,<br />
em honra<br />
dos mortos
am dos primeiros europeus a pisar<br />
o Novo Mundo. Ele tinha era sido enfeitiçado<br />
pela selva, um inferno ver<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> on<strong>de</strong> conseguia escapar sempre<br />
sem gran<strong>de</strong>s doenças - e como são<br />
fantásticas essas doenças, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> vermes<br />
que crescem incessantemente<br />
<strong>de</strong>ntro do corpo e espreitam por feridas<br />
que não saram nunca, a febres<br />
várias, passando por abelhas microscópicas<br />
que são atraídas pela humida<strong>de</strong><br />
dos olhos. Enfim, pelo menos<br />
um dos círculos do Inferno podia ficar<br />
preenchido apenas pelos insectos que<br />
povoam o mundo fechado e ver<strong>de</strong> da<br />
flor<strong>esta</strong> amazónica, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> nem se<br />
vê o Sol, por ser tão cerrada a vegetação.<br />
Como é que ali po<strong>de</strong>ria alguma<br />
vez ter havido civilizações que se comparassem<br />
às dos incas, no topo dos<br />
An<strong>de</strong>s? Nunca naquela terra cheia <strong>de</strong><br />
vida mas ao mesmo tempo tão hostil<br />
à vida se po<strong>de</strong>ria imaginar que tivesse<br />
havido civilização complexa, com<br />
milhões <strong>de</strong> habitantes, algo semelhante<br />
ao que relataram os primeiros “conquistadores”<br />
espanhóis.<br />
Pelo menos era isso que se pensava<br />
no início do século XX, e que se continuou<br />
a pensar até há pelo menos 30<br />
a 40 anos. Descobertas permitidas<br />
graças a avanços na tecnologia – sobretudo<br />
as que transportaram os<br />
olhos do homem para o céu, e outros<br />
truques para além dos sentidos humanos,<br />
como os radares inventados<br />
com a II Guerra Mundial, ou o Sistema<br />
<strong>de</strong> Posicionamento Global (GPS).<br />
Só na última parte do livro <strong>de</strong> Grann<br />
chegamos a perceber que a procura<br />
<strong>de</strong> Fawcett, afinal, se tornou hoje um<br />
tema <strong>de</strong> investigação científica – uma<br />
busca <strong>de</strong> provas concretas <strong>de</strong> que a<br />
civilização amazónica pré-colombiana<br />
existiu mesmo. E não era apenas<br />
uma cida<strong>de</strong>, era um complexo <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s<br />
e outras povoações mais pequenas,<br />
organizadas em torno <strong>de</strong> praças<br />
redondas e ligadas por estradas muito<br />
direitas e seguindo orientações<br />
astronómicas, como as dos equinócios,<br />
e pontos car<strong>de</strong>ais.<br />
Quem lhe conta, em páginas <strong>de</strong>masiado<br />
breves, o que a ciência <strong>de</strong>scobriu,<br />
vigando as teorias do <strong>de</strong>saparecido<br />
Fawcett (e outros), foi o arqueólogo<br />
Michael Heckenberger, da<br />
Universida<strong>de</strong> da Florida, adoptado<br />
pelos índios cuicuro. Quando Grann<br />
o encontrou, o arqueólogo vivia com<br />
os índios há 13 anos – tanto tempo que<br />
já tinha a sua própria cubata numa<br />
al<strong>de</strong>ia do Parque Indígena do Xingu,<br />
no norte do Brasil. Heckenberger po<strong>de</strong>ria<br />
lembrar o coronel Kurtz do filme<br />
“Apocalyse Now”, <strong>de</strong> Coppola,<br />
mas é um cientista a sério, com publicações<br />
nas mais respeitadas revistas<br />
científicas, on<strong>de</strong> relata as <strong>de</strong>scobertas<br />
que tem feito na selva ao longo<br />
da última década.<br />
Em 1492, quando Colombo chegou<br />
à América, o que encontrou foi uma<br />
O arqueólogo Michael<br />
Heckenberger, adoptado pelos<br />
cuicuro - Gram encontrou-o,<br />
vivia ele há 13 anos com os<br />
índios, na sua <strong>de</strong>manda pelos<br />
caminhos <strong>de</strong> Fawcett<br />
flor<strong>esta</strong> virgem ou um parque cultivado,<br />
ajeitado às necessida<strong>de</strong>s dos<br />
milhões <strong>de</strong> pessoas que lá viviam –<br />
esse era o título <strong>de</strong> um artigo que Heckenberger<br />
publicou em 2003, na<br />
revista “Science”. Ele <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a segunda<br />
hipótese, e tem provas para o<br />
<strong>de</strong>monstrar, que aliás mostrou a<br />
Grann, quando o nova-iorquino quarentão<br />
que nunca tinha sequer acampado<br />
foi para a selva, na zona <strong>de</strong> Mato<br />
Grosso, tentando <strong>de</strong>svendar o mistério<br />
do que terá levado ao<br />
<strong>de</strong>saparecimento <strong>de</strong> Fawcett.<br />
“Começou a caminhar outra vez<br />
pela flor<strong>esta</strong>, apontando o que era,<br />
claramente, os restos <strong>de</strong> uma enorme<br />
paisagem feita pelo homem”, relata<br />
Grann, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Heckenberger o ter<br />
feito ver um <strong>de</strong>snível que afinal era<br />
um fosso “<strong>de</strong> há cerca <strong>de</strong> 900 anos”,<br />
um lugar que parecia “ser um fosso<br />
<strong>de</strong>ntro do fosso” e na verda<strong>de</strong> era on<strong>de</strong><br />
ficava uma paliçada que ro<strong>de</strong>ava<br />
a povoação, ali ao pé da al<strong>de</strong>ia cuicuro<br />
on<strong>de</strong> ainda hoje vivem índios.<br />
Flor<strong>esta</strong> urbanizada<br />
“Havia uma praça circular gigantesca<br />
on<strong>de</strong> a vegetação tinha carácter diferente<br />
da do resto da flor<strong>esta</strong>, porque<br />
outrora tinha sido limpa. E tinha havido<br />
uma zona <strong>de</strong> habitações dispersas,<br />
como se provava por um solo<br />
preto ainda mais <strong>de</strong>nso que fora enriquecido<br />
pelo lixo <strong>de</strong>composto pelos<br />
<strong>de</strong>jectos humanos” (pág. 308). Em<br />
poucas linhas, Grann fala da “terra<br />
preta” tão diferente do solo empobrecido<br />
<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> parte da flor<strong>esta</strong>, e que<br />
tem sinais claros <strong>de</strong> ter sido produzida<br />
pela activida<strong>de</strong> humana, <strong>de</strong>screve<br />
as <strong>de</strong>scobertas dos últimos <strong>de</strong>z a 20<br />
anos que fizeram mudar a forma como<br />
os arqueólogos olham para a Amazónia<br />
– não uma flor<strong>esta</strong> intocada<br />
pelo homem, mas um “habitat” por<br />
ele modificado, com estradas, caminhos<br />
elevados e pontes, canais e até<br />
tanques <strong>de</strong> aquacultura.<br />
Pelo menos numa zona que fica algures<br />
entre o Mato Grosso brasileiro e<br />
Llanos <strong>de</strong> Mojos, na Bolívia, uma planície<br />
entalada entre as montanhas dos<br />
An<strong>de</strong>s e a flor<strong>esta</strong> amazónica, on<strong>de</strong><br />
também há vestígios <strong>de</strong> uma ocupação<br />
sofisticada do espaço, com montes que<br />
po<strong>de</strong>m ter servido <strong>de</strong> terras agrícolas<br />
ou refúgios para as inundações que se<br />
seguem ao <strong>de</strong>gelo nas montanhas, na<br />
Primavera, dizia uma reportagem publicada<br />
em Fevereiro <strong>de</strong> 2000 também<br />
na revista “Science”.<br />
No ano passado, em Agosto, Heckenberger,<br />
e uma equipa que incluía<br />
vários cientistas brasileiros e pelo menos<br />
um índio cuicuro, voltou a falar<br />
das últimas <strong>de</strong>scobertas feitas na zona<br />
on<strong>de</strong> Fawcett tinha a certeza <strong>de</strong> que<br />
encontraria a sua misteriosa “Z”. O<br />
conceito que introduzem os arqueólogos<br />
e outros cientistas essenciais<br />
para <strong>esta</strong> investigação, que inclui até<br />
A procura <strong>de</strong> Fawcett<br />
tornou-se hoje tema<br />
<strong>de</strong> investigação<br />
científica – uma busca<br />
<strong>de</strong> provas concretas<br />
<strong>de</strong> que a civilização<br />
amazónica précolombiana<br />
existiu<br />
mesmo. E não era<br />
apenas uma cida<strong>de</strong>,<br />
era um complexo<br />
<strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s e outras<br />
povoações mais<br />
pequenas,<br />
organizadas em torno<br />
<strong>de</strong> praças redondas e<br />
ligadas por estradas<br />
muito direitas e<br />
seguindo orientações<br />
astronómicas, como<br />
as dos equinócios,<br />
e pontos car<strong>de</strong>ais<br />
satélites, é o <strong>de</strong> que a Amazónia antes<br />
<strong>de</strong> Colombo era uma “flor<strong>esta</strong> urbanizada”,<br />
uma paisagem modificada<br />
pela acção do homem, que escolheu<br />
umas plantas sobre outras, e on<strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong>m ter sido domesticadas espécies<br />
que ainda hoje fazem parte da<br />
alimentação básica dos que ali vivem,<br />
como a mandioca.<br />
“Quando eu e a minha equipa começámos<br />
a cartografar tudo, <strong>de</strong>scobrimos<br />
que nada era feito por aci<strong>de</strong>nte.<br />
Todos estes povoados eram instalados<br />
segundo um plano complicado,<br />
com um sentido <strong>de</strong> engenharia e matemática<br />
que rivalizava com tudo o<br />
que <strong>esta</strong>va a acontecer em gran<strong>de</strong><br />
parte da Europa do tempo” (pág.<br />
309), disse o arqueólogo da Universida<strong>de</strong><br />
da Florida ao jornalista que via<br />
“Z” surgir da flor<strong>esta</strong>. “Gostavam <strong>de</strong><br />
ter belas estradas e praças e pontes.<br />
Os seus monumentos não eram pirâmi<strong>de</strong>s,<br />
razão pela qual foram tão difíceis<br />
<strong>de</strong> encontrar; eram características<br />
horizontais. Mas não eram menos<br />
extraordinários.” (pág. 310).<br />
Foi só no fim da sua viagem pelas<br />
aventuras e muitas <strong>de</strong>sgraças das missões<br />
<strong>de</strong> Fawcett – e dos aventureiros<br />
que se propuseram ir para a selva para<br />
<strong>de</strong>scobrir o que lhe teria acontecido,<br />
a ele, ao filho e ao amigo do filho,<br />
em 1925 – que David Grann <strong>de</strong>scobriu<br />
que “Z”, afinal, <strong>esta</strong>va hoje a ser <strong>de</strong>scoberta<br />
por muitos cientistas, aos<br />
bocadinhos, com o recurso a meios<br />
aéreos que no tempo <strong>de</strong> Fawcett eram<br />
praticamente impossíveis e tecnologias<br />
como radares que penetram o<br />
solo para <strong>de</strong>scobrir o que está por<br />
<strong>de</strong>baixo da terra, sensores remotos<br />
para <strong>de</strong>tectar campos magnéticos no<br />
solo, fotografias <strong>de</strong> satélite e tantas,<br />
tantas outras coisas para além dos<br />
pedaços <strong>de</strong> cerâmica que Fawcett <strong>de</strong>scobria<br />
por toda a parte na selva, on<strong>de</strong><br />
viviam as tribos que não tinham sido<br />
ainda aculturadas e <strong>de</strong>struídas pelo<br />
contacto com os brancos.<br />
“Durante um momento, consegui<br />
ver esse mundo <strong>de</strong>saparecido como<br />
se estivesse à minha frente Z”, confessa<br />
Grann.<br />
Ver crítica <strong>de</strong> livros págs. 26 e segs.<br />
23
Livros<br />
Top Bulhosa lhosa<br />
Livreiros os<br />
Nacional al<br />
Ficção<br />
1<br />
2<br />
3<br />
4<br />
5<br />
1<br />
2<br />
3<br />
4<br />
5<br />
2666<br />
Roberto Bolaño<br />
Quetzal<br />
Os Anagramas <strong>de</strong> Varsóvia<br />
Richard Zimler<br />
Oceanos<br />
No teu Deserto<br />
Miguel Sousa Tavares<br />
Oficina do Livro<br />
Jesusalém<br />
Mia Couto<br />
Caminho<br />
Os Homens<br />
que O<strong>de</strong>iam as Mulheres<br />
Stieg Larsson<br />
Oceanos<br />
Não-Ficção<br />
Portugal Que Futuro?<br />
Medina Carreira<br />
e Eduardo Dâmaso<br />
Objectiva<br />
José Sócrates - O Homem<br />
e o Lí<strong>de</strong>r (Biografia<br />
não Autorizada)<br />
Rui Costa Pinto<br />
Exclusivo Edições<br />
A Vida é um Minuto<br />
Judite Sousa<br />
Oficina do Livro<br />
O Dever do Bom Nome<br />
Filipe Pinhal<br />
Bnomics<br />
Um Mundo sem Regras<br />
Amin Maalouf<br />
Difel<br />
24<br />
MATHIEU BOURGOIS<br />
BOURGOIS<br />
Edição<br />
Viagens<br />
Entre fedor<br />
e perfume<br />
Um livro escrito na primeira<br />
pessoa por uma repórter, um<br />
livro que visa <strong>de</strong>monstrar “in<br />
actu” que a vida <strong>de</strong> repórter<br />
não é para meninas. Mais a<br />
mais no Afeganistão, terra<br />
<strong>de</strong> homens (e <strong>mulher</strong>es…) <strong>de</strong><br />
barba rija.<br />
Osvaldo Manuel Silvestre<br />
Ca<strong>de</strong>rno Afegão<br />
Alexandra Lucas Coelho<br />
Tinta da China<br />
mmmmn<br />
As edições 70 lançaram<br />
<strong>esta</strong> semana uma nova<br />
chancela, a Minotauro,<br />
on<strong>de</strong> está a ser publicada<br />
uma colecção <strong>de</strong><br />
autores espanhóis<br />
contemporâneos com<br />
<strong>de</strong>sign próprio e edição<br />
em capa dura. Os três<br />
primeiros autores a<br />
chegar às livrarias são:<br />
Álvaro Pombo, com<br />
“Contra-natura” (sobre a<br />
relação entre um editor<br />
“Ca<strong>de</strong>rno<br />
Afegão”, segundo<br />
livro <strong>de</strong> Alexandra<br />
Lucas Coelho<br />
(ALC), sai naquela<br />
que é <strong>de</strong><br />
momento a<br />
colecção <strong>de</strong><br />
referência <strong>de</strong><br />
“literatura <strong>de</strong> viagens” no nosso<br />
panorama editorial, com o cuidado<br />
<strong>de</strong> fabrico que distingue editora<br />
(Tinta da China) e colecção (capa<br />
dura, ilustração com motivo <strong>de</strong><br />
inspiração vagamente “persa”,<br />
fitilho). Sendo ALC jornalista, o<br />
título sugere o bloco-notas do<br />
trabalho <strong>de</strong> terreno, mas ao mesmo<br />
tempo, por “efeito <strong>de</strong> colecção”, o<br />
diário em que um sujeito não<br />
sujeitado à rigi<strong>de</strong>z dos códigos da<br />
reportagem se nos dá a ver em grau<br />
variável <strong>de</strong> impudor – e po<strong>de</strong>mos<br />
chamar a isto “literatura”. Assim, na<br />
p. 277 lemos: “o sol queima e<br />
apareceu-me o período”. Não há<br />
muito disto, <strong>de</strong>senganem-se os<br />
leitores ávidos <strong>de</strong> intimida<strong>de</strong>s. O que<br />
há, sim, é um livro escrito na<br />
primeira pessoa por uma repórter,<br />
um livro que, dir-se-ia, visa<br />
<strong>de</strong>monstrar “in actu” que a vida <strong>de</strong><br />
repórter não é para meninas. Mais a<br />
mais no Afeganistão, terra <strong>de</strong><br />
homens (e <strong>mulher</strong>es…) <strong>de</strong> barba rija.<br />
Des<strong>de</strong> a primeira página, no<br />
aeroporto do Dubai, ALC fala-nos<br />
pois dos problemas da sua condição<br />
<strong>de</strong> repórter-<strong>mulher</strong> naquela parte do<br />
mundo: “Esqueci em <strong>Lisboa</strong> o lenço<br />
que ia pôr quando saísse do avião.<br />
Compro o mais discreto que<br />
encontro” (p. 13). Se há um veio que<br />
percorre o livro é o empenho na<br />
<strong>de</strong>scrição da vida das <strong>mulher</strong>es<br />
afegãs, bem patente no esforço para<br />
traduzir em tropos <strong>de</strong>ceptivos a<br />
burqa que cobre a gran<strong>de</strong> maioria<br />
<strong>de</strong>las: “sacos” ou “balões” vazios<br />
pendurados em cabi<strong>de</strong>s, <strong>mulher</strong>es<br />
que <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> ser pessoas para<br />
serem “volumes” (p. 83), <strong>mulher</strong>es<br />
aposentado e um jovem<br />
que conhece no parque);<br />
Esther Tusquets, com<br />
“Bingo!” (um homem <strong>de</strong><br />
60 anos entra num Bingo,<br />
conhece Rosa e muda a<br />
sua vida); Rafael Chirbes,<br />
“Crematório” (a família, a<br />
corrupção e a perversão<br />
humana) e Julián<br />
Rodríguez com “Sem<br />
Necessida<strong>de</strong>” (passa-se<br />
na costa portuguesa: a<br />
morte iminente <strong>de</strong> um<br />
Des<strong>de</strong> a primeira página, no aeroporto do Dubai,<br />
Alexandra Lucas Coelho fala-nos dos problemas da sua condição<br />
<strong>de</strong> repórter-<strong>mulher</strong> naquela parte do mundo, o Afeganistão<br />
que parecem “fantasmas” (p. 203)<br />
quando <strong>de</strong>saparecem – e<br />
“<strong>de</strong>saparecem mesmo” (p. 216) –<br />
<strong>de</strong>ntro da burqa, e a surpresa <strong>de</strong> ver<br />
que afinal lá <strong>de</strong>ntro há uma pessoa:<br />
“Depois levanta a burqa e aparece<br />
uma rapariga esperta a sorrir” (p.<br />
203).<br />
“Tudo parece terrivelmente<br />
errado. Errado <strong>esta</strong>rmos aqui” (p.<br />
236), diz ALC quando se <strong>de</strong>para com<br />
a opulência dos estrangeiros na mais<br />
cara Guest House <strong>de</strong> Cabul. O<br />
próprio país, porém, parece uma<br />
vasta teoria <strong>de</strong> erros e <strong>de</strong>sastres, em<br />
gran<strong>de</strong> medida por ser a<br />
<strong>de</strong>monstração prática da<br />
impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r com<br />
“as lições da História” (ALC parece<br />
aliás acreditar mais na possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> o passado ser “o melhor<br />
argumento contra o presente” (p.<br />
67) do que boa parte das histórias<br />
que conta). Um e outro afegão<br />
letrado afirmam que “a comunida<strong>de</strong><br />
internacional não leu a história do<br />
Afeganistão. Devia ler e apren<strong>de</strong>r”<br />
(p. 229). Quanto aos afegãos, como<br />
aprendê-la se poucos são os que<br />
sabem ler? E assim, afegãos e<br />
estrangeiros parecem con<strong>de</strong>nados à<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
amigo faz a personagem<br />
principal confrontar r a<br />
sua memória). Esther er<br />
Tusquets e Rafael<br />
Chirbes participam dia<br />
9, às 18h30, no <strong>de</strong>bate te<br />
Dois Protagonistas da<br />
Literatura Espanhola la<br />
Contemporânea ao lado<br />
<strong>de</strong> Antonio Sáez Delgado, lgado,<br />
no auditório do Instituto ituto<br />
Cervantes, em <strong>Lisboa</strong>. oa.<br />
repetição infindável do erro.<br />
Erros e <strong>de</strong>sastres vêem-se por<br />
todo o lado. Mas sobretudo cheiramse:<br />
Cabul é a cida<strong>de</strong> com “a maior<br />
quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> matéria fecal no ar do<br />
mundo” (p. 47). E no bairro dos<br />
refugiados <strong>de</strong> Herat “cheira tão mal<br />
que tentamos não respirar. É como<br />
se tudo estivesse podre” (p. 88). O<br />
outro cheiro inesquecível <strong>de</strong> Cabul<br />
é, porém, o das rosas: “Nunca vi tão<br />
forte <strong>de</strong>dicação às flores” (p. 71). A<br />
bem dizer, o livro progri<strong>de</strong> entre a<br />
merda e as rosas, ou entre o trauma<br />
contínuo e a revelação pontual ou<br />
duradoura (em fundo, cenas <strong>de</strong><br />
“Apocalypse Now”: “O céu treme.<br />
Trânsito <strong>de</strong> aviões, talvez explosões,<br />
ao longe”, p. 191). Esta oscilação é<br />
reconhecível nos espaços<br />
institucionais objectos <strong>de</strong> análise: o<br />
Centro Ortopédico <strong>de</strong> Cabul,<br />
radiografia <strong>de</strong> uma nação<br />
aci<strong>de</strong>ntada; a livraria e o Museu <strong>de</strong><br />
Cabul, ou <strong>de</strong> como a versão taliban<br />
da iconoclastia do islamismo po<strong>de</strong><br />
conduzi-la à caricatura; e, no<br />
momento mais doloroso do livro, o<br />
Hospital <strong>de</strong> Kandahar. Ou melhor: a<br />
ala feminina do Hospital, uma vez<br />
que <strong>mulher</strong>es e homens não se<br />
misturam. E o espectáculo,<br />
minucioso e <strong>de</strong>vastador, da<br />
<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>, do preconceito e do<br />
obscurantismo.<br />
Não surpreen<strong>de</strong> que o percurso<br />
por loci institucionais mo<strong>de</strong>rnos<br />
active <strong>de</strong> forma mais nítida na autora<br />
um discurso também mo<strong>de</strong>rno: o<br />
feminista. Como não surpreen<strong>de</strong><br />
que ele ocorra sobretudo em<br />
situações reactivas, num país em<br />
que os homens “em mim só vêem<br />
uma <strong>mulher</strong>, e isso é quase nada” (p.<br />
168). Tudo isto ganha resolução<br />
ético-política numa passagem<br />
esclarecedora: “Tudo neste mundo<br />
<strong>de</strong>safia a capacida<strong>de</strong> relativizadora<br />
da antropologia pós-pós-colonialista.<br />
É um mundo activamente tribal, em<br />
que os dóceis, os diferentes, os<br />
homossexuais e as <strong>mulher</strong>es pagam<br />
um alto preço para continuarem<br />
vivos, e muitas vezes morrem” (p.<br />
170). Não é que ALC não saiba<br />
praticar a difícil modéstia da<br />
<strong>de</strong>scrição etnográfica, por exemplo<br />
a propósito do pão espalmado local:<br />
“O pão, aqui, é mesa, prato e talher”<br />
(p. 122). O ponto é contudo o<br />
carácter inevitável (e muito<br />
reconhecível no discurso feminista<br />
oci<strong>de</strong>ntal) do apelo às virtu<strong>de</strong>s<br />
cognitivas, e ético-políticas, do<br />
etnocentrismo: enquanto feminista,<br />
i.e, liberal burguesa e pós-mo<strong>de</strong>rna<br />
(parafraseio Rorty), ALC não<br />
consegue <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> rejeitar as<br />
implicações políticas do relativismo.<br />
E é este o ponto em que a jornalista<br />
reserva a um “ca<strong>de</strong>rno afegão” que<br />
será um livro <strong>de</strong> “literatura <strong>de</strong><br />
viagens” o que não confia a um<br />
bloco-notas publicável neste jornal,<br />
já que a ética do repórter é, ao invés,<br />
relativista…<br />
ALC parece ver a saída para este<br />
“<strong>de</strong>sgosto afegão” numa espécie <strong>de</strong><br />
encontro imediado com a Natureza,<br />
e daí a inteligência com que a visita<br />
aos Budas <strong>de</strong> Bamyan e ao lago <strong>de</strong><br />
Band-e-Amir surge no final <strong>de</strong><br />
viagem e livro. Na viagem para<br />
Bamyan a Natureza vai emergindo<br />
da civilização, assim que o mundo<br />
das cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>saparece. As <strong>mulher</strong>es<br />
andam aí com a cara <strong>de</strong>scoberta –<br />
como na Natureza <strong>de</strong>veria ser - e<br />
“Como na índia, são [elas] que dão<br />
cor à paisagem. A paisagem está<br />
quieta e elas estão em movimento. É<br />
uma cena viva” (p. 294). Ou ainda:<br />
“Nada fere a vista. Tudo é um todo”<br />
(p. 295). E, por fim: “Akil quase<br />
canta, e nós também. O mundo é<br />
gran<strong>de</strong>, <strong>esta</strong>mos vivos, que<br />
privilégio” (p. id.). O perfume triunfa<br />
enfim sobre o fedor, mas à custa da<br />
“fuga às cida<strong>de</strong>s”, on<strong>de</strong> como<br />
sabemos as figuras do todo são <strong>de</strong><br />
harmonia difícil: porque são<br />
políticas, tanto quanto estéticas,<br />
exactamente como, mas ao invés, a<br />
“cena viva” da natureza afegã é<br />
política por ser só estética. Ou seja:<br />
por ser uma epifania individual não<br />
traduzível já em emancipação,<br />
apesar <strong>de</strong> todas as (belas) aparências<br />
em contrário.
dir. musical
Livros<br />
Na pista<br />
do coronel<br />
Fawcett e da<br />
misteriosa “Z”<br />
É uma biografia, uma<br />
gran<strong>de</strong> reportagem sobre<br />
um tempo já perdido, um<br />
livro <strong>de</strong> viagens com cenas<br />
aterradoras e um livro <strong>de</strong><br />
ciência. Clara Barata<br />
A Cida<strong>de</strong> Perdida <strong>de</strong> Z<br />
– Uma Obsessão mortal<br />
passada na Amazónia<br />
David Grann<br />
(trad. José Freitas e Silva)<br />
Editor: Livros D’Hoje<br />
mmmmn<br />
Esta é a história <strong>de</strong> uma obsessão,<br />
26<br />
Espaço<br />
Público<br />
Este espaço vai ser<br />
seu. Que filme, peça <strong>de</strong><br />
teatro, livro, exposição,<br />
disco, álbum, canção,<br />
concerto, DVD viu e<br />
gostou tanto que lhe<br />
apeteceu escrever<br />
como diz o<br />
subtítulo, <strong>de</strong> uma<br />
obsessão pelo<br />
Inferno Ver<strong>de</strong> da<br />
Amazónia, que<br />
consumia o<br />
coronel Perry<br />
Fawcett mas o<br />
poupava para que<br />
voltasse sempre<br />
uma e outra vez ao calor, humida<strong>de</strong>,<br />
fome no meio da abundância <strong>de</strong><br />
vida, nuvens <strong>de</strong> insectos e parasitas<br />
que consumiam todos os seus<br />
companheiros mas não a ele. Porque<br />
ele, o coronel Fawcett, que excitou<br />
as imaginações dos leitores e dos fãs<br />
dos noticiários filmados exibidos<br />
antes das fitas <strong>de</strong> cinema, era um<br />
herói da fibra dos heróis vitorianos,<br />
daqueles que já <strong>esta</strong>vam a <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />
existir – alguém que podia ter saído<br />
da pena <strong>de</strong> Arthur Conan Doyle.<br />
“A Cida<strong>de</strong> Perdida <strong>de</strong> Z” é ao<br />
mesmo tempo uma biografia, um livro<br />
<strong>de</strong> viagens com cenas aterradoras –<br />
experimente não exprimir o espanto<br />
em voz alta quando <strong>de</strong>scobrir que na<br />
Amazónia há abelhas que comem<br />
sobre ele, concordando<br />
ou não concordando<br />
com o que escrevemos?<br />
Envie-nos uma nota até<br />
500 caracteres para<br />
ipsilon@publico.pt. E<br />
nós <strong>de</strong>pois publicamos.<br />
Esta é a história da obsessão pelo Inferno<br />
Ver<strong>de</strong> da Amazónia que consumia o coronel Perry Fawcett<br />
carne, mesmo que vá a ler o seu livro<br />
num transporte público –, uma gran<strong>de</strong><br />
reportagem sobre um tempo já<br />
perdido – quando ainda havia locais<br />
na Terra suficientemente<br />
inexplorados para alguém se per<strong>de</strong>r<br />
lá, sem <strong>de</strong>ixar rasto – e uma história<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>manda quase espiritual. E, para<br />
rematar, também um pouco um livro<br />
<strong>de</strong> ciência, que nos fala <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>scobertas recentes, das duas<br />
últimas décadas, que só agora<br />
começam a ser <strong>de</strong>monstradas com<br />
provas físicas.<br />
David Grann, um jornalista norteamericano<br />
que ven<strong>de</strong>u <strong>esta</strong> história<br />
à revista “New Yorker”, em 2005,<br />
não resistiu em transformá-la em<br />
livro. Ele, que quando pensou que<br />
teria <strong>de</strong> ir para Mato Grosso, foi a<br />
uma loja <strong>de</strong> artigos <strong>de</strong> aventura em<br />
Manhattan e se aprontava para sair<br />
<strong>de</strong> lá com os artigos mais<br />
improváveis e mais à James Bond<br />
possível, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as meias <strong>de</strong><br />
adrenalina até ao gelado liofilizado,<br />
como dizem que os astronautas<br />
comem, até que o ven<strong>de</strong>dor, com<br />
um rebate <strong>de</strong> consciência, lhe<br />
perguntou se alguma vez tinha<br />
acampado e lhe recomendou uma<br />
compra bem menos cara mas mais<br />
razoável.<br />
O coronel Fawcett, o motor da sua<br />
história, não tinha nada a ver com<br />
ele. Alto e atlético, <strong>de</strong> bigo<strong>de</strong><br />
elegante, parecia invencível: não<br />
havia doença ou aci<strong>de</strong>nte na selva<br />
que pegasse nele. Intolerante e<br />
exigente, consi<strong>de</strong>rava cobar<strong>de</strong> e<br />
criminoso quem não respon<strong>de</strong>sse à<br />
tortura da selva como ele. Foi o que<br />
aconteceu com James Murray,<br />
explorador da Antárctida, na missão<br />
<strong>de</strong> Shackleton, quando se juntou a<br />
Fawcett, numa malfadada expedição<br />
que só por milagre não o levou à<br />
morte.<br />
Grann <strong>de</strong>screve muito bem, na<br />
pág. 134, o que dividia os dois<br />
homens, e aquilo que Fawcett tinha<br />
<strong>de</strong> ser, para se ter tornado uma<br />
lenda ao serviço da Royal<br />
Geographic Society britânica,<br />
cartografando as fronteiras da<br />
Bolívia seguindo os tributários do rio<br />
Amazonas: “As qualificações para<br />
um gran<strong>de</strong> explorador polar e para<br />
um explorador da Amazónia não são<br />
necessariamente as mesmas. Na<br />
verda<strong>de</strong>, as duas formas <strong>de</strong><br />
exploração são a antítese uma da<br />
outra. Um explorador polar tem <strong>de</strong><br />
suportar temperaturas <strong>de</strong> 38 graus<br />
abaixo <strong>de</strong> zero e os mesmos terrores<br />
repetidamente: queimaduras do<br />
frio, fissuras no gelo e escorbuto.<br />
Olha e só vê neve e gelo, neve e gelo<br />
– uma brancura incessante. O horror<br />
fisiológico está em saber que essa<br />
paisagem nunca mudará e o <strong>de</strong>safio<br />
é resistir, como um prisioneiro na<br />
solitária, à privação dos sentidos.<br />
Em contrapartida, um explorador da<br />
Amazónia, mergulhado num<br />
cal<strong>de</strong>irão <strong>de</strong> calor, tem os sentidos<br />
constantemente agredidos. Em lugar<br />
<strong>de</strong> gelo, há chuva e um explorador<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
espreita a cada passo, em toda a<br />
parte, novos perigos: um mosquito<br />
malárico, uma lança, uma cobra,<br />
uma aranha, uma piranha. A mente<br />
tem <strong>de</strong> lidar com o terror do cerco<br />
constante”.<br />
Nas múltiplas expedições à selva<br />
que conduziu, mesmo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
praticamente ter sido acusado <strong>de</strong><br />
assassínio por Murray, Fawcett foi-se<br />
transformando ele próprio num<br />
homem da selva; falava em tornar-se<br />
nativo. Mas foi só <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter<br />
encontrado os índios que todos<br />
diziam que eram perigosos (que não<br />
<strong>esta</strong>vam aculturados, como os que<br />
viviam mais perto das linhas <strong>de</strong><br />
água) que <strong>de</strong>sabrochou em pleno a<br />
obsessão do coronel, e a sua<br />
convicção <strong>de</strong> que estes selvagens,<br />
nobres e orgulhosos, com longas<br />
flechas e arcos, como não eram os<br />
índios aculturados, <strong>de</strong>viam<br />
<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> uma civilização<br />
avançada. Indícios <strong>de</strong>ssa civilização<br />
perdida <strong>esta</strong>va sempre a encontrálos<br />
na selva, sob a forma <strong>de</strong><br />
fragmentos <strong>de</strong> bela cerâmica, em<br />
alguns locais até pinturas rupestres.<br />
A I Guerra Mundial, e os horrores<br />
nunca vistos <strong>de</strong>sse conflito,<br />
interromperam-lhe os sonhos. E se<br />
calhar danificaram a sua mente <strong>de</strong><br />
uma forma que não é possível aferir.<br />
“Z”, no entanto, continuou a<br />
fervilhar-lhe no espírito, como uma<br />
missão quase religiosa.<br />
Não esquecia “Z”, o nome que<br />
misteriosamente ele <strong>de</strong>u a essa<br />
civilização perdida, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
estudar relatos dos primeiros<br />
espanhóis e portugueses que<br />
andaram pela selva, e <strong>de</strong>screviam<br />
um ambiente bem diferente daquele<br />
que ele encontrava no início do<br />
século XX. E falavam do Eldorado,<br />
procurado até à morte por tantos,<br />
que sonhavam com o ouro sem fim<br />
<strong>de</strong>ssa cida<strong>de</strong> mítica.<br />
Após muitas dificulda<strong>de</strong>s,<br />
internou-se na selva com o filho <strong>de</strong><br />
21 anos, Jack, e o melhor amigo<br />
<strong>de</strong>ste. Os três homens, que <strong>de</strong>veriam<br />
enviar mensagens com o progresso<br />
das suas aventuras para um<br />
consórcio <strong>de</strong> jornais norteamericanos,<br />
<strong>de</strong>sapareceram um dia<br />
<strong>de</strong> 1925 na selva, sem <strong>de</strong>ixar rasto.<br />
Os boatos foram muitos, muitos<br />
outros exploradores tentaram ir<br />
resgatá-lo – uma centena terá<br />
perecido na aventura – mas <strong>de</strong>le<br />
nunca mais se soube nada.<br />
No entanto, os cientistas que<br />
<strong>de</strong>pois da I Guerra olhavam para ele<br />
como uma figura exótica e com<br />
i<strong>de</strong>ias estranhas, acabaram por<br />
vingar as suas i<strong>de</strong>ias – Grann, que foi<br />
mesmo à selva, entre os índios do<br />
Brasil, <strong>de</strong>scobre um dos cientistas<br />
que está a <strong>de</strong>scobrir a misteriosa<br />
civilização perdida da Amazónia.<br />
Mas se quer saber mesmo como é<br />
<strong>esta</strong> história da selva, tem <strong>de</strong> ler o<br />
livro até ao fim.<br />
Quebre-se o suspense, só um<br />
bocadinho: o que aconteceu mesmo<br />
a Fawcett, ao seu filho <strong>de</strong> 21 anos e<br />
ao seu amigo <strong>de</strong> infância, isso<br />
permanece um segredo da selva.
MUSEU DO ORIENTE
Livros<br />
Ficção<br />
Quadratura<br />
da neurose<br />
Sexo, drogas, jihad e<br />
psicanálise. Crónica da<br />
Londres pós-swinging, vista<br />
por um paki assumido.<br />
Eduardo Pitta<br />
Algo para te dizer<br />
Hanif Kureishi<br />
(Trad. Rita Graña)<br />
Teorema<br />
mmmmn<br />
Stephen Frears, Daniel Day-Lewis e<br />
Hanif Kureishi (n. 1954) entraram na<br />
minha vida no dia em que vi “A<br />
minha bela lavandaria” (1985).<br />
Nunca mais os perdi <strong>de</strong> vista. Outras<br />
peças <strong>de</strong> Kureishi foram por ele<br />
adaptadas ao cinema. Entretanto, o<br />
28<br />
autor teve a sorte<br />
<strong>de</strong> encontrar em<br />
Portugal um<br />
editor atento. O<br />
catálogo da<br />
Teorema inclui as<br />
suas duas<br />
colectâneas <strong>de</strong><br />
contos, bem como<br />
cinco dos seis<br />
romances. Falta traduzir o primeiro<br />
<strong>de</strong> todos, “The Buddha of Suburbia”<br />
(1990), que lhe valeu o Prémio<br />
Whitbread e um processo judicial da<br />
irmã que o acusou <strong>de</strong> manipular<br />
factos para <strong>de</strong>negrir a família. O<br />
último em data é “Algo para te<br />
dizer”.<br />
Filho <strong>de</strong> pai paquistanês e mãe<br />
inglesa, Kureishi estudou direito e<br />
filosofia mas <strong>de</strong>pois foi ganhar a vida<br />
como autor <strong>de</strong> livros pornográficos.<br />
Críticos conspícuos comparam-no a<br />
Swift e Ballard. Natural <strong>de</strong> Bromley,<br />
tornou-se o cronista por excelência<br />
dos interditos da “great London”.<br />
Jamal Khan, protagonista do<br />
romance e mais que provável alterego<br />
do autor, é um terapeuta <strong>de</strong><br />
origem paquistanesa sem ilusões<br />
acerca dos outros: “Os segredos são<br />
a minha moeda; ganho a vida a lidar<br />
com eles. Segredos do <strong>de</strong>sejo,<br />
daquilo que as pessoas realmente<br />
querem, daquilo que mais temem.<br />
Segredos escondidos em questões<br />
como: Por que motivo é o amor tão<br />
difícil, o sexo complicado, a vida<br />
dolorosa, e a morte tão próxima e no<br />
entando tida como tão longínqua?<br />
Porque é que o prazer e o castigo<br />
estão tão intimamente relacionados?<br />
Como é que os nossos corpos falam?<br />
Porque será o prazer tão difícil <strong>de</strong><br />
aguentar?” E isto é só o primeiro<br />
parágrafo do livro.<br />
Jamal Khan olha a profissão com<br />
complacência: “De outra forma, o<br />
público teria <strong>de</strong> se contentar com<br />
livros <strong>de</strong> auto-ajuda em que os<br />
autores anunciavam os seus<br />
doutoramentos na capa, como uma<br />
garantia <strong>de</strong> estupi<strong>de</strong>z.” Um filho<br />
problemático e uma irmã<br />
toxico<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e bissexual —<br />
Miriam parece <strong>de</strong>calcada da<br />
verda<strong>de</strong>ira irmã <strong>de</strong> Kureishi — são<br />
motivo <strong>de</strong> tensão acrescida. O<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
ANNE-CHRISTINE POUJOULAT/ AFP<br />
“Algo para te dizer” prova<br />
que Kureishi <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ter vergonha <strong>de</strong> ser “paki”<br />
exercício da psicanálise é uma forma<br />
como qualquer outra <strong>de</strong> se<br />
“<strong>de</strong>sculpabilizar” enquanto<br />
escalpeliza a Inglaterra pós-Beatles.<br />
Por interposto Jamal Khan, Kureishi<br />
expõe o que pensa sobre Freud,<br />
sexo, drogas, intolerância racial,<br />
imigrantes, o 11 <strong>de</strong> Setembro, o<br />
<strong>de</strong>senraizamento dos muçulmanos<br />
europeus, os homens-bomba, a jihad<br />
islâmica em solo britânico, Mick<br />
Jagger, Lady Di (“a supermo<strong>de</strong>lo da<br />
histeria”), Blair (“um fanático”) e a<br />
guerra do Iraque. Tudo sem per<strong>de</strong>r<br />
<strong>de</strong> vista a cultura pop dos anos 1960-<br />
70, sublinhada em notas atinentes.<br />
Jamal Khan é bipolar, egocêntrico,<br />
cínico e mesquinho. Não diz tudo,<br />
guarda para si o mais importante.<br />
Afinal <strong>de</strong> contas, não se mata um<br />
homem todos os dias. Melhor que<br />
ninguém, sabe que a torrente da<br />
consciência <strong>de</strong>ve ser servida em<br />
doses homeopáticas. A culpa é um<br />
empecilho? Quem melhor que os<br />
pacientes para o isentar <strong>de</strong>la? Uma<br />
sucessão <strong>de</strong> pequenas histórias<br />
compõem o quadro geral. O recurso<br />
ao “flashback” nem sempre é eficaz,<br />
ficando algumas pontas soltas por<br />
resolver. Um expediente curioso é o<br />
da intromissão do protagonista <strong>de</strong><br />
“A minha bela lavandaria”. O jovem<br />
gay paquistanês da era Thatcher é<br />
agora um produtor da televisão,<br />
próspero e conservador. Uma<br />
metáfora do percurso do autor?<br />
Os últimos capítulos ocupam-se<br />
do ataque terrorista <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong><br />
2005, em Londres: três bombas no<br />
metro, outra num autocarro que<br />
atravessava Tavistock Square.<br />
Enquanto “<strong>de</strong>baixo da superfície, a<br />
cida<strong>de</strong> ardia num inferno<br />
in<strong>de</strong>scritível”, Jamal Khan revê<br />
mentalmente os que <strong>de</strong>ixaram o seu<br />
nome associado à praça: Gandhi,<br />
Dickens, Freud, James Strachey,<br />
Virginia Woolf... Ao mesmo tempo,<br />
pensa “no horror daqueles<br />
comboios <strong>de</strong>struídos pelas bombas,<br />
naqueles corpos <strong>de</strong>spedaçados [...]<br />
que culminam, pelo menos na<br />
minha cabeça, na matança diabólica<br />
<strong>de</strong> civis em Bagda<strong>de</strong>: cabeças<br />
cortadas [...] membros atirados para<br />
as árvores.”<br />
Porém, mais do que a crítica social<br />
(oriundo da alta classe média<br />
paquistanesa, Kureishi nasceu e<br />
cresceu na periferia proletária do sul<br />
<strong>de</strong> Londres, on<strong>de</strong> os pais se<br />
radicaram <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> fugir da Índia),<br />
o sexo é o Leitomotiv da obra. E um<br />
livro como este ilustra bem a<br />
máxima do autor: “os círculos<br />
adjacentes do prazer são múltiplos”.<br />
Mérito maior, “Algo para te dizer”<br />
prova que Kureishi <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ter<br />
vergonha <strong>de</strong> ser “paki”.
“Se eu olhar para trás<br />
foi extremamente<br />
rápido...”<br />
Carlos<br />
Drummond<br />
<strong>de</strong> Andra<strong>de</strong><br />
http://www.<br />
carlosdrummond<strong>de</strong>andra<strong>de</strong>.<br />
com.br/<br />
Ciberescritas<br />
O poeta da vida<br />
supersónica<br />
78 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, você acha muito?”,<br />
perguntava, em 1981, uma jornalista do<br />
“Jornal Hoje” a Carlos Drummond <strong>de</strong><br />
Andra<strong>de</strong> num dos ví<strong>de</strong>os, disponível no<br />
“São<br />
You Tube e no “site” oficial do poeta que a<br />
editora brasileira Record acaba <strong>de</strong> lançar. A resposta não<br />
se fez esperar: “Não, não é bem nem muito, a gente não<br />
tem a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que o tempo passou não. (...) Se eu olhar<br />
para trás foi extremamente rápido, uma coisa curiosa<br />
isso não dá para a gente sentir a ida<strong>de</strong> não, dá para sentir<br />
que o negócio foi muito veloz, um processo <strong>de</strong>masiado<br />
rápido, como se eu tomasse um avião supersónico.”<br />
Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> morreu em Agosto <strong>de</strong> 1987 e<br />
há 25 anos que a sua obra está no catálogo da Record.<br />
Para o assinalar foi lançado este “site” on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong>m<br />
consultar todos os títulos <strong>de</strong> Drummond publicados na<br />
Record, bem como fotos e ví<strong>de</strong>os on<strong>de</strong> o autor aparece.<br />
Mas a gran<strong>de</strong> novida<strong>de</strong> é a secção Rádio Drummond,<br />
on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>mos ouvir alguns dos seus poemas musicados.<br />
Quando se entra ouve-se, por exemplo, o famoso poema<br />
“No meio do caminho tinha uma pedra” em versão<br />
“Drum’n’bass” (“Nunca me esquecerei que no meio do<br />
caminho/tinha uma pedra/tinha uma pedra no meio<br />
do caminho/no meio do caminho tinha uma pedra”). E<br />
também o divertido “Quadrilha” (“João amava Teresa<br />
que amava Raimundo/ que amava Maria que amava<br />
Joaquim que amava Lili/ que não amava ninguém.// João<br />
foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,/<br />
Raimundo morreu <strong>de</strong> <strong>de</strong>sastre, Maria ficou para tia,/<br />
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernan<strong>de</strong>s/<br />
que não tinha entrado na história.//”)<br />
Este não é o primeiro “site” que surge na Internet<br />
<strong>de</strong>dicado ao poeta. Em 1995 foi lançado Drummond na<br />
era digital (“o primeiro website <strong>de</strong> um autor brasileiro”)<br />
e dois anos <strong>de</strong>pois foi colocada na Internet a primeira<br />
versão interactiva do livro “O Avesso das Coisas”.<br />
Carlos Drummond <strong>de</strong><br />
Andra<strong>de</strong> nasceu em 1902,<br />
em Itabira do Mato Dentro,<br />
<strong>esta</strong>do <strong>de</strong> Minas Gerais.<br />
Estudou no Colégio Anchieta<br />
da Companhia <strong>de</strong> Jesus <strong>de</strong> on<strong>de</strong> foi expulso em 1919 por<br />
“insubordinação mental” e no ano seguinte mudou-se<br />
com a família para Belo Horizonte. Em 1924, Drummond<br />
começou a correspon<strong>de</strong>r-se com outro poeta, Manuel<br />
Ban<strong>de</strong>ira, e nesse ano conhece Blaise Cendrars, Oswald<br />
<strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, Tarsila do Amaral e Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong><br />
no Gran<strong>de</strong> Hotel <strong>de</strong> Belo Horizonte. Estes <strong>de</strong>talhes<br />
biográficos estão disponíveis na secção Linha do Tempo,<br />
numa cronologia on<strong>de</strong> se fica a saber um pouco sobre<br />
a vida <strong>de</strong> Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>. No dia 31 <strong>de</strong> Janeiro<br />
<strong>de</strong> 1987 escreveu o seu último poema, “Elegia a um<br />
Tucano Morto”, e a filha, Maria Julieta, morreu com um<br />
cancro no dia 5 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong>sse ano. O poeta escreveu<br />
nessa altura no seu diário: “Assim terminou a vida da<br />
pessoa que mais amei neste mundo.” Doze dias <strong>de</strong>pois,<br />
Carlos Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> morria com problemas<br />
cardíacos.<br />
Além das fotos, dos ví<strong>de</strong>os, das referências aos livros<br />
com alguns poemas que po<strong>de</strong>m ser lidos na íntegra, da<br />
Rádio Drummond, irão ser acrescentadas entrevistas<br />
e poesias <strong>de</strong>clamadas pelo próprio Drummon. Quem<br />
quiser po<strong>de</strong> <strong>de</strong>scarregar para o ecrã do computador<br />
“papéis <strong>de</strong> pare<strong>de</strong>” com imagens do poeta com uma vida<br />
supersónica.<br />
isabel.coutinho@publico.pt<br />
(Ciberescritas já é um blogue http://blogs.publico.pt/<br />
ciberescritas)<br />
Zonas <strong>de</strong><br />
penumbra<br />
Reedição do primeiro<br />
romance <strong>de</strong> Vasco Graça<br />
Moura, sob o signo musical.<br />
Pedro Mexia<br />
Quatro Últimas Canções<br />
Vasco Graça Moura<br />
Quetzal<br />
mmmnn<br />
“Na sua infância,<br />
não se tinha posto<br />
nunca a questão<br />
da justificação da<br />
música, e muito<br />
menos a da<br />
legitimação da<br />
ópera. Era um<br />
facto aceite e<br />
fruído, como as<br />
verda<strong>de</strong>s do catecismo e os terrores<br />
<strong>de</strong> Sexta-Feira Santa. E, procurando<br />
dizer as coisas com muito tacto,<br />
repetia-lhe que nas gran<strong>de</strong>s óperas,<br />
‘Orfeo’, ‘D. Giovanni’, o ‘Tristão’,<br />
quase todo o Verdi, a questão não<br />
seria talvez a da verosimilhança,<br />
nem a do maior ou menor<br />
grau <strong>de</strong> convenção, mas<br />
pura e simplesmente a<br />
<strong>de</strong> um certo jogo<br />
melodramático dos<br />
equivalentes da<br />
verda<strong>de</strong>. Ou a <strong>de</strong> um<br />
tipo <strong>de</strong> arte que<br />
existe e age por<br />
transfiguração das<br />
representações do<br />
<strong>de</strong>stino e do lado<br />
agónico da<br />
paixão” (pág.<br />
40). Esta<br />
passagem<br />
resume o<br />
programa do<br />
primeiro<br />
romance <strong>de</strong><br />
Vasco Graça<br />
Moura, publicado<br />
em 1987. Não é a<br />
verosimilhança que<br />
importa, mas o jogo<br />
melodramático das<br />
FERNANDO VELUDO/ PÚBLICO<br />
paixões. Sem que nunca se<br />
<strong>de</strong>sliguem melodrama e jogo, que<br />
Graça Moura é um melancólico<br />
lúdico. Escrito sob o signo musical,<br />
progri<strong>de</strong> em vários andamentos,<br />
vários timbres, cadências,<br />
compassos. É uma polifonia em que<br />
as personagens são sobretudo vozes.<br />
Mais uma vez, é o próprio autor<br />
quem explica, numa curiosa nota<br />
final: “(…) o registo <strong>de</strong> Matil<strong>de</strong> é<br />
teatral e trágico; o <strong>de</strong> Francisco é o<br />
do memorialismo íntimo e o da<br />
evocação camiliana; o <strong>de</strong> Ingrid,<br />
mais ligeiro, tem a ver com que<br />
po<strong>de</strong>ríamos <strong>de</strong>signar por crónica<br />
jornalística; o <strong>de</strong> Cristóvão situa-se<br />
predominantemente nas margens do<br />
diarismo” (pág. 202).<br />
Esta auto-<strong>de</strong>finição é interessante<br />
porque parece <strong>de</strong>smontar a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />
que Graça Moura escolheu para os<br />
seus romances um registo narrativo<br />
Não é a verosimilhança que importa,<br />
mas o jogo melodramático das paixões,<br />
no primeiro romance <strong>de</strong> Vasco Graça<br />
Moura, agora reeditado<br />
clássico, sem quaisquer<br />
mo<strong>de</strong>rnismos. É verda<strong>de</strong> que as<br />
cenas são quase sempre realistas,<br />
que a prosa é claríssima, que há uma<br />
vaga psicologia. E nenhum escritor<br />
heterossexual <strong>de</strong>screve tão bem a<br />
arquitectura barroca ou a <strong>de</strong>coração<br />
<strong>de</strong> um salão. Mas é muito mais<br />
estimulante vermos “Quatro Últimas<br />
Canções” como “cose mentale”.<br />
Chegamos à última página e quase<br />
não retemos nada do enredo e das<br />
figuras que o atravessam, excepto o<br />
facto <strong>de</strong> se tratar <strong>de</strong> uma<br />
homenagem à Casa <strong>de</strong> Mateus, no<br />
seu notável trabalho <strong>de</strong> mecenato e<br />
na sua fauna <strong>de</strong> artistas excêntricos.<br />
O que fica, em contrapartida, é um<br />
texto maleável, que num passo<br />
discute Jünger e noutro dá a ouvir<br />
uma telefonia mal sintonizada, que<br />
cose excertos <strong>de</strong> poemas e<br />
divagações intencionalmente<br />
pretensiosas, que fustiga a<br />
“esquerda festiva” e a tontice dos<br />
intelectuais, e que regularmente<br />
interrompe tudo com umas<br />
investigações genealógicas que<br />
funcionam curiosamente como<br />
acrescento ficcional.<br />
As “Quatro Últimas Canções”<br />
(“Vier letzte Lie<strong>de</strong>r”), última<br />
composição <strong>de</strong> Richard Strauss<br />
(1948) estruturam o romance,<br />
ondulando nas “(…) <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iras<br />
metamorfoses do <strong>de</strong>stino, na<br />
luminosa e pungente serenida<strong>de</strong> dos<br />
ecos já rarefeitos <strong>de</strong> uma presença<br />
do mundo, das suas alegrias e das<br />
suas catástrofes”. Embora o livro<br />
contenha passagens <strong>de</strong> educação<br />
sentimental, e uma intriga política<br />
confusa, o que prevalece é a<br />
sucessão <strong>de</strong> símbolos e memórias<br />
que a música convoca, quase<br />
sempre num tom calmamente<br />
crepuscular, em zonas <strong>de</strong><br />
penumbra. A música, tal como a<br />
coreografia in<strong>de</strong>cisa d<strong>esta</strong>s<br />
personagens, cria momentos <strong>de</strong><br />
intensida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> naturalida<strong>de</strong>,<br />
<strong>de</strong> representação, <strong>de</strong><br />
sofrimento, mas tudo isso<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do intérprete e do<br />
ouvinte. A música, tal como a vida,<br />
só se revela enquanto execução,<br />
sujeita à personalida<strong>de</strong> do músico,<br />
isto é, do sujeito. A partitura é então<br />
transfigurada por quem toca ou<br />
canta, mas também por quem ouve,<br />
ou seja, por quem vive.<br />
29
Teatro/Dança<br />
30<br />
Teatro<br />
Bailado<br />
num velório<br />
criado por<br />
Pessoa<br />
Três bailarinas transformam<br />
um texto dramatúrgico<br />
“estático e extático”, “O<br />
Marinheiro”, <strong>de</strong> Pessoa,<br />
num poema visual cujo<br />
movimento é pensado por<br />
Joclécio Azevedo.<br />
Ana Maria Henriques<br />
O Marinheiro<br />
De Fernando Pessoa. Encenação <strong>de</strong><br />
Francisco Alves. Pelo Teatro<br />
Plástico. Com Andrea Moisés,<br />
Margarida Bento, Mónica Garnel,<br />
Cátia Esteves, Inês Cerqueira,<br />
Susana Otero.<br />
Porto. Teatro Helena Sá e Costa (ESMAE). R.<br />
Alegria, 503 (entrada pela R. da Escola Normal, 39).<br />
De 03/10 a 11/10. 3ª a Dom. às 21h30. Tel.:<br />
225189982. 5€ a 10€.<br />
Três <strong>mulher</strong>es velam um corpo cuja<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é <strong>de</strong>sconhecida, viajando<br />
entre o passado e o futuro e contando<br />
histórias como a <strong>de</strong> um homem do<br />
mar que, após ter naufragado numa<br />
ilha <strong>de</strong>serta, cria uma realida<strong>de</strong><br />
ficcional mais po<strong>de</strong>rosa que a<br />
realida<strong>de</strong>. Neste velório etéreo que<br />
Francisco Alves e o Teatro Plástico<br />
construíram a partir d’ “O<br />
Marinheiro”, <strong>de</strong> Fernando Pessoa,<br />
Agenda<br />
Teatro<br />
Estreiam<br />
O Efeito <strong>de</strong> Serge<br />
De Philippe Quesne. Encenação <strong>de</strong><br />
Philippe Quesne. Pelo Vivarium<br />
Studio. Com Gaetan Vourch, Isabelle<br />
Angotti, Rodolphe Auté, Hermès,<br />
Zinn Atmane.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Culturgest. Rua Arco do Cego - Edifício da<br />
CGD. De 05/10 a 06/10. 2ª e 3ª às 21h30. Tel.:<br />
217905155. 15€.<br />
A Melancolia dos Dragões<br />
De Philippe Quesne. Encenação <strong>de</strong><br />
Philippe Quesne. Pelo Vivarium<br />
Studio. Com Isabelle Angotti, Zinn<br />
Atmane, Rodolphe Auté, Hermès,<br />
Sébastien Jacobs, Émilien Tessier,<br />
Tristan Varlot, Gaetan Vourch.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Culturgest. Rua Arco do Cego - Edifício da<br />
CGD. De 08/10 a 10/10. 5ª a Sáb. às 21h30. Tel.:<br />
217905155. 12€.<br />
Trama - Festival <strong>de</strong> Artes<br />
Performativas.<br />
Rapariga(s)<br />
De Neil Labute. Encenação <strong>de</strong><br />
Almeno Gonçalves. Com André<br />
três bailarinas transformam um texto<br />
dramatúrgico “estático e extático”<br />
num poema visual cujo movimento é<br />
pensado por Joclécio Azevedo.<br />
Em cena no Teatro Helena Sá e<br />
Costa, no Porto, a partir <strong>de</strong> amanhã e<br />
até 11 <strong>de</strong> Outubro, “O Marinheiro” é,<br />
para o director artístico, Francisco<br />
Alves, “um dos mais belos textos <strong>de</strong><br />
toda a história da dramaturgia e<br />
literatura portuguesas”: por recusar<br />
coor<strong>de</strong>nadas teatrais – “não há<br />
personagens, acção ou enredo” -, é<br />
um “<strong>de</strong>safio para qualquer criador”.<br />
“As gran<strong>de</strong>s obsessões do Pessoa<br />
estão cá todas: o mar, a dualida<strong>de</strong><br />
vida/sonho, a palavra como algo<br />
mágico e a palavra poética enquanto<br />
Nunes, Jéssica Athay<strong>de</strong>,<br />
Marta Melro, Núria Madruga, Helena<br />
Laureano.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro da Comuna - Sala das Novas<br />
Tendências. Pç. Espanha. De 08/10 a 31/12. 5ª a Sáb.<br />
às 21h30. Tel.: 217221770. 15€.<br />
A Resistível Ascensão<br />
<strong>de</strong> Arturo Ui<br />
De Bertolt Brecht. Encenação <strong>de</strong><br />
Joaquim Horta. Pela Truta. Com<br />
Carlos Alves, Duarte Guimarães,<br />
Gonçalo Amorim, Joaquim Horta,<br />
Paula Diogo, Pedro Martinez, Raul<br />
Oliveira, Rúben Tiago, Sílvia Filipe,<br />
Tónan Quito.<br />
Caldas da Rainha. Centro Cultural<br />
e Congressos das Caldas da Rainha. Rua Doutor<br />
Leonel Sotto Mayor. Dia 02/10. 6ª às 21h30. Tel.:<br />
262889650. 7,5€.<br />
Continuam<br />
O Concerto <strong>de</strong> Gigli<br />
De Tom Murphy. Encenação <strong>de</strong> Nuno<br />
Carinhas. Pela Assédio. Com João<br />
Cardoso, João Pedro Vaz, Rosa<br />
Quiroga.<br />
Porto. Teatro Carlos Alberto. R. Oliveiras, 43. De<br />
08/10 a 11/10. 5ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.:<br />
223401905. 5€ a 15€.<br />
Sons Fundamentais: Vozes da Irlanda.<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito aMaumM<br />
BommmmmmExcelente<br />
“O Efeito <strong>de</strong> Serge”, <strong>de</strong> Philippe Quesne<br />
A confluência das artes plásticas, da música,<br />
da dança e da palavra num espectáculo teatral<br />
é um dos aspectos trabalhados pelo Teatro Plástico<br />
manif<strong>esta</strong>ção do divino”, explica,<br />
realçando a adaptação que o texto<br />
original sofreu com a inclusão das<br />
bailarinas. “Tentei trabalhar a i<strong>de</strong>ia<br />
do fragmento, da dispersão e do<br />
espelho, elementos fundamentais na<br />
obra do autor”. Ao longo da acção, as<br />
três <strong>mulher</strong>es <strong>de</strong>sdobram-se noutras<br />
personagens graças às variações e<br />
pequenos solilóquios que, apesar <strong>de</strong><br />
dialogarem entre si, vão tendo em<br />
palco.<br />
Esta que foi a primeira obra<br />
publicada por Pessoa na revista<br />
“Orpheu”, foi escrita em dois dias, no<br />
ano <strong>de</strong> 1913, e prece<strong>de</strong> a explosão da<br />
criação dos heterónimos. Até morrer,<br />
em 1935, o autor não cessou <strong>de</strong><br />
Padam Padam<br />
De José Maria Vieira Men<strong>de</strong>s. Pelo<br />
Teatro Praga. Com Cláudia Jardim,<br />
Diogo Bento, Marcello Urgeghe,<br />
Patrícia da Silva, Pedro Penim.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Centro Cultural <strong>de</strong> Belém - Pequeno<br />
Auditório. Praça do Império. Até 05/10. 4ª a Sáb. às<br />
21h30. 2ª e Dom. às 19h. Tel.: 213612400. 12,5€ a 15€.<br />
Menina Else<br />
De Arthur Schnitzler. Encenação <strong>de</strong><br />
Christine Laurent. Com Rita Durão.<br />
Guarda. Teatro <strong>Municipal</strong> da Guarda. Rua Batalha<br />
Reis, 12. Dia 03/10. Sáb. às 21h30. Tel.: 271205241. 5€.<br />
Acto Seguinte - Festival <strong>de</strong> Teatro da<br />
Guarda.<br />
A Caça<br />
De Manoel <strong>de</strong> Oliveira. Encenação <strong>de</strong><br />
Rogério <strong>de</strong> Carvalho. Pelo Bando.<br />
Com Crista Alfaiate, Miguel Eloy, Sara<br />
<strong>de</strong> Castro.<br />
Torres Vedras. Teatro-Cine. Av. Tenente Valadim, 19.<br />
Dia 03/10. Sáb. às 11h. Tel.: 261338131. 2€.<br />
A Bicicleta <strong>de</strong> Faulkner<br />
De Heather McDonald. Encenação <strong>de</strong><br />
Rita Lello. Com Maria do Céu Guerra,<br />
Rita Fernan<strong>de</strong>s, Sérgio Moura Afonso,<br />
Susana Costa.<br />
<strong>Lisboa</strong>. A Barraca - Teatro Cinearte. Lg Santos, 2. Até<br />
29/11. 5ª a Sáb. às 22h. Dom. às 17h. Tel.:<br />
213965360.10€ a 12,5€.<br />
adaptar a única produção dramática<br />
que completou e editou em vida,<br />
apesar <strong>de</strong> nunca a ter visto<br />
representada. Para uma melhor<br />
compreensão da complexida<strong>de</strong> da<br />
peça, o programa distribuído aos<br />
espectadores vai contar com a<br />
publicação <strong>de</strong> um ensaio <strong>de</strong> Teresa<br />
Rita Lopes, on<strong>de</strong> a especialista na<br />
obra do autor discorre sobre a<br />
relevância e riqueza do texto no<br />
universo pessoano.<br />
Criado em 1995 no Porto, o Teatro<br />
Plástico tem vindo a d<strong>esta</strong>car-se na<br />
apresentação <strong>de</strong> textos<br />
contemporâneos que<br />
“problematizem o tempo presente e<br />
todos os seus paradoxos”. A<br />
confluência das artes plásticas, da<br />
música, da dança e da palavra num<br />
espectáculo teatral é um dos aspectos<br />
trabalhados por <strong>esta</strong> companhia<br />
cujas encenações se esforçam por<br />
explorar novas formas para a<br />
representação no espaço urbano, e<br />
on<strong>de</strong> os monólogos assumem lugar<br />
<strong>de</strong> d<strong>esta</strong>que.<br />
Adiada por várias vezes <strong>de</strong>vido à<br />
perda do apoio institucional do<br />
Ministério da Cultura, a<br />
representação d’ “O Marinheiro” pela<br />
companhia portuense resulta <strong>de</strong> um<br />
processo “complicado” que<br />
comportou mudanças no elenco,<br />
hoje formado por Andrea Moisés,<br />
Margarida Bento, Mónica Garnel,<br />
Cátia Esteves, Inês Cerqueira e<br />
Susana Otero. Apesar da estreia<br />
marcada para amanhã às 21h30,<br />
Francisco Alves não <strong>de</strong>siste da i<strong>de</strong>ia<br />
<strong>de</strong> o encenar numa igreja: “pela sua<br />
dimensão espiritual, este texto<br />
incorpora um ritual em que, tal como<br />
na missa, o objectivo é tornar<br />
presente o que não existe através da<br />
palavra”.<br />
Ifigénia na Táurida<br />
De Goethe. Encenação <strong>de</strong> Luis<br />
Miguel Cintra. Com Beatriz Batarda,<br />
José Manuel Men<strong>de</strong>s, Luis Miguel<br />
Cintra, Paulo Moura Lopes, Vítor <strong>de</strong><br />
Andra<strong>de</strong>.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro da Cornucópia - Bairro Alto. R.<br />
Tenente Raúl Cascais 1A. Até 01/11. 3ª a Sáb. às<br />
21h30. Dom. às 16h. Tel.: 213961515. 15€ (sujeitos a<br />
<strong>de</strong>scontos).<br />
Seis Personagens<br />
à Procura <strong>de</strong> Autor<br />
De Luigi Piran<strong>de</strong>llo. Pelos Artistas<br />
Unidos. Encenação <strong>de</strong> Jorge Silva<br />
Melo. Com João Perry, Sylvie Rocha,<br />
Lia Gama, Mariema, Pedro Gil, entre<br />
outros.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> S. Luiz.<br />
R. Antº Maria Cardoso, 38-58. Até 18/10. 4ª, 5ª, 6ª e<br />
Sáb. às 21h00. Dom. às 17h30. Tel.: 213257650. 10€<br />
a 20€.<br />
O Camareiro<br />
De Ronald Harwood. Com Alexandre<br />
Lopes, Carlos Paniágua, José Neves,<br />
Maria Ana Filipe, Maria Amélia<br />
Matta, Paula Mora, Ruy <strong>de</strong> Carvalho,<br />
Virgílio Castelo.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Teatro Nacional D. Maria II - Sala Garrett.<br />
Pç. D. Pedro IV. Até 25/10. 4ª, 5ª, 6ª<br />
e Sáb. às 21h30. Dom. às 16h00. Tel.: 213250835.<br />
7,5€ a 16€.
Discos<br />
Pop<br />
Com<br />
que som!<br />
Aliar os prodígios da<br />
engenharia a uma voz<br />
prodigiosa era só o que<br />
faltava a Amália. Agora já não<br />
falta. Há um passado melhor,<br />
no futuro que nos espera.<br />
Nuno Pacheco<br />
Amália<br />
Rodrigues<br />
Coração<br />
In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />
mmmmn<br />
IPlay<br />
Amália Secreta<br />
mmmmn<br />
Tradisom, Tr Trad a isom, , Farol<br />
Sings Fa Fado<br />
do From<br />
Portugal<br />
and Flamenco<br />
Flamenco<br />
From Spain<br />
mmmnn<br />
CNM<br />
Seja febre ou moda, a, a onda <strong>de</strong><br />
r<strong>esta</strong>uros que se apossou possou da<br />
chamada música popular opular é<br />
reconhecidamente e bem-vinda.<br />
bem-vinda.<br />
Quem já ouviu os “novos” Beatles<br />
sabe do que se trata. a. Um vidro baço<br />
que se torna nítido fazendo <strong>de</strong> uma<br />
antiga paisagem um m alvo renovado renovado<br />
<strong>de</strong> curiosida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>slumbramento.<br />
eslumbramento.<br />
Por via da exposição ição que assinala<br />
os <strong>de</strong>z anos da morte rte <strong>de</strong> Amália,<br />
também um lote consi<strong>de</strong>rável onsi<strong>de</strong>rável das<br />
suas gravações foi sujeito a r<strong>esta</strong>uro.<br />
“Coração In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte”, <strong>de</strong>nte”, disco com<br />
o mesmo nome da exposição exposição a<br />
inaugurar no Museu eu Berardo, surge<br />
como fulcral neste processo.<br />
Primeiro porque o trabalho <strong>de</strong><br />
engenharia sonora nele aplicado é,<br />
<strong>de</strong> facto, extraordinário. nário. Des<strong>de</strong> os<br />
temas <strong>de</strong> “Com Que e Voz” (“Gaivota”,<br />
“Maria <strong>Lisboa</strong>”) até é aos (agora mais)<br />
magníficos “Povo Que Lavas no Rio”<br />
e “Estranha Forma a <strong>de</strong> Vida”<br />
(“Busto”), não só a voz <strong>de</strong> Amália se<br />
torna mais encantadora adora nas suas<br />
cambiantes cromáticas, ticas, como os<br />
acompanhamentos s instrumentais<br />
ganham novo e significativo nificativo<br />
relevo, sejam guitarras rras (Raul<br />
Nery, Fontes Rocha, a,<br />
Domingos Camarinha), nha),<br />
violas (Santos Moreira, eira,<br />
Castro Mota, Joel Pina), ina),<br />
orquestras ou mesmo mo<br />
instrumentos<br />
inesperados (ouça-se, -se,<br />
por exemplo, o contrabaixo no “Aï<br />
mourir pour toi” <strong>de</strong> 1958).<br />
Os 20 temas do disco (há também<br />
uma outra edição, em CD duplo,<br />
com 35 temas mas <strong>de</strong> tiragem<br />
limitada) vão dos anos 50 aos 70,<br />
numa sequência harmónica e<br />
sedutora para o ouvinte (a selecção é<br />
<strong>de</strong> David Ferreira) e permitem<br />
escutar com “novos ouvidos” o<br />
brilho incomparável da voz <strong>de</strong><br />
Amália em registos muito diversos:<br />
“Solidão”, vinda do “<strong>de</strong>sencontro”<br />
histórico com o saxofonista Don<br />
Byas, permite enten<strong>de</strong>r melhor a<br />
branda excelência <strong>de</strong>ssa versão;<br />
“Barco negro” ou “Fallaste<br />
corazón”, <strong>de</strong> 1955, reluzem como<br />
nunca; “Foi Deus”, das gravações <strong>de</strong><br />
Abbey Road <strong>de</strong> 1952, é único, até<br />
pelo insólito (Amália engana-se, ao<br />
cantar “o pranto nos rosto” em vez<br />
<strong>de</strong> “o pranto no rosto”); e os dois<br />
temas vindos do célebre concerto do<br />
Olympia em 1956, “Amália” e “Nem<br />
às pare<strong>de</strong>s confesso”, fazem-nos<br />
querer ouvir, agora, todo o concerto<br />
assim, como se tivesse sido gravado<br />
ontem. O trabalho <strong>de</strong> engenharia<br />
sonora, a cargo <strong>de</strong> um técnico que é<br />
também músico (o peruano Jorge<br />
Cervantes), Cervante s), ) foi feito a partir das ddas<br />
fitas ffitas<br />
originais, com uma uma única excepção:<br />
“Aï mourir pour toi”,<br />
gravado em Paris.<br />
Apesar da excelência<br />
do resultado, há<br />
falhas no<br />
libreto, para<br />
lá dos bons s<br />
textos:<br />
pequenos<br />
erros,<br />
ausência<br />
dos anos<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
Air: meia reinvenção, meio gran<strong>de</strong> disco<br />
<strong>de</strong> gravação das faixas e dos<br />
títulos dos discos originais. A<br />
corrigir, espera-se.<br />
Uma outra edição on<strong>de</strong> o r<strong>esta</strong>uro<br />
é também notável, mas feito a partir<br />
<strong>de</strong> discos <strong>de</strong> 78 rotações, é o terceiro<br />
volume da série Arquivos do Fado.<br />
Com um libreto irrepreensível,<br />
chama-se “Amália Secreta” porque a<br />
quase totalida<strong>de</strong> dos seus 20 temas<br />
era inédita em CD, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />
parte do disco “Amália Rodrigues”<br />
(1957), só editado em França e no<br />
Brasil (<strong>esta</strong> edição inclui 10 das 12<br />
faixas originais, entre as quais a<br />
raríssima “Ai <strong>Lisboa</strong>” e uma versão<br />
excelente <strong>de</strong> “Foi Deus”, que é<br />
muito curioso comparar com a do<br />
disco antes citado) até à dilacerante<br />
ranchera “Grítenme piedras <strong>de</strong>l<br />
campo”.<br />
Por último, essencial a<br />
coleccionadores, o primeiro LP <strong>de</strong><br />
Amália, editado nos EUA em 1954. A<br />
remasterização não anulou por<br />
completo as reverberações, mas a<br />
voz <strong>de</strong> Amália resiste aos <strong>de</strong>feitos e,<br />
quer nas oito faixas do LP original<br />
(há, também, uma edição limitada<br />
em vinil) quer nos quatro bónus<br />
incluídos no CD, impõe-se pela<br />
força. Mas MMas<br />
basta bbasta<br />
comparar, por<br />
exemplo, dois “Fallaste corazón” (o<br />
<strong>de</strong>ste <strong>de</strong>ste disco é o mesmo <strong>de</strong> “Coração<br />
In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte”) para<br />
confirmar que o<br />
“coração” da<br />
engenharia<br />
vale ouro.<br />
Por via da exposição que assinala os <strong>de</strong>z anos<br />
da morte <strong>de</strong> Amália, um lote consi<strong>de</strong>rável das suas<br />
gravações foi sujeito a r<strong>esta</strong>uro<br />
Air<br />
Love 2<br />
EMI<br />
mmmmn<br />
Onze anos <strong>de</strong>pois<br />
da estreia com<br />
“Moon Safari”<br />
ninguém espera<br />
revoluções dos Air<br />
– quando muito<br />
há uma vaga<br />
esperança <strong>de</strong> ver retornar aquela<br />
impon<strong>de</strong>rável aliança entre<br />
reaccionarismo e invenção pop que<br />
dominava o primeiro disco. Porque é<br />
nisso que eles (só por vezes e nunca<br />
durante um disco inteiro) são<br />
extraordinários: na criação <strong>de</strong> papel<br />
<strong>de</strong> pare<strong>de</strong> que emana ternura. Foi,<br />
aliás, a recusa da superficialida<strong>de</strong><br />
que tornou “10000 HZ”, o segundo<br />
tomo, um disco falhado: se antes o<br />
talento <strong>de</strong> Dunckel e Godin se<br />
revelava na precisão dos <strong>de</strong>talhes<br />
escondidos sob mantos <strong>de</strong> melodias<br />
retro, nesse disco amaldiçoado por<br />
muitos fãs havia um nítido excesso<br />
<strong>de</strong> produção. Digamos que: o<br />
primeiro era disco <strong>de</strong> produtor<br />
apaixonado por canções, o segundo<br />
era disco <strong>de</strong> cientista, e “Talkie<br />
Walkie” (2004) e “Pocket Simphony”<br />
eram meios termos. “Love 2”, não<br />
<strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> ser imaculadamente<br />
produzido, toma outros rumos: não<br />
tem um plano estético, uma cartilha<br />
a nivelá-lo, não procura <strong>de</strong>senhar<br />
canções, antes, movendo-se <strong>de</strong>ntro<br />
do espectro limitado e dolente dos<br />
Air, vira à esquerda e à direita<br />
quando bem lhe apetece, sem<br />
obe<strong>de</strong>cer a regras, a um som – ao<br />
ponto <strong>de</strong> as faixas <strong>de</strong> típica beleza-<br />
Air serem exactamente aquelas que<br />
pen<strong>de</strong>m para o insosso, casos <strong>de</strong><br />
“Love”, “So light is her football”,<br />
“Sing sang sung” e “African velvet”.<br />
O oposto acontece quando os temas<br />
se abrem ao inesperado: aí, quando<br />
as canções têm várias partes, e em<br />
muito poucas ocorre algo vagamente<br />
semelhante a um refrão, os Air<br />
quase proce<strong>de</strong>m a uma reinvenção –<br />
porque apesar <strong>de</strong> os arranjos<br />
recorrerem bastas vezes a<br />
instrumentos clássicos (além dos<br />
costumeiros órgãos laranja-tépido<br />
há metais, flautas, guitarras sli<strong>de</strong>,<br />
pianos), parecem não <strong>de</strong>sempenhar<br />
as funções que lhes são habituais ou<br />
surgirem quando menos se espera.<br />
Acaba por ser um disco <strong>de</strong> pequenas<br />
brinca<strong>de</strong>iras: na estranha “Missing<br />
the light of day” uma linha <strong>de</strong> piano<br />
percorre os órgãos vintage enquanto<br />
uma voz robotizada aparece e<br />
<strong>de</strong>saparece para dar lugar a um solo<br />
<strong>de</strong> harpa (?); na lindíssima “Tropical<br />
Disease” metais acompanham uma<br />
simples melodia à Satie em sobe e<br />
<strong>de</strong>sce, antes <strong>de</strong> se entrar numa coda<br />
com inflexões jazzy; em “Heaven’s<br />
31
Discos<br />
light” há um country-espacial,<br />
com melódica sob fundo <strong>de</strong> órgãos;<br />
em “Night hunter” proce<strong>de</strong>-se a uma<br />
<strong>de</strong>liciosa <strong>de</strong>sconstrução <strong>de</strong> ritmos<br />
afro-beat; enquanto o funk avariado<br />
<strong>de</strong> “Eat my beat”, com cítara e<br />
pan<strong>de</strong>ireta, tem contornos <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>clinação <strong>de</strong> Bollywood. Meio disco<br />
belo, meio disco inesperadamente<br />
amplo, exploratório e<br />
primorosamente melódico. Meia<br />
reinvenção, meio gran<strong>de</strong> disco.<br />
João Bonifácio<br />
Batida<br />
Dance Mwangolé<br />
Difference; distri. Farol<br />
mmmmn<br />
O que se ouve<br />
aqui, neste<br />
magnífico “Dance<br />
Mwangolé” do<br />
projecto Batida,<br />
não é o passado<br />
revisto pelos olhos do presente. Não<br />
são sembas transformados em<br />
kudurus, merengues a brincar com<br />
os graves do kwaito, não é<br />
brinca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> gente urbana a fingir<br />
pertencer ao musseque. “Dance<br />
Mwangolé” cruza tudo isso para<br />
celebrar o que permanece <strong>de</strong><br />
espírito criativo (que é, também, o<br />
espírito <strong>de</strong> uma vida, a angolana, a<br />
africana, a portuguesa que olha para<br />
Angola como emanação <strong>de</strong> uma<br />
cultura partilhada). “Dance<br />
Mwangolé”, gravado quando DJ<br />
Mpula, Beat La<strong>de</strong>n, da Rádio<br />
Fazuma, e Ikonoklasta, do Conjunto<br />
Ngonguenha, ace<strong>de</strong>ram aos arquivos<br />
angolanos das décadas <strong>de</strong> 1960 e<br />
1970 da Valentim <strong>de</strong> Carvalho, é uma<br />
convulsão rítmica que se<br />
complementa. São as guitarras<br />
cristalinas do semba <strong>de</strong> ontem<br />
engran<strong>de</strong>cidos com subgraves <strong>de</strong><br />
hoje, são os mágicos berimbaus e<br />
percussões do Grupo Folclórico <strong>de</strong><br />
Angola ecoando febrilmente entre os<br />
requebros rítmicos criados por<br />
Mpula e Beat La<strong>de</strong>n. “Dance<br />
Mwangolé” é um quadro musical<br />
vivo e vibrante. Música como<br />
espelho do real. Lá encontramos a<br />
“fabulosa história <strong>de</strong> Arlindo Bolota”<br />
e a sua “orquestra alcoólica, contada<br />
por Ikonoklasta, lá ouvimos o<br />
impressionante Sacerdote,<br />
directamente da Sambila, MC <strong>de</strong><br />
“flow” seco e torrencial, a falar do<br />
kuduro e <strong>de</strong> Angola para além do<br />
kuduro. Ali, enfim, <strong>de</strong>scobrimos<br />
uma bomba como “Bazuka” – o<br />
sample dos históricos Águias Reais,<br />
o reco-reco a “bombar”, os graves a<br />
entorpecer o corpo e aquele ritmo<br />
negro, suado: está encontrado<br />
sucessor <strong>de</strong> “Wegue wegue” e não<br />
haverá frio no Inverno enquanto<br />
houver Batida. Organizado como<br />
fluxo contínuo, on<strong>de</strong> a música e a<br />
voz da rua se intercalam, “Dance<br />
Mwangolé”, é um álbum que<br />
estilhaça a História: não quer saber<br />
<strong>de</strong> a ter organizadinha, bem<br />
32<br />
arranjada em arquivos <strong>esta</strong>nques.<br />
Tudo flui, tudo transborda. Toda<br />
<strong>esta</strong> música torna-se uma só. E é tão<br />
importante quanto irresistível.<br />
Mário Lopes<br />
Samba Touré<br />
Songhai Blues: Homage to Ali Farka<br />
Toure<br />
Riverboat, distri. Megamúsica<br />
mmmmn<br />
O título tem tanto<br />
<strong>de</strong> esclarecedor<br />
quanto <strong>de</strong><br />
equívoco. Sim,<br />
sem dúvida,<br />
Samba Touré foi<br />
um dos protegidos <strong>de</strong> Ali Farka<br />
Toure, que chegou a acompanhar<br />
em digressão em 1997. A música que<br />
produz o cantor e guitarrista mali<br />
agora com 41 anos não tem, <strong>de</strong> resto,<br />
outro nome – é o mesmo “blues do<br />
<strong>de</strong>serto” que o mestre inventou e só<br />
lhe fica bem assumir-lhe a<br />
<strong>de</strong>scendência. Acontece,<br />
porém, que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />
Toure <strong>de</strong>sapareceu se<br />
suce<strong>de</strong>m os discos <strong>de</strong><br />
tributo, todos muitos<br />
simpáticos, mas que<br />
pouco ou nada<br />
adiantam em<br />
relação à sua<br />
discografia.<br />
“Songhai<br />
Blues” está<br />
longe, porém,<br />
<strong>de</strong> ser apenas<br />
mais um <strong>de</strong>rivado<br />
e é aí que o título<br />
se revela<br />
equívoco, ou <strong>de</strong><br />
uma excessiva<br />
modéstia. Os riffs <strong>de</strong> guitarra po<strong>de</strong>m<br />
ser típicos do blues do <strong>de</strong>serto, mas<br />
estão longe <strong>de</strong> constituir a única<br />
atracção em cartaz. Na maior parte<br />
dos temas a guitarra toma por<br />
interlocutor, ou ce<strong>de</strong> por completo o<br />
protagonismo ao sokou (rabeca<br />
mali) <strong>de</strong> Zoumana Tereta e ao seu<br />
som ru<strong>de</strong> e frenético, contracenando<br />
com uma constante avalanche <strong>de</strong><br />
percussões acústicas. O próprio<br />
estilo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> Samba na<br />
guitarra é mais tenso e acelerado,<br />
por vezes com um “groove” próximo<br />
do funk, enquanto as suas<br />
vocalizações assentam em jogos <strong>de</strong><br />
parada e resposta com o coro, à<br />
maneira <strong>de</strong> ladainhas rituais,<br />
insistentemente repetidas até à<br />
exaustão (ou até ao transe?). Daí um<br />
disco certamente na cauda <strong>de</strong> Farka<br />
Toure, mas inflectindo numa via<br />
própria, que rejuvenesce o blues do<br />
<strong>de</strong>serto, na mesma medida em que<br />
lhe confere mais pulso e agilida<strong>de</strong>.<br />
Luís Maio<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
Espaço<br />
Público<br />
“Dance Mwangolé”<br />
é um álbum que estilhaça a História:<br />
Pearl Jam<br />
Backspacer<br />
Universal Music<br />
mmnnn<br />
Diz-se por aí que<br />
este é o álbum pop<br />
dos Pearl Jam. O<br />
que quer isso<br />
dizer realmente?<br />
Um mistério. Até<br />
porque tal<br />
<strong>de</strong>claração contém, implícita, a i<strong>de</strong>ia<br />
<strong>de</strong> que pop equivale a coisa <strong>de</strong><br />
segunda, a pecados trauteáveis para<br />
regozijo <strong>de</strong> “play-list”. Em 2009, tal<br />
i<strong>de</strong>ia representa um anacronismo<br />
<strong>de</strong>sfasado da realida<strong>de</strong>. Como se<br />
fizesse sentido a distinção entre o<br />
rock, tido como expressão marginal,<br />
anti-sistema ou o raio que o parta, e a<br />
perniciosa pop, excrescência<br />
“comercial” on<strong>de</strong> se expõe a<br />
<strong>de</strong>cadência da música “enquanto<br />
arte”. Pois bem, os<br />
Pearl Jam: álbum <strong>de</strong> veteranos a divertirem-se com a música que estão a gravar<br />
Este espaço vai ser<br />
seu. Que filme, peça <strong>de</strong><br />
teatro, livro, exposição,<br />
disco, álbum, canção,<br />
concerto, DVD viu e<br />
gostou tanto que lhe<br />
apeteceu escrever<br />
CATARINA LIMÃO<br />
sobre ele, concordando<br />
ou não concordando<br />
com o que escrevemos?<br />
Envie-nos uma nota até<br />
500 caracteres para<br />
ipsilon@publico.pt. E<br />
nós <strong>de</strong>pois publicamos.<br />
Green Day figuram nos topes e não<br />
encontramos por lá mestres pop<br />
como Richard Swift. Num cenário<br />
como o actual (e, <strong>de</strong> resto, em<br />
qualquer cenário) tais dicotomias<br />
(rock bom, pop má) são coisa<br />
tremendamente velha e ultrapassada.<br />
Ainda para mais quando se ouve<br />
“Backspacer” e se percebe que o<br />
“álbum pop” dos Pearl Jam é, no<br />
fundo, mais um álbum dos Pearl Jam,<br />
com a diferença <strong>de</strong> recorrerem mais<br />
regularmente a pianos e a inspiração<br />
Springsteeneana (“Speed of sound” e<br />
“Force of nature”) ou <strong>de</strong> arriscarem o<br />
acústico, reflexo do primeiro álbum a<br />
solo <strong>de</strong> Eddie Ved<strong>de</strong>r (a banda sonora<br />
<strong>de</strong> “Into The Wild”), numa “Just<br />
breathe” muito serena, muito<br />
bonitinha e discretamente soporífera<br />
(ainda assim, é tão boa como a<br />
maioria das canções <strong>de</strong> José<br />
Gonzalez, mas arriscamos que os fãs<br />
do sueco nunca o reconhecerão). A<br />
questão, portanto, não está na<br />
<strong>de</strong>scoberta da careca pop dos Pearl<br />
Jam em “Backspacer”. Está em<br />
“Backspacer” ele mesmo. Álbum<br />
curto e <strong>de</strong>spretensioso, álbum <strong>de</strong><br />
veteranos a divertirem-se com a<br />
música que estão a gravar. Tudo<br />
muito bem. Brincam aos Ramones e<br />
aos MC5 em “Supersonic”, mas não<br />
há ali qualquer intenção para além da<br />
brinca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> fã; inventam um<br />
single tenebroso, “The fixer”, e dão<br />
prova inequívoca <strong>de</strong><br />
contemporaneida<strong>de</strong>, infelizmente<br />
pelas razões erradas: este rock FM<br />
não é bem uma canção, antes uma<br />
melodia repetida exaustivamente -<br />
i<strong>de</strong>al, portanto, para estes tempos<br />
em que o slogan publicitário é senhor<br />
incont<strong>esta</strong>do do espaço público. Para<br />
além disso, o que havia antes,<br />
continua a existir. O apreço pelos riffs<br />
do rock clássico <strong>de</strong> 70 – Led Zeppelin<br />
à cabeça, seguido <strong>de</strong> perto pelos The<br />
Who -, <strong>de</strong>vidamente matizado pela<br />
própria história e tiques dos Pearl<br />
Jam, e a i<strong>de</strong>ia do rock como bálsamo<br />
escapista, não como ponto <strong>de</strong><br />
confronto olhando <strong>de</strong> frente o<br />
turbilhão. “Back Spacer” é um disco<br />
que, sem sobressaltos e sem<br />
inesperadas mudanças <strong>de</strong> rumo,<br />
seguro da sua natureza, preencherá<br />
os fãs da banda. Quanto ao resto do<br />
mundo, se estivesse minimamente<br />
preocupado, que não<br />
está, não saberia o<br />
que fazer <strong>de</strong>le<br />
neste ano da graça<br />
<strong>de</strong> 2009. M.L.
Concertos<br />
Anne Sofie von Otter traz-nos<br />
música nascida em condições <strong>de</strong><br />
inenarrável sofrimento humano<br />
Charles Lloyd New Quartet<br />
a encerrar o Angra Jazz<br />
Clássica<br />
O último<br />
grito da<br />
resistência<br />
humana<br />
Anne Sofie Von Otter<br />
interpreta canções<br />
compostas no campo <strong>de</strong><br />
concentração<br />
<strong>de</strong> Theresienstad.<br />
Cristina Fernan<strong>de</strong>s<br />
ascensão internacional, reveste-se<br />
também <strong>de</strong> simbologia especial, já<br />
que nasceu numa família <strong>de</strong> ju<strong>de</strong>us<br />
que fugiu para a África do Sul<br />
durante o regime nazi. Hope tocará<br />
a Sonata para violino solo, <strong>de</strong> Erwin<br />
Schulhoff. O r<strong>esta</strong>nte programa<br />
inclui canções e peças instrumentais<br />
<strong>de</strong> Ilse Weber, Karel Svenk,<br />
Emmerich Kálmán, Robert Dauber,<br />
Viktor Ulmann, Pavel Haas, Karel<br />
Berman e Carlo Sigmund Taube.<br />
Anne Sofie von Otter<br />
<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian.<br />
Avenida <strong>de</strong> Berna, 45A. 6ª às 19h00. Tel.:.<br />
217823700. 17,5€ a 40€.<br />
No Gran<strong>de</strong> Auditório.<br />
O maestro Marc Minkowski disse<br />
uma vez que Anne Sofie von Otter<br />
era “um camaleão, capaz <strong>de</strong> cantar<br />
tudo, da música pré-histórica até<br />
aos Beatles”. De Monteverdi aos<br />
ABBA, passando por Han<strong>de</strong>l,<br />
Haydn, Bizet, Grieg, Mahler, Kurt<br />
Weill, Debussy ou Elvis Costello, a<br />
meio-soprano sueca já cantou <strong>de</strong><br />
tudo e está sempre pronta para<br />
novas <strong>de</strong>scobertas. Aborda géneros<br />
sem preconceitos, mas a música<br />
erudita nunca <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> <strong>esta</strong>r no<br />
centro <strong>de</strong> uma carreira ao mais alto<br />
nível. Essa versatilida<strong>de</strong> permite-lhe<br />
enveredar por universos menos<br />
conhecidos como é o caso do seu<br />
recente trabalho discográfico<br />
<strong>de</strong>dicado às “Canções <strong>de</strong><br />
Theresienstadt”, escritas por Jazz<br />
compositores ju<strong>de</strong>us no campo <strong>de</strong><br />
concentração que os nazis<br />
<strong>esta</strong>beleceram em 1941 no forte <strong>de</strong> Jazz na Terceira<br />
Terezín, a 60 quilómetros <strong>de</strong> Praga.<br />
Neste campo <strong>de</strong> passagem estiveram<br />
AngraJazz 2009<br />
cativos numerosos artistas, antes <strong>de</strong><br />
2 a 4 <strong>de</strong> Outubro, Centro Cultural <strong>de</strong> Angra do<br />
serem transportados para<br />
Heroísmo, Terceira, Açores. Bilhetes – 5 a 18 euros<br />
Auschwitz. Apresentado por<br />
2, 21h30, Orquestra AngraJazz com Hugo Alves;<br />
motivos <strong>de</strong> propaganda como<br />
23h30, Jane Monheit Quarteto;3, 21h30, Quarteto <strong>de</strong><br />
“gueto mo<strong>de</strong>lo”, Theresienstadt<br />
Mário Laginha; 23h30, Henri Texier Strada<br />
permitia aos prisioneiros alguma Quinteto; 4, 21h30, Chano Dominguez Trio; 23h30<br />
– Charles Lloyd New Quartet<br />
autonomia nas suas activida<strong>de</strong>s<br />
culturais. Neste contexto, a música O AngraJazz está <strong>de</strong> volta e,<br />
<strong>de</strong>sempenhou papel fundamental aparentemente, mais forte do que<br />
como evasão, último grito da nunca. Este ano a cumprir a sua 11ª<br />
resistência humana.<br />
edição, marca o calendário cultural<br />
O repertório <strong>de</strong> Theresienstadt da ilha e ganha crescente relevância<br />
tem vindo a ser divulgado através <strong>de</strong> no panorama jazzístico nacional e<br />
uma colecção <strong>de</strong> discos da Channel internacional, apresentando<br />
Classics e <strong>de</strong> outras iniciativas qualida<strong>de</strong>, consistência e<br />
pontuais, mas continua a ocupar diversida<strong>de</strong>. Na programação<br />
lugar marginal na vida musical. De d<strong>esta</strong>cam-se os concertos do Charles<br />
regresso à Gulbenkian, Von Otter Lloyd New Quartet e do projecto<br />
traz-nos <strong>esta</strong> música nascida em Strada <strong>de</strong> Henri Texier, bem como o<br />
condições <strong>de</strong> inenarrável sofrimento continuado apoio dado aos músicos<br />
humano na companhia <strong>de</strong> músicos mais jovens, com a consolidação da<br />
como o pianista Bengt Forsberg, o Orquestra AngraJazz, formação que<br />
violinista Daniel Hope e Bebe abre o Festival, um ensemble cujo<br />
Risenfors, que tocará clarinete, crescimento temos testemunhado e<br />
acor<strong>de</strong>ão e guitarra. A participação que muito <strong>de</strong>ve ao trabalho <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Daniel Hope, violinista em formação e direcção musical <strong>de</strong><br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito a Ma Maum a re remm mm mmRa Ra Razoávelmm mm mmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
Macacos do Chinês<br />
no Barreiro<br />
Legendary Tigerman<br />
prossegue a promoção <strong>de</strong> “Femina”<br />
Claus Nymark ke Pedro d Moreira. i<br />
Integrando músicos resi<strong>de</strong>ntes na<br />
ilha Terceira, recrutados nas fileiras<br />
das orqu<strong>esta</strong>s locais, filarmónicas e<br />
ligeiras, bem como do Conservatório<br />
Regional, este ano conta com o<br />
convidado Hugo Alves, talentoso<br />
trompetista que muito tem feito pelo<br />
<strong>de</strong>senvolvimento do jazz no sul do<br />
país. No segundo concerto da noite,<br />
a cantora norte-americana Jane<br />
Monheit apresenta o novo trabalho,<br />
“The Lovers, The Dreamers and Me”,<br />
num espectáculo que combina o<br />
repertório clássico do jazz com a<br />
interpretação <strong>de</strong> temas pop ou da<br />
música brasileira. Repete no<br />
domingo, dia 4, às 21h00,<br />
no Gran<strong>de</strong> Auditório do CCB. No<br />
segundo dia, é a vez do<br />
extraordinário quarteto <strong>de</strong> Mário<br />
Laginha, uma das formações mais<br />
vibrantes do jazz nacional, fazer a<br />
sua aparição. Jazz <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> nível<br />
por Laginha, Sérgio Pelágio,<br />
Bernardo Moreira e Alexandre<br />
Frazão. Na segunda parte da noite, o<br />
contrabaixista françês Henri Texier<br />
apresenta o seu mais reputado<br />
projecto, Strada, n<strong>esta</strong> ocasião um<br />
quinteto que conta com a voz<br />
singular <strong>de</strong> François Corneloup, nos<br />
saxofones soprano e barítono. O<br />
último dia abre com o Trio do<br />
espanhol Chano Dominguez,<br />
formação híbrida que junta o espírito<br />
do jazz aos ritmos do flamenco. A<br />
encerrar, o Charles Lloyd New<br />
Quartet, ponto alto da programação.<br />
Quarteto <strong>de</strong> luxo com Lloyd nos<br />
saxofones, Jason Moran no piano,<br />
Reuben Rogers no contrabaixo e<br />
Nasheet Waits na bateria.<br />
Rodrigo Amado<br />
Agenda<br />
Sexta 2<br />
Orquestra Barroca<br />
Casa da Música<br />
Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />
Albuquerque. às 21h00. Tel.:. 220120220. 11€.<br />
Na Sala Suggia.<br />
Cristina Branco<br />
<strong>Lisboa</strong>. Parque Mayer. Travessa do Salitre,<br />
Parque Mayer, às 21h30. 5€.<br />
Maria João e Mário Laginha<br />
Viseu. Teatro Viriato. Lg. Mouzinho Albuquerque,<br />
às 21h30. Tel.:. 232480110. 5€ a 20€.<br />
Macacos do Chinês<br />
Barreiro. Espaço J. Rua Dr. António José <strong>de</strong><br />
Almeida, 69. 6ª às 17h30. Tel.:. 212079776.<br />
Entrada livre.<br />
The Legendary Tiger Man<br />
& Convidados<br />
Guimarães. São Mame<strong>de</strong> - Centro <strong>de</strong> Artes e<br />
Espectáculos. R. Dr. José Sampaio, 17-25, às<br />
22h00. Tel.:. 253547028.<br />
15,95€ (oferta <strong>de</strong> bilhete na compra do CD+DVD<br />
nas lojas Fnac). Na Sala Principal.<br />
António Chainho<br />
Sintra. Centro Cultural Olga Cadaval. Pç. Dr.<br />
Francisco Sá Carneiro, às 22h00. Tel.:. 219107110.<br />
10€ a 20€. No Auditório Jorge Sampaio.<br />
DJ Miss T + Hush Hush<br />
+ Rui Remix + Tânia Pascoal<br />
<strong>Lisboa</strong>. Instituto Superior <strong>de</strong> Agronomia. Tapada<br />
da Ajuda. 6ª às 23h30. Tel.:. 213653100.<br />
12,5€.<br />
Lesboa Party.<br />
O’queStrada<br />
Braga. Theatro Circo. Av. Liberda<strong>de</strong>, 697, às<br />
21h30. Tel.:. 253203800. 12€. Na Sala Principal.<br />
Apresentação <strong>de</strong> “Tasca Beat”.<br />
Sábado 3<br />
Clubbing: Au Revoir Simone<br />
+ The Slits + Vitor Ramil<br />
& Marcos Suzano<br />
Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />
Albuquerque, às 23h00. Tel.:. 220120220.<br />
Sala 2: 18€. Outros Espaços: 7,5€.<br />
Ver texto pág. 15<br />
Orquestra Nacional do Porto<br />
e Quarteto <strong>de</strong> Cordas<br />
<strong>de</strong> Matosinhos<br />
Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />
Albuquerque, às 18h00. Tel.:. 220120220. 16€. Na<br />
Sala Suggia. Transcrições para Orquestra - Obras<br />
<strong>de</strong> Beethoven, Pinho Vargas e Brahms.<br />
Rita Redshoes<br />
Alvaiázere. Parque Multiusos. Parque Multiusos,<br />
às 22h00. Tel.:. 236650140. Entrada livre.<br />
Concha Buika<br />
Guimarães. Centro Cultural Vila Flor. Avenida D.<br />
Afonso Henriques, 701, às 22h00. Tel.:.<br />
253424700. 7,5€ a 10€. No Gran<strong>de</strong> Auditório.<br />
Ciclo Stockhausen<br />
- Ascenção e Esperança<br />
Com António Abellan<br />
(sintetizador), Barbara Zarichelli<br />
(soprano), Hubert Mayer (tenor),<br />
Kathinka Pasveer (som), Juditha<br />
Haeberlin (violino), Axel Porath<br />
(viola), Dirk Wietheger<br />
(vbioloncelo).<br />
<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian.<br />
Avenida <strong>de</strong> Berna, 45A. Sáb. às 19h00. Tel.:.<br />
217823700. 15€.<br />
Ver texto págs. 18 e 19<br />
The Legendary Tiger Man<br />
& Convidados<br />
Ton<strong>de</strong>la. Cine Tejá - Novo Ciclo ACERT. R. Dr.<br />
Ricardo Mota, às 22h00. Tel.:. 232814400.<br />
15,95€ (oferta <strong>de</strong> bilhete na compra do CD+DVD<br />
nas lojas Fnac).<br />
33
34<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
Concertos<br />
CESAR RANGEL/ AFP<br />
Cristina Branco em “tournée”<br />
Agenda<br />
Cristina Branco<br />
Póvoa <strong>de</strong> Varzim. Casino da<br />
Póvoa. Ed. do Casino, às 23h00<br />
(jantar às 20h00).. Tel.:.<br />
252690888. 50€ (jantar-<br />
concerto).<br />
Domingo 4<br />
Orquestra <strong>de</strong> Jazz<br />
<strong>de</strong> Matosinhos<br />
Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />
Albuquerque, às 22h00. Tel.:. 220120220.<br />
15€. Na Sala Suggia.<br />
Ciclo Stockhausen - Durações<br />
Naturais e Porta do Céu<br />
Com Franck Gutschmidt<br />
(piano), Benjamin Kobler<br />
(piano), Stuart Geber<br />
(percussão), Kathinka Pasveer<br />
(som).<br />
<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian.<br />
Avenida <strong>de</strong> Berna, 45A, às 19h00. Tel.:. 217823700.<br />
15€. No Gran<strong>de</strong> Auditório. Projecção <strong>de</strong> 2 filmes no<br />
Auditório 3 às 16h00.<br />
Ver texto págs. 18 e 19<br />
Jane Monheit<br />
<strong>Lisboa</strong>. Centro Cultural <strong>de</strong> Belém. Praça do<br />
Império, às 21h00. Tel.:. 213612400.<br />
15€ a 32,5€. No Gran<strong>de</strong> Auditório. M/12.<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
Jane Birkin no CCB<br />
TONY GENTILE& REUTERS<br />
Segunda 5<br />
Au Revoir Simone<br />
<strong>Lisboa</strong>. Aula Magna. Alam.<br />
Universida<strong>de</strong>, às 21h00 (abertura <strong>de</strong><br />
portas às 20h00).. Tel.:. 217967624. 23€<br />
a 30€.<br />
Ver texto pág. 15<br />
Amália Hoje<br />
<strong>Lisboa</strong>. Coliseu dos Recreios. R.<br />
Portas St. Antão, 96. 2ª, 3ª e 4ª às 21h30 (abertura<br />
<strong>de</strong> portas às 20h30).. Tel.:. 213240580. 15€ a 30€.<br />
M/3. Duração: 90m.<br />
Ciclo Stockhausen - Beleza e<br />
Cosmic Pulses<br />
Com Marco Blaauw (trompete),<br />
Kathinka Pasveer (flauta e som),<br />
Suzanne Stephens (clarinete), Florian<br />
Zwissler (som).<br />
<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian.<br />
Avenida <strong>de</strong> Berna, 45A, às 19h00. Tel.:. 217823700.<br />
15€. No Gran<strong>de</strong> Auditório. Comentário pré-concerto<br />
no Auditório 3 às 18h00 com Pedro Amaral.<br />
Ver textos págs. 18 e 19<br />
Terça 6<br />
Homenagem a Amália Rodrigues<br />
Porto. Clube Literário do Porto.<br />
Rua Nova da Alfân<strong>de</strong>ga, 22. 3ª às 21h00.<br />
Tel.:. 222089228.<br />
No Piano-bar. Com vários fadistas<br />
do concelho.<br />
Quinta 8<br />
Jane Birkin<br />
<strong>Lisboa</strong>. Centro Cultural <strong>de</strong> Belém. Praça do<br />
Império, às 21h30. Tel.:. 213612400.<br />
20€ a 45€. No Gran<strong>de</strong> Auditório. Abertura da 10ª<br />
Edição da F<strong>esta</strong> do Cinema Francês. Apresentação<br />
<strong>de</strong> “Enfants d’Hiver”.<br />
Elena Bashkirova e Orquestra<br />
Gulbenkian<br />
<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste<br />
Gulbenkian. Avenida <strong>de</strong> Berna, 45A,<br />
às 21h00. Tel.:. 217823700.<br />
No Gran<strong>de</strong> Audítório. Obras <strong>de</strong><br />
Bach, Webern, Beethoven e<br />
Men<strong>de</strong>lssohn.<br />
The Dorian Grays + Iconoclasts<br />
<strong>Lisboa</strong>. MusicBox. R. Nova do Carvalho, 24 -<br />
Cais do Sodré, às 22h00. Tel.:. 213430107. 6€.<br />
The Bad Plus<br />
Braga. Theatro Circo. Av. Liberda<strong>de</strong>, 697,<br />
às 21h30. Tel.:. 253203800. 8€.<br />
Na Sala Principal.
Cinema<br />
Estreiam<br />
A angústia<br />
do treinador<br />
no momento<br />
do <strong>de</strong>spedimento<br />
Um filme sobre a ambição.<br />
Ou não fosse escrito pelo<br />
argumentista <strong>de</strong> “A Rainha” e<br />
“Frost/Nixon”, Peter Morgan.<br />
Jorge Mourinha<br />
Maldito United<br />
The Damned United<br />
De Tom Hooper,<br />
com Colm Meaney, Henry Goodman,<br />
Oliver Stokes. M/12<br />
MMMnn<br />
<strong>Lisboa</strong>: ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 15h50, 18h, 21h20, 23h40<br />
Porto: Arrábida 20: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />
2ª 14h05, 16h35, 19h, 21h40, 00h20 3ª 4ª 16h35,<br />
19h, 21h40, 00h20<br />
Impõe-se a precisão: o United do<br />
título é bem um clube <strong>de</strong> futebol,<br />
mas não o Manchester United; antes<br />
o Leeds United, força dominante do<br />
futebol britânico na passagem dos<br />
anos 1960 para os anos 1970. E sim,<br />
este é um filme sobre futebol, mas<br />
não sobre o jogo em si, antes sobre a<br />
ambição e os jogos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r que o<br />
ro<strong>de</strong>iam, consubstanciado na<br />
história verídica do treinador Brian<br />
Clough, que elevou, em 1973, o<br />
Derby County, pequeno clube<br />
regional, à primeira divisão para<br />
logo a seguir se “<strong>esta</strong>mpar” ao tomar<br />
os controles do Leeds.<br />
Quem conhece o universo do<br />
argumentista Peter Morgan,<br />
responsável por “A Rainha”, “O<br />
Último Rei da Escócia” ou “Frost/<br />
Nixon”, irá reconhecê-lo n<strong>esta</strong> fita<br />
incisiva mas bem-humorada que o<br />
guionista adaptou do romance<br />
(ficcional, mas inspirado por<br />
personagens e factos reais) do<br />
escritor David Peace. É a história <strong>de</strong><br />
As estrelas do público<br />
um homem embriagado pelo<br />
sucesso, que <strong>de</strong>ixa a sua ambição<br />
transportá-lo para estratosferas<br />
rarefeitas on<strong>de</strong> talvez não esteja<br />
preparado para sobreviver ao<br />
mesmo tempo que volta as costas<br />
àqueles que realmente o apreciam,<br />
cruzando com elegância as esferas<br />
progressivamente mais inseparáveis<br />
do público e do pessoal. Mas que, ao<br />
mesmo tempo, faz um retrato<br />
certeiro da Inglaterra dos anos 1970,<br />
<strong>de</strong>senhando em meia-dúzia <strong>de</strong><br />
pormenores atentos que facilmente<br />
passam <strong>de</strong>spercebidos um espírito<br />
<strong>de</strong> época, recordando o ponto<br />
exacto em que o futebol iniciou a<br />
transição em direcção à bem oleada<br />
máquina contemporânea <strong>de</strong> fazer<br />
dinheiro, no caminho da<br />
mediatização extrema do <strong>de</strong>sportorei.<br />
Como em qualquer história<br />
inglesa, tudo gira à volta da classe<br />
social, do modo como a ambição <strong>de</strong><br />
Clough é propulsionada pela<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se provar digno <strong>de</strong><br />
respeito — embora talvez não do<br />
modo que todos esperariam.<br />
“Maldito United” é também mais<br />
uma lição do “savoir-faire” inglês,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a excelência discreta dos<br />
actores (com óbvio<br />
d<strong>esta</strong>que para<br />
Michael<br />
Sheen e o<br />
“habitué”<br />
<strong>de</strong> Mike<br />
Leigh<br />
Timothy<br />
Jorge<br />
Mourinha<br />
Luís M.<br />
Oliveira<br />
Spall) ao rigor da reconstituição<br />
histórica. É verda<strong>de</strong> que isso<br />
também se po<strong>de</strong> dizer <strong>de</strong> qualquer<br />
telefilme britânico e é verda<strong>de</strong> que a<br />
dimensão caseirinha <strong>de</strong> “Maldito<br />
United” provavelmente era mais<br />
apropriada para o pequeno écrã.<br />
Mas isso é esquecer que um telefilme<br />
inglês tem muitas vezes mais cinema<br />
em cinco minutos que 90 por centro<br />
da produção corrente americana.<br />
Ainda por cima, Tom Hooper,<br />
veterano televisivo a assinar a sua<br />
primeira longa para cinema, injecta<br />
uma série <strong>de</strong> pormenores<br />
atipicamente lúdicos, uma liberda<strong>de</strong><br />
formal (do grão da fotografia às<br />
perspectivas forçadas) que troca as<br />
voltas <strong>de</strong> modo inteligente e<br />
subversivo os lugares-comuns do<br />
“realismo social”. O que faz todo o<br />
sentido num filme sobre o arrivismo<br />
e a ambição – só é mesmo pena que<br />
Hooper termine “Maldito United”<br />
com imagens <strong>de</strong> arquivo que vêm<br />
<strong>de</strong>snecessariamente minimizar as<br />
performances dos seus actores ao<br />
apontar as diferenças físicas entre<br />
alguns <strong>de</strong>les, mas insuficientes para<br />
macular o que ficou para trás.<br />
Este é um filme sobre futebol, mas não sobre o jogo em si,<br />
antes sobre a ambição e os jogos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r que o ro<strong>de</strong>iam<br />
Mário<br />
J. Torres<br />
Vasco<br />
Câmara<br />
A Esperança Está On<strong>de</strong> Menos se Espera mnnnn mnnnn nnnnn nnnnn<br />
A Batalha <strong>de</strong> Red Cliff mmmnn nnnnn mmnnn nnnnn<br />
Chéri mmmmn nnnnn mmmmn mmnnn<br />
Distrito 9 mmmmn nnnnn nnnnn mmnnn<br />
Estado <strong>de</strong> Guerra mmmmn mmmmn nnnnn mmmnn<br />
Os Homens que O<strong>de</strong>iam as Mulheres mmnnn nnnnn nnnnn mnnnn<br />
Longe da Terra Queimada mmnnn nnnnn nnnnn mnnnn<br />
Maldito United mmmnn nnnnn nnnnn nnnnn<br />
Séraphine mnnnn mmnnn nnnnn nnnnn<br />
Welcome nnnnn nnnnn nnnnn mmnnn<br />
Natação obrigatória<br />
Welcome<br />
De Philippe Lioret,<br />
com Vincent Lindon, Firat Ayverdi,<br />
Audrey Dana. M/12<br />
MMnnn<br />
<strong>Lisboa</strong>: Me<strong>de</strong>ia King: Sala 1: 5ª 3ª 4ª 14h30, 17h,<br />
19h30, 22h 6ª Sábado Domingo 2ª 14h30, 17h,<br />
19h30, 22h, 00h30; Me<strong>de</strong>ia Monumental: Sala 1: 5ª<br />
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h10, 17h20,<br />
19h30, 21h40, 24h<br />
Porto: Me<strong>de</strong>ia Cida<strong>de</strong> do Porto: Sala 3: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h30<br />
O problema em “Welcome” é o filme<br />
não conseguir ser apenas uma coisa<br />
– e ser essa com muita força.<br />
Antes disso: não quis ser<br />
documentário apesar <strong>de</strong> a realida<strong>de</strong><br />
– a concentração <strong>de</strong> imigrantes em<br />
Calais em situação clan<strong>de</strong>stina, para<br />
ali varridos pela turbulência dos<br />
mundos que <strong>de</strong>sabam – <strong>esta</strong>r na<br />
or<strong>de</strong>m do dia e se colar à sua pele.<br />
“Welcome” quis ser ficção,<br />
melodrama, romanesco. Eis, então,<br />
no seu centro, Bilal (Firat Ayverdi),<br />
um iraquiano que tenta chegar a<br />
Inglaterra, on<strong>de</strong> vive a namorada, e<br />
Simon (Vincent Lindon), professor<br />
<strong>de</strong> natação. Encontro a dois entre<br />
um jovem e um quarentão: o<br />
primeiro quer apren<strong>de</strong>r a nadar para<br />
atravessar o canal da Mancha; o<br />
segundo, que vive <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma<br />
bolha <strong>de</strong> tristeza e fracasso (um<br />
divórcio), acaba por reparar no<br />
“outro”, no clan<strong>de</strong>stino Bilal, e<br />
ajudá-lo a materializar a sua<br />
obsessão. Por <strong>de</strong>spertar cívico, para<br />
impressionar a ex-<strong>mulher</strong>, por<br />
memória nostálgica da sua própria<br />
adolescência, pelo instinto<br />
paternal que espreita? Por tudo<br />
isso, e Vincent Lindon é<br />
magnífico a fazer passar muito<br />
com pouco, à maneira dos mais<br />
instintivos americanos do<br />
cinema clássico – o filme, temos<br />
<strong>de</strong> ser justos, é-lhe fiel aí. Mas aí<br />
o realizador Philippe Lioret<br />
<strong>de</strong>via ter sido mais obsessivo e<br />
minimal, tal como as suas<br />
personagens.<br />
Voltamos ao princípio:<br />
“Welcome” <strong>de</strong>via ter querido,<br />
com mais força, apenas <strong>esta</strong><br />
relação a dois. Sem se distrair<br />
com a fracassada<br />
35
Cinema<br />
conjugalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Simon nem com<br />
a vigiada “love story” <strong>de</strong> Bilal.<br />
Desvios, e assim parecem,<br />
<strong>de</strong>masiado presentes para serem<br />
apenas sinalização mas que também<br />
36<br />
Espaço<br />
Público<br />
Frears oferece uma<br />
beleza que ultrapassa a<br />
presença <strong>de</strong> Pfeiffer e <strong>de</strong><br />
Rupert Friend, porque à<br />
semelhança <strong>de</strong> Colette,<br />
coloca acima <strong>de</strong> tudo o<br />
espírito Belle Époque, no<br />
seu esplendor da Arte<br />
Nova. O quarto <strong>de</strong> Lea é<br />
todo ele composto por<br />
curvas sinuosas, a cama<br />
não participam na construção <strong>de</strong><br />
uma história coral. Não se colam à<br />
tensão da história principal –<br />
“história principal”: eis como<br />
“Welcome” tem dificulda<strong>de</strong> em<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
assumir o que quer contar. Devia ter<br />
sido a natação... (o que teriam feito<br />
os irmãos Dar<strong>de</strong>nne com o<br />
voluntarismo <strong>de</strong> uma personagem<br />
como Bilal e com uma piscina como<br />
território <strong>de</strong> monomania?)<br />
Vasco Câmara<br />
Longe da Terra Queimada<br />
The Burning Plain<br />
De Guillermo Arriaga,<br />
com Charlize Theron, Kim Basinger,<br />
Joaquim <strong>de</strong> Almeida, Jennifer<br />
Lawrence. M/16<br />
MMnnn<br />
e o seu espaldar que é tão<br />
erótico quanto a relação<br />
que vai <strong>de</strong>slumbrar o par.<br />
Toda a emoção do filme<br />
vem d<strong>esta</strong> cama e da<br />
carícia <strong>de</strong> Lea sobre a seda<br />
do lençol que se repete<br />
sobre Chéri. É curioso que<br />
a ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Edmée seja<br />
insistentemente referida,<br />
como se esse privilégio<br />
<strong>Lisboa</strong>: CinemaCity Classic Alvala<strong>de</strong>: Sala 3: 5ª 3ª<br />
4ª 13h50, 16h, 18h50, 21h40 6ª 13h50, 16h, 18h50,<br />
21h40, 23h50 Sábado Domingo 11h40, 13h50, 16h,<br />
18h50, 21h40, 23h50 2ª 11h40, 13h50, 16h, 18h50,<br />
21h40; Me<strong>de</strong>ia Saldanha Resi<strong>de</strong>nce: Sala 6: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h20, 17h30,<br />
19h40, 21h50, 00h30; UCI Cinemas - El Corte Inglés:<br />
Sala 12: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h20, 16h45,<br />
19h10, 22h, 00h30 Domingo 11h30, 14h20, 16h45,<br />
19h10, 22h, 00h30; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª<br />
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h30, 19h,<br />
21h40, 00h10<br />
Porto: Arrábida 20: Sala 20: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 14h20, 16h55, 19h30, 22h10, 00h45 3ª<br />
A receita habitual <strong>de</strong> Arriaga, várias<br />
histórias cruzadas: “Longe da Terra Queimada”<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
anulasse a presença <strong>de</strong><br />
Lea. A prova, a única, que<br />
realça a impossibilida<strong>de</strong><br />
é o suicídio <strong>de</strong> Chéri. O<br />
sentimento libertino<br />
<strong>de</strong>sfaz qualquer interdito<br />
social, menos o da ida<strong>de</strong>,<br />
Chéri vive <strong>de</strong>ssa culpa.<br />
Fernanda Damas Cabral,<br />
64 anos, Investigadora<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />
4ª 16h55, 19h30, 22h10, 00h45; Me<strong>de</strong>ia Cida<strong>de</strong> do<br />
Porto: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
14h30, 17h, 19h30, 22h; ZON Lusomundo<br />
Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h30, 16h, 18h40, 21h40, 00h20<br />
Em Portland, uma <strong>mulher</strong> solitária<br />
que é “maître d’” num r<strong>esta</strong>urante<br />
<strong>de</strong> classe vai para a cama com todos<br />
os que lhe aparecem à frente. No<br />
Novo México, uma caravana em fogo<br />
traz a dor a duas famílias. No<br />
México, um piloto que pulveriza<br />
colheitas tem um aci<strong>de</strong>nte. A estreia<br />
na realização <strong>de</strong> Guillermo Arriaga,<br />
o argumentista <strong>de</strong> “Amor Cão” e<br />
“Babel”, segue à risca a estrutura<br />
fragmentada em mosaico <strong>de</strong><br />
histórias que parecem não ter nada a<br />
ver umas com as outras e, vai-se a<br />
ver, estão todas cruzadas — só que,<br />
aqui, Arriaga atira mais um pauzinho<br />
para a engrenagem ao colocar parte<br />
dos dados num plano temporal<br />
diferente. O que não seria um<br />
problema se não se <strong>de</strong>sse o caso <strong>de</strong>,<br />
uma vez <strong>de</strong>slindado o enigma, tudo<br />
não passar <strong>de</strong> uma versão fronteiriça<br />
dos velhos romances adolescentes<br />
“Welcome”: um professor <strong>de</strong> natação,<br />
um imigrante clan<strong>de</strong>stino , uma piscina<br />
aqui projectada para as suas<br />
consequências futuras <strong>de</strong> modo<br />
pesadamente pomposo. A<br />
fragmentação da narrativa acaba por<br />
parecer uma manobra <strong>de</strong> diversão<br />
para dar espessura e interesse a uma<br />
história banal, <strong>de</strong>sperdiçando no<br />
processo a elegância clássica da<br />
encenação <strong>de</strong> Arriaga, a beleza da<br />
fotografia <strong>de</strong> Robert Elswit e John<br />
Toll e o empenho do elenco.<br />
Ponhamos a coisa assim: gostamos<br />
mais <strong>de</strong> “Longe da Terra Queimada”<br />
do que <strong>de</strong> “Babel”, mas isso não o<br />
torna mais do que um esforço<br />
sincero mas falhado. J. M.<br />
Continuam<br />
Chéri<br />
De Stephen Frears,<br />
com Michelle Pfeiffer, Rupert Friend,<br />
Kathy Bates. M/12<br />
MMMMn<br />
<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 3: 5ª 3ª<br />
4ª 16h20, 19h10, 21h20 6ª 16h20, 19h10, 21h20,<br />
23h50 Sábado Domingo 13h30, 16h20, 19h10,<br />
21h20, 23h50 2ª 13h30, 16h20, 19h10, 21h20;<br />
CinemaCity Classic Alvala<strong>de</strong>: Sala 2: 5ª 2ª 3ª 4ª<br />
13h40, 15h40, 17h40, 19h40, 21h45 6ª 13h40, 15h40,<br />
17h40, 19h40, 21h45, 24h Sábado 11h35, 13h40,<br />
15h40, 17h40, 19h40, 21h45, 24h Domingo 11h35,<br />
13h40, 15h40, 17h40, 19h40, 21h45; Me<strong>de</strong>ia<br />
Monumental: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />
3ª 4ª 13h20, 15h20, 17h20, 19h20, 21h30, 24h; UCI<br />
Cinemas - El Corte Inglés: Sala 14: 5ª 6ª Sábado 2ª<br />
3ª 4ª 14h, 16h, 18h, 20h, 22h, 00h10 Domingo<br />
11h30, 14h, 16h, 18h, 20h, 22h, 00h10; ZON<br />
Lusomundo Alvaláxia: 5ª 2ª 3ª 4ª 13h20, 15h30,<br />
17h40, 19h45, 22h 6ª Sábado Domingo 13h20,<br />
15h30, 17h40, 19h45, 22h, 00h10; ZON Lusomundo<br />
Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h10, 15h20, 18h10, 21h30, 23h50; ZON Lusomundo<br />
Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h20, 15h55, 18h10, 21h40, 23h55; ZON Lusomundo<br />
Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h10, 15h25, 17h50, 21h15, 23h35<br />
Porto: Arrábida 20: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />
2ª 13h50, 15h55, 18h05, 20h05, 22h10, 00h25 3ª 4ª<br />
15h55, 18h05, 20h05, 22h10, 00h25
“Chéri” é um daqueles bichos raros<br />
que parece uma coisa e é outra. No<br />
papel uma requintada alta comédia<br />
sobre o romance impossível entre<br />
uma cortesã parisiense da Belle<br />
Époque e o filho maçado e recémsaído<br />
da adolescência <strong>de</strong> uma excolega,<br />
pontuado por epigramas<br />
wil<strong>de</strong>anos, na prática “Chéri” é um<br />
olhar lúcido sobre um tempo que<br />
está a chegar ao fim cruzado com<br />
um retrato amargo <strong>de</strong> uma <strong>mulher</strong><br />
que se questiona, <strong>de</strong>svendando a<br />
melancolia e a solidão que se<br />
escon<strong>de</strong>m por trás das opulentas<br />
fachadas mundanas. Modulado com<br />
infinita <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za entre a comédia e<br />
o melodrama, transportado por uma<br />
Michelle Pfeiffer que raramente<br />
vemos em papéis à altura do seu<br />
talento, “Chéri” é um belíssimo<br />
filme “à moda antiga” — andam a<br />
fazer tanta falta... J. M.<br />
Distrito 9<br />
De Neill Blomkamp,<br />
com Sharlto Copley, Jason Cope,<br />
Nathalie Boltt. M/16<br />
MMnnn<br />
VINCENT KESSLER/ REUTERS<br />
<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 1: 5ª 3ª<br />
4ª 16h, 18h50, 21h40 6ª 16h, 18h50, 21h40, 00h15<br />
Sábado Domingo 13h20, 16h, 18h50, 21h40, 00h15<br />
2ª 13h20, 16h, 18h50, 21h40; Castello Lopes - Loures<br />
Shopping: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />
4ª 13h20, 15h50, 18h20, 21h30, 24h; CinemaCity<br />
Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 7: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 14h,<br />
16h30, 18h40, 21h45, 24h Sábado Domingo 11h50,<br />
14h, 16h30, 18h40, 21h45, 24h; CinemaCity Beloura<br />
Shopping: Sala 1: 5ª 6ª 3ª 4ª 13h55, 16h, 18h30,<br />
21h50, 24h Sábado Domingo 2ª 11h45, 13h55, 16h,<br />
18h30, 21h50, 24h; CinemaCity Campo Pequeno<br />
Praça <strong>de</strong> Touros: Sala 7: 5ª 6ª 3ª 4ª 14h, 16h45,<br />
18h55, 21h50, 24h Sábado Domingo 2ª 11h40, 14h,<br />
16h45, 18h55, 21h50, 24h; Me<strong>de</strong>ia Monumental: Sala<br />
4 - Cine Teatro: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
Espaço E<br />
Público<br />
P<br />
Para quem já visitou<br />
os rostos <strong>de</strong> malda<strong>de</strong><br />
bestial presentes nas<br />
fotografias <strong>de</strong> Auschwitz,<br />
“Inglorious Basterds”<br />
<strong>de</strong> Tarantino não passa<br />
mesmo doutra comédia<br />
negra; ao equiparar a<br />
tacanhez americana com<br />
o sadismo nazi (com um<br />
espacinho <strong>de</strong> tributo para<br />
14h30, 17h, 19h45, 22h, 00h15; UCI Cinemas - El<br />
Corte Inglés: Sala 5: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h15,<br />
16h45, 19h15, 21h45, 00h15 Domingo 11h30, 14h15,<br />
16h45, 19h15, 21h45, 00h15; UCI Dolce Vita Tejo:<br />
Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h15,<br />
16h35, 19h, 21h40, 00h05; ZON Lusomundo<br />
Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h20, 15h50, 18h20, 21h20, 23h50; ZON<br />
Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h30, 18h10, 21h30,<br />
00h05; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h40, 18h20, 21h40,<br />
00h20; ZON Lusomundo Dolce Vita Miraflores: 5ª<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 15h20, 18h20, 21h20 6ª Sábado<br />
15h20, 18h20, 21h20, 00h20; ZON Lusomundo<br />
Odivelas Parque: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h10 18h30, 21h20<br />
6ª 15h10 18h30, 21h20, 24h Sábado 12h50, 15h10<br />
18h30, 21h20, 24h Domingo 12h50, 15h10 18h30,<br />
21h20; ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 15h50, 18h30,<br />
21h25, 00h05; ZON Lusomundo Torres Vedras: 5ª<br />
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h45, 16h15, 18h50,<br />
21h30, 00h10; ZON Lusomundo Vasco da Gama: 5ª<br />
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h40, 18h15,<br />
21h20, 23h55; Castello Lopes - C. C. Jumbo: Sala 3:<br />
5ª 3ª 4ª 15h40, 18h20, 21h10 6ª 15h40, 18h20,<br />
21h10, 23h40 Sábado Domingo 13h10, 15h40, 18h20,<br />
21h10, 23h40 2ª 13h10, 15h40, 18h20, 21h10; Castello<br />
Lopes - Fórum Barreiro: Sala 2: 5ª 3ª 4ª 15h50,<br />
18h30, 21h20 6ª 15h50, 18h30, 21h20, 24h Sábado<br />
Domingo 13h10, 15h50, 18h30, 21h20, 24h 2ª 13h10,<br />
15h50, 18h30, 21h20; Castello Lopes - Rio Sul<br />
Shopping: Sala 2: 5ª 6ª 3ª 4ª 15h40, 18h40,<br />
21h40, 00h10 Sábado Domingo 2ª 12h50, 15h40,<br />
18h40, 21h40, 00h10; UCI Freeport: Sala 4: 5ª 2ª<br />
3ª 4ª 15h30, 18h30, 21h30 6ª 15h30, 18h30, 21h30,<br />
00h20 Sábado 13h15, 15h30, 18h30, 21h30, 00h20<br />
Domingo 13h15, 15h30, 18h30, 21h30; ZON<br />
Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h30, 18h10, 21h05,<br />
23h45; ZON Lusomundo Fórum Montijo: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h10, 18h40,<br />
21h10, 23h40<br />
Porto: Arrábida 20: Sala 15: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 14h, 16h30, 19h05, 21h45, 00h25 3ª 4ª<br />
16h30, 19h05, 21h45, 00h25; ZON Lusomundo Dolce<br />
Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h30, 16h, 19h10, 21h50, 00h25; ZON Lusomundo<br />
GaiaShopping: 5ª 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h, 18h30,<br />
21h50 6ª Sábado Domingo 13h30, 16h, 18h30,<br />
21h50, 00h25; ZON Lusomundo MaiaShopping: 5ª<br />
2ª 3ª 4ª 13h20, 16h05, 18h40, 21h50 6ª Sábado<br />
Domingo 13h20, 16h05, 18h40, 21h50, 00h35; ZON<br />
Lusomundo Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />
2ª 3ª 13h40, 16h20, 18h50, 22h, 00h35 4ª 13h40,<br />
16h20, 18h50, 00h35; ZON Lusomundo<br />
NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h20, 16h10, 19h, 21h50, 00h35; ZON Lusomundo<br />
Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />
4ª 13h40, 16h10, 18h40, 21h40, 00h25; Castello<br />
Lopes - 8ª Avenida: Sala 3: 5ª 3ª 4ª 15h50, 18h20,<br />
21h20 6ª 15h50, 18h20, 21h20, 23h50 Sábado<br />
Domingo 13h, 15h50, 18h20, 21h20, 23h50 2ª 13h,<br />
15h50, 18h20, 21h20; ZON Lusomundo Fórum<br />
Aveiro: 5ª 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h10, 18h55, 21h40 6ª<br />
Sábado Domingo 13h20, 16h10, 18h55, 21h40,<br />
00h20; ZON Lusomundo Glicínias: 5ª 2ª 3ª 4ª<br />
13h40, 16h25, 19h15, 21h55 6ª Sábado Domingo<br />
13h40, 16h25, 19h15, 21h55, 00h40<br />
Com este argumento podíamos <strong>esta</strong>r<br />
perante um tremendo filme (e os<br />
filmes que vimos aqui!). Mas<br />
“Distrito 9” não transcen<strong>de</strong> a<br />
paródia (e às vezes parece mesmo<br />
paródia involuntária) para chegar à<br />
tragédia. Aí se dilui o lado<br />
“cronenberguiano” – há algo, <strong>de</strong><br />
facto, que podia fazer <strong>de</strong>le nova<br />
“versão” <strong>de</strong> “A Mosca”. Ficamos<br />
com a série B, ou Z, e com a<br />
guerrilha política. Traída, <strong>de</strong> alguma<br />
forma, pelo dispositivo espertalhão<br />
do “documentário” (é a linhagem<br />
”Blair Witch Project”...). Que só<br />
concorre para nos suspen<strong>de</strong>r a<br />
crença. Mais do que oportuno,<br />
oportunista? Ou seja: eis como<br />
aquele que po<strong>de</strong>ria ser um gran<strong>de</strong><br />
filme político do nosso tempo –<br />
vamos corrigir: aquele que po<strong>de</strong>ria<br />
ser um gran<strong>de</strong> filme do nosso<br />
tempo – fica reduzido a filme<br />
sintomático do nosso tempo. V. C.<br />
A Batalha <strong>de</strong> Red Cliff<br />
Chi Bi<br />
De John Woo,<br />
com Tony Leung Chiu<br />
Wai, Takeshi<br />
Kaneshiro, Fengyi<br />
Zhang. M/12<br />
MMnnn<br />
<strong>Lisboa</strong>: ZON Lusomundo<br />
Alvaláxia: 5ª 2ª 3ª 4ª<br />
14h10, 17h30, 21h10 6ª<br />
Sábado Domingo 14h10,<br />
17h30, 21h10, 00h20<br />
Porto: ZON Lusomundo<br />
Marshopping: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª<br />
4ª 17h30, 00h30<br />
o suspense e o romance<br />
dos clássicos). De resto,<br />
quando se trata <strong>de</strong> vingar<br />
o genocídio judaico<br />
com uma carnificina<br />
cinematográfica<br />
(autêntico <strong>de</strong>leite), todo<br />
o sangue nunca será<br />
<strong>de</strong>mais!<br />
João Meirinhos, 24 anos,<br />
licenciado <strong>de</strong>sempregado<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
Depois do seu sucesso em<br />
Hollywood, John Woo regressa à Ásia<br />
com uma longuíssima saga oriental,<br />
repleta <strong>de</strong> efeitos e com todos os<br />
matadores que fizeram a glória do<br />
seu estilo: elaboradas coreografias<br />
<strong>de</strong> violência indiscriminada, sangue<br />
a jorrar “au ralenti”,<br />
superabundância <strong>de</strong> figurantes,<br />
duelos, ambíguas conivências entre<br />
homens. No entanto, <strong>esta</strong> dimensão<br />
<strong>de</strong> “blockbuster” per<strong>de</strong>-se em<br />
excessivos pormenores, em<br />
infindáveis episódios <strong>de</strong>stinados a<br />
adaptar um clássico do século XIV,<br />
sobre factos semi-históricos, semilendários,<br />
passados muito antes,<br />
com uma noção <strong>de</strong> tempo<br />
cinematográfico que se arrasta sem<br />
medida, numa <strong>de</strong>smesura que cansa<br />
o espectador oci<strong>de</strong>ntal - até porque<br />
nos faltam dados factuais. Tudo<br />
consi<strong>de</strong>rado, fica um sentido inato<br />
do espectáculo e o virtuosismo <strong>de</strong><br />
uma câmara irrequieta, mas<br />
também alguma <strong>de</strong>silusão, <strong>de</strong>pois<br />
<strong>de</strong> obras-primas <strong>de</strong><br />
contenção, como “Face-<br />
Off”. M.J.T.<br />
Séraphine<br />
De Martin Provost,<br />
com Yolan<strong>de</strong> Moreau, Ulrich Tukur,<br />
Anne Bennent. M/12<br />
Mnnnn<br />
<strong>Lisboa</strong>: Atlântida-Cine: Sala 1: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª<br />
15h30, 21h30 Sábado Domingo 15h30, 18h15, 21h30;<br />
Me<strong>de</strong>ia King: Sala 3: 5ª 3ª 4ª 14h15, 16h45, 19h15,<br />
21h45 6ª Sábado Domingo 2ª 14h15, 16h45, 19h15,<br />
21h45, 00h15<br />
Porto: Me<strong>de</strong>ia Cida<strong>de</strong> do Porto: Sala 4: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h05, 21h30<br />
Séraphine existiu mesmo – na Senlis<br />
provincial <strong>de</strong> 1914, era realmente<br />
uma <strong>mulher</strong>-a-dias olhada <strong>de</strong><br />
esguelha como “tolinha da al<strong>de</strong>ia”<br />
que pintava nas horas vagas com a<br />
paixão <strong>de</strong> quem não conhece outra<br />
maneira <strong>de</strong> se exprimir – e a sua<br />
história verídica, tal como filmada<br />
pelo actor e realizador Martin<br />
Provost, conquistou os espectadores<br />
franceses, que <strong>de</strong>la fizeram um êxito<br />
e a tornaram no gran<strong>de</strong> vencedor<br />
dos Césares 2009. Mas para um<br />
filme sobre uma artista espontânea e<br />
obsessiva, falta garra, paixão e<br />
entrega a “Séraphine”, que se<br />
queda por uma austerida<strong>de</strong><br />
clínica e quase distante,<br />
incapaz (apesar das<br />
interpretações <strong>de</strong> Yolan<strong>de</strong><br />
Moreau e Ulrich Tukur) <strong>de</strong><br />
comunicar a intensida<strong>de</strong> e a<br />
urgência da arte <strong>de</strong> Séraphine,<br />
escon<strong>de</strong>ndo-se <strong>de</strong>masiadas<br />
vezes atrás <strong>de</strong> uma “académica”<br />
qualida<strong>de</strong> francesa, <strong>de</strong>ixando por<br />
explorar as pistas mais interessantes<br />
(como a relação entre Séraphine e o<br />
seu “mentor” Wilhelm Uh<strong>de</strong>, uma<br />
espécie <strong>de</strong> “amor impossível”<br />
mediado pela arte que é aflorado<br />
mas nunca <strong>de</strong>senvolvido). J. M.<br />
“A Batalha <strong>de</strong> Red Cliff”<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
37
Exposições<br />
“Amália Coração<br />
In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte”<br />
38<br />
A viagem proposta por João Sousa Cardoso através das salas do<br />
A Certain Lack of Coherence é banhada numa intensa luz vermelha,<br />
que sublinha a tensão, ou o frágil equilíbrio, entre a libido e o terror<br />
Um acto<br />
moral<br />
A instalação <strong>de</strong> João Sousa<br />
Cardoso no A Certain Lack of<br />
Coherence, no Porto, é uma<br />
meditação acerca do corpo<br />
plebeu. Óscar Faria<br />
Os Republicanos<br />
De João Sousa Cardoso.<br />
Porto. Uma Certa Falta <strong>de</strong> Coerência. R. dos<br />
Cal<strong>de</strong>ireiros 77. Tel.: 919272115. Até 10/10. Sáb. das<br />
15h30 às 19h30.<br />
Outros.<br />
mmmmm<br />
É com Caravaggio, em finais do<br />
século XVI, que o corpo plebeu<br />
entra <strong>de</strong>finitivamente na história da<br />
pintura. Os ecos <strong>de</strong>sse gesto nunca<br />
mais <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> se fazer sentir,<br />
tornando irreversível a presença<br />
Agenda<br />
Inauguram<br />
André Almeida e Sousa<br />
Braga. Museu Nogueira da Silva. Avenida Central,<br />
61. Tel.: 253601275. Até 28/10. 3ª a Sáb. das 10h às<br />
18h30. Inaugura 2/10 às 17h.<br />
Pintura.<br />
Ejti Stih<br />
<strong>Lisboa</strong>. Galeria Arte Periférica. Praça do Império –<br />
Centro Cultural <strong>de</strong> Belém, Loja 3. Tel.: 213617100.<br />
Até 29/10. 2ª a 10h às 20h. Inaugura 3/10 às 15h30.<br />
Pintura.<br />
André Butzer<br />
Braga. Galeria Mário Sequeira -<br />
Parada <strong>de</strong> Tibães. Quinta da Igreja<br />
(Parada <strong>de</strong> Tibães). Tel.:<br />
253602550. Até 14/11. 2ª a 6ª das<br />
10h às 19h. Sáb. das 15h às 19h.<br />
Inaugura 3/10 às 18h.<br />
Pintura.<br />
Amália, Coração<br />
In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />
De vários autores.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Museu Colecção<br />
Berardo. Praça do Império - Centro<br />
Cultural <strong>de</strong> Belém. Tel.: 213612878.<br />
<strong>de</strong>ssa carnalida<strong>de</strong> no campo da<br />
cultura. Obras tão distintas como as<br />
<strong>de</strong> Pasolini e <strong>de</strong> Warhol, as <strong>de</strong> Costa<br />
e <strong>de</strong> Tillmans, po<strong>de</strong>m ser lidas a<br />
partir <strong>de</strong>sse instante em que a arte<br />
se tornou, <strong>de</strong> facto, participada pelo<br />
povo, então travestido numa<br />
qualquer personagem religiosa, hoje<br />
protagonista dos seus próprios<br />
instantes <strong>de</strong> fama, sobretudo<br />
associados à mediatização da sua<br />
imagem.<br />
A exposição “Os Republicanos”,<br />
<strong>de</strong> João Sousa Cardoso (Vila Nova <strong>de</strong><br />
Famalicão, 1977), constitui uma<br />
meditação acerca <strong>de</strong>sse corpo<br />
plebeu, colocando em evidência,<br />
através do uso <strong>de</strong> fotocópias a pretoe-branco<br />
instaladas nas pare<strong>de</strong>s com<br />
recurso a fita-cola castanha,<br />
diferentes formas da sua<br />
manif<strong>esta</strong>ção, sejam elas políticas,<br />
históricas ou artísticas. A mostra<br />
forma um díptico com “A Terceira<br />
República”, apresentada, em 2007,<br />
num outro espaço gerido por<br />
artistas, o Mad Woman in The Attic.<br />
Tal como nessa ocasião, a proposta<br />
Até 31/01. 6ª das 10h às 22h (última admissão às<br />
21h30). 2ª a 5ª, Sáb. e Dom. das 10h às 19h (última<br />
admissão às 18h30). Inaugura 5/10 às 19h30.<br />
Documental, Pintura, Ví<strong>de</strong>o,<br />
Objectos, Outros.<br />
Amália, Coração In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />
<strong>Lisboa</strong>. Museu da Electricida<strong>de</strong>.<br />
Avenida Brasília - Edifício Central Tejo. Tel.:<br />
210028120. Até 31/01. 3ª a Dom. das 10h às 18h.<br />
Inaugura 5/10 às 17h30.<br />
Documental, Pintura, Ví<strong>de</strong>o,<br />
Objectos, Outros.<br />
A Interpretação dos Sonhos<br />
De Jorge Mol<strong>de</strong>r.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Centro <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna - José <strong>de</strong> Azeredo<br />
Perdigão. Rua Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.:<br />
217823474. Até 27/12. 3ª a Dom. das 10h às 18h.<br />
Inaugura 8/10 às 18h.<br />
Fotografia.<br />
Anos 70 - Atravessar Fronteiras<br />
<strong>Lisboa</strong>. Centro <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna - José <strong>de</strong> Azeredo<br />
Perdigão. Rua Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.:<br />
217823474. Até 03/01. 3ª a Dom. das 10h às 18h.<br />
Inaugura 8/10 às 18h30.<br />
Pintura, Escultura, Fotografia,<br />
Instalação, Outros.<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
actual po<strong>de</strong> ser lida a partir <strong>de</strong> um<br />
procedimento cinematográfico, o<br />
“travelling”, esse acto moral <strong>de</strong> que<br />
falava Jacques Rivette a propósito <strong>de</strong><br />
um plano <strong>de</strong> “Kapo”, <strong>de</strong> Gilles<br />
Pontecorvo – este problema é<br />
também central na obra <strong>de</strong> Jean-Luc<br />
Godard.<br />
A viagem proposta por João Sousa<br />
Cardoso através das salas do A<br />
Certain Lack of Coherence, numa<br />
proposta integrada num programa<br />
expositivo <strong>de</strong>lineado por José Maia, é<br />
banhada numa intensa luz vermelha,<br />
que sublinha a tensão, ou o frágil<br />
equilíbrio, entre a libido e o terror,<br />
figuras limites <strong>de</strong> uma exposição<br />
on<strong>de</strong> o <strong>de</strong>sejo se confronta com a<br />
morte – veja-se, por exemplo, a<br />
imagem do participado funeral do<br />
regicida Manuel Buíça, que, a 28 <strong>de</strong><br />
Janeiro <strong>de</strong> 1908, quatro dias antes <strong>de</strong><br />
ter assassinado D. Carlos I, escrevia<br />
uma carta-t<strong>esta</strong>mento na qual pedia<br />
que, caso fosse morto, educassem os<br />
seus filhos “nos princípios da<br />
liberda<strong>de</strong>, igualda<strong>de</strong> e fraternida<strong>de</strong>”<br />
com os quais comungava.<br />
A exposição abre com duas<br />
imagens <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s dimensões,<br />
numa espécie <strong>de</strong> campo/contracampo,<br />
na qual se observam, numa,<br />
o corpo <strong>de</strong> Mussolini, morto e<br />
pendurado no Piazzale Loreto, em<br />
Milão, e, na pare<strong>de</strong> oposta, um<br />
instantâneo tirado durante a<br />
rodagem <strong>de</strong> “Trás-os-Montes”, <strong>de</strong><br />
Margarida Cor<strong>de</strong>iro e António Reis –<br />
nela, observa-se o director <strong>de</strong><br />
fotografia Acácio <strong>de</strong> Almeida a<br />
realizar um “travelling” em cima <strong>de</strong><br />
uma bicicleta. Na mesma sala é<br />
ainda visível uma fotocópia da<br />
pintura “São João<br />
Baptista”(1599-1600), <strong>de</strong> Caravaggio.<br />
A queda do fascismo, a reinvenção<br />
do cinema, o pós-revolução <strong>de</strong> Abril,<br />
a entrada do corpo plebeu,<br />
republicano, no território da arte<br />
constituem possíveis pontos <strong>de</strong><br />
Jesper Just<br />
<strong>Lisboa</strong>. Centro <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna - José <strong>de</strong> Azeredo<br />
Perdigão. Rua Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.:<br />
217823474. Até 18/01. 3ª a Dom. das 10h às 18h.<br />
Inaugura 8/10 às 18h30.<br />
Ví<strong>de</strong>o, Instalação.<br />
Stag Night<br />
De Bela Silva.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Alecrim 50. R. do Alecrim,<br />
48-50. Tel.: 213465258. Até 31/10. 2ª a 6ª<br />
das 11h às 19h. Sáb. das 11h às 19h. Inaugura<br />
8/10 às 19h.<br />
Pintura.<br />
Diorama<br />
De vários autores.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Museu Nacional <strong>de</strong> História<br />
Natural. Rua da Escola Politécnica, 58. Tel.:<br />
213921800. Até 31/10. 3ª a 6ª das 10h às 17h. Sáb. e<br />
Dom. das 11h às 18h. Na Sala do Veado. Inaugura 8/10<br />
às 19h.<br />
Pintura, Outros.<br />
Continuam<br />
Obras <strong>de</strong> Paula Rego<br />
De Paula Rego.<br />
Cascais. Casa das Histórias - Paula Rego. Av. da<br />
partida para uma mostra que<br />
atravessa as diferentes salas do A<br />
Certain Lack of Coherence numa<br />
montagem inspirada quer nos<br />
baixos-relevos dos frisos jónicos e<br />
coríntios – as histórias neles<br />
contadas po<strong>de</strong>m ser vistas como<br />
uma espécie <strong>de</strong> proto-cinema –, quer<br />
no “Mnemosyne-Atlas”, concebido<br />
por Aby Warburg entre 1924 e 1929.<br />
A sucessão <strong>de</strong> imagens culmina no<br />
primeiro andar do espaço expositivo<br />
– limpo e aberto ao público pela<br />
primeira vez n<strong>esta</strong> ocasião –,<br />
transformado numa espécie <strong>de</strong><br />
receptáculo do inconsciente<br />
nacional. Esse contínuo <strong>de</strong><br />
fotocópias, que muitas vezes se<br />
sobrepõem, provoca uma tensão<br />
quer durante o acto <strong>de</strong> olhar – há<br />
uma clara dificulda<strong>de</strong> em encontrar<br />
um ponto <strong>de</strong> focagem –, quer no<br />
momento <strong>de</strong> assimilação dos<br />
conteúdos, agora homogeneizados<br />
pela sua partilha <strong>de</strong> um lugar<br />
comum. Uma mesma fotografia<br />
po<strong>de</strong> também suscitar diferentes<br />
graus <strong>de</strong> leitura, como aquela em<br />
que se observa Marilyn <strong>de</strong> roupão,<br />
um momento essencial do filme “Os<br />
Inadaptados” (1961), <strong>de</strong> John Huston,<br />
no qual se aborda o tema da<br />
liberda<strong>de</strong>. Há ainda uma forte<br />
presença das <strong>mulher</strong>es na mostra,<br />
como se o artista apontasse um<br />
possível e <strong>de</strong>sejado <strong>de</strong>vir: Maria <strong>de</strong><br />
Lour<strong>de</strong>s Pintasilgo, A<strong>de</strong>lai<strong>de</strong><br />
Ferreira, Ana Deus, Hannah Arendt,<br />
Judith Butler. Um corpo feminino,<br />
filosófico e político, esse<br />
contrapondo ao mundo dos<br />
homens; uma oposição celebrada<br />
por Natália Correia em poema<br />
<strong>de</strong>dicado a Cicciolona, <strong>de</strong>pois da<br />
visita d<strong>esta</strong> ao hemiciclo português:<br />
“Estava o Parlamento em tédio<br />
morno/ Do Processo Penal a lei<br />
moendo/ Quando carnal a <strong>de</strong>putada<br />
porno/ Entra em S. Bento. Horror!<br />
Caso tremendo!”<br />
República, 300. Tel.: 214826970.<br />
Até 18/03. 2ª a Dom. das 10h às 22h.<br />
Entrada livre.<br />
Desenho, Pintura.<br />
Quick, Quick, Slow<br />
<strong>Lisboa</strong>. Museu Colecção Berardo.<br />
Praça do Império - Centro Cultural <strong>de</strong> Belém.<br />
Tel.: 213612878. Até 29/11. 6ª das 10h00<br />
às 22h (última admissão às 21h30). 2ª a 5ª,<br />
Sáb. e Dom. das 10h às 19h (última admissão<br />
às 18h30).<br />
Design. Experimenta Design 2009.<br />
Encompassing The Globe.<br />
Portugal e o Mundo nos Séculos<br />
XVI E XVII<br />
De vários autores.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Museu Nacional <strong>de</strong> Arte Antiga.<br />
Rua das Janelas Ver<strong>de</strong>s - Palácio do Alvor.<br />
Tel.: 213912800. Até 11/10. 3ª das 14h às 18h.<br />
4ª a Dom. das 10h às 18h.<br />
A<strong>de</strong>lina Lopes<br />
Guimarães. Centro Cultural Vila Flor. Avenida D.<br />
Afonso Henriques, 701. T. 253424700. Até 29/11. 3ª<br />
a sáb das 10h às 12h30 e das 14h às 19h. Domingo e<br />
feriados das 14h às 19h.<br />
Fotografia, Objectos.
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