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Conhece esta mulher? - Fonoteca Municipal de Lisboa

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COLECÇÃO MUSEU NACIONAL DO TEATRO/GROSSINGER’S STUDIO ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 7122 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE<br />

Sexta-feira<br />

2 Outubro 2009<br />

www.ipsilon.pt<br />

Air Batida Stockhausen Au Revoir Simone Philippe Lioret David Grann<br />

<strong>Conhece</strong> <strong>esta</strong> <strong>mulher</strong>?


Flash<br />

Sumário<br />

Amália 6<br />

Vamos conhecê-la<br />

Batida 12<br />

A colisão entre a música<br />

angolana <strong>de</strong> ontem e os<br />

ritmos <strong>de</strong> hoje.<br />

Au Revoir Simone 15<br />

As meninas da caixinha<br />

<strong>de</strong> música<br />

Air 16<br />

“Love 2” is in the Air<br />

Stockhausen 18<br />

A Gulbenkian dá a ouvir<br />

pelas do ciclo “Klang”<br />

Phillipe Lioret 20<br />

Filma o encontro <strong>de</strong> um<br />

imigrante clan<strong>de</strong>stino e<br />

um professor <strong>de</strong> natação:<br />

“Welcome”, melodrama com<br />

a realida<strong>de</strong> colada à pele<br />

David Grann 25<br />

Foi atrás do rasto <strong>de</strong> Percy<br />

Fawcett, o último gran<strong>de</strong><br />

explorador romântico da<br />

Amazónia<br />

Ficha Técnica<br />

Director José Manuel Fernan<strong>de</strong>s<br />

Editor Vasco Câmara, Inês Nadais<br />

(adjunta)<br />

Conselho editorial Isabel<br />

Coutinho, Óscar Faria, Cristina<br />

Fernan<strong>de</strong>s, Vítor Belanciano<br />

Design Mark Porter, Simon<br />

Esterson, Kuchar Swara<br />

Directora <strong>de</strong> arte Sónia Matos<br />

Designers Ana Carvalho, Carla<br />

Noronha, Mariana Soares<br />

Editor <strong>de</strong> fotografia Miguel<br />

Ma<strong>de</strong>ira<br />

E-mail: ipsilon@publico.pt<br />

Cartas <strong>de</strong> Lord<br />

Byron vão a leilão<br />

É o mais impressionante conjunto<br />

<strong>de</strong> cartas <strong>de</strong> Lord Byron a aparecer<br />

no mercado nos últimos 30 anos: a<br />

correspondência adquirida em 1885<br />

pelo con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Roserbery, que inclui<br />

alguns documentos inéditos, será<br />

agora colocada em leilão pela<br />

Sotheby’s, em Londres, embora a<br />

data ainda não tenha sido revelada.<br />

Do lote fazem parte as cartas que o<br />

poeta inglês escreveu a Francis<br />

Hodgson, um membro do clero da<br />

Tintin<br />

troca<br />

<strong>de</strong> editor<br />

português<br />

e muda<br />

<strong>de</strong> nome<br />

Descontente com as vendas<br />

em Portugal, o editor<br />

histórico <strong>de</strong> Tintin e<br />

<strong>de</strong>tentor universal dos<br />

direitos para álbum<br />

(Casterman) pôs termo em<br />

Janeiro <strong>de</strong>ste ano ao<br />

contrato que o ligava à<br />

Editorial Verbo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1988.<br />

Esta semana ficou a<br />

também saber-se quem lhe<br />

suce<strong>de</strong>: as Edições ASA,<br />

que já estão a trabalhar em<br />

novas traduções e<br />

prometem os primeiros<br />

álbuns para a Primavera <strong>de</strong><br />

2010.<br />

Willy Fa<strong>de</strong>ur, director do<br />

<strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> direitos<br />

internacionais da<br />

Casterman, confirmou ao<br />

Ípsilon a “insatisfação” com<br />

as vendas, consi<strong>de</strong>radas<br />

“insuficientes tendo em<br />

conta a notorieda<strong>de</strong> do<br />

herói e do seu criador”. A<br />

rapi<strong>de</strong>z com que foi<br />

escolhido um novo editor é<br />

justificada com a<br />

importância que o editor<br />

franco-belga atribui ao<br />

mercado português: “Para<br />

nós, o mercado português,<br />

francófilo e francófono, é<br />

<strong>de</strong> primeira linha.”<br />

era vitoriana que era seu amigo. Aí<br />

revela <strong>de</strong>talhes íntimos, como o<br />

caso que teve com uma criada,<br />

Susan Vaughan, que abandonou<br />

quando percebeu que ela o traía<br />

com outros. Gabriel Heaton,<br />

especialista da Sotheby’s, disse ao<br />

“Guardian” que Byron nunca diz<br />

nas cartas que vai ser fiel a Susan,<br />

mas escreve que espera que ela lhe<br />

seja fiel. E quando lhe chegam<br />

rumores <strong>de</strong> que Susan não lhe foi<br />

fiel, a criada e amante per<strong>de</strong> o<br />

emprego.<br />

A <strong>de</strong>terminada altura, escreve<br />

Numa das suas cartas, Lord<br />

Byron diz que os portugueses<br />

têm poucos vícios, “exceptuando<br />

os piolhos e a sodomia”<br />

também que os portugueses são um<br />

povo <strong>de</strong> poucos vícios,<br />

“exceptuando os piolhos e a<br />

sodomia”. E fala também sobre a<br />

Albânia, <strong>de</strong>screvendo ao amigo o<br />

governante Ali Pasha como sendo<br />

“uma pessoas boa, corpulenta e<br />

com 200 <strong>mulher</strong>es e outros tantos<br />

rapazes” - “alguns dos quais eu vi e<br />

que lindas criaturas eram”,<br />

sublinha. Byron claramente achava<br />

“graça a escrever coisas<br />

ligeiramente chocantes a um<br />

homem do clero, mas também se vê<br />

que eles mantinham uma amiza<strong>de</strong><br />

Segundo a ASA, o<br />

objectivo é pôr cá fora<br />

toda a colecção Tintin<br />

(24 álbuns) até 2011,<br />

data da estreia do filme<br />

<strong>de</strong> Spielberg<br />

Maria José Pereira Pereira,<br />

alteração” alteração”, explica Maria<br />

responsável pelo<br />

José Pereira.<br />

<strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> BD da Graças a este negócio, as<br />

ASA, diz que o objectivo é Edições ASA ganham para o<br />

pôr cá fora toda a colecção seu catálogo uma das séries<br />

das aventuras <strong>de</strong> Tintin mais emblemáticas (e<br />

(num total <strong>de</strong> 24 álbuns) até também mais lucrativas) da<br />

2011, data prevista para a BD mundial. Os fãs po<strong>de</strong>m<br />

estreia do filme que Steven contar com uma presença<br />

Spielberg está a realizar. O mais agressiva do<br />

editor português assegura herói nas livrarias,<br />

que o herói vai recuperar o on<strong>de</strong> teve um lugar<br />

seu nome original – “Tintin” relativamente<br />

em vez do “Tintim” que discreto nas últimas<br />

surgia nos álbuns da Verbo: décadas. Recor<strong>de</strong>-<br />

“É o nome da personagem e se que Portugal<br />

uma marca. Não há razão foi o primeiro<br />

para não fazermos essa país não-<br />

JEAN PIERRE MULLER/ AFP<br />

muito forte. Nota-se que há<br />

intimida<strong>de</strong> entre eles”, continua<br />

Gabriel Heaton em <strong>de</strong>clarações ao<br />

“The Guardian”. Por fim, Byron<br />

também tece comentários sobre<br />

outros poetas do seu tempo, como<br />

Robert Southey e William<br />

Wordsworth. Este último <strong>de</strong>negriu<br />

o poeta que Byron muito admirava,<br />

Alexan<strong>de</strong>r Pope, ao dizer que o seu<br />

estilo era artificial e arcaico e por<br />

isso é referido n<strong>esta</strong>s cartas <strong>de</strong><br />

maneira <strong>de</strong>preciativa. Quinze por<br />

cento do material d<strong>esta</strong><br />

correspondência nunca foi<br />

publicado e está por estudar.<br />

francófono fr do mundo a<br />

publicar p Tintin, em 1936<br />

(revista (r “O Papagaio”). Foi<br />

também ta o primeiro país do<br />

mundo m on<strong>de</strong> se pu<strong>de</strong>ram<br />

ler le as aventuras do famoso<br />

jornalista jo a cores, ainda<br />

antes a <strong>de</strong> isso acontecer na<br />

Bélgica B ou em França.<br />

Para P a Casterman, o<br />

negócio n com a ASA é<br />

também ta vantajoso, pois<br />

ganha g alguma margem <strong>de</strong><br />

manobra m relativamente à<br />

socieda<strong>de</strong> s Moulinsart,<br />

gestora g dos direitos<br />

mundiais m <strong>de</strong> Hergé (16<br />

milhões m <strong>de</strong> euros por ano).<br />

Nick N Rodwell, marido <strong>de</strong><br />

Fanny F Vlaminck (segunda<br />

<strong>mulher</strong> m <strong>de</strong> Hergé e her<strong>de</strong>ira<br />

do d património do artista) e<br />

administrador a<br />

da<br />

Moulinsart, M exprimiu em<br />

Abril A passado o seu<br />

<strong>de</strong>scontentamento d<br />

com a<br />

forma fo como o editor<br />

franco-belga fr<br />

tem gerido os<br />

direitos d sobre os álbuns <strong>de</strong><br />

Tintin. T Embora nunca<br />

tenha te sido oficialmente<br />

afirmado, admitia-se nos<br />

meios ligados à BD que as<br />

divergências pu<strong>de</strong>ssem<br />

acabar em divórcio entre os<br />

dois parceiros.<br />

Passados quase seis meses,<br />

não houve novos <strong>de</strong>senvolvimentos<br />

e Willy Fa<strong>de</strong>ur,<br />

interpelado sobre o<br />

assunto, foi lacónico: “A<br />

Casterman é contratualmente<br />

o gestor mundial<br />

dos direitos das<br />

aventuras <strong>de</strong> Tintin<br />

e tenciona<br />

continuar a sê-lo.”<br />

Carlos Pessoa<br />

3


Flash<br />

Arquitecto da Tate<br />

Mo<strong>de</strong>rn <strong>de</strong>ixa<br />

Herzog & <strong>de</strong> Meuron<br />

Harry Gugger, o arquitecto que<br />

projectou e dirigiu a transformação<br />

do edifício <strong>de</strong> uma velha central <strong>de</strong><br />

energia londrina na actual Tate<br />

Mo<strong>de</strong>rn, em Londres, anunciou que<br />

irá <strong>de</strong>ixar o prestigiado “atelier”<br />

suíço Herzog & <strong>de</strong> Meuron, <strong>de</strong> que é<br />

sócio <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1991. No âmbito da sua<br />

longa colaboração com o gabinete<br />

fundado por Jacques Herzog e<br />

Pierre <strong>de</strong> Meuron, Gugger assinou<br />

alguns outros projectos marcantes,<br />

como a Biblioteca da Escola Técnica<br />

<strong>de</strong> Eberswal<strong>de</strong>, na Alemanha, a<br />

se<strong>de</strong> da Prada em Nova Iorque, ou o<br />

Schaulager, em Basileia. A planeada<br />

extensão da Tate Mo<strong>de</strong>rn, que<br />

<strong>de</strong>verá arrancar em breve, e que se<br />

prevê que esteja concluída em 2012,<br />

já não contará com Gugger, ainda<br />

que este se tenha disponibilizado<br />

para trabalhar, até ao final do ano,<br />

com Ascan Mergenthaler, o<br />

arquitecto da Herzog & <strong>de</strong> Meuron<br />

que o irá substituir.<br />

Formado em Engenharia Mecânica<br />

e Arquitectura, Gugger preten<strong>de</strong><br />

iniciar uma carreira in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte,<br />

mas continuará a dar aulas no<br />

Instituto <strong>de</strong> Tecnologia <strong>de</strong> Zurique.<br />

Homenagem ao<br />

“Megafone” <strong>de</strong> João<br />

Aguar<strong>de</strong>la<br />

Quando foi apanhado pela morte,<br />

em Janeiro, João Aguar<strong>de</strong>la não<br />

concluíra o “Megafone”, o projecto<br />

visionário que criara em 1997, no<br />

qual cruzava recolhas do<br />

cancioneiro tradicional português<br />

com linguagens electrónicas.<br />

“Música para raves e arraiais”, assim<br />

o <strong>de</strong>screvia o fundador dos Sitiados<br />

e, mais tar<strong>de</strong>, co-fundador com Luís<br />

Varatojo d’A Naifa. Dizia Aguar<strong>de</strong>la<br />

que o “Megafone” era um projecto<br />

<strong>de</strong> cinco<br />

álbuns.<br />

João Aguar<strong>de</strong>la<br />

4<br />

“Between Waves” será editado<br />

a 2 <strong>de</strong> Novembro<br />

Deixou-nos quatro, o último editado<br />

em 2006. Agora, um colectivo <strong>de</strong><br />

amigos e admiradores, a associação<br />

Megafone 5, tratará <strong>de</strong> o cumprir.<br />

Antes, porém, há música para<br />

homenagear o músico. Dia 4 <strong>de</strong><br />

Novembro, o Gran<strong>de</strong> Auditório do<br />

Centro Cultural <strong>de</strong> Belém acolhe um<br />

concerto on<strong>de</strong> A Naifa, Dead<br />

Combo, O’queStrada e Gaiteiros <strong>de</strong><br />

<strong>Lisboa</strong> revisitam a obra <strong>de</strong> João<br />

Aguar<strong>de</strong>la – os bilhetes, a 20 euros,<br />

encontram-se à venda nos locais<br />

habituais. O concerto servirá,<br />

também, para anunciar o Prémio<br />

Megafone, a atribuir anualmente<br />

pela Socieda<strong>de</strong> Portuguesa <strong>de</strong><br />

Autores a músicos ou entida<strong>de</strong>s que<br />

se distingam no trabalho sobre a<br />

tradição musical portuguesa.<br />

Entretanto, está “online” o “site”<br />

Megafone 5 (www.aguar<strong>de</strong>la.com),<br />

on<strong>de</strong>, além <strong>de</strong> um extenso trabalho<br />

biográfico e <strong>de</strong> arquivos<br />

relacionados com a carreira <strong>de</strong><br />

Aguar<strong>de</strong>la, estão disponíveis<br />

para “download” gratuito<br />

os quatro álbuns<br />

“Megafone”.<br />

David Fonseca<br />

entre ondas<br />

no novo álbum<br />

O novo álbum <strong>de</strong> originais <strong>de</strong> David<br />

Fonseca já tem nome, chama-se<br />

“Between Waves”, e será editado a<br />

2 <strong>de</strong> Novembro, com a pré-venda a<br />

realizar-se a partir <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> Outubro<br />

nas Fnac. Quarto longa-duração, e<br />

sucessor <strong>de</strong> “Dreams In Colour”<br />

(2007), é produzido pelo próprio e<br />

por Nelson Carvalho e será alvo <strong>de</strong><br />

edições diferenciadas em vários<br />

formatos. Haverá uma “huge fan<br />

pack”, uma edição especial<br />

limitada, que conterá o CD, o DVD<br />

“Streets of Lisbon acoustic live<br />

sessions”, com cinco canções do<br />

novo disco gravadas ao vivo em<br />

formato acústico, e um EP<br />

em vinil (com três versões inéditas<br />

<strong>de</strong> “A cry for love”, o single <strong>de</strong><br />

lançamento já revelado, entre elas<br />

uma remistura <strong>de</strong> Rui Maia dos<br />

X-Wife). Haverá também uma<br />

edição especial e limitada (CD +<br />

DVD), uma edição com CD + vinil e<br />

a vulgar edição em CD. No último<br />

ano, para além <strong>de</strong> concertos, o<br />

músico tem investido num<br />

percurso internacional, com<br />

d<strong>esta</strong>que para Espanha, on<strong>de</strong><br />

actuou várias vezes e on<strong>de</strong> foi alvo<br />

<strong>de</strong> artigos elogiosos por parte da<br />

imprensa.<br />

Fhjn Fh Fhjn jn j<br />

Nova Iorque aplau<strong>de</strong><br />

João Pedro Rodrigues<br />

Po<strong>de</strong> não ter gerado<br />

gran<strong>de</strong> entusiasmo no<br />

Festival <strong>de</strong> Cannes, on<strong>de</strong><br />

passou na secção “Un<br />

Certain Regard”, mas<br />

“Morrer como um<br />

Homem”, <strong>de</strong> João Pedro<br />

Rodrigues, está a chamar a<br />

atenção da crítica<br />

americana. Exibido <strong>esta</strong><br />

semana no Festival <strong>de</strong> Nova<br />

Iorque, ao lado da Palma<br />

<strong>de</strong> Ouro <strong>de</strong> Cannes, “The<br />

White Ribbon”, <strong>de</strong> Michael<br />

Haneke, do Leão <strong>de</strong> Ouro<br />

<strong>de</strong> Veneza, “Lebanon”, <strong>de</strong><br />

Samuel Maoz, do mais<br />

recente Alain Resnais, “Les<br />

Herbes Folles”, ou das<br />

“Singularida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> uma<br />

Rapariga Loura”, <strong>de</strong><br />

Oliveira, a terceira longa<br />

do autor <strong>de</strong> “O Fantasma”,<br />

história <strong>de</strong> um travesti<br />

dilacerado entre viver<br />

como uma <strong>mulher</strong> ou<br />

morrer como um homem,<br />

foi elogiada por dois dos<br />

mais respeitados e<br />

influentes críticos novaiorquinos.<br />

J. Hoberman, da<br />

“Village Voice” e um dos<br />

programadores do festival,<br />

escolheu “Morrer como<br />

um Homem” como um dos<br />

seus cinco “imperdíveis”<br />

João Pedro Rodrigues e os<br />

seus actores, Jenny Larrue e<br />

Cindy Scrash, no último<br />

Festival <strong>de</strong> Cannes<br />

do certame ainda sem<br />

distribuição americana,<br />

chamando-lhe “uma fábula<br />

profunda e fabulosamente<br />

triste, bem como um<br />

exemplo <strong>de</strong> cinema lírico,<br />

lúdico e imprevisível”. A<br />

temida Manohla Dargis, do<br />

“New York Times”, por seu<br />

lado, critica uma “primeira<br />

hora muitas vezes lúgubre”<br />

mas diz em seguida que o<br />

filme “recompensa a nossa<br />

paciência com beleza e<br />

mistério”: “No exacto<br />

momento em que a história<br />

parece <strong>esta</strong>r à beira <strong>de</strong> se<br />

afogar em torrentes <strong>de</strong><br />

lágrimas, Rodrigues<br />

<strong>de</strong>smultiplica o tom e o<br />

cenário e transporta as<br />

personagens para um<br />

santuário on<strong>de</strong> outro<br />

travesti, inspirado por Judy<br />

Garland cerca <strong>de</strong> 1961, as<br />

conduz — e a nós — para lá<br />

do arco-íris. E <strong>de</strong>pois tudo<br />

volta a mudar, d<strong>esta</strong> vez<br />

para uma tragédia<br />

justamente merecida.” Por<br />

cá, “Morrer como um<br />

Homem” chega às salas já a<br />

15 <strong>de</strong> Outubro, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

ter sido o filme <strong>de</strong> abertura<br />

da edição 2009 do Queer<br />

<strong>Lisboa</strong>.<br />

ERIC GAILLARD/ REUTERS


Consulte a agenda cultural Fnac em


Capa<br />

LISBOA, 1964, COLECÇÃO MUSEU NACIONAL DO TEATRO/JOSÉ TUDELA<br />

6


Temos<br />

<strong>de</strong> mexer<br />

na Amália<br />

Tem sido assim a nossa relação com ela: aprisionámos<br />

o monstro. Amália tornou-se figura sem corpo, à mercê<br />

do imaginário colectivo. A exposição “Amália, Coração<br />

In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte” po<strong>de</strong> ser o início <strong>de</strong> uma nova relação.<br />

Temos <strong>de</strong> mexer nela. Kathleen Gomes<br />

Quando Jean-François Chougnet sugeriu<br />

o título “Coração In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte”<br />

para a exposição que abre terçafeira<br />

em <strong>Lisboa</strong>, no Museu Berardo e<br />

no Museu da Electricida<strong>de</strong>, não <strong>esta</strong>va<br />

a contar com resistência interna.<br />

Fez uma sondagem junto da sua equipa<br />

e “ninguém gostou”, revela. “Diziam<br />

que era um fado <strong>de</strong> que ninguém<br />

gosta, que não era um fado popular,<br />

mas um fado para a ‘intelligentsia’,<br />

etc.” No dia seguinte, o director do<br />

Museu Colecção Berardo apanhou o<br />

autocarro 745 para o aeroporto <strong>de</strong><br />

<strong>Lisboa</strong> e reparou num jovem com um<br />

leitor <strong>de</strong> MP3 a seu lado – isto é, reparou<br />

no que ele ouvia. “Dois dias <strong>de</strong>pois<br />

regresso aqui e digo: ‘Se há um<br />

jovem no autocarro 745 a ouvir ‘Estranha<br />

Forma <strong>de</strong> Vida’ [canção <strong>de</strong> que<br />

fazem parte os versos ‘Coração in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte,<br />

coração que não comando’],<br />

é porque não é uma coisa totalmente<br />

fora...”, ri-se.<br />

É uma “petite histoire”, mas é reveladora<br />

do que tem sido a história<br />

da nossa relação com Amália Rodrigues:<br />

à força <strong>de</strong> a meter em caixinhas,<br />

nunca <strong>de</strong>ixámos que fosse tudo o que<br />

podia ser. Aprisionámos o monstro e<br />

criámos regras <strong>de</strong> convivência para o<br />

manter sob controle. Amália tornouse<br />

uma figura sem corpo à mercê das<br />

disposições do imaginário colectivo.<br />

Somos reféns convertidos em sequestradores:<br />

a sombra <strong>de</strong> Amália é inescapável,<br />

mas também não a <strong>de</strong>ixamos<br />

à solta (e tentamos sempre disparar<br />

primeiro).<br />

É por isso que este po<strong>de</strong> ser o início<br />

<strong>de</strong> uma nova relação com Amália: a<br />

exposição “Amália, Coração In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte”,<br />

que está no centro <strong>de</strong> uma<br />

verda<strong>de</strong>ira Operação Amália, com<br />

uma programação intensa que se es-<br />

ten<strong>de</strong> a outras instituições (Teatro S.<br />

Luiz, Museu do Fado) no momento<br />

em que se assinala o décimo aniversário<br />

da morte da fadista, propõe repensar<br />

o fenómeno nas suas múltiplas<br />

dimensões com uma perspectiva contemporânea.<br />

Além da tentativa <strong>de</strong><br />

concentrar Amália na sua totalida<strong>de</strong><br />

– fadista, actriz <strong>de</strong> cinema, ve<strong>de</strong>ta internacional,<br />

mito nacional, etc. – procuram<br />

lançar-se novas abordagens<br />

que, se não quebram o espelho, pelo<br />

menos po<strong>de</strong>rão abrir fissuras na percepção<br />

pública da figura.<br />

Talvez um dia olhemos para agora<br />

como o momento em que se fez o “reset”<br />

<strong>de</strong> Amália.<br />

Obra aberta<br />

Primeira constatação: apesar da sua<br />

popularida<strong>de</strong>, prestígio e amplitu<strong>de</strong>,<br />

Amália tem sido pouco estudada, o<br />

que é revelador do <strong>esta</strong>do incipiente<br />

dos estudos culturais em Portugal. “A<br />

minha primeira surpresa, ao começar<br />

a trabalhar sobre Amália, é que não<br />

há gran<strong>de</strong> bibliografia”, diz Jean-François<br />

Chougnet. “É um assunto evi<strong>de</strong>nte<br />

mas que não é tão tratado quanto<br />

parece.”<br />

A única biografia existente, que<br />

continua a ser a referência <strong>de</strong> base<br />

para qualquer investigador, foi publicada<br />

em 1987 pelo ex-crítico <strong>de</strong> teatro<br />

e antigo director do Museu Nacional<br />

do Teatro, Vítor Pavão dos Santos, e<br />

reeditada em 2005. Intitulada “Amália<br />

– Uma Biografia”, é, na verda<strong>de</strong>,<br />

uma espécie <strong>de</strong> autobiografia composta<br />

a partir <strong>de</strong> inúmeras e extensas<br />

entrevistas (78 horas <strong>de</strong> gravações)<br />

conduzidas entre 1982 e 1986.<br />

“O Vítor Pavão dos Santos é o ponto<br />

<strong>de</strong> partida e <strong>de</strong> chegada <strong>de</strong> todos<br />

os estudiosos da Amália e a gente tem<br />

Além da tentativa<br />

<strong>de</strong> concentrar Amália<br />

na sua totalida<strong>de</strong><br />

– fadista, actriz <strong>de</strong><br />

cinema, ve<strong>de</strong>ta<br />

internacional, mito<br />

nacional, etc.<br />

– procuram lançar-se<br />

novas abordagens<br />

que, se não quebram<br />

o espelho, pelo menos<br />

po<strong>de</strong>rão abrir<br />

fissuras na percepção<br />

pública da figura<br />

Amália<br />

tem sido<br />

pouco<br />

estudada,<br />

o que é<br />

revelador<br />

do <strong>esta</strong>do<br />

incipiente<br />

dos estudos<br />

culturais em<br />

Portugal<br />

<strong>de</strong> tirar o chapéu ao trabalho <strong>de</strong>le<br />

porque sem ele tínhamos <strong>de</strong> começar<br />

do zero”, nota o musicólogo Rui Vieira<br />

Nery. “Mas não po<strong>de</strong>mos esquecer<br />

que são entrevistas tardias. E que a<br />

Amália relembra a sua vida mas também<br />

reconstrói a sua imagem. Não é<br />

que esteja a tentar enganar-nos. Mas<br />

ela própria vai olhando para a sua vida<br />

e vai refazendo as coisas. Olha com<br />

uma perspectiva que já é posterior e<br />

que não correspon<strong>de</strong> àquela que ela<br />

tinha na altura. Temos <strong>de</strong> <strong>de</strong>smontar<br />

o seu discurso e perceber em cada<br />

época qual é a postura <strong>de</strong>la e como é<br />

que foi evoluindo.”<br />

David Ferreira, ex-director da EMI-<br />

Valentim <strong>de</strong> Carvalho, responsável<br />

por muitas reedições da obra <strong>de</strong> Amália<br />

e pelas duas compilações que vão<br />

ser lançadas em simultâneo com a<br />

exposição “Coração In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte”,<br />

corrobora: “Faz falta um documento<br />

do mesmo género pré-1974” porque<br />

“não é a mesma pessoa”.<br />

Segunda constatação: pelas suas<br />

características, Amália é um tema que<br />

resiste à análise crítica. “Há um obstáculo<br />

muito gran<strong>de</strong> que parte da relação<br />

afectiva que temos todos com<br />

ela”, diz Nery, acrescentando que<br />

existe uma tentação <strong>de</strong> proteccionismo<br />

em relação à figura. “É preciso<br />

não divinizar <strong>de</strong> tal maneira a Amália<br />

que ela se liberta da espécie humana<br />

e do contexto específico em que se<br />

moveu.”<br />

A exposição “Coração In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte”<br />

é acompanhada por um catálogo,<br />

que é um complemento, mais do que<br />

uma reprodução gráfica da mostra, e<br />

<strong>de</strong>nota um esforço para produzir análise.<br />

Pediu-se a um conjunto <strong>de</strong> especialistas<br />

que reflectissem sobre os<br />

campos <strong>de</strong> acção <strong>de</strong> Amália ou so-<br />

7


Amália<br />

“teve cinco ou seis<br />

carreiras diferentes”,<br />

resume o director<br />

do Museu do Berardo:<br />

os anos iniciais<br />

marcados pelo reportório<br />

clássico do<br />

fado e pela música<br />

<strong>de</strong> Fre<strong>de</strong>rico Valério;<br />

a carreira <strong>de</strong> estrela<br />

<strong>de</strong> cinema a partir<br />

<strong>de</strong> 1947; a “fase francesa”,<br />

que arranca<br />

com a sua participação<br />

no filme <strong>de</strong><br />

1955 “Les Amants du<br />

Tage”, on<strong>de</strong> canta<br />

“Barco negro”, e que<br />

<strong>de</strong>sperta o interesse<br />

<strong>de</strong> Bruno Coquatrix,<br />

empresário do<br />

Olympia; a “explosão<br />

<strong>de</strong> carreira”,<br />

que correspon<strong>de</strong> à<br />

colaboração com<br />

Alain Oulman a<br />

partir <strong>de</strong> 1962; e o<br />

pós-25 <strong>de</strong> Abril<br />

bre aspectos específicos: a sua dimensão<br />

política durante o regime<br />

salazarista, o reportório musical (Rui<br />

Vieira Nery) e poético (António Guerreiro),<br />

imagem fotográfica (Emília<br />

Tavares), filmografia (António Rodrigues),<br />

etc.<br />

Muitos <strong>de</strong>les, ouvidos pelo Ípsilon,<br />

admitem que uma das dificulda<strong>de</strong>s<br />

na abordagem <strong>de</strong> Amália é a profusão<br />

<strong>de</strong> lugares-comuns, a par <strong>de</strong> uma “aura<br />

<strong>de</strong> respeitabilida<strong>de</strong>” (Emília Tavares)<br />

que contribui para a preservação<br />

<strong>de</strong> uma imagem canónica. “Como é<br />

um mito, Amália convida muito à repetição<br />

das fórmulas litúrgicas <strong>de</strong><br />

veneração – ‘a santa do fado’ e por aí<br />

fora”, aponta Vieira Nery. “Não po<strong>de</strong>mos<br />

ter <strong>esta</strong>s relações <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong><br />

mórbida a uma figura intocável. Temos<br />

<strong>de</strong> mexer na Amália.”<br />

CARLOS LOPES/ ARQUIVO<br />

8<br />

O Estado Novo e os fantasmas<br />

Houve pelo menos um caso em que<br />

isso implicou tocar numa questão<br />

sensível: a eterna dúvida sobre o nível<br />

<strong>de</strong> envolvimento político <strong>de</strong> Amália<br />

durante o Estado Novo. Se calhar, não<br />

é por acaso que tenha sido um francês<br />

a reabrir o “dossier Amália” no catálogo.<br />

Ele admite: não foi por acaso.<br />

“A polémica tem a ver com a relação<br />

da socieda<strong>de</strong> portuguesa com o Estado<br />

Novo. Não é uma questão específica<br />

<strong>de</strong> Portugal. O dossier da ocupação<br />

alemã no meu país só foi reaberto<br />

nos anos 70-80, aliás por um<br />

americano, Robert O. Paxton.”<br />

Sem escamotear alguns “erros” cometidos<br />

pela fadista – a sua actuação<br />

no Estádio <strong>de</strong> Alvala<strong>de</strong> numa gala<br />

promovida pelo Governo num momento<br />

<strong>de</strong> apelo ao boicote e protesto<br />

face à frau<strong>de</strong> eleitoral <strong>de</strong> 1958, e umas<br />

quadras enviadas a Salazar quando<br />

este caiu da ca<strong>de</strong>ira (“Ponha-se-me<br />

bom <strong>de</strong>pressa / Meu querido presi<strong>de</strong>nte<br />

/ Depressa, que essa cabeça /<br />

Não merece <strong>esta</strong>r doente”) –, Chougnet<br />

dissipa quaisquer fantasmas <strong>de</strong><br />

colaboracionismo. “Muitos amalianos<br />

dizem que não vale a pena falar disso.<br />

Eu acho que vale a pena, precisamente<br />

porque não houve crime. A Amália<br />

nunca fez parte da PIDE, nunca houve<br />

um túnel entre o Palácio <strong>de</strong> São<br />

Bento e a casa <strong>de</strong>la, como foi dito <strong>de</strong>pois<br />

do 25 <strong>de</strong> Abril.” Refere-se à campanha<br />

<strong>de</strong> boatos que visaram Amália<br />

durante o período revolucionário, e<br />

que a alinhavam com o regime <strong>de</strong>posto.<br />

Vieira Nery: “Quando tiveram essa<br />

postura, as pessoas esqueceram-se<br />

<strong>de</strong> coisas importantíssimas, como o<br />

facto <strong>de</strong> nos anos 50 Amália cantar<br />

Sidónio Muralha, que era um exilado<br />

político anti-fascista, perseguido pela<br />

PIDE. E cantou o ‘Libertação’ do<br />

David Mourão-Ferreira, que era o ‘Fado<br />

<strong>de</strong> Peniche’, que toda a gente sabe<br />

que foi escrito em alusão à prisão <strong>de</strong><br />

Álvaro Cunhal. A casa da Amália era<br />

um espaço <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> on<strong>de</strong> conviviam<br />

intelectuais maioritariamente<br />

da oposição. Não se conspirava contra<br />

o regime mas não havia restrições <strong>de</strong><br />

palavra. Portanto, Amália é tudo menos<br />

um símbolo da i<strong>de</strong>ologia fascista<br />

pura e dura.”<br />

António Rodrigues, programador<br />

da Cinemateca, diz que a filmografia<br />

<strong>de</strong> Amália (oito filmes, entre 1946 e<br />

1965) permanece <strong>de</strong>sconhecida porque<br />

“a maior parte das pessoas não<br />

viu os filmes”. “Os portugueses em<br />

geral têm tamanha rejeição em relação<br />

ao cinema anterior ao 25 <strong>de</strong> Abril<br />

que se recusam a ver. Se eu passar<br />

uma coisa ‘kitsch’, em ‘cinemascope’<br />

Retratada por<br />

portugueses como<br />

Silva Nogueira<br />

e Augusto Cabrita,<br />

e por fotógrafos<br />

estrangeiros que são<br />

a referência para<br />

o “star-system” da<br />

época, o seu portfolio<br />

revela rupturas e a<br />

exposição explora<br />

os contrastes entre a<br />

Amália dos primeiros<br />

anos, representada<br />

segundo estereótipos<br />

fadistas (mãos na<br />

anca, olhar enlevado<br />

e dirigido ao céu),<br />

e a progressiva<br />

sofisticação que<br />

acompanha a<br />

internacionalização<br />

(retrato à maneira<br />

<strong>de</strong> Hollywood)<br />

e a cores, com o António Calvário, as<br />

pessoas não vão ver, nem para rir<br />

nem para atirar pedras. Mas se passar<br />

uma coisa pimba com a Doris Day, já<br />

vão.”<br />

Entre os especialistas existe a opinião<br />

<strong>de</strong> que a carreira <strong>de</strong> Amália no<br />

cinema nunca arrancou como podia,<br />

que “não <strong>de</strong>u certo”, que foi uma ocasião<br />

perdida. Rodrigues nota que ela<br />

“não falhou mais do que a <strong>de</strong> Edith<br />

Piaf ou Billie Holiday”, que até trabalharam<br />

em cinematografias mais sólidas<br />

e ricas do que a portuguesa. Tem<br />

uma filmografia maior e foi das poucas<br />

cantoras “a fazer um papel inteiro”.<br />

Amália “nunca é má no cinema”,<br />

diz. “É sóbria e intensa.”<br />

Amália total<br />

Jean-François Chougnet viu Amália<br />

pela primeira vez ao vivo no Olympia<br />

em 1975, e assistiu a mais três<br />

concertos em Paris. “Cada um <strong>de</strong><br />

nós, provavelmente, tem uma Amália<br />

verda<strong>de</strong>ira a <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r”, reconhece.<br />

Na prática, isso significa que<br />

aceitamos uma parte da história mas<br />

rejeitamos outra ou outras. A perda<br />

é nossa.<br />

Amália “teve cinco ou seis carreiras<br />

diferentes”, resume o director do Museu<br />

do Berardo: os anos iniciais marcados<br />

pelo reportório clássico do fado<br />

e pela música do compositor Fre<strong>de</strong>rico<br />

Valério; a carreira <strong>de</strong> estrela <strong>de</strong><br />

cinema a partir <strong>de</strong> 1947; a “fase francesa”,<br />

que arranca com a sua participação<br />

no filme <strong>de</strong> 1955 “Les Amants<br />

du Tage”, on<strong>de</strong> canta “Barco negro”,<br />

e que <strong>de</strong>sperta o interesse <strong>de</strong> Bruno<br />

Coquatrix, empresário do Olympia;<br />

a “explosão <strong>de</strong> carreira”, que correspon<strong>de</strong><br />

à colaboração com o compositor<br />

Alain Oulman a partir <strong>de</strong> 1962;<br />

e o pós-25 <strong>de</strong> Abril. Mas em vez <strong>de</strong>


G.GARABEDIAN - PARIS, 1956,57 - COLECÇÃO MUSEU NACIONAL DO TEATRO<br />

uma visão <strong>de</strong> totalida<strong>de</strong>, <strong>esta</strong> evolução<br />

cambiante tem gerado leituras<br />

segmentadas, com o privilégio <strong>de</strong> certas<br />

fases em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> outras.<br />

“Da gran<strong>de</strong> fase Oulman sabemos tudo”,<br />

lembra Chougnet. “Mas a última<br />

fase é como algo nos gran<strong>de</strong>s pintores:<br />

o último Picasso, o último Renoir<br />

são pouco consi<strong>de</strong>rados. E, <strong>de</strong> facto,<br />

os amalianos tradicionais dizem que<br />

a última fase é mais fraca.”<br />

Vieira Nery diz que a Amália dos<br />

primeiros 20 anos <strong>de</strong> carreira é tão<br />

importante quanto a gran<strong>de</strong> renovação<br />

dos anos 60 trazida pela sua associação<br />

com Alain Oulman. “Se Amália<br />

tivesse morrido em 59, nós teríamos<br />

<strong>de</strong> qualquer maneira um<br />

contributo extraordinário para a história<br />

do fado. É preciso trazer essa<br />

primeira Amália ao <strong>de</strong> cima, para<br />

ANA BANHA<br />

combinar com a Amália da época <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong> maturida<strong>de</strong> e para fazermos<br />

um exercício que é <strong>de</strong>licado e melindroso:<br />

ver a Amália final. É muito fácil<br />

dizer: ‘Ah, é a Amália sem voz, com<br />

a voz estragada’ e tudo o mais. A voz<br />

está num frangalho mas há tantos<br />

cantores, <strong>de</strong> jazz por exemplo, que<br />

ouvimos até ao fim com interesse. Há<br />

uma espécie <strong>de</strong> maturida<strong>de</strong> final com<br />

uma profundida<strong>de</strong> e uma inteligência<br />

redobradas. Se tivermos <strong>esta</strong>s três<br />

épocas traçadas, percebemos um fenómeno<br />

muito mais complexo, muito<br />

mais rico e muito mais facetado do<br />

que lembrarmo-nos apenas da ‘Gaivota’,<br />

do ‘Fado Português’ ou do ‘Povo<br />

Que Lavas no Rio”, que são momentos<br />

gran<strong>de</strong>s mas têm um contexto,<br />

têm uma história, não são coisas<br />

isoladas.”<br />

O som e o silêncio<br />

“Amália, Coração In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte” reparte-se<br />

entre o Museu Colecção Berardo e o muito próximo<br />

Museu da Electricida<strong>de</strong>, em <strong>Lisboa</strong>.<br />

“Amália, Coração In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte”<br />

(<strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> Outubro a 31 <strong>de</strong> Janeiro<br />

<strong>de</strong> 2010) reparte-se entre o<br />

Museu Colecção Berardo e<br />

o muito próximo Museu da<br />

Electricida<strong>de</strong>, em <strong>Lisboa</strong>. Não<br />

é obrigatório começar por<br />

nenhum <strong>de</strong>les. São núcleos<br />

temáticos diferentes, mas<br />

paralelos: no Museu Berardo<br />

explora-se o “Mito/Diva”,<br />

no Museu da Electricida<strong>de</strong><br />

o “Glamour”, aproveitando<br />

a cenografia industrial da<br />

antiga Central Tejo para exibir<br />

os vestidos e jóias (<strong>de</strong> cena e<br />

verda<strong>de</strong>iras) <strong>de</strong> Amália.<br />

Apesar <strong>de</strong> ser composta<br />

em gran<strong>de</strong> parte por material<br />

iconográfico – fotos, revistas,<br />

cartazes, capas <strong>de</strong> discos, trajes<br />

provenientes dos principais<br />

acervos amalianos, como a<br />

Fundação Amália Rodrigues,<br />

Museu Nacional do Teatro e<br />

Edições Valentim <strong>de</strong> Carvalho –<br />

não é uma exposição ilustrativa<br />

da vida e carreira da maior<br />

estrela do fado.<br />

Aproveita-se a cenografia<br />

industrial da antiga Central<br />

Tejo para exibir vestidos e jóias<br />

Apesar <strong>de</strong> ser<br />

composta por<br />

material e objectos<br />

iconográficos,<br />

não é uma exposição<br />

ilustrativa da vida<br />

e carreira da maior<br />

estrela do fado<br />

CARLOS RAMOS/ UM PONTO QUATRO<br />

No Museu Berardo, há<br />

uma cronologia inicial para<br />

contextualizar a figura, em que<br />

os principais momentos da<br />

carreira surgem sinalizados<br />

com a apresentação <strong>de</strong> trajes<br />

e acessórios usados em palco<br />

(mas a colecção principal<br />

<strong>de</strong> vestidos está no Museu<br />

da Electricida<strong>de</strong>). Uma das<br />

secções é <strong>de</strong>dicada à fotografia<br />

e à evolução da representação<br />

da fadista ao longo dos anos,<br />

mostrando a cumplicida<strong>de</strong> que<br />

Amália teve com fotógrafos<br />

nacionais e estrangeiros,<br />

geradora <strong>de</strong> imagens diversas<br />

e, nalguns casos, contrastantes.<br />

Noutra área explora-se a<br />

contemporaneida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Amália,<br />

expondo peças <strong>de</strong> artistas que<br />

a tiveram como referência. Pela<br />

primeira vez são apresentados<br />

em conjunto os três corações<br />

<strong>de</strong> filigrana feitos a partir <strong>de</strong><br />

talheres <strong>de</strong> plástico por Joana<br />

Vasconcelos, intitulados<br />

“Coração In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte”, e<br />

<strong>de</strong> cor diferente, a par <strong>de</strong> um<br />

ví<strong>de</strong>o do italiano Francesco<br />

Vezzoli, “Amália Traída”,<br />

súmula biográfica telenovelesca<br />

conduzida por duas divas,<br />

Lauren Bacall e Sónia Braga,<br />

e dos retratos produzidos por<br />

Leonel Moura e Adriana Mol<strong>de</strong>r.<br />

Bruno <strong>de</strong> Almeida, autor<br />

<strong>de</strong> “The Art of Amália”,<br />

documentário concebido<br />

nos anos finais <strong>de</strong> Amália,<br />

realizou uma instalação-ví<strong>de</strong>o<br />

para a exposição, trabalho <strong>de</strong><br />

montagem e processamento <strong>de</strong><br />

imagens <strong>de</strong> arquivo e sons que<br />

vai ser projectado em quatro<br />

ecrãs gigantes.<br />

No centro da mostra<br />

haverá uma “sala <strong>de</strong> escuta”,<br />

que propõe uma síntese do<br />

reportório musical amaliano:<br />

52 temas remasterizados<br />

pela Valentim <strong>de</strong> Carvalho a<br />

partir das gravações originais,<br />

que irão passar em contínuo.<br />

Jean-François Chougnet,<br />

director do Museu Berardo<br />

e coor<strong>de</strong>nador <strong>de</strong> “Amália,<br />

Coração In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte”, explica<br />

que quis evitar “uma cacofonia<br />

<strong>de</strong>ntro da exposição”, preferindo<br />

concentrar o som numa sala.<br />

Seria “uma traição a Amália”<br />

tratar o seu reportório como<br />

“música <strong>de</strong> elevador”, diz.<br />

A exposição no Museu Berardo<br />

fecha com uma instalação-ví<strong>de</strong>o<br />

concebida por encomenda por<br />

Ana Rito: no tríptico “Encore”,<br />

duas bailarinas interpretam o<br />

tema “Grito” (“Lágrima”, 1983),<br />

enquanto no ecrã central várias<br />

bocas pronunciam o nome <strong>de</strong><br />

Amália como um mantra. Em<br />

qualquer dos casos, o som é<br />

inaudível para o espectador.<br />

Silêncio, que se vai cantar o<br />

fado. K.G.<br />

“Encore”,<br />

<strong>de</strong> Ana Rito:<br />

uma das<br />

encomendas<br />

da exposição<br />

a artistas<br />

plásticos<br />

As fotos,<br />

revistas,<br />

cartazes,<br />

discos, trajes,<br />

acessórios,<br />

são<br />

provenientes<br />

dos acervos<br />

amalianos,<br />

como a<br />

Fundação<br />

Amália<br />

Rodrigues,<br />

Museu<br />

Nacional do<br />

Teatro e<br />

Edições<br />

Valentim <strong>de</strong><br />

Carvalho<br />

9


Para falar <strong>de</strong> Amália,<br />

sem lugares-comuns<br />

O teatro São Luiz e o Museu do Fado têm em Outubro<br />

uma série <strong>de</strong> iniciativas para homenagear a fadista<br />

Uma tertúlia, com amigos a<br />

conversar, como Amália gostava<br />

<strong>de</strong> ter em casa, é o que o Teatro<br />

São Luiz se propõe fazer a 6 <strong>de</strong><br />

Outubro (21h, entrada livre) no<br />

encontro Amigos <strong>de</strong> Amália.<br />

“Conversar sobre Amália po<strong>de</strong><br />

ser um contínuo <strong>de</strong> lugares<br />

comuns. Po<strong>de</strong> também ser<br />

uma tentativa <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r<br />

melhor uma artista complexa,<br />

sem protagonismos nem<br />

afirmações <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong><br />

dos intervenientes. E é por<br />

esse caminho que queremos<br />

seguir”, explica, no programa,<br />

Nuno Vieira <strong>de</strong> Almeida, que<br />

vai mo<strong>de</strong>rar a conversa entre<br />

Duarte Pinto Coelho, João<br />

Braga, José Manuel dos Santos,<br />

Lili, Mané Bobone, Maria João<br />

Avillez e Vítor Pavão dos Santos.<br />

No dia seguinte, 7 (18h30,<br />

entrada livre), <strong>de</strong>bate-se o<br />

futuro do património <strong>de</strong> Amália.<br />

Um património que, escreve<br />

o mo<strong>de</strong>rador Rui Vieira Nery,<br />

passa pelo “legado físico do seu<br />

espaço íntimo”, pelo “registo<br />

da sua voz” e por todo “o corpus<br />

da documentação que se lhe<br />

refere”. Mas vai para além disso.<br />

Esse legado “é sobretudo o<br />

exemplo da sua postura artística<br />

que permanece vivo e continua<br />

a motivar intérpretes, poetas<br />

e compositores <strong>de</strong> todos os<br />

géneros, bem como artistas em<br />

todos os ramos”.<br />

Para falar sobre esse<br />

património foram convidados<br />

Jean-François Chougnet,<br />

10<br />

No Museu do Fado <strong>esta</strong>rão<br />

expostas fotos inéditas <strong>de</strong> Rui<br />

Valentim <strong>de</strong> Carvalho com<br />

Amália – homenagem à relação<br />

editor/artista que mantiveram<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1952<br />

Conversar<br />

sobre Amália po<strong>de</strong><br />

ser uma tentativa <strong>de</strong><br />

compreen<strong>de</strong>r melhor<br />

uma artista complexa<br />

director do Museu Berardo,<br />

Sara Pereira, directora do<br />

Museu do Fado, Américo<br />

Lourenço, presi<strong>de</strong>nte da<br />

Fundação Amália, Vítor Pavão<br />

dos Santos, historiador <strong>de</strong><br />

Teatro, José Carlos Alvarez,<br />

director do Museu do Teatro,<br />

Manuel Bairrão Oleiro, director<br />

do Instituto dos Museus e da<br />

Conservação, e David Ferreira,<br />

editor discográfico.<br />

Para os dias 9 e 10 (23h30,<br />

no Jardim <strong>de</strong> Inverno), em<br />

Fadistas Cantam Amália, o São<br />

Luiz convidou os “intérpretes<br />

com quem [a fadista] partilhou<br />

gran<strong>de</strong>s momentos da sua<br />

vida e alguns dos músicos<br />

com quem percorreu os quatro<br />

cantos do mundo”, para além<br />

<strong>de</strong> representantes da actual<br />

geração do fado – ocasião<br />

para ouvir Joana Amendoeira,<br />

Celeste Rodrigues e João<br />

Ferreira Rosa, acompanhados<br />

na guitarra portuguesa por<br />

Pedro Amendoeira e José Fontes<br />

Rocha, na viola <strong>de</strong> fado por<br />

Diogo Clemente e Pedro Pinhal,<br />

na viola baixo por Joel Pina e no<br />

contrabaixo (e também baixo)<br />

por Paulo Vaz, num espectáculo<br />

concebido por Hél<strong>de</strong>r Moutinho.<br />

No Museu do Fado, entre 6 e<br />

10 <strong>de</strong> Outubro, <strong>esta</strong>rão expostas<br />

fotografias inéditas <strong>de</strong> Rui<br />

Valentim <strong>de</strong> Carvalho com<br />

Amália – homenagem à relação<br />

editor/artista que mantiveram<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1952. Na mesma semana,<br />

o museu passa diariamente<br />

uma selecção <strong>de</strong> programas<br />

<strong>de</strong> concertos <strong>de</strong> Amália (entre<br />

1962 e 1973) escolhidos pelo<br />

realizador Bruno <strong>de</strong> Almeida,<br />

num ciclo intitulado Memórias<br />

<strong>de</strong> Amália na Televisão. No dia<br />

10, a terminar a semana, será<br />

exibido “The Art of Amália” <strong>de</strong><br />

Bruno <strong>de</strong> Almeida.<br />

Entre as iniciativas previstas<br />

pelo museu está ainda o<br />

espectáculo “Amália em Nova<br />

Iorque”, com encenação <strong>de</strong><br />

Miguel Abreu e interpretação <strong>de</strong><br />

Maria José Pascoal. E as Visitas<br />

Cantadas ao circuito expositivo,<br />

com vários artistas a interpretar<br />

temas do reportório <strong>de</strong> Amália.<br />

Foi entretanto já lançada<br />

a colecção “Amália Nossa: A<br />

Primeira Época <strong>de</strong> Ouro”, em<br />

12 livros com CD, um projecto<br />

editado por João Pinto <strong>de</strong><br />

Sousa e coor<strong>de</strong>nado por Rui<br />

Vieira Nery, que conta com<br />

comentários poéticos <strong>de</strong> Vasco<br />

Graça Moura e a direcção <strong>de</strong><br />

arte e <strong>de</strong>sign <strong>de</strong> Maria João<br />

Ribeiro (uma edição Tugaland<br />

em parceria com o Museu do<br />

Fado, Fundação Amália, jornal<br />

PÚBLICO e Museu Colecção<br />

Berardo).<br />

Para <strong>esta</strong> edição – distribuída<br />

em exclusivo com o PÚBLICO<br />

e disponível nas lojas Fnac<br />

– a Tugaland convidou 12<br />

ilustradores a fazerem uma<br />

ilustração/imagem <strong>de</strong> Amália.<br />

Haverá também uma edição<br />

limitada <strong>de</strong> 12 LPs em vinil da<br />

mesma colecção que é editada<br />

em CD (a colecção em vinil é<br />

exclusiva para a Fnac).<br />

Mas há outros projectos<br />

editoriais em torno <strong>de</strong> Amália:<br />

o livro “Nessa Solidão Que<br />

É Minha: Amália e os Poetas<br />

Que Cantou”, uma compilação<br />

<strong>de</strong> todos os poemas gravados<br />

por Amália ao longo da sua<br />

carreira; e BD Amália+ 1 CD,<br />

uma edição em três volumes <strong>de</strong><br />

uma banda <strong>de</strong>senhada <strong>de</strong> Nuno<br />

Saraiva, que “aborda numa<br />

linguagem algo ficcionada mas<br />

simultaneamente humorística a<br />

vida e obra <strong>de</strong> Amália”. A.P.C.<br />

Uma das dificulda<strong>de</strong>s<br />

na abordagem <strong>de</strong><br />

Amália é a profusão<br />

<strong>de</strong> lugares-comuns,<br />

a par <strong>de</strong> uma “aura<br />

<strong>de</strong> respeitabilida<strong>de</strong>”<br />

que contribui para a<br />

preservação <strong>de</strong> uma<br />

imagem canónica<br />

Mudar a (sua) imagem<br />

Emília Tavares, historiadora e curadora<br />

<strong>de</strong> fotografia, analisou a construção<br />

da imagem <strong>de</strong> Amália ao longo<br />

da sua carreira. O encontro com<br />

a fotografia não foi um produto da<br />

sua fotogenia, espontaneamente captada<br />

pela objectiva, mas o resultado<br />

uma gestão cuidada da imagem. “A<br />

Amália é muito mo<strong>de</strong>rna nisso. É como<br />

se um <strong>de</strong>signer hoje pegasse no<br />

fado e na imagem <strong>de</strong>la e fizesse uma<br />

coisa nova. Sem distorcer nem renegar<br />

os aspectos visuais ligados ao fado,<br />

ela consegue mo<strong>de</strong>rnizá-los e<br />

dar-lhes uma nova interpretação e<br />

um novo uso. Consegue criar uma<br />

personagem, que tem poucos a<strong>de</strong>reços.<br />

Reinventa a maneira <strong>de</strong> usar o<br />

xaile, reinventa a maneira <strong>de</strong> usar o<br />

preto, veste-se com vestidos muito<br />

mais vaporosos e <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> usar a chita<br />

da Severa. Aquela voluptuosida<strong>de</strong><br />

bairrista que a Severa tinha, a Amália<br />

sofistica-a. Dá-lhe uma envolvência<br />

muito misteriosa: o negro, a expressivida<strong>de</strong>,<br />

o fechar os olhos quando<br />

canta...”<br />

Ao mesmo tempo, Amália não se<br />

manteve fiel a um estilo fotográfico.<br />

Retratada por portugueses como Silva<br />

Nogueira e Augusto Cabrita, e por<br />

fotógrafos estrangeiros que são a referência<br />

para o “star-system” da época<br />

(o Studio Harcourt, em Paris, e<br />

Bruno Hollywood), o portfolio <strong>de</strong><br />

Amália revela mudanças e rupturas<br />

e a exposição explora os contrastes<br />

entre a Amália dos primeiros anos,<br />

representada segundo estereótipos<br />

fadistas (mãos na anca, olhar enlevado<br />

e dirigido ao céu), e uma progressiva<br />

sofisticação que acompanha a sua<br />

internacionalização (retrato <strong>de</strong> estúdio<br />

à maneira <strong>de</strong> Hollywood, imagens


que dão a ver o mundanismo <strong>de</strong> uma<br />

estrela, mudanças físicas radicais que<br />

abalam a representação tradicional<br />

da fadista).<br />

Tal como mudou o reportório do<br />

fado para que um público internacional<br />

o acolhesse, “Amália percebeu,<br />

pela gran<strong>de</strong> intuição que tinha, que<br />

era preciso mudar a sua imagem”, diz<br />

Emília Tavares. Uma imagem que faz<br />

valer a sua feminilida<strong>de</strong> – “há uma<br />

certa erotização, que foi sempre uma<br />

coisa pudica <strong>de</strong> se falar, como se a<br />

Amália não tivesse sexualida<strong>de</strong>” – e<br />

que se afasta dos mo<strong>de</strong>los da cultura<br />

oficial do salazarismo.<br />

“Era uma <strong>mulher</strong> in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />

que fumava em público, e emancipada”,<br />

lembra José Manuel dos Santos,<br />

programador da Fundação EDP, amigo<br />

<strong>de</strong> Amália. “Parecia, quase antes<br />

do tempo, uma daquelas romancistas<br />

francesas... Quer dizer, vemos fotografias<br />

<strong>de</strong>la dos anos 60 e parece uma<br />

<strong>mulher</strong> tão livre e emancipada como<br />

a Françoise Sagan. Não tinha o estereótipo<br />

da <strong>mulher</strong> portuguesa <strong>de</strong>sse<br />

tempo.”<br />

Emília Tavares lamenta a inexistência<br />

<strong>de</strong> uma reflexão crítica no campo<br />

dos estudos <strong>de</strong> género: “Era interessante<br />

perceber que efeitos é que <strong>esta</strong><br />

imagem da Amália teve ou não nalguns<br />

sectores da socieda<strong>de</strong> portuguesa”,<br />

diz.<br />

Rui Vieira Nery diz o que podia ser<br />

o programa <strong>de</strong> “Coração In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte”:<br />

“Não há her<strong>de</strong>iros legítimos da<br />

Amália. Todos nós somos her<strong>de</strong>iros<br />

e nela cabem os nossos olhares todos.<br />

Porque é uma obra aberta.”<br />

Temos hoje condições para avaliála<br />

<strong>de</strong> forma diferente?<br />

Jean-François Chougnet é cauteloso.<br />

“Se calhar é um pouco cedo. É<br />

como na história geral: normalmente<br />

temos capacida<strong>de</strong> para começar uma<br />

outra avaliação – não sei se é melhor<br />

ou pior – quando a última pessoa a<br />

conhecer o facto histórico morre. As<br />

primeiras histórias críticas da I Guerra<br />

Mundial foram feitas há 20 anos.<br />

Da II Guerra começam a ser feitas agora,<br />

por uma geração que não fez parte<br />

dos acontecimentos. No caso <strong>de</strong><br />

Amália, a avaliação da geração seguinte<br />

vai ser muito diferente. O décimo<br />

aniversário da morte, provavelmente,<br />

é o primeiro passo. É mais fácil falar<br />

da questão politica, por exemplo, do<br />

que há <strong>de</strong>z anos.”<br />

Chougnet já trabalhou sobre pesospesados<br />

da música popular como<br />

Serge Gainsbourg e Jacques Brel, mas<br />

não encontra paralelo francês para a<br />

relação “única” que os portugueses<br />

têm com Amália. “É uma relação <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ntificação enorme, e toda essa<br />

i<strong>de</strong>ntificação é acompanhada <strong>de</strong> coisas<br />

verda<strong>de</strong>iras e coisas falsas, toda a<br />

gente tem uma projecção sobre a imagem<br />

<strong>de</strong> Amália que é diferente da realida<strong>de</strong>.<br />

Ela continua a ocupar um<br />

lugar central na vida cultural do país,<br />

e é provavelmente a personalida<strong>de</strong><br />

que mais representa o Portugal contemporâneo.<br />

Não há muitos casos<br />

assim. Talvez só a Oum Kalsoum, no<br />

Egipto. Se entrar num autocarro do<br />

Cairo, vai ouvir a Oum Kalsoum. Se<br />

entrar num autocarro em <strong>Lisboa</strong>, vai<br />

ouvir a Amália.” Num MP3 perto <strong>de</strong><br />

si.<br />

Ver crítica <strong>de</strong> discos págs. 31 e segs.<br />

Rara e inédita<br />

Vem aí uma edição remasterizada e crítica <strong>de</strong><br />

“Com Que Voz”, com “takes” adicionais: Março <strong>de</strong> 2010,<br />

no 40º aniversário do álbum<br />

Amália e a Valentim <strong>de</strong> Carvalho<br />

tiveram uma relação <strong>de</strong><br />

fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> que durou 47 anos<br />

e que apenas foi interrompida<br />

por um breve período <strong>de</strong><br />

dois anos, entre 1958 e 1960,<br />

quando grava com a editora<br />

francesa Ducretet-Thomson.<br />

Nos seus últimos anos <strong>de</strong> vida,<br />

a Valentim <strong>de</strong> Carvalho (VC)<br />

editou alguns discos <strong>de</strong> inéditos,<br />

nomeadamente “Segredo”, em<br />

1997, que, entre outros, continha<br />

temas compostos por Alain<br />

Oulman nunca publicados, e<br />

“Rara e Inédita” em 1989, que<br />

fez parte <strong>de</strong> uma caixa <strong>de</strong> oito<br />

CDs que assinalou os 50 anos<br />

<strong>de</strong> carreira. Em 2002, o 40º<br />

aniversário <strong>de</strong> “Busto”, um dos<br />

álbuns mais emblemáticos <strong>de</strong><br />

Amália, foi pretexto para uma<br />

edição revista e aumentada,<br />

contendo versões alternativas<br />

<strong>de</strong> temas originais e registos<br />

<strong>de</strong> ensaios. Estes lançamentos<br />

vieram levantar a ponta do véu<br />

sobre a existência <strong>de</strong> material<br />

inédito nos arquivos da VC,<br />

cuja dimensão e características<br />

talvez nunca tenham sido<br />

publicamente esclarecidas.<br />

Rui Vieira Nery, coor<strong>de</strong>nador<br />

da colecção <strong>de</strong> 12 CDs “Amália<br />

Nossa” que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a última<br />

semana começou a ser vendida<br />

pelo PÚBLICO, lamenta que<br />

a edição integral e crítica da<br />

discografia <strong>de</strong> Amália ainda não<br />

tenha sido feita. “Devíamos já<br />

Contagem<br />

aproximada do<br />

material inédito por<br />

década: cerca <strong>de</strong> 30<br />

trechos nos anos 50,<br />

sobretudo “takes”<br />

alternativos <strong>de</strong> temas<br />

editados ou registos<br />

<strong>de</strong> ensaios e “quatro<br />

ou cinco inéditos<br />

absolutos”; dos anos<br />

60 existem oito<br />

inéditos, e dos anos<br />

70, outros oito, mas<br />

“quase todos<br />

absolutos”; dos anos<br />

80 estão i<strong>de</strong>ntificados<br />

quase 40 inéditos<br />

ter todas as sessões <strong>de</strong> gravação,<br />

<strong>de</strong>víamos saber exactamente<br />

o que é que se fez, que ‘takes’ é<br />

que foram rejeitados. Tenho a<br />

impressão que não há uma nota<br />

gravada em estúdio pela Billie<br />

Holiday que não esteja editada<br />

com comentários. Este trabalho<br />

básico não está feito no caso da<br />

Amália.”<br />

Em 1999, David Ferreira, então<br />

director da EMI-VC, encarregou<br />

Jorge Mourinha (actual crítico<br />

do PÚBLICO) <strong>de</strong> inventariar e<br />

datar toda a discografia e todo<br />

o material gravado por Amália,<br />

procurando fixar um reportório<br />

o mais exaustivo possível.<br />

Uma base <strong>de</strong> dados que viria<br />

a servir <strong>de</strong> referência a um<br />

plano <strong>de</strong> edições e reedições<br />

críticas da discografia <strong>de</strong><br />

Amália, entretanto iniciado com<br />

alguns lançamentos: “Amália/<br />

Vinícius”, “Bobino”, “For Your<br />

Delight” e “Abbey Road 1952”.<br />

David Ferreira, que <strong>de</strong>ixou<br />

a EMI e a VC em 2007, mas<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Primavera é consultor<br />

para o catálogo Amália,<br />

tenciona lançar uma edição<br />

remasterizada e crítica <strong>de</strong><br />

“Com Que Voz”, com “takes”<br />

adicionais, à semelhança <strong>de</strong><br />

“Busto”, prev prevista para<br />

Março <strong>de</strong> 2010, no<br />

40º aniversário<br />

an<br />

do ál álbum. Até<br />

fina final do ano,<br />

ta também<br />

pplaneia<br />

editar<br />

discos<br />

com a<br />

Amália a<br />

cantar em<br />

eespanhol,<br />

it italiano e<br />

fra francês.<br />

Co Contagem<br />

aproximada aproxi do<br />

material inédito i<br />

por década: cerca <strong>de</strong> 30<br />

trechos nos anos 50, que são<br />

sobretudo “takes” alternativos<br />

<strong>de</strong> temas editados ou registos<br />

<strong>de</strong> ensaios e “quatro ou cinco<br />

inéditos absolutos”; dos anos<br />

60 existem oito inéditos, “entre<br />

os quais um possível inédito<br />

absoluto”, e dos anos 70,<br />

outros oito, mas “quase todos<br />

absolutos”; dos anos 80 estão<br />

i<strong>de</strong>ntificados quase 40 inéditos,<br />

gravados na sua maioria no<br />

início da década, e entre os quais<br />

se incluem as gravações feitas<br />

para o que <strong>de</strong>veria ter sido um<br />

LP <strong>de</strong> músicas populares, com<br />

orquestra, que não chegou a<br />

ser publicado. David Ferreira<br />

diz que a sua preocupação<br />

sempre foi “pr<strong>esta</strong>r um bom<br />

serviço”, fazendo “edições<br />

cuidadas e seguras” com “som<br />

<strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>”. “Não assino<br />

coisas que não sejam bem feitas.<br />

As gran<strong>de</strong>s obras são gran<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong>safios e não po<strong>de</strong>m ser<br />

tratadas com os pés. Compare<br />

com a arca do Pessoa 10 anos<br />

<strong>de</strong>pois da sua morte. A arca do<br />

Pessoa <strong>de</strong>morou muito tempo a<br />

ser catalogada.” K. G.<br />

11


Já tinham a capa do disco. Um miúdo<br />

em primeiro plano, ao lado <strong>de</strong> um coluna<br />

<strong>de</strong> som, com tanga vestida e dança<br />

preparada num terreiro do Sambila,<br />

o calão <strong>de</strong> Luanda para o bairro<br />

Sambizanga. Já tinham as fotos para<br />

o interior. O dia <strong>de</strong>scendo sobre a baía<br />

e os prédios na paisagem. Já tinham<br />

isto e sabiam como queriam trabalhálo.<br />

Eles que já tinham isto são Pedro<br />

Coquenão (DJ Mpula), Bruno Lobato<br />

(Beat La<strong>de</strong>n) e Luaty Beirão (Ikonoklasta),<br />

nomes chave <strong>de</strong> um projecto,<br />

Batida, que não se esgota neles. E<br />

sabiam como queriam trabalhar aquelas<br />

imagens, como inscrever nelas<br />

aquilo que viria a ser este Batida que<br />

agora chega até nós.<br />

A Luanda que vemos daqui<br />

É uma colisão entre a música angolana <strong>de</strong> ontem e os ritmos <strong>de</strong> hoje.<br />

Nasceu da “uma nova sauda<strong>de</strong>” <strong>de</strong> uma nova geração e nela espelha-se uma Luanda<br />

que se re<strong>de</strong>scobre enquanto se abre ao mundo. Batida é isto. Mário Lopes<br />

12<br />

DJ Mpula elenca: “arte zulu e arte<br />

pop, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser tradicional<br />

e urbano”.<br />

Roda, <strong>de</strong>signer, concretizou: o miúdo<br />

em primeiro plano ganhou capa<br />

e coroa <strong>de</strong> super-herói, a coluna <strong>de</strong><br />

som dinamismo <strong>de</strong> BD e a paisagem<br />

<strong>de</strong> Luanda palancas voadoras, muito<br />

naifs, sóis que brilham perguntas<br />

(“Sauda<strong>de</strong>?”), divisões territoriais <strong>de</strong>finidas<br />

(gueto, colinas, kandongueiro).<br />

Aquilo po<strong>de</strong> não nos dizer o que é<br />

exactamente <strong>esta</strong> Batida, projecto <strong>de</strong>senvolvido<br />

entre <strong>Lisboa</strong> e Luanda,<br />

entre o passado da música angolana<br />

preservado nos arquivos da Valentim<br />

<strong>de</strong> Carvalho e o presente <strong>de</strong> um Por-<br />

tugal que agora dança o kuduro que<br />

Angola inventou. Mas diz-nos muito<br />

sobre aquilo que Mpula, Beat La<strong>de</strong>n<br />

e Ikonoklasta i<strong>de</strong>alizaram.<br />

Batida é isto: felicíssima colisão entre<br />

a música angolana <strong>de</strong> ontem e os<br />

ritmos <strong>de</strong> hoje. Como um encontro <strong>de</strong><br />

almas gémeas separadas por contingência<br />

cronológica. Os Águias Reais<br />

da década <strong>de</strong> 60 e 70 a “rebentar” no<br />

kuduro <strong>de</strong> “Bazuka”, os berimbaus do<br />

Grupo <strong>de</strong> Folclore <strong>de</strong> Angola a ressoar<br />

como ritmo ancestral entre os graves<br />

e os sintetizadores convulsivos criados<br />

por Mpula e Beat La<strong>de</strong>n.<br />

Ao Ípsilon, Pedro Coquenão e Luaty<br />

Beirão acentuam: “Tendo os pés<br />

em Angola, este disco tem a cabeça<br />

“Tendo os pés em<br />

Angola, este disco<br />

tem a cabeça noutros<br />

sítios. E tirámos<br />

partido disso. Um<br />

português cá não o<br />

conseguiria fazer, um<br />

angolano lá também<br />

não” Pedro Coquenão<br />

e Luaty Beirão<br />

noutros sítios. E tirámos partido <strong>de</strong>ssa<br />

situação. Um português cá não o<br />

conseguiria fazer, um angolano lá também<br />

não. Assim, po<strong>de</strong>mos arremessálo<br />

lá para <strong>de</strong>ntro, po<strong>de</strong>mos celebrá-lo<br />

aqui, envergonhar quem <strong>de</strong> direito e<br />

<strong>de</strong>senvergonhar quem acha que tem<br />

vergonha seja do que for”.<br />

N<strong>esta</strong> música, reflecte-se aquilo que<br />

<strong>de</strong>finem como “nova sauda<strong>de</strong>”. Ouçamos<br />

Pedro Coquenão, filho <strong>de</strong> portugueses<br />

nascido em Angola, no Huambo:<br />

“Já não é a sauda<strong>de</strong> da vida<br />

Martini Bianco dos anos 60 e 70, mas<br />

uma sauda<strong>de</strong> da própria terra, só possível<br />

para aqueles que estão afastados”.<br />

Escutemos Luaty Beirão, angolano<br />

que viveu anos fora: “Os primei-


Música<br />

Da esquerda<br />

para a direita:<br />

Beat La<strong>de</strong>n,<br />

Ikonoklasta,<br />

Sacerdote e DJ<br />

Mpula<br />

CATARINA LIMÃO<br />

ros 17 anos da minha vida foram<br />

passados num perímetro <strong>de</strong> catorze<br />

metros quadrados. Tudo à volta era<br />

guerra. Daí nasce aquele complexo <strong>de</strong><br />

ignorar o que está à volta, <strong>de</strong> olhar<br />

para fora e querer imitar. Só quando<br />

se sai, quando se ganha noção <strong>de</strong> uma<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é que surge a necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> resgatar o que antes ignorávamos”.<br />

Mas Batida não é apenas sauda<strong>de</strong>.<br />

Utiliza-se a música como espelho<br />

<strong>de</strong> um tempo e são convocados Sacerdote,<br />

Maskarado e Dama Ivone, directamente<br />

da Sambila, ou Bob da Rage<br />

Sense, rapper angolano radicado em<br />

Portugal, para dar voz às novas canções.<br />

Alarga-se o ritmo para além do<br />

kuduro – recolhem-se baixos gordos<br />

no kwaito sul-africano e não se per<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> vista o Congo que, dir-nos-á Coquenão,<br />

“tem com Angola uma comunicação<br />

que flui como sangue” - e transforma-se<br />

um disco chamado “Dance<br />

Mwangolé” numa explosão musical<br />

com vidas <strong>de</strong>ntro: entre temas, ouvem-se<br />

<strong>de</strong>poimentos recolhidos nas<br />

ruas, vozes <strong>de</strong> veteranos com estilhaços<br />

<strong>de</strong> guerra, excertos do DJs incentivando<br />

à compra <strong>de</strong> “Batidas”, as<br />

compilações <strong>de</strong> kuduro distribuídas<br />

e vendidas em cd pirata pelas ruas.<br />

Depois dos Buraka Som Sistema terem<br />

legitimado o <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rado kuduro,<br />

estes Batida trabalham-no como algo<br />

mais selvagem, como emanação das<br />

ruas e da sua história.<br />

Dançando<br />

pela mudança<br />

Chamam “batidas” às<br />

compilações pirata <strong>de</strong> kuduro<br />

que saem dos subúrbios<br />

<strong>de</strong> Luanda para a cida<strong>de</strong>.<br />

Foi a ven<strong>de</strong>r “batidas” num<br />

concerto <strong>de</strong> MC Kapa no Elinga<br />

Teatro, se<strong>de</strong> do grupo teatral<br />

homónimo, com história longa<br />

<strong>de</strong> duas décadas, que Luaty<br />

Beirão e Pedro Coquenão<br />

conheceram Sacerdote,<br />

voz <strong>de</strong> d<strong>esta</strong>que em “Dance<br />

Mangwolé”.<br />

Coquenão compara o Elinga<br />

à lisboeta Galeria Zé dos Bois,<br />

<strong>de</strong>screvendo o ambiente que<br />

nele se vive como “terapia<br />

colectiva”. Nos concertos,<br />

como aquele <strong>de</strong> MC Kapa, “está<br />

público que sabe as letras e<br />

que grita palavras <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m<br />

políticas, sem conotação<br />

partidária, reclamando uma<br />

Angola melhor”. Na sua<br />

maioria, aponta Luaty, aquele<br />

é formado por pessoas que,<br />

tal como ele, “cresceram<br />

favorecidas, com acesso a<br />

coisas vedadas a 92 por cento<br />

da população angolana”: a<br />

informação ou a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> estudar fora do país.<br />

Sacerdote tal como MC Kapa<br />

não cresceram com as mesmas<br />

condições: “encontram ali o<br />

único momento da semana, do<br />

mês ou do trimestre em que<br />

convivem com almas gémeas<br />

no seu percurso <strong>de</strong> revolta, na<br />

exigência <strong>de</strong> fazer <strong>de</strong> Angola<br />

um país melhor”.<br />

Por cada Conjunto<br />

Ngonguenha ou Nástio<br />

Mosquito (músico, escritor,<br />

poeta, artista multimédia)<br />

existe um MC Kapa ou um<br />

Sacerdote. Dois contextos que<br />

se unem nos mesmos anseios.<br />

Sobre isso escreveu Marta<br />

Lança no Ípsilon <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> Julho<br />

Chamam “batidas”<br />

às compilações<br />

pirata <strong>de</strong> kuduro<br />

que saem dos<br />

subúrbios <strong>de</strong> Luanda<br />

para a cida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> 2007, quando mergulhou<br />

na cena hip hop local para<br />

concluir “Luanda está a<br />

mexer”.<br />

Batida, fazendo a ponte<br />

entre criadores angolanos<br />

e portugueses que sentem<br />

Angola próxima, é<br />

inspiradíssima prova disso.<br />

Num país on<strong>de</strong> a guerra já é<br />

passado mas continua a ter<br />

marca no presente, olha-se<br />

em frente e há quem exija<br />

mudança. A Batida fá-lo<br />

celebrando, dançando o que<br />

existe. No ritmo contagiante,<br />

celebratório. No homem que<br />

ouvimos, humor incisivo,<br />

exclamar algures: “Cheguei<br />

à conclusão que em Angola<br />

o dinheiro corrompe a lei.<br />

A conclusão é vossa, o<br />

importante é que já falei”. M.L.<br />

FAZUMA<br />

Chamam<br />

“batidas” às<br />

compilações<br />

pirata <strong>de</strong><br />

kuduro que<br />

saem dos<br />

subúrbios<br />

<strong>de</strong> Luanda<br />

para a cida<strong>de</strong><br />

FAZUMA<br />

13


A dança da bazuka<br />

Estamos em <strong>Lisboa</strong>, numa esplanada<br />

do Martim Moniz. Partilhamos uma<br />

mesa com Pedro Coquenão e Luaty<br />

Beirão. São, respectivamente, o primeiro<br />

impulsionador <strong>de</strong> Batida (juntamente<br />

com Beat La<strong>de</strong>n) e o “conspirador”<br />

que se juntaria ao projecto<br />

pouco <strong>de</strong>pois. Coquenão, juntamente<br />

com António Fazuma, é um dos<br />

fundadores da Rádio Fazuma. Inicialmente<br />

um projecto radiofónico <strong>de</strong>dicado<br />

ao reggae e às músicas <strong>de</strong> influência<br />

africana, tornou-se uma plataforma<br />

que não se limita a divulgar:<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

14<br />

apoia edições e cria a sua intervenção.<br />

É <strong>de</strong>les o documentário “É Dreda Ser<br />

Angolano” (2007), que viajava pelo<br />

quotidiano <strong>de</strong> Luanda ao som <strong>de</strong> um<br />

programa <strong>de</strong> rádio imaginário que<br />

nos revelou nomes como MC Kapa,<br />

representante da nova face do hip<br />

hop angolano. Interventivo, com<br />

olhar lúcido e clínico, MC Kapa é autor<br />

<strong>de</strong> “Atrás do prejuízo”, obra-prima<br />

da música angolana recente e da música<br />

cantada em português.<br />

Já Luaty Beirão é membro do Conjunto<br />

Ngonguenha, cujo álbum,<br />

“Ngonguenhação” (2004), represen-<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

tou um <strong>de</strong>cisivo momento <strong>de</strong> viragem.<br />

A sua premissa era criar um rap angolano,<br />

resgatando para as rimas as peculiarida<strong>de</strong>s<br />

do português angolano<br />

e para a música uma história feita <strong>de</strong><br />

Bonga, Wal<strong>de</strong>mar Bastos ou Carlos<br />

Lamartine. Naturalmente, não há<br />

coincidências: foi ao ouvir “Ngonguenhação”<br />

que os membros da Rádio<br />

Fazuma <strong>de</strong>cidiram encarregar Luaty<br />

<strong>de</strong> filmar a Luanda da actualida<strong>de</strong>, daí<br />

resultando “É Dreda Ser Angolano” - e<br />

Condutor, o produtor do Ngonguenha,<br />

seria <strong>de</strong>pois um dos fundadores<br />

dos Buraka Som Sistema.<br />

No final <strong>de</strong> 2007, Pedro Coquenão,<br />

responsável pelo programa “Batida”,<br />

no ar na Antena 3, pegou na “Bazuka”,<br />

dos Águias Reais, e trabalhoua<br />

em ritmo kuduro. Começou a passar<br />

a “brinca<strong>de</strong>ira” no programa e mostrou-a<br />

a Beat La<strong>de</strong>n, cujo entusiasmo<br />

o convenceu a investir em novos cruzamentos.<br />

Para legitimar a criação,<br />

procuraram os <strong>de</strong>tentores dos direitos<br />

autorais da canção. Na editora, a Difference,<br />

ouviram aquela nova “Bazuka”<br />

e ofereceram-lhes uma proposta<br />

irrecusável. Acesso aos arquivos<br />

“angolanos” da Valentim <strong>de</strong> Carvalho,<br />

para extraírem novas “bazukas”. Assim<br />

fizeram: samples <strong>de</strong> Lancerdo ou<br />

dos Cabinda Ritmos originaram temas<br />

como “Puxa” ou o “Tribalismo” rappado<br />

por Sacerdote, canções como<br />

“N’Congo jami”, <strong>de</strong> Carlos Lamartine,<br />

ou “Nufeko disole”, <strong>de</strong> Brás Firmino,<br />

foram alvo <strong>de</strong> remistura.<br />

Em diálogo transfronteiriço, criaram<br />

algo novo. Enviaram as produções<br />

para Maskarado e Sacerdote,<br />

em Luanda, e eles, pouco<br />

familiarizados com a “inclusão<br />

<strong>de</strong> elementos tradicionais<br />

no kuduro”, estranharam<br />

primeiro, entusiasmaram-se<br />

em seguida.<br />

Descobriram uma familiarida<strong>de</strong> entre<br />

duas músicas <strong>de</strong> dança separadas por<br />

décadas: “ambas vivem da repetição<br />

da percussão, algo essencial na música<br />

africana”, explica Coquenão.<br />

Acrescenta outro dado: “o ‘Bazuka’<br />

original, dos Águias Reais, tem 136<br />

bpm [batidas por minuto], o kuduro<br />

original 135”. Ou seja, quando o kuduro<br />

surgiu, na década <strong>de</strong> 90, <strong>esta</strong>va<br />

“lento” em relação ao semba da <strong>de</strong><br />

1960.<br />

Depois dos Buraka<br />

Som Sistema terem<br />

legitimado perante<br />

Portugal e no mundo<br />

o outrora<br />

<strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rado<br />

kuduro, estes Batida<br />

trabalham-no como<br />

algo mais selvagem,<br />

como emanação das<br />

ruas e da sua história<br />

MC Kapa, a nova face do hip hop angolano,<br />

autor <strong>de</strong> “Atrás do prejuízo”, obra-prima<br />

da música angolana recente e da música<br />

cantada em português<br />

“Dance Mwangolé”, termo da autoria<br />

<strong>de</strong> Sebem, precursor do kuduro,<br />

<strong>de</strong>screve qualquer tipo <strong>de</strong> música<br />

electrónica feita por angolanos. “Dance<br />

Mwangolé”, o disco d<strong>esta</strong> Batida<br />

que agora ouvimos, é mais que isso.<br />

A partir <strong>de</strong> Portugal, reenquadra a<br />

História e a diversida<strong>de</strong> da música<br />

angolana. Como dizem os seus autores,<br />

só seria possível criá-lo aqui, mas<br />

o seu centro é Luanda, capital on<strong>de</strong><br />

convive gente <strong>de</strong> todas as províncias<br />

e on<strong>de</strong> a música reflecte essa diversida<strong>de</strong>.<br />

No seu formato, on<strong>de</strong> as canções<br />

se misturam com voz da rua,<br />

reflecte-se a dinâmica <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong><br />

que se re<strong>de</strong>scobre a si mesma e se<br />

abre ao mundo.<br />

Luaty: “Este disco nunca vai dar o<br />

complexo espectro do que é o país,<br />

mas oferece bastante para essa compreensão”.<br />

Estão lá as memórias do<br />

“fungi <strong>de</strong> Sábado” e dos “domingos<br />

a jogar à bola” <strong>de</strong> Bob da Rage Sense<br />

e o “kota e a sua orquestra alcoólica”<br />

apresentados por Luaty (aka Ikonoklasta).<br />

Estão lá as guitarras bailarinas<br />

do semba e o ritmo convulsivo<br />

do kuduro. Está lá a euforia que “Bazuka”<br />

provoca e o que ouvimos logo<br />

a seguir, na voz arrastada <strong>de</strong> alguém<br />

não i<strong>de</strong>ntificado: “Tenho dois estilhaços<br />

<strong>de</strong> guerra, um na cabeça e<br />

outro ali. De guerra mesmo. Só era<br />

isso”.<br />

Luaty Beirão: “Temos sempre um<br />

elemento subversivo; é a missão do<br />

artista”. Pedro Coquenão: “Ao fazermos<br />

um disco inspirado n<strong>esta</strong> música<br />

e n<strong>esta</strong> realida<strong>de</strong>, há um lado cool,<br />

estimulante que se instala. Mas <strong>de</strong>pois<br />

algo toma esse lugar. É quando percebes<br />

que estás a representar mais<br />

que isso [a música]”. E Batida representa.<br />

Ver crítica <strong>de</strong> discos págs, 31 e segs.<br />

CATARINA LIMÃO


ENRIC VIVES-RUBIO<br />

São a banda que David Lynch fez questão<br />

<strong>de</strong> ter na banda sonora do seu casamento<br />

com Emily Stofle, em Fevereiro<br />

<strong>de</strong>ste ano, e na apresentação do<br />

seu livro “Catching the Big Fish”, em<br />

Janeiro <strong>de</strong> 2007. “Atrai-me a melancolia<br />

das canções das Au Revoir Simone<br />

– uma melancolia alegre. [As canções]<br />

Têm a ver com os sonhos e os amores<br />

<strong>de</strong>las, mas são maiores do que a vida<br />

<strong>de</strong>las”, explicou, em Maio, ao jornal<br />

britânico “Telegraph”.<br />

O cineasta não está sozinho: os três<br />

discos do trio <strong>de</strong> Brooklyn, Nova Iorque,<br />

tornaram-se objecto <strong>de</strong> <strong>de</strong>voção<br />

<strong>de</strong> muita gente. Actuam amanhã na<br />

Casa da Música (numa noite partilhada<br />

com outra banda <strong>de</strong> <strong>mulher</strong>es, as<br />

Slits), com um álbum, o terceiro da<br />

discografia, ainda fresco para apresentar,<br />

“Still Night, Still Light”, editado<br />

em Maio.<br />

David Lynch “é um génio”, diz Annie<br />

Hart (teclas e vozes), com evi<strong>de</strong>nte<br />

orgulho, ao telefone com o Ípsilon<br />

a partir <strong>de</strong> um quarto <strong>de</strong> hotel na Suíça.<br />

Tem uma voz suave e um discurso<br />

com algumas hesitações, disfarçadas<br />

pelo riso fácil - condiz com a imagem<br />

<strong>de</strong> meninas tímidas, bonitas e<br />

bem comportadas que transmitem na<br />

sua música (pop melancólica feita<br />

apenas com teclados, uma caixa <strong>de</strong><br />

ritmos e as vozes das três) e fotografias<br />

promocionais. “Ele começou da<br />

mesma forma que nós: sem querer<br />

saber se as pessoas conheciam a arte<br />

<strong>de</strong>le. [Fazer filmes] Era algo que ele<br />

precisava <strong>de</strong> fazer”.<br />

As Au Revoir Simone nasceram em<br />

2003 numa viagem <strong>de</strong> comboio em<br />

que as três perceberam que tinham<br />

um <strong>de</strong>sejo em comum: fazer uma banda<br />

<strong>de</strong> teclados. A relação com estes<br />

instrumentos já vem <strong>de</strong> longe. “Tinha<br />

oito ou nove anos e recebi um Casio<br />

pequeno como presente <strong>de</strong> natal. Há<br />

pouco tempo comprei um novo e é<br />

óptimo”, recorda Hart. Esse Casio SK1,<br />

em que “tocava horas a fio”, ocupavalhe<br />

parte dos dias da estudante. “Tinha<br />

aulas em casa, logo tinha imenso<br />

tempo livre e tocava o dia inteiro. Ainda<br />

estou muito surpreendida que as<br />

pessoas gostem <strong>de</strong> ouvir as canções<br />

que escrevo para me divertir”.<br />

Depois disso, já no liceu, Annie encontrou<br />

na cena punk-hardcore a<br />

companhia que lhe faltava – ninguém<br />

diria, agora que a vemos entretida em<br />

melodias melancólicas e em adoráveis<br />

sessões fotográficas, que fosse uma<br />

frequentadora dos concertos da cena<br />

<strong>de</strong> Long Island, em Nova Iorque. “Fiz<br />

uma fanzine [revista artesanal]. Escrevia<br />

sobre ser vegetariano, assuntos<br />

ecológicos, política, coisas <strong>de</strong>ssas”,<br />

lembra. Não tocava em nenhuma banda,<br />

só na “marching band” da escola.<br />

David Lynch<br />

teve as Au<br />

Revoir Simone<br />

no seu<br />

casamento<br />

“Quando entrei na cena hardcore fiquei<br />

muito excitada porque <strong>de</strong>scobri<br />

que havia um gran<strong>de</strong> grupo <strong>de</strong> pessoas<br />

e uma cultura que acreditavam<br />

nas mesmas coisas que eu: o ambiente,<br />

o vegetarianismo, a política, <strong>esta</strong>r<br />

envolvido com a comunida<strong>de</strong>”.<br />

Na faculda<strong>de</strong>, vieram os Pixies, os<br />

Yo La Tengo e outros grupos da cena<br />

indie rock dos anos 1980 e 1990. Essas<br />

bandas, mas sobretudo os Mo<strong>de</strong>st<br />

Mouse (cujo disco <strong>de</strong> estreia, <strong>de</strong> 1996,<br />

ouvia “quatro vezes por dia durante<br />

dois anos”), “tiveram um gran<strong>de</strong> impacto”<br />

na forma como Annie pensava<br />

em fazer música.<br />

Amor pelos teclados<br />

Desses grupos indie, as Au Revoir Simone<br />

conservam o “entrelaçar” <strong>de</strong><br />

melodias (já não <strong>de</strong> guitarras, mas <strong>de</strong><br />

teclados), diz Annie. Mas o espírito<br />

indie está, dizemos nós, sobretudo,<br />

na aura que as três transmitem, com<br />

aquele ar <strong>de</strong> meninas <strong>de</strong> biblioteca –<br />

não é pose, pelo menos no que toca<br />

Música<br />

a Hart, que trabalhou anos em bibliotecas<br />

e numa livraria - e a timi<strong>de</strong>z como<br />

<strong>esta</strong>do natural.<br />

Com as Au Revoir Simone, cada<br />

disco parece uma continuação do disco<br />

anterior, um aprimoramento da<br />

mesma caixinha <strong>de</strong> música. “Algumas<br />

bandas fazem um terceiro álbum; outras<br />

fazem antes um terceiro refinamento<br />

‘do álbum’”, <strong>de</strong>finiu bem o<br />

jornal “The Boston Phoenix”. “Still<br />

Night, Still Light” lembra o embalo<br />

“kraut” das Electrelane em “Knight<br />

Wands”, traz uma hipotética versão<br />

indie dos Abba (“Another Likely<br />

Story), uma <strong>de</strong>lícia <strong>de</strong> sintetizadores<br />

borbulhantes (“Shadows”) e mais coisas<br />

boas, sempre com as teclas como<br />

rainhas e senhoras.<br />

“Still Night, Still Light” foi sendo<br />

feito ao longo <strong>de</strong> quatro meses, entre<br />

os apartamentos dos membros e alguns<br />

estúdios profissionais. Perseguindo<br />

o trio, Thom Monahan (que<br />

trabalhou com gente como os Vetiver<br />

e Devendra Banhart) ia gravando as<br />

A fixação pelos teclados<br />

levou-as até a uma<br />

empresa <strong>de</strong> música<br />

para anúncios à<br />

procura <strong>de</strong><br />

instrumentos antigos.<br />

“Havia cinco teclados<br />

antigos, órgãos e sintetizadores.<br />

Estivemos<br />

num escritório durante<br />

duas semanas, íamos<br />

almoçar com os<br />

trabalhadores”, lembra<br />

Annie Hart, a rir-se<br />

As Au Revoir<br />

Simone nasceram<br />

em 2003<br />

numa viagem<br />

<strong>de</strong> comboio<br />

em que as três<br />

perceberam<br />

que tinham<br />

um <strong>de</strong>sejo em<br />

comum: fazer<br />

uma banda<br />

<strong>de</strong> teclados<br />

várias camadas <strong>de</strong> teclados, vozes e<br />

ritmos. “Queríamos alguém que fizesse<br />

a nossa música soar menos electrónica<br />

e mais humana. Queríamos<br />

trabalhar com Thom e acabámos por<br />

<strong>de</strong>scobrir que ele queria trabalhar<br />

connosco porque adora teclados, música<br />

electrónica e coisas minimais,<br />

como os Suici<strong>de</strong>, a Kate Bush... Ele foi<br />

excelente: no passado sabíamos como<br />

queríamos que as nossas canções soassem,<br />

mas não como lá chegar. O<br />

Thom sabia como pôr as canções a<br />

soar da forma como a <strong>de</strong>screvíamos”.<br />

A fixação pelos teclados levou-as<br />

até a uma empresa <strong>de</strong> música para<br />

anúncios à procura <strong>de</strong> instrumentos<br />

antigos. “Havia cinco teclados antigos,<br />

órgãos e sintetizadores. Estivemos<br />

num escritório durante duas semanas,<br />

íamos almoçar com os trabalhadores”,<br />

lembra Annie, a rir-se.<br />

Ver agenda <strong>de</strong> concertos págs. 33<br />

e segs.<br />

Au Revoir Simone,<br />

as meninas da caixinha <strong>de</strong> música<br />

Têm nos teclados objectos <strong>de</strong> culto. Curioso <strong>de</strong>stino<br />

para um trio a que pertence uma ex-frequentadora<br />

<strong>de</strong> concertos hardcore. Actuam amanhã na Casa da<br />

Música e segunda-feira na Aula Magna. Pedro Rios<br />

15


No século passado, nos idos <strong>de</strong> 30 e<br />

40, Hollywood <strong>de</strong>scobriu um filão nos<br />

filmes <strong>de</strong> capa e espada. Entre todos<br />

os actores que se <strong>de</strong>dicaram à nobre<br />

arte <strong>de</strong> fazer <strong>de</strong> conta que sabiam espadachar,<br />

o mais importante foi Errol<br />

Flynn, tão galã na tela como conquistador<br />

inveterado em terra. Deixou<br />

para a posterida<strong>de</strong> uma frase que resume<br />

não só a sua vida como a vida<br />

i<strong>de</strong>alizada <strong>de</strong> boa parte do género<br />

masculino: “Gosto do meu uísque velho<br />

e das minhas <strong>mulher</strong>es novas”.<br />

Assim.<br />

Mais <strong>de</strong> 60 anos <strong>de</strong>pois ficamos<br />

surpreendidos ao ouvi-la reformulada<br />

ao telefone. Do outro lado da<br />

linha vem a seguinte frase: “Gosto<br />

<strong>de</strong> música antiga”. Segue-se uma<br />

pausa e <strong>de</strong>pois o remate: “Mas gosto<br />

<strong>de</strong> fazer amor com <strong>mulher</strong>es mais<br />

novas”.<br />

Quem o diz é Nicolas Godin, meta<strong>de</strong><br />

do duo francês Air que em 1998<br />

tomou <strong>de</strong> assalto a indústria com<br />

“Moon Safari”, disco retro-futurista,<br />

repleto <strong>de</strong> órgãos que nos anos 60<br />

eram usados pelas crianças para brincar,<br />

repleto <strong>de</strong> caixas <strong>de</strong> ritmo, melodias<br />

preguiçosas, linhas <strong>de</strong> sintetizador<br />

roubadas a bandas-sonoras <strong>de</strong><br />

séries <strong>de</strong> televisão sci-fi.<br />

Os Air tinham pegado em tudo o<br />

que havia sido consi<strong>de</strong>rado futurista<br />

e haviam-no tornado nostálgico e terno.<br />

Havia um óbvio charme naquela<br />

música, mas não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>signá-la<br />

por romântica. Quando muito o termo<br />

po<strong>de</strong>ria ser aplicado ao amor quase<br />

infantil que o duo <strong>de</strong>votava a instrumentos<br />

esquecidos nos sotãos dos<br />

pais. O<br />

E é por isso que a frase <strong>de</strong> Godin<br />

causa surpresa, mesmo que ele a acabe<br />

a rir-se. Porque não os tomamos<br />

por conquistadores inveterados, <strong>de</strong>bochados<br />

profissionais, <strong>de</strong>sencaminhadores<br />

<strong>de</strong> adolescentes como Flynn<br />

era. Mas aos 39 anos o solteiro Godin<br />

está à vonta<strong>de</strong> para dizer o que pensa.<br />

Quando lhe perguntamos se os Air se<br />

vão tornar uma banda <strong>de</strong> culto ou se<br />

acha que ainda têm hipóteses <strong>de</strong> crescer,<br />

ele não hesita: “Não faço i<strong>de</strong>ia<br />

porque tentamos o mais que po<strong>de</strong>mos<br />

ser ‘outsi<strong>de</strong>rs’”. Insistimos e especificamos:<br />

que lugar têm hoje os<br />

Air na indústria, ou que lugar hão-<strong>de</strong><br />

ter neste momento <strong>de</strong> crise <strong>de</strong> vendas<br />

<strong>de</strong> discos? Volta a não ter hesitações:<br />

“Não sei que lugar temos na indústria<br />

– <strong>de</strong> preferência quero distância <strong>de</strong><br />

tudo isso”.<br />

Isto po<strong>de</strong> soar estranho numa banda<br />

que assina por uma editora gran<strong>de</strong>,<br />

mas acaba por fazer sentido se pensarmos<br />

que há muito que a imagem<br />

dos Air <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> <strong>esta</strong>r associada à<br />

inovação, ao topo da experiência pop,<br />

à próxima gran<strong>de</strong> onda que convém<br />

apanhar, para <strong>esta</strong>r i<strong>de</strong>ntificada com<br />

uma pop quase clássica. Godin, aliás,<br />

di-lo <strong>de</strong> forma explícita: “Estou <strong>de</strong>sa<strong>de</strong>quado<br />

em relação ao mundo <strong>de</strong><br />

hoje”. Não há amargura na voz do<br />

homem, o que lhe dá o tal tom romântico<br />

que nunca nos tinha ocorrido<br />

16<br />

que<br />

Música<br />

Nunca mais, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a estreia, voltaram a ter um êxito<br />

inapelável. Mas em “Love 2” voltam a conseguir canções<br />

imediatas. E ao mesmo tempo fazem meio disco<br />

experimental e inventivo. João Bonifácio<br />

atribuir-lhes. Continua:<br />

“O que eu faço não se a<strong>de</strong>qua<br />

ao mundo <strong>de</strong> hoje. Sou muito ‘oldschool’,<br />

gosto <strong>de</strong> músicos velhos, gosto<br />

<strong>de</strong> música antiga”. É então que<br />

acrescenta “Mas gosto <strong>de</strong> fazer amor<br />

com <strong>mulher</strong>es mais novas”.<br />

Um disco <strong>de</strong> músicos<br />

A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> <strong>de</strong>sa<strong>de</strong>quação faz sentido:<br />

há <strong>de</strong>z anos os Air eram a banda-sonora<br />

dos miúdos hip, hoje é M.I.A..<br />

Não há competição para um velho <strong>de</strong><br />

39 anos. Além disso, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a estreia<br />

os Air nunca mais voltaram a ter um<br />

êxito monumental: “10,000 HZ”, o<br />

segundo disco (2001), foi mais ou menos<br />

rejeitado por público e crítica: era<br />

<strong>de</strong>masiado cerebral, <strong>de</strong>masiado produzido,<br />

<strong>de</strong>masiado atreito a experiências.<br />

“Talkie Walkie” (2004) e “Pocket<br />

Simphony” recuperaram a vertente<br />

pop <strong>de</strong>ixando o lado mais<br />

experimental <strong>de</strong> fora, mas não ven<strong>de</strong>ram<br />

como o primeiro – e não conseguiam<br />

alcançar a imediatez da estreia.<br />

N<strong>esta</strong>s condições podia esperar-se<br />

que “Love 2” fosse uma tentativa <strong>de</strong><br />

fazer canções directas. Mas não: pelo<br />

menos meta<strong>de</strong> das canções têm várias<br />

partes diferentes, por vezes no fim<br />

esten<strong>de</strong>m-se em jams,<br />

há pilhagens a Bollywood, <strong>de</strong>sconstrução<br />

<strong>de</strong> ritmos africanos, proto-westerns.<br />

O curioso é que nessa<br />

óptima meta<strong>de</strong> os Air continuam a<br />

soar a Air, apenas menos betinhos.<br />

Dir-se-ia que <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> tomar morfina<br />

antes <strong>de</strong> comer – passaram para<br />

o Valium, que dá sono, mas menos.<br />

É um cortar com o passado, mas<br />

Godin não gosta <strong>de</strong> falar disso. Diz<br />

que nunca volta a ouvir os discos <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> acabados. “Gosto <strong>de</strong> fazê-los,<br />

gosto do processo, gosto das canções<br />

na altura, mas não tenho prazer nenhum<br />

quando volto a ouvi-los”. Ainda<br />

assim admite fazer uma pequena


Com “Love<br />

2” foi tudo<br />

rápido:<br />

é o primeiro<br />

disco dos Air<br />

lançado em<br />

menos <strong>de</strong> três<br />

anos <strong>de</strong>pois<br />

do anterior<br />

Quando lhe<br />

perguntamos se os<br />

Air se vão tornar<br />

uma banda <strong>de</strong> culto<br />

ou se acha que ainda<br />

têm hipóteses <strong>de</strong><br />

crescer, Nicolas<br />

Godin não hesita:<br />

“Não faço i<strong>de</strong>ia<br />

porque tentamos<br />

o mais que po<strong>de</strong>mos<br />

ser ‘outsi<strong>de</strong>rs’”<br />

comparação com a obra feita e lá vai<br />

dizendo que “10000 Hz” era “um disco<br />

<strong>de</strong> produtor”, e “foi sobre-produzido”,<br />

que os r<strong>esta</strong>ntes eram “discos<br />

<strong>de</strong> canções” em que não sentiam<br />

“obrigação <strong>de</strong> fazer canções canónicas”,<br />

enquanto “este é um disco <strong>de</strong><br />

músicos”. Para provar a afirmação faz<br />

ver que tocaram “tudo no estúdio”<br />

em “regime jam”. “Vamos todos os<br />

dias para o estúdio às 15 e saímos às<br />

21. Encontramo-nos cara a cara, é tudo<br />

feito ali, no osso, sem planos, apenas<br />

com improviso”.<br />

O estúdio, localizado em Paris, on<strong>de</strong><br />

os Air vivem, está na posse da dupla<br />

“apenas há ano e meio”. Normalmente<br />

compõem e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>moram<br />

“seis meses a gravar”. Agora foi tudo<br />

mais rápido: é o primeiro disco dos<br />

Air lançado em menos <strong>de</strong> três anos<br />

<strong>de</strong>pois do anterior. E tudo aconteceu<br />

com menos dose <strong>de</strong> planeamento do<br />

que era costume: “Primeiro tínhamos<br />

uma i<strong>de</strong>ia do que íamos fazer e <strong>de</strong>pois<br />

as canções vinham <strong>de</strong>pressa. <strong>Conhece</strong>mo-nos<br />

bem, conhecemos bem os<br />

instrumentos: uma i<strong>de</strong>ia tornava-se<br />

numa canção em segundos”.<br />

Fizeram tudo entre eles e um baterista,<br />

e sentiam “uma liberda<strong>de</strong> enorme”.<br />

Pelo que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> fazerem<br />

tudo certinho, divertiram-se a escavar:<br />

“Neste disco há canções que têm<br />

partes muito diferentes porque quando<br />

uma canção <strong>esta</strong>va acabada apetecia-nos<br />

adicionar-lhe uma coda<br />

completamente diferente ou uma parte<br />

nova que não fosse óbvia”. Godin<br />

diz que pareciam “crianças no jardimescola<br />

com os brinquedos”.<br />

Não há – novamente – uma canção<br />

tão óbvia como “Sexy Boy”. E, muto<br />

possivelmente, não voltará a haver<br />

coisa assim na carreira dos Air. Mas<br />

há um punhado <strong>de</strong> canções que se<br />

não <strong>de</strong>ixarem um tremendo sorriso<br />

nos lábios à primeira, à segunda poem<br />

ombros a menear, pezinhos a bater<br />

e ancas a <strong>de</strong>sencaminhar-se. Em<br />

particular a magnífica “Eat my beat”,<br />

que se aproxima do funk, do disco,<br />

<strong>de</strong> uma Bollywood imaginária.<br />

“Disco? Não, não”, nega Godin, verda<strong>de</strong>iramente<br />

surpreso. É picuinhas:<br />

“Um pouco <strong>de</strong> funk, sim”. Mas a terceira<br />

parte da receita está correcta:<br />

“Houve um certo roubo em BSOs <strong>de</strong><br />

Blaxpoitation e andámos a ouvir muita<br />

música indiana <strong>de</strong> cinema. Somos<br />

gran<strong>de</strong>s fãs <strong>de</strong> alguns compositores”.<br />

Lá pelo meio ouve-se uma cítara.<br />

Godin explica que não é uma cítara,<br />

é uma emulação do som d<strong>esta</strong> feita<br />

num órgão antigo. Depois <strong>de</strong>sata a<br />

falar do órgão com visível prazer, o<br />

que prova que nunca po<strong>de</strong>rá ser Erroll<br />

Flynn: é <strong>de</strong>masiado “geek” para<br />

isso.<br />

Nessa meta<strong>de</strong> mais avariada as vozes,<br />

que nunca foram primordiais nos<br />

Air, são tratadas <strong>de</strong> forma ainda menos<br />

canónica: quando surgem é, por<br />

norma, no final da canção, e nunca<br />

em forma <strong>de</strong> refrão. “A voz para nós<br />

é um instrumento como outro qualquer.<br />

Pomo-la quando queremos, seja<br />

a meio da canção, seja no fim, seja<br />

uma frase, sejam duas palavras. Já é<br />

uma marca nossa. Não ter a obrigatorieda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> colocar vozes em todas as<br />

canções num refrão formatado dá-nos<br />

gran<strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>”.<br />

Godin diz que isto é o que sempre<br />

fizeram. E que no fundo se trata <strong>de</strong><br />

“<strong>de</strong>sconstruir géneros”, <strong>de</strong> “retirar<br />

[elementos]”, e reduzir ao mínimo<br />

<strong>de</strong>nominador comum. Só que o feito<br />

“é especialmente notório no último<br />

álbum”. Mas mais que tudo a dupla<br />

cuidou “em não preencher <strong>de</strong>masiado<br />

as canções, para não per<strong>de</strong>rem a<br />

frescura”. E é por isso, termina, que<br />

“este disco foi uma benção”.<br />

Ver crítica <strong>de</strong> discos págs. 31 e segs.<br />

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17


Música<br />

Good morning,<br />

this is Karlheinz Stockhausen!<br />

Num dia <strong>de</strong> Natal um português recebeu um telefonema: “Good morning, this is Karlheinz<br />

Stockhausen!” Pedro Amaral recorda a personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um gigante do século XX.<br />

aA Gulbenkian dá a ouvir peças do ciclo “Klang”, última obra do alemão. Cristina Fernan<strong>de</strong>s<br />

Depois <strong>de</strong> concluir o monumental<br />

ciclo “Licht” (Luz) em 2004, com as<br />

suas sete óperas <strong>de</strong>dicadas aos dias<br />

da semana, Stockhausen iniciou o ciclo<br />

“Klang” (palavra que <strong>de</strong>signa som,<br />

mas à qual se liga a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> timbre)<br />

<strong>de</strong>dicado às 24 horas do dia, que ficaria<br />

incompleto <strong>de</strong>vido à sua morte em<br />

Dezembro <strong>de</strong> 2007. A Fundação Gulbenkian<br />

foi responsável pela encomenda<br />

da 6.ª hora, intitulada “Schönheit”<br />

(Beleza), que terá a sua estréia<br />

mundial em <strong>Lisboa</strong> no dia 5 no âmbito<br />

<strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> concertos <strong>de</strong>dicados<br />

ao compositor, on<strong>de</strong> se incluem<br />

também algumas das r<strong>esta</strong>ntes Horas<br />

em primeira audição em Portugal.<br />

Esta ocasião única para mergulhar no<br />

sempre surpreen<strong>de</strong>nte mundo criativo<br />

e inesperado <strong>de</strong> Stockhausen será<br />

acompanhada por alguns filmes e<br />

por uma conferência pelo compositor<br />

e maestro Pedro Amaral (dia 5, às<br />

18h), que tem <strong>de</strong>dicado parte dos seus<br />

trabalhos teóricos à obra <strong>de</strong> Stockhausen<br />

e que o conheceu <strong>de</strong> perto na<br />

qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> assistente na edição da<br />

partitura <strong>de</strong> “Momente”.<br />

Pedro Amaral (n. 1972) já não se<br />

recorda bem da primeira vez que ouviu<br />

música <strong>de</strong> Stockhausen, mas ela<br />

fez parte da sua vida <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito cedo.<br />

“Aos 15 ou 16 anos comecei a dar<br />

aulas <strong>de</strong> iniciação musical — ainda <strong>esta</strong>va<br />

no liceu mas isso ajudava-me a<br />

ter uma espécie <strong>de</strong> semanada — e nessa<br />

altura costumava levar música das<br />

óperas <strong>de</strong> Stockhausen para as aulas<br />

e fazia com as crianças uma espécie<br />

<strong>de</strong> dramatização”, contou ao Ípsilon.<br />

“A reacção das crianças era fantástica,<br />

elas são muito mais abertas, pois não<br />

têm preconceitos e ainda não têm a<br />

audição formatada.”<br />

A música do compositor alemão<br />

<strong>de</strong>pressa invadiu também os programas<br />

<strong>de</strong> Pedro Amaral na RDP – Antena<br />

2 e viria a tornar-se objecto dos<br />

seus trabalhos <strong>de</strong> investigação e análise<br />

no mestrado e num doutoramento,<br />

que <strong>de</strong>dicou a duas obras maiores:<br />

respectivamente, “Gruppen” e “Momente”.<br />

Curiosamente, essa escolha foi feita<br />

18<br />

mais por oposição do que por afinida<strong>de</strong><br />

no modo <strong>de</strong> encarar o acto criativo:<br />

“Fui aluno <strong>de</strong> Emmanuel Nunes no<br />

Conservatório Superior <strong>de</strong> Paris, que<br />

por sua vez tinha sido aluno do Stockhausen.<br />

Uma gran<strong>de</strong> parte da técnica<br />

do Nunes provém do Stockhausen,<br />

mas acabei por construir a minha<br />

técnica por oposição à do Nunes, como<br />

um filho cuja personalida<strong>de</strong> se vai<br />

fazendo por oposição à dos pais. Se a<br />

minha maneira <strong>de</strong> trabalhar fosse<br />

mais próxima do Stockhausen teria<br />

feito a tese sobre o Boulez!”, diz.<br />

Mas quais são as gran<strong>de</strong>s diferenças<br />

entre estes dois gigantes do século<br />

XX? “Stockhausen partia sempre <strong>de</strong><br />

uma postura extremamente racionalizada.<br />

Tal como um arquitecto, <strong>de</strong>screvia<br />

a obra inteiramente antes <strong>de</strong><br />

começar a compor e <strong>de</strong>screvia-a como<br />

se se tratasse <strong>de</strong> uma entida<strong>de</strong><br />

divina. Era uma visão quase <strong>de</strong>miúrgica.<br />

O mais fascinante é que usava<br />

sempre um esquema diferente. Eram<br />

normas muito impositivos mas ele<br />

tinha a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> encontrar uma<br />

liberda<strong>de</strong> espantosa <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sse colete<br />

<strong>de</strong> forças.”<br />

“Ele reinventava-se<br />

constantemente. O<br />

que permanecia era o<br />

gesto composicional,<br />

essa dualida<strong>de</strong> entre<br />

o circunscrever<br />

racionalmente um<br />

território e <strong>de</strong>pois<br />

ser completamente<br />

aventuroso na<br />

maneira <strong>de</strong> o<br />

percorrer”<br />

Pedro Amaral<br />

Pedro Amaral,<br />

que tem<br />

<strong>de</strong>dicado<br />

parte dos seus<br />

trabalhos<br />

teóricos à obra<br />

<strong>de</strong><br />

Stockhausen e<br />

que o<br />

conheceu <strong>de</strong><br />

perto na<br />

qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

assistente na<br />

edição da<br />

partitura <strong>de</strong><br />

“Momente”, dá<br />

uma<br />

conferência<br />

no dia 5, às 18h<br />

A abordagem <strong>de</strong> Boulez é um bocadinho<br />

a antítese pois não usa propriamente<br />

um esquema mas sim um<br />

conjunto <strong>de</strong> materiais, acor<strong>de</strong>s e entida<strong>de</strong>s<br />

rítmicas. “A partir daí vai<br />

construindo, vai tecendo a sua obra<br />

como uma tapete”, explica Pedro<br />

Amaral. A relação com a história também<br />

é diferente para os dois compositores<br />

pois Boulez “sempre viu a sua<br />

obra como uma continuação perfeitamente<br />

lógica da genealogia histórica”,<br />

enquanto Stockhausen parecia<br />

não ter a história em conta. “Ele que<br />

no fim dos anos 40 admirava Hin<strong>de</strong>mith<br />

e Frank Martin chegou rapidamente<br />

a um ponto, no final dos anos<br />

50, em que <strong>esta</strong>va completamente<br />

sozinho, no sentido em que era uma<br />

voz única. Olhava para cada projecto<br />

JOÃO HENRIQUES<br />

novo com uma atitu<strong>de</strong> quase infantil,<br />

como se fosse a primeira vez que <strong>esta</strong>va<br />

a compor.”<br />

Arguto e infantil<br />

Stockhausen manteve essa atitu<strong>de</strong> até<br />

ao fim, incluindo o ciclo “Klang”, do<br />

qual po<strong>de</strong>remos ouvir seis peças na<br />

Gulbenkian entre os dias 3 e 5. “Além<br />

<strong>de</strong> serem projectos completamente


originais ele explorava exaustivamente<br />

em cada peça as técnicas que criava,<br />

mesmo que existisse uma família<br />

<strong>de</strong> material constante.” Pedro Amaral<br />

refere que, por exemplo, a peça para<br />

duas harpas — “uma obra fabulosa”<br />

— tem um tipo <strong>de</strong> técnica e <strong>de</strong> sonorida<strong>de</strong><br />

muito diferente da peça <strong>de</strong><br />

percussão ou da peça para órgão, on<strong>de</strong><br />

existe uma velocida<strong>de</strong> diferente<br />

para a mão direita e para a mão esquerda<br />

do organista. “Ele reinventava-se<br />

constantemente. O que permanecia<br />

era o gesto composicional, essa<br />

dualida<strong>de</strong> entre o circunscrever racionalmente<br />

um território e <strong>de</strong>pois<br />

ser completamente aventuroso na<br />

maneira <strong>de</strong> o percorrer”<br />

Stockhausen morreu antes <strong>de</strong> terminar<br />

o ciclo “Klang”, mas teria <strong>de</strong>ixado<br />

instruções para <strong>de</strong>duzir algumas<br />

das peças que faltam a partir das que<br />

<strong>de</strong>ixou inteiramente compostas, sobretudo<br />

a partir das diferentes camadas<br />

rítmicas e <strong>de</strong> acumulação polifónica<br />

<strong>de</strong> “Cosmic Pulses” e do Trio<br />

para clarinete, flauta e trompete.<br />

Pedro Amaral conta que o próprio<br />

compositor lhe chegou a mostrar o<br />

manuscrito <strong>de</strong> “Schönheit”, a peça<br />

encomendada pela Gulbenkian. “Inicialmente<br />

era uma peça para clarinete<br />

solo, mas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>cidiu convertêla<br />

em trio. E dizia-me: ‘ao retrabalhar<br />

o texto original encontrei uma maneira<br />

<strong>de</strong> fazer loopings como nunca fiz<br />

na vida’. Estava fascinado como uma<br />

criança! Ele tinha esse inverosímil<br />

equilíbrio entre uma inteligência arguta<br />

e uma candura infantil.”<br />

O primeiro encontro pessoal com<br />

Stockhausen ocorreu em Amesterdão<br />

num seminário com Peter Eotvos com<br />

quem Pedro Amaral estudou direcção<br />

<strong>de</strong> orquestra. “Conversámos um bocadinho<br />

e ele falou-me dos seus projectos,<br />

acabámos por permanecer em<br />

contacto e começámos a trocar correspondência.<br />

Mais tar<strong>de</strong>, quando<br />

<strong>esta</strong>va a fazer a minha tese <strong>de</strong> doutoramento,<br />

ele abriu-me gentilmente o<br />

seu arquivo. Ele escrevia muito, tenho<br />

várias cartas manuscritas.”<br />

Stockhausen ficou fascinado com<br />

os DJs que faziam misturas com os<br />

discos <strong>de</strong> vinil. Convidou uns quantos<br />

para irem a sua casa. Dizia, encantado:<br />

“não há nada assim na tradição<br />

erudita oci<strong>de</strong>ntal, a sonorida<strong>de</strong> é única”<br />

AFP<br />

Num dia <strong>de</strong> Natal, em 2003 ou<br />

2004, o português recebeu um telefonema:<br />

“Good morning, this is Karlheinz<br />

Stockhausen!” Foi uma surpresa<br />

pois além <strong>de</strong> dos votos <strong>de</strong> bom<br />

Natal, Stockhausen convidou Pedro<br />

Amaral a trabalhar com ele. “Na altura<br />

era complicado porque eu tinha<br />

recebido um prémio <strong>de</strong> composição<br />

e ía passar um ano em Itália, mas ele<br />

esperou”.<br />

A proposta era a edição <strong>de</strong> “Momente”.<br />

“Esta portentosa obra aberta<br />

dos anos 60 <strong>de</strong>via ter sido editada<br />

pela Universal, mas como o tipo <strong>de</strong><br />

fomato da partitura coloca problemas<br />

tremendos a editora acabou por a <strong>de</strong>volver”,<br />

conta Pedro Amaral. “São<br />

páginas A2 on<strong>de</strong> há aquilo a que Stockhausen<br />

chamava fendas. N<strong>esta</strong>s<br />

<strong>de</strong>veriam ser introduzidas pelo intérprete<br />

partes que aparecem noutras<br />

folhas da partitura. O meu trabalho<br />

foi ler os manuscritos todos, e eram<br />

muitos, centenas!, assimilar tudo o<br />

que nas várias versões tinha sido alterado<br />

e <strong>de</strong>pois editar uma versão que<br />

foi a realizada em 1972 e a mesma que<br />

foi gravada em disco.”<br />

Pedro Amaral recorda que Stockhausen<br />

consi<strong>de</strong>rava “Momente” a<br />

sua obra máxima. “Dormia com o manuscrito<br />

numa gaveta <strong>de</strong>baixo da cama<br />

e não queria morrer sem ver a<br />

edição terminada. De facto ele recebeu<br />

a partitura que nós fizemos no<br />

dia em que faleceu. É curioso porque<br />

se fecha um ciclo. O meu professor,<br />

Emmanuel Nunes foi aluno <strong>de</strong> Stockhausen<br />

quando ele <strong>esta</strong>va a compor<br />

os ‘Momente’ e eu fechei o ciclo com<br />

a concretização da edição.”<br />

Durante o trabalho, Pedro Amaral<br />

instalou-se algum tempo em Kürten,<br />

numa das casas do compositor e a relação<br />

sempre foi <strong>de</strong> cordialida<strong>de</strong>. “Muitas<br />

vezes telefonava-me extravagantemente<br />

às 7h30 ou 8h da manhã. Recordo<br />

que um dia <strong>esta</strong>va em sobressalto<br />

porque <strong>de</strong>scobriu que um harpista não<br />

consegue tocar com as duas mãos na<br />

oitava mais grave da harpa — uma das<br />

mãos não chega lá porque a harpa fica<br />

ligeiramente <strong>de</strong> lado — e dizia: ‘tenho<br />

77 anos, passei a minha vida a compor<br />

e ignorava completamente isto, não<br />

vem em nenhum tratado!’ Mas <strong>de</strong>pois<br />

acrescentou com uma calma admirável:<br />

‘Ainda bem que e aconteceu, com<br />

<strong>esta</strong> ida<strong>de</strong> continuo a apren<strong>de</strong>r.”<br />

Stockhausen marcou profundamente<br />

a atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma época. “Nos anos<br />

50 era o gran<strong>de</strong> senhor da tecnologia.<br />

Essa dimensão <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobridor e <strong>de</strong><br />

aventureiro valeu-lhe a fama mundial<br />

e converteu-o numa referencia absoluta<br />

mesmo em meios como os da<br />

música pop. Berio orquestrou canções<br />

do John Lennon mas os Beatles queriam<br />

que Stockhausen aparecesse com<br />

eles num cartaz. Havia ali um namoro<br />

consentido <strong>de</strong> ambas as partes.” Contribuiu<br />

também para a gran<strong>de</strong> curiosida<strong>de</strong><br />

pelos sintetizadores. “Não vou<br />

dizer que foi por causa do Stockhausen<br />

que o sintetizador se <strong>de</strong>senvolveu<br />

tanto, houve outras <strong>de</strong>scobertas importantíssimas,<br />

mas a sua atitu<strong>de</strong> ao<br />

influenciar músicos que não eram só<br />

da vertente erudita contribuiu para<br />

esse <strong>de</strong>senvolvimento.”<br />

Pedro Amaral refere que o ciclo se<br />

fechou no fim da vida. “Em <strong>de</strong>terminado<br />

momento, já no século XXI, Stockhausen<br />

ficou fascinado com uns DJs<br />

que faziam aquelas misturas com os<br />

discos <strong>de</strong> vinil. Convidou uns quantos<br />

para irem a sua casa e dizia-me encantado:<br />

‘não há nada assim na tradição<br />

erudita oci<strong>de</strong>ntal, a sonorida<strong>de</strong><br />

é única. O conteúdo não me interessa,<br />

mas o que eles fazem com aquele conteúdo,<br />

a maneira como o <strong>de</strong>sfazem,<br />

como o apresentam, como o reconstroem<br />

é extraordinário.”<br />

Ver agenda <strong>de</strong> concertos págs. 33 e 34<br />

19


Encontro em Ca<br />

O que fazem um professor <strong>de</strong> natação<br />

e um imigrante clan<strong>de</strong>stino em Calais, Norte<br />

<strong>de</strong> França? Um prepara-se para atravessar<br />

a Mancha a nado. O outro leva uma lição<br />

<strong>de</strong> vida. Melodrama com a realida<strong>de</strong> a<br />

colar-se à pele do filme. Vasco Câmara<br />

Calais, Norte <strong>de</strong> França, na semana<br />

passada: um acampamento <strong>de</strong> imigrantes<br />

ilegais, na sua maioria afegãos,<br />

foi <strong>de</strong>smantelado por forças<br />

policiais e “bulldozers”, quase 300<br />

pessoas <strong>de</strong>tidas, meta<strong>de</strong> das quais<br />

menores – o PÚBLICO noticiou. Viviam<br />

escondidas, durante o dia, num<br />

bosque nos arredores da cida<strong>de</strong> portuária.<br />

À noite, como fantasmas, espreitavam<br />

os camiões em busca <strong>de</strong><br />

uma aberta, através do canal da Mancha,<br />

para chegarem ao Reino Unido.<br />

Viviam, então, naquilo que é conhecido<br />

como “a selva” – um acampamento<br />

precário, sem hierarquia, sem<br />

lei, como outros que apareceram após<br />

o encerramento, em 2002, <strong>de</strong> um centro<br />

<strong>de</strong> acolhimento <strong>de</strong> imigrantes ilegais<br />

gerido pela Cruz Vermelha em<br />

Sangatte, próximo <strong>de</strong> Calais (o governo<br />

francês foi pressionado pelo governo<br />

britânico a fazê-lo, para terminar<br />

com um chamariz para os imigrantes<br />

ilegais que querem chegar às<br />

terras <strong>de</strong> Sua Maj<strong>esta</strong><strong>de</strong>).Os imigrantes<br />

ainda empunharam as suas ban<strong>de</strong>iras:<br />

“A selva é a nossa casa. Pf [por<br />

favor] não a <strong>de</strong>struam. Se o fizerem,<br />

para on<strong>de</strong> havemos <strong>de</strong> ir?”.<br />

Para a oposição ao governo francês<br />

o <strong>de</strong>smantelamento é apenas operação<br />

<strong>de</strong> cosmética que não resolve o<br />

verda<strong>de</strong>iro problema nem enfrenta a<br />

questão. Mas os governos <strong>de</strong> França<br />

e <strong>de</strong> Inglaterra congratularam-se,<br />

apoiando a <strong>de</strong>cisão “firme” do ministro<br />

da Imigração francês Eric Besson.<br />

E é aí que Philippe Loiret, um ex-<br />

“<strong>de</strong>signer” <strong>de</strong> som que passou à realização,<br />

54 anos, nos completa e se<br />

indigna: “Ministro da Imigração, da<br />

Integração e da I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> Nacional...<br />

É-me insuportável essa <strong>de</strong>signação, o<br />

que é isso da I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> Nacional?”<br />

E explicita os fantasmas: nessa política<br />

“repressiva” dos imigrantes ilegais<br />

e na legislação penal que contempla<br />

pena <strong>de</strong> prisão para quem aju<strong>de</strong><br />

um clan<strong>de</strong>stino, Lioret vê um lastro<br />

comum com a forma <strong>de</strong> actuação da<br />

“polícia francesa durante a Ocupação”.<br />

“É, antes <strong>de</strong> tudo, um incitamento<br />

à <strong>de</strong>lação”, atira. Declarações d<strong>esta</strong>s<br />

já tinham <strong>esta</strong>do na origem <strong>de</strong> uma<br />

polémica com o ministro, há seis meses,<br />

quando “Welcome” chegou às<br />

salas francesas. É esse filme, história<br />

<strong>de</strong> um jovem iraquiano que quer atra-<br />

20<br />

Cinema<br />

Bilal,<br />

refugiado<br />

iraquiano,<br />

pe<strong>de</strong> a Simon<br />

que o ensine a<br />

nadar – quer<br />

chegar a<br />

Inglaterra a<br />

nado


alais<br />

vessar a Mancha para se juntar à sua<br />

noiva que vive com a família em Inglaterra,<br />

que chega agora a Portugal.<br />

“É a actualida<strong>de</strong> que acompanha o<br />

filme, que se pega a ele. Não fiz um<br />

filme com intuito político. Mas é certo<br />

que não há coincidências [entre<br />

aquilo que o filme conta e a realida<strong>de</strong>]”,<br />

diz Lioret, que <strong>de</strong>scobriu “o que<br />

se está a passar na Europa” num microcosmos,<br />

num ponto <strong>de</strong> concentração,<br />

Calais. “Os imigrantes continuam<br />

a chegar, a polícia continua a persegui-los,<br />

as rusgas policiais continuam<br />

a acontecer. Mas o que aconteceu [na<br />

semana passada] é uma entre outras,<br />

Os imigrantes voltarão a Calais, tudo<br />

continuará como sempre”.<br />

Não fez um filme com intuito político<br />

e não faz também um documentário,<br />

sublinha. “Uma parte do filme<br />

po<strong>de</strong> parecer um documentário, mas<br />

é tudo reconstituição, tudo foi feito<br />

por nós. É um filme relativamente<br />

caro, porque tivemos que reconstituir<br />

tudo, Acredito na ficção, as personagens<br />

são mais importantes para mim<br />

do que a história. Fui a Calais à procura<br />

<strong>de</strong> personagens. Encontrei pessoas<br />

que me levaram a construir a<br />

personagem do jovem, Bilal, até dos<br />

polícias e <strong>de</strong> Simon”.<br />

O par<br />

É o par central <strong>de</strong> “Welcome”: Simon,<br />

um professor <strong>de</strong> natação (Vincent<br />

Lindon), e Bilal (Firat Ayverdi), um<br />

jovem iraquiano que piorou a sua si-<br />

Na política<br />

“repressiva” dos<br />

imigrantes ilegais e na<br />

legislação penal que<br />

contempla pena <strong>de</strong><br />

prisão para quem<br />

aju<strong>de</strong> um clan<strong>de</strong>stino,<br />

Lioret vê um lastro<br />

comum com a forma<br />

<strong>de</strong> actuação da<br />

“polícia francesa<br />

durante a Ocupação”.<br />

“É, antes <strong>de</strong> tudo, um<br />

incitamento à<br />

<strong>de</strong>lação”, atira<br />

tuação <strong>de</strong> clan<strong>de</strong>stino em Calais, isto<br />

é, isolou-se ainda mais, ao estragar<br />

involuntariamente a fuga do seu grupo<br />

- a sua respiração <strong>de</strong>nunciou presença<br />

humana num camião. Bilal quer<br />

agora ter aulas <strong>de</strong> natação. Para se<br />

preparar para o seu objectivo, chegar<br />

a Inglaterra on<strong>de</strong> vive a noiva. E chegar<br />

a nado...<br />

O que une Simon a Bilal – melhor,<br />

o que atrai o quarentão Simon para o<br />

adolescente Bilal – é algo <strong>de</strong> misterioso.<br />

Claro, lá está a parte <strong>de</strong> “Welcome”<br />

em que se percebe que o casamento<br />

<strong>de</strong> Simon acabou mas este<br />

tenta tudo para ainda conseguir impressionar<br />

a ex-<strong>mulher</strong>: mostrar-lhe,<br />

por exemplo, que se preocupa com<br />

os outros, que tem consciência - há<br />

um significativo diálogo entre o excasal,<br />

em que ela critica o alheamento<br />

<strong>de</strong>le, por passar por cima do que a<br />

História ensinou. Mas os silêncios da<br />

personagem interpretada por Vincent<br />

Lindon, a sombra <strong>de</strong> nostalgia que<br />

passa nos seus olhos cansados (foi um<br />

ex-nadador, ex-campeão), e a obsessão<br />

<strong>de</strong> Bilal enchem essa parte do<br />

melodrama <strong>de</strong> uma tristeza mais in<strong>de</strong>finível.<br />

O filme aí aguenta-se numa<br />

tensão que não esmorece. É a parte<br />

mais obsessiva <strong>de</strong> “Welcome”, e chegamos<br />

a dizer a Lioret que <strong>de</strong>via ser<br />

mais monomaníaco ainda, não per<strong>de</strong>r<br />

energias nem com a situação conjugal<br />

<strong>de</strong> Simon nem com as cenas em Inglaterra<br />

com a família da noiva <strong>de</strong><br />

Bilal. Lioret não gostou da sugestão,<br />

Um grupo <strong>de</strong> imigrantes ilegais <strong>de</strong>ambula por Calais,<br />

espreitando camiões, em busca <strong>de</strong> uma aberta para<br />

atravessarem o Canal da Mancha<br />

Vincent Lindon<br />

e Philippe Lioret na rodagem<br />

está-se a ver. “É um filme que fala da<br />

vida, não é a história que me interessa,<br />

são as personagens. São as personagems<br />

que me guiam. O meu filme<br />

é como a vida, faz-se <strong>de</strong> relações múltiplas.<br />

Não tenho a impressão que o<br />

filme se perca”.<br />

A crispação esmorece quando lhe<br />

dizemos que Lindon, actor com quem<br />

ele criou uma relação <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong><br />

(“tornámo-nos próximos, falamos praticamente<br />

todos os dias, temos projectos<br />

comuns”), nos lembrou o sonambulismo<br />

<strong>de</strong> Robert Mitchum. Dito<br />

<strong>de</strong> outra forma, e não per<strong>de</strong>ndo tempo<br />

com o individual: que tal como os<br />

actores do cinema americano clássico<br />

Lindon não precisa <strong>de</strong> muito para<br />

mostrar a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sentimentos<br />

– tomada <strong>de</strong> consciência social e política,<br />

sim, mas também olhar para um<br />

adolescente e rever a sua própria juventu<strong>de</strong><br />

– que tomaram conta <strong>de</strong>le.<br />

“Fico contente, vou dizer isso a Vincent,<br />

que também vai ficar contente.<br />

Vincent tinha a ida<strong>de</strong> i<strong>de</strong>al para compreen<strong>de</strong>r<br />

o essencial das coisas. Tem<br />

algo <strong>de</strong> muito terreno. Quanto aos silêncios...<br />

lêncios na verda<strong>de</strong> o filme tem mui-<br />

tos diál diálogos, mas não são explicativos.<br />

Na TV é<br />

que se explica tudo. O encon-<br />

tro entre entr tr as duas personagens [o pro-<br />

fessor <strong>de</strong> d natação e o clan<strong>de</strong>stino] ti-<br />

nha <strong>de</strong> d ser mesmo um encontro. A<br />

partir parti do momento em que Simon<br />

vê Bilal, B ele <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser uma abstracção.<br />

trac Os imigrantes ilegais estão<br />

nos jornais, vêmo-los na televisão,<br />

mas não os vemos. Bilal, personagem<br />

gem com uma energia incrível, dá<br />

uma lição <strong>de</strong> vida a Simon”.<br />

Ver crítica crít ít <strong>de</strong> filme págs. 35 e segs<br />

MUSEU DO ORIENTE<br />

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21


Percy<br />

Fawcett,<br />

o último<br />

gran<strong>de</strong><br />

enfeitiçado<br />

pelo mito da<br />

civilização<br />

perdida na<br />

Amazónia<br />

Afinal,<br />

o Eldorado<br />

existia mesmo<br />

Descobrir a personagem que foi o coronel Fawcett,<br />

o último gran<strong>de</strong> explorador romântico da Amazónia,<br />

leva-nos numa aventura que é ao mesmo tempo<br />

literatura <strong>de</strong> viagens <strong>de</strong> arrepiar e <strong>de</strong>scoberta<br />

do mais recente pensamento sobre a América<br />

pré-colombiana. Clara Barata<br />

Afinal, o Eldorado existe.<br />

Mas em vez <strong>de</strong> ser <strong>de</strong> ouro<br />

resplan<strong>de</strong>cente está coberto<br />

pelo ver<strong>de</strong> da flor<strong>esta</strong> do<br />

Parque Natural do Xingu, no<br />

Brasil, e só começou a ser visível<br />

na última década, graças às novas<br />

tecnologias que permitem estudar<br />

a Terra a partir do céu com um pormenor<br />

nunca antes imaginado. Se o<br />

coronel Percy Fawcett soubesse disto,<br />

ele que foi o último gran<strong>de</strong> enfeitiçado<br />

pelo mito da civilização perdida<br />

na Amazónia. talvez não tivesse <strong>de</strong>saparecido,<br />

sem <strong>de</strong>ixar rasto, em<br />

1925, no inferno ver<strong>de</strong> em que tinha<br />

aprendido a viver quase tão bem como<br />

um <strong>de</strong>mónio nativo.<br />

O nome se calhar não lhe diz nada.<br />

Mas Fawcett foi um dos últimos gran<strong>de</strong>s<br />

exploradores do século XX, não<br />

do Pólo Norte ou do Pólo Sul, ou dos<br />

<strong>de</strong>sertos <strong>de</strong> areias escaldantes, mas<br />

da flor<strong>esta</strong> mais cerrada da Amazónia<br />

– primeiro, com a missão <strong>de</strong> cartografar<br />

fronteiras entre a Bolívia e outros<br />

países, seguindo o curso <strong>de</strong> rios tributários<br />

do Amazonas, o maior em<br />

termos <strong>de</strong> caudal do planeta, para a<br />

Royal Geographic Society britânica.<br />

Depois, como entusiasta da antropo-<br />

logia, ciência que dava os primeiros<br />

passos no início do século. Ele era um<br />

misto <strong>de</strong> visionário iluminado, com<br />

i<strong>de</strong>ias à frente do seu tempo, e <strong>de</strong> visionário<br />

apenas, obcecado com o sonho<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir no século XX as<br />

enormes e ricas cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> que falavam<br />

os “conquistadores” espanhóis<br />

que primeiro puseram pé nas Américas.<br />

As aventuras na selva <strong>de</strong> Fawcett,<br />

amigo <strong>de</strong> Arthur Conan Doyle, serviram<br />

<strong>de</strong> inspiração para a história <strong>de</strong>ste,<br />

“O Mundo Perdido” (1912), em que<br />

num planalto inexplorado da América<br />

do Sul se encontra um local on<strong>de</strong> os<br />

dinossauros sobreviveram. É na sua<br />

vida (sobretudo nos seus diários <strong>de</strong><br />

expedição) que se baseia “A Cida<strong>de</strong><br />

Perdida <strong>de</strong> Z”, do jornalista da revista<br />

“New Yorker” David Grann. Concentra-se<br />

em Fawcett, o último dos intrépidos<br />

exploradores vitorianos (um<br />

bocadinho já fora do seu tempo), e na<br />

sua <strong>de</strong>manda por “Z”, como ele intrigantemente<br />

chamava ao que outros<br />

antes <strong>de</strong>le chamavam Eldorado.<br />

Enfeitiçado pela selva<br />

Fawcett não <strong>esta</strong>va cego pela busca<br />

<strong>de</strong> ouro, como os espanhóis que fo-<br />

As <strong>de</strong>scobertas<br />

dos últimos <strong>de</strong>z<br />

a 20 anos fizeram<br />

mudar a forma como<br />

os arqueólogos olham<br />

para a Amazónia –<br />

não uma flor<strong>esta</strong><br />

intocada pelo homem,<br />

mas um “habitat” por<br />

ele modificado, com<br />

estradas, caminhos<br />

elevados e pontes,<br />

canais e até tanques<br />

<strong>de</strong> aquacultura<br />

Livros<br />

Os cuicuro<br />

num dos seus<br />

rituais mais<br />

sagrados,<br />

em honra<br />

dos mortos


am dos primeiros europeus a pisar<br />

o Novo Mundo. Ele tinha era sido enfeitiçado<br />

pela selva, um inferno ver<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> on<strong>de</strong> conseguia escapar sempre<br />

sem gran<strong>de</strong>s doenças - e como são<br />

fantásticas essas doenças, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> vermes<br />

que crescem incessantemente<br />

<strong>de</strong>ntro do corpo e espreitam por feridas<br />

que não saram nunca, a febres<br />

várias, passando por abelhas microscópicas<br />

que são atraídas pela humida<strong>de</strong><br />

dos olhos. Enfim, pelo menos<br />

um dos círculos do Inferno podia ficar<br />

preenchido apenas pelos insectos que<br />

povoam o mundo fechado e ver<strong>de</strong> da<br />

flor<strong>esta</strong> amazónica, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> nem se<br />

vê o Sol, por ser tão cerrada a vegetação.<br />

Como é que ali po<strong>de</strong>ria alguma<br />

vez ter havido civilizações que se comparassem<br />

às dos incas, no topo dos<br />

An<strong>de</strong>s? Nunca naquela terra cheia <strong>de</strong><br />

vida mas ao mesmo tempo tão hostil<br />

à vida se po<strong>de</strong>ria imaginar que tivesse<br />

havido civilização complexa, com<br />

milhões <strong>de</strong> habitantes, algo semelhante<br />

ao que relataram os primeiros “conquistadores”<br />

espanhóis.<br />

Pelo menos era isso que se pensava<br />

no início do século XX, e que se continuou<br />

a pensar até há pelo menos 30<br />

a 40 anos. Descobertas permitidas<br />

graças a avanços na tecnologia – sobretudo<br />

as que transportaram os<br />

olhos do homem para o céu, e outros<br />

truques para além dos sentidos humanos,<br />

como os radares inventados<br />

com a II Guerra Mundial, ou o Sistema<br />

<strong>de</strong> Posicionamento Global (GPS).<br />

Só na última parte do livro <strong>de</strong> Grann<br />

chegamos a perceber que a procura<br />

<strong>de</strong> Fawcett, afinal, se tornou hoje um<br />

tema <strong>de</strong> investigação científica – uma<br />

busca <strong>de</strong> provas concretas <strong>de</strong> que a<br />

civilização amazónica pré-colombiana<br />

existiu mesmo. E não era apenas<br />

uma cida<strong>de</strong>, era um complexo <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s<br />

e outras povoações mais pequenas,<br />

organizadas em torno <strong>de</strong> praças<br />

redondas e ligadas por estradas muito<br />

direitas e seguindo orientações<br />

astronómicas, como as dos equinócios,<br />

e pontos car<strong>de</strong>ais.<br />

Quem lhe conta, em páginas <strong>de</strong>masiado<br />

breves, o que a ciência <strong>de</strong>scobriu,<br />

vigando as teorias do <strong>de</strong>saparecido<br />

Fawcett (e outros), foi o arqueólogo<br />

Michael Heckenberger, da<br />

Universida<strong>de</strong> da Florida, adoptado<br />

pelos índios cuicuro. Quando Grann<br />

o encontrou, o arqueólogo vivia com<br />

os índios há 13 anos – tanto tempo que<br />

já tinha a sua própria cubata numa<br />

al<strong>de</strong>ia do Parque Indígena do Xingu,<br />

no norte do Brasil. Heckenberger po<strong>de</strong>ria<br />

lembrar o coronel Kurtz do filme<br />

“Apocalyse Now”, <strong>de</strong> Coppola,<br />

mas é um cientista a sério, com publicações<br />

nas mais respeitadas revistas<br />

científicas, on<strong>de</strong> relata as <strong>de</strong>scobertas<br />

que tem feito na selva ao longo<br />

da última década.<br />

Em 1492, quando Colombo chegou<br />

à América, o que encontrou foi uma<br />

O arqueólogo Michael<br />

Heckenberger, adoptado pelos<br />

cuicuro - Gram encontrou-o,<br />

vivia ele há 13 anos com os<br />

índios, na sua <strong>de</strong>manda pelos<br />

caminhos <strong>de</strong> Fawcett<br />

flor<strong>esta</strong> virgem ou um parque cultivado,<br />

ajeitado às necessida<strong>de</strong>s dos<br />

milhões <strong>de</strong> pessoas que lá viviam –<br />

esse era o título <strong>de</strong> um artigo que Heckenberger<br />

publicou em 2003, na<br />

revista “Science”. Ele <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a segunda<br />

hipótese, e tem provas para o<br />

<strong>de</strong>monstrar, que aliás mostrou a<br />

Grann, quando o nova-iorquino quarentão<br />

que nunca tinha sequer acampado<br />

foi para a selva, na zona <strong>de</strong> Mato<br />

Grosso, tentando <strong>de</strong>svendar o mistério<br />

do que terá levado ao<br />

<strong>de</strong>saparecimento <strong>de</strong> Fawcett.<br />

“Começou a caminhar outra vez<br />

pela flor<strong>esta</strong>, apontando o que era,<br />

claramente, os restos <strong>de</strong> uma enorme<br />

paisagem feita pelo homem”, relata<br />

Grann, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Heckenberger o ter<br />

feito ver um <strong>de</strong>snível que afinal era<br />

um fosso “<strong>de</strong> há cerca <strong>de</strong> 900 anos”,<br />

um lugar que parecia “ser um fosso<br />

<strong>de</strong>ntro do fosso” e na verda<strong>de</strong> era on<strong>de</strong><br />

ficava uma paliçada que ro<strong>de</strong>ava<br />

a povoação, ali ao pé da al<strong>de</strong>ia cuicuro<br />

on<strong>de</strong> ainda hoje vivem índios.<br />

Flor<strong>esta</strong> urbanizada<br />

“Havia uma praça circular gigantesca<br />

on<strong>de</strong> a vegetação tinha carácter diferente<br />

da do resto da flor<strong>esta</strong>, porque<br />

outrora tinha sido limpa. E tinha havido<br />

uma zona <strong>de</strong> habitações dispersas,<br />

como se provava por um solo<br />

preto ainda mais <strong>de</strong>nso que fora enriquecido<br />

pelo lixo <strong>de</strong>composto pelos<br />

<strong>de</strong>jectos humanos” (pág. 308). Em<br />

poucas linhas, Grann fala da “terra<br />

preta” tão diferente do solo empobrecido<br />

<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> parte da flor<strong>esta</strong>, e que<br />

tem sinais claros <strong>de</strong> ter sido produzida<br />

pela activida<strong>de</strong> humana, <strong>de</strong>screve<br />

as <strong>de</strong>scobertas dos últimos <strong>de</strong>z a 20<br />

anos que fizeram mudar a forma como<br />

os arqueólogos olham para a Amazónia<br />

– não uma flor<strong>esta</strong> intocada<br />

pelo homem, mas um “habitat” por<br />

ele modificado, com estradas, caminhos<br />

elevados e pontes, canais e até<br />

tanques <strong>de</strong> aquacultura.<br />

Pelo menos numa zona que fica algures<br />

entre o Mato Grosso brasileiro e<br />

Llanos <strong>de</strong> Mojos, na Bolívia, uma planície<br />

entalada entre as montanhas dos<br />

An<strong>de</strong>s e a flor<strong>esta</strong> amazónica, on<strong>de</strong><br />

também há vestígios <strong>de</strong> uma ocupação<br />

sofisticada do espaço, com montes que<br />

po<strong>de</strong>m ter servido <strong>de</strong> terras agrícolas<br />

ou refúgios para as inundações que se<br />

seguem ao <strong>de</strong>gelo nas montanhas, na<br />

Primavera, dizia uma reportagem publicada<br />

em Fevereiro <strong>de</strong> 2000 também<br />

na revista “Science”.<br />

No ano passado, em Agosto, Heckenberger,<br />

e uma equipa que incluía<br />

vários cientistas brasileiros e pelo menos<br />

um índio cuicuro, voltou a falar<br />

das últimas <strong>de</strong>scobertas feitas na zona<br />

on<strong>de</strong> Fawcett tinha a certeza <strong>de</strong> que<br />

encontraria a sua misteriosa “Z”. O<br />

conceito que introduzem os arqueólogos<br />

e outros cientistas essenciais<br />

para <strong>esta</strong> investigação, que inclui até<br />

A procura <strong>de</strong> Fawcett<br />

tornou-se hoje tema<br />

<strong>de</strong> investigação<br />

científica – uma busca<br />

<strong>de</strong> provas concretas<br />

<strong>de</strong> que a civilização<br />

amazónica précolombiana<br />

existiu<br />

mesmo. E não era<br />

apenas uma cida<strong>de</strong>,<br />

era um complexo<br />

<strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s e outras<br />

povoações mais<br />

pequenas,<br />

organizadas em torno<br />

<strong>de</strong> praças redondas e<br />

ligadas por estradas<br />

muito direitas e<br />

seguindo orientações<br />

astronómicas, como<br />

as dos equinócios,<br />

e pontos car<strong>de</strong>ais<br />

satélites, é o <strong>de</strong> que a Amazónia antes<br />

<strong>de</strong> Colombo era uma “flor<strong>esta</strong> urbanizada”,<br />

uma paisagem modificada<br />

pela acção do homem, que escolheu<br />

umas plantas sobre outras, e on<strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>m ter sido domesticadas espécies<br />

que ainda hoje fazem parte da<br />

alimentação básica dos que ali vivem,<br />

como a mandioca.<br />

“Quando eu e a minha equipa começámos<br />

a cartografar tudo, <strong>de</strong>scobrimos<br />

que nada era feito por aci<strong>de</strong>nte.<br />

Todos estes povoados eram instalados<br />

segundo um plano complicado,<br />

com um sentido <strong>de</strong> engenharia e matemática<br />

que rivalizava com tudo o<br />

que <strong>esta</strong>va a acontecer em gran<strong>de</strong><br />

parte da Europa do tempo” (pág.<br />

309), disse o arqueólogo da Universida<strong>de</strong><br />

da Florida ao jornalista que via<br />

“Z” surgir da flor<strong>esta</strong>. “Gostavam <strong>de</strong><br />

ter belas estradas e praças e pontes.<br />

Os seus monumentos não eram pirâmi<strong>de</strong>s,<br />

razão pela qual foram tão difíceis<br />

<strong>de</strong> encontrar; eram características<br />

horizontais. Mas não eram menos<br />

extraordinários.” (pág. 310).<br />

Foi só no fim da sua viagem pelas<br />

aventuras e muitas <strong>de</strong>sgraças das missões<br />

<strong>de</strong> Fawcett – e dos aventureiros<br />

que se propuseram ir para a selva para<br />

<strong>de</strong>scobrir o que lhe teria acontecido,<br />

a ele, ao filho e ao amigo do filho,<br />

em 1925 – que David Grann <strong>de</strong>scobriu<br />

que “Z”, afinal, <strong>esta</strong>va hoje a ser <strong>de</strong>scoberta<br />

por muitos cientistas, aos<br />

bocadinhos, com o recurso a meios<br />

aéreos que no tempo <strong>de</strong> Fawcett eram<br />

praticamente impossíveis e tecnologias<br />

como radares que penetram o<br />

solo para <strong>de</strong>scobrir o que está por<br />

<strong>de</strong>baixo da terra, sensores remotos<br />

para <strong>de</strong>tectar campos magnéticos no<br />

solo, fotografias <strong>de</strong> satélite e tantas,<br />

tantas outras coisas para além dos<br />

pedaços <strong>de</strong> cerâmica que Fawcett <strong>de</strong>scobria<br />

por toda a parte na selva, on<strong>de</strong><br />

viviam as tribos que não tinham sido<br />

ainda aculturadas e <strong>de</strong>struídas pelo<br />

contacto com os brancos.<br />

“Durante um momento, consegui<br />

ver esse mundo <strong>de</strong>saparecido como<br />

se estivesse à minha frente Z”, confessa<br />

Grann.<br />

Ver crítica <strong>de</strong> livros págs. 26 e segs.<br />

23


Livros<br />

Top Bulhosa lhosa<br />

Livreiros os<br />

Nacional al<br />

Ficção<br />

1<br />

2<br />

3<br />

4<br />

5<br />

1<br />

2<br />

3<br />

4<br />

5<br />

2666<br />

Roberto Bolaño<br />

Quetzal<br />

Os Anagramas <strong>de</strong> Varsóvia<br />

Richard Zimler<br />

Oceanos<br />

No teu Deserto<br />

Miguel Sousa Tavares<br />

Oficina do Livro<br />

Jesusalém<br />

Mia Couto<br />

Caminho<br />

Os Homens<br />

que O<strong>de</strong>iam as Mulheres<br />

Stieg Larsson<br />

Oceanos<br />

Não-Ficção<br />

Portugal Que Futuro?<br />

Medina Carreira<br />

e Eduardo Dâmaso<br />

Objectiva<br />

José Sócrates - O Homem<br />

e o Lí<strong>de</strong>r (Biografia<br />

não Autorizada)<br />

Rui Costa Pinto<br />

Exclusivo Edições<br />

A Vida é um Minuto<br />

Judite Sousa<br />

Oficina do Livro<br />

O Dever do Bom Nome<br />

Filipe Pinhal<br />

Bnomics<br />

Um Mundo sem Regras<br />

Amin Maalouf<br />

Difel<br />

24<br />

MATHIEU BOURGOIS<br />

BOURGOIS<br />

Edição<br />

Viagens<br />

Entre fedor<br />

e perfume<br />

Um livro escrito na primeira<br />

pessoa por uma repórter, um<br />

livro que visa <strong>de</strong>monstrar “in<br />

actu” que a vida <strong>de</strong> repórter<br />

não é para meninas. Mais a<br />

mais no Afeganistão, terra<br />

<strong>de</strong> homens (e <strong>mulher</strong>es…) <strong>de</strong><br />

barba rija.<br />

Osvaldo Manuel Silvestre<br />

Ca<strong>de</strong>rno Afegão<br />

Alexandra Lucas Coelho<br />

Tinta da China<br />

mmmmn<br />

As edições 70 lançaram<br />

<strong>esta</strong> semana uma nova<br />

chancela, a Minotauro,<br />

on<strong>de</strong> está a ser publicada<br />

uma colecção <strong>de</strong><br />

autores espanhóis<br />

contemporâneos com<br />

<strong>de</strong>sign próprio e edição<br />

em capa dura. Os três<br />

primeiros autores a<br />

chegar às livrarias são:<br />

Álvaro Pombo, com<br />

“Contra-natura” (sobre a<br />

relação entre um editor<br />

“Ca<strong>de</strong>rno<br />

Afegão”, segundo<br />

livro <strong>de</strong> Alexandra<br />

Lucas Coelho<br />

(ALC), sai naquela<br />

que é <strong>de</strong><br />

momento a<br />

colecção <strong>de</strong><br />

referência <strong>de</strong><br />

“literatura <strong>de</strong> viagens” no nosso<br />

panorama editorial, com o cuidado<br />

<strong>de</strong> fabrico que distingue editora<br />

(Tinta da China) e colecção (capa<br />

dura, ilustração com motivo <strong>de</strong><br />

inspiração vagamente “persa”,<br />

fitilho). Sendo ALC jornalista, o<br />

título sugere o bloco-notas do<br />

trabalho <strong>de</strong> terreno, mas ao mesmo<br />

tempo, por “efeito <strong>de</strong> colecção”, o<br />

diário em que um sujeito não<br />

sujeitado à rigi<strong>de</strong>z dos códigos da<br />

reportagem se nos dá a ver em grau<br />

variável <strong>de</strong> impudor – e po<strong>de</strong>mos<br />

chamar a isto “literatura”. Assim, na<br />

p. 277 lemos: “o sol queima e<br />

apareceu-me o período”. Não há<br />

muito disto, <strong>de</strong>senganem-se os<br />

leitores ávidos <strong>de</strong> intimida<strong>de</strong>s. O que<br />

há, sim, é um livro escrito na<br />

primeira pessoa por uma repórter,<br />

um livro que, dir-se-ia, visa<br />

<strong>de</strong>monstrar “in actu” que a vida <strong>de</strong><br />

repórter não é para meninas. Mais a<br />

mais no Afeganistão, terra <strong>de</strong><br />

homens (e <strong>mulher</strong>es…) <strong>de</strong> barba rija.<br />

Des<strong>de</strong> a primeira página, no<br />

aeroporto do Dubai, ALC fala-nos<br />

pois dos problemas da sua condição<br />

<strong>de</strong> repórter-<strong>mulher</strong> naquela parte do<br />

mundo: “Esqueci em <strong>Lisboa</strong> o lenço<br />

que ia pôr quando saísse do avião.<br />

Compro o mais discreto que<br />

encontro” (p. 13). Se há um veio que<br />

percorre o livro é o empenho na<br />

<strong>de</strong>scrição da vida das <strong>mulher</strong>es<br />

afegãs, bem patente no esforço para<br />

traduzir em tropos <strong>de</strong>ceptivos a<br />

burqa que cobre a gran<strong>de</strong> maioria<br />

<strong>de</strong>las: “sacos” ou “balões” vazios<br />

pendurados em cabi<strong>de</strong>s, <strong>mulher</strong>es<br />

que <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> ser pessoas para<br />

serem “volumes” (p. 83), <strong>mulher</strong>es<br />

aposentado e um jovem<br />

que conhece no parque);<br />

Esther Tusquets, com<br />

“Bingo!” (um homem <strong>de</strong><br />

60 anos entra num Bingo,<br />

conhece Rosa e muda a<br />

sua vida); Rafael Chirbes,<br />

“Crematório” (a família, a<br />

corrupção e a perversão<br />

humana) e Julián<br />

Rodríguez com “Sem<br />

Necessida<strong>de</strong>” (passa-se<br />

na costa portuguesa: a<br />

morte iminente <strong>de</strong> um<br />

Des<strong>de</strong> a primeira página, no aeroporto do Dubai,<br />

Alexandra Lucas Coelho fala-nos dos problemas da sua condição<br />

<strong>de</strong> repórter-<strong>mulher</strong> naquela parte do mundo, o Afeganistão<br />

que parecem “fantasmas” (p. 203)<br />

quando <strong>de</strong>saparecem – e<br />

“<strong>de</strong>saparecem mesmo” (p. 216) –<br />

<strong>de</strong>ntro da burqa, e a surpresa <strong>de</strong> ver<br />

que afinal lá <strong>de</strong>ntro há uma pessoa:<br />

“Depois levanta a burqa e aparece<br />

uma rapariga esperta a sorrir” (p.<br />

203).<br />

“Tudo parece terrivelmente<br />

errado. Errado <strong>esta</strong>rmos aqui” (p.<br />

236), diz ALC quando se <strong>de</strong>para com<br />

a opulência dos estrangeiros na mais<br />

cara Guest House <strong>de</strong> Cabul. O<br />

próprio país, porém, parece uma<br />

vasta teoria <strong>de</strong> erros e <strong>de</strong>sastres, em<br />

gran<strong>de</strong> medida por ser a<br />

<strong>de</strong>monstração prática da<br />

impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r com<br />

“as lições da História” (ALC parece<br />

aliás acreditar mais na possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> o passado ser “o melhor<br />

argumento contra o presente” (p.<br />

67) do que boa parte das histórias<br />

que conta). Um e outro afegão<br />

letrado afirmam que “a comunida<strong>de</strong><br />

internacional não leu a história do<br />

Afeganistão. Devia ler e apren<strong>de</strong>r”<br />

(p. 229). Quanto aos afegãos, como<br />

aprendê-la se poucos são os que<br />

sabem ler? E assim, afegãos e<br />

estrangeiros parecem con<strong>de</strong>nados à<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

amigo faz a personagem<br />

principal confrontar r a<br />

sua memória). Esther er<br />

Tusquets e Rafael<br />

Chirbes participam dia<br />

9, às 18h30, no <strong>de</strong>bate te<br />

Dois Protagonistas da<br />

Literatura Espanhola la<br />

Contemporânea ao lado<br />

<strong>de</strong> Antonio Sáez Delgado, lgado,<br />

no auditório do Instituto ituto<br />

Cervantes, em <strong>Lisboa</strong>. oa.<br />

repetição infindável do erro.<br />

Erros e <strong>de</strong>sastres vêem-se por<br />

todo o lado. Mas sobretudo cheiramse:<br />

Cabul é a cida<strong>de</strong> com “a maior<br />

quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> matéria fecal no ar do<br />

mundo” (p. 47). E no bairro dos<br />

refugiados <strong>de</strong> Herat “cheira tão mal<br />

que tentamos não respirar. É como<br />

se tudo estivesse podre” (p. 88). O<br />

outro cheiro inesquecível <strong>de</strong> Cabul<br />

é, porém, o das rosas: “Nunca vi tão<br />

forte <strong>de</strong>dicação às flores” (p. 71). A<br />

bem dizer, o livro progri<strong>de</strong> entre a<br />

merda e as rosas, ou entre o trauma<br />

contínuo e a revelação pontual ou<br />

duradoura (em fundo, cenas <strong>de</strong><br />

“Apocalypse Now”: “O céu treme.<br />

Trânsito <strong>de</strong> aviões, talvez explosões,<br />

ao longe”, p. 191). Esta oscilação é<br />

reconhecível nos espaços<br />

institucionais objectos <strong>de</strong> análise: o<br />

Centro Ortopédico <strong>de</strong> Cabul,<br />

radiografia <strong>de</strong> uma nação<br />

aci<strong>de</strong>ntada; a livraria e o Museu <strong>de</strong><br />

Cabul, ou <strong>de</strong> como a versão taliban<br />

da iconoclastia do islamismo po<strong>de</strong><br />

conduzi-la à caricatura; e, no<br />

momento mais doloroso do livro, o<br />

Hospital <strong>de</strong> Kandahar. Ou melhor: a<br />

ala feminina do Hospital, uma vez<br />

que <strong>mulher</strong>es e homens não se<br />

misturam. E o espectáculo,<br />

minucioso e <strong>de</strong>vastador, da<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>, do preconceito e do<br />

obscurantismo.<br />

Não surpreen<strong>de</strong> que o percurso<br />

por loci institucionais mo<strong>de</strong>rnos<br />

active <strong>de</strong> forma mais nítida na autora<br />

um discurso também mo<strong>de</strong>rno: o<br />

feminista. Como não surpreen<strong>de</strong><br />

que ele ocorra sobretudo em<br />

situações reactivas, num país em<br />

que os homens “em mim só vêem<br />

uma <strong>mulher</strong>, e isso é quase nada” (p.<br />

168). Tudo isto ganha resolução<br />

ético-política numa passagem<br />

esclarecedora: “Tudo neste mundo<br />

<strong>de</strong>safia a capacida<strong>de</strong> relativizadora<br />

da antropologia pós-pós-colonialista.<br />

É um mundo activamente tribal, em<br />

que os dóceis, os diferentes, os<br />

homossexuais e as <strong>mulher</strong>es pagam<br />

um alto preço para continuarem<br />

vivos, e muitas vezes morrem” (p.<br />

170). Não é que ALC não saiba<br />

praticar a difícil modéstia da<br />

<strong>de</strong>scrição etnográfica, por exemplo<br />

a propósito do pão espalmado local:<br />

“O pão, aqui, é mesa, prato e talher”<br />

(p. 122). O ponto é contudo o<br />

carácter inevitável (e muito<br />

reconhecível no discurso feminista<br />

oci<strong>de</strong>ntal) do apelo às virtu<strong>de</strong>s<br />

cognitivas, e ético-políticas, do<br />

etnocentrismo: enquanto feminista,<br />

i.e, liberal burguesa e pós-mo<strong>de</strong>rna<br />

(parafraseio Rorty), ALC não<br />

consegue <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> rejeitar as<br />

implicações políticas do relativismo.<br />

E é este o ponto em que a jornalista<br />

reserva a um “ca<strong>de</strong>rno afegão” que<br />

será um livro <strong>de</strong> “literatura <strong>de</strong><br />

viagens” o que não confia a um<br />

bloco-notas publicável neste jornal,<br />

já que a ética do repórter é, ao invés,<br />

relativista…<br />

ALC parece ver a saída para este<br />

“<strong>de</strong>sgosto afegão” numa espécie <strong>de</strong><br />

encontro imediado com a Natureza,<br />

e daí a inteligência com que a visita<br />

aos Budas <strong>de</strong> Bamyan e ao lago <strong>de</strong><br />

Band-e-Amir surge no final <strong>de</strong><br />

viagem e livro. Na viagem para<br />

Bamyan a Natureza vai emergindo<br />

da civilização, assim que o mundo<br />

das cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>saparece. As <strong>mulher</strong>es<br />

andam aí com a cara <strong>de</strong>scoberta –<br />

como na Natureza <strong>de</strong>veria ser - e<br />

“Como na índia, são [elas] que dão<br />

cor à paisagem. A paisagem está<br />

quieta e elas estão em movimento. É<br />

uma cena viva” (p. 294). Ou ainda:<br />

“Nada fere a vista. Tudo é um todo”<br />

(p. 295). E, por fim: “Akil quase<br />

canta, e nós também. O mundo é<br />

gran<strong>de</strong>, <strong>esta</strong>mos vivos, que<br />

privilégio” (p. id.). O perfume triunfa<br />

enfim sobre o fedor, mas à custa da<br />

“fuga às cida<strong>de</strong>s”, on<strong>de</strong> como<br />

sabemos as figuras do todo são <strong>de</strong><br />

harmonia difícil: porque são<br />

políticas, tanto quanto estéticas,<br />

exactamente como, mas ao invés, a<br />

“cena viva” da natureza afegã é<br />

política por ser só estética. Ou seja:<br />

por ser uma epifania individual não<br />

traduzível já em emancipação,<br />

apesar <strong>de</strong> todas as (belas) aparências<br />

em contrário.


dir. musical


Livros<br />

Na pista<br />

do coronel<br />

Fawcett e da<br />

misteriosa “Z”<br />

É uma biografia, uma<br />

gran<strong>de</strong> reportagem sobre<br />

um tempo já perdido, um<br />

livro <strong>de</strong> viagens com cenas<br />

aterradoras e um livro <strong>de</strong><br />

ciência. Clara Barata<br />

A Cida<strong>de</strong> Perdida <strong>de</strong> Z<br />

– Uma Obsessão mortal<br />

passada na Amazónia<br />

David Grann<br />

(trad. José Freitas e Silva)<br />

Editor: Livros D’Hoje<br />

mmmmn<br />

Esta é a história <strong>de</strong> uma obsessão,<br />

26<br />

Espaço<br />

Público<br />

Este espaço vai ser<br />

seu. Que filme, peça <strong>de</strong><br />

teatro, livro, exposição,<br />

disco, álbum, canção,<br />

concerto, DVD viu e<br />

gostou tanto que lhe<br />

apeteceu escrever<br />

como diz o<br />

subtítulo, <strong>de</strong> uma<br />

obsessão pelo<br />

Inferno Ver<strong>de</strong> da<br />

Amazónia, que<br />

consumia o<br />

coronel Perry<br />

Fawcett mas o<br />

poupava para que<br />

voltasse sempre<br />

uma e outra vez ao calor, humida<strong>de</strong>,<br />

fome no meio da abundância <strong>de</strong><br />

vida, nuvens <strong>de</strong> insectos e parasitas<br />

que consumiam todos os seus<br />

companheiros mas não a ele. Porque<br />

ele, o coronel Fawcett, que excitou<br />

as imaginações dos leitores e dos fãs<br />

dos noticiários filmados exibidos<br />

antes das fitas <strong>de</strong> cinema, era um<br />

herói da fibra dos heróis vitorianos,<br />

daqueles que já <strong>esta</strong>vam a <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />

existir – alguém que podia ter saído<br />

da pena <strong>de</strong> Arthur Conan Doyle.<br />

“A Cida<strong>de</strong> Perdida <strong>de</strong> Z” é ao<br />

mesmo tempo uma biografia, um livro<br />

<strong>de</strong> viagens com cenas aterradoras –<br />

experimente não exprimir o espanto<br />

em voz alta quando <strong>de</strong>scobrir que na<br />

Amazónia há abelhas que comem<br />

sobre ele, concordando<br />

ou não concordando<br />

com o que escrevemos?<br />

Envie-nos uma nota até<br />

500 caracteres para<br />

ipsilon@publico.pt. E<br />

nós <strong>de</strong>pois publicamos.<br />

Esta é a história da obsessão pelo Inferno<br />

Ver<strong>de</strong> da Amazónia que consumia o coronel Perry Fawcett<br />

carne, mesmo que vá a ler o seu livro<br />

num transporte público –, uma gran<strong>de</strong><br />

reportagem sobre um tempo já<br />

perdido – quando ainda havia locais<br />

na Terra suficientemente<br />

inexplorados para alguém se per<strong>de</strong>r<br />

lá, sem <strong>de</strong>ixar rasto – e uma história<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>manda quase espiritual. E, para<br />

rematar, também um pouco um livro<br />

<strong>de</strong> ciência, que nos fala <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>scobertas recentes, das duas<br />

últimas décadas, que só agora<br />

começam a ser <strong>de</strong>monstradas com<br />

provas físicas.<br />

David Grann, um jornalista norteamericano<br />

que ven<strong>de</strong>u <strong>esta</strong> história<br />

à revista “New Yorker”, em 2005,<br />

não resistiu em transformá-la em<br />

livro. Ele, que quando pensou que<br />

teria <strong>de</strong> ir para Mato Grosso, foi a<br />

uma loja <strong>de</strong> artigos <strong>de</strong> aventura em<br />

Manhattan e se aprontava para sair<br />

<strong>de</strong> lá com os artigos mais<br />

improváveis e mais à James Bond<br />

possível, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as meias <strong>de</strong><br />

adrenalina até ao gelado liofilizado,<br />

como dizem que os astronautas<br />

comem, até que o ven<strong>de</strong>dor, com<br />

um rebate <strong>de</strong> consciência, lhe<br />

perguntou se alguma vez tinha<br />

acampado e lhe recomendou uma<br />

compra bem menos cara mas mais<br />

razoável.<br />

O coronel Fawcett, o motor da sua<br />

história, não tinha nada a ver com<br />

ele. Alto e atlético, <strong>de</strong> bigo<strong>de</strong><br />

elegante, parecia invencível: não<br />

havia doença ou aci<strong>de</strong>nte na selva<br />

que pegasse nele. Intolerante e<br />

exigente, consi<strong>de</strong>rava cobar<strong>de</strong> e<br />

criminoso quem não respon<strong>de</strong>sse à<br />

tortura da selva como ele. Foi o que<br />

aconteceu com James Murray,<br />

explorador da Antárctida, na missão<br />

<strong>de</strong> Shackleton, quando se juntou a<br />

Fawcett, numa malfadada expedição<br />

que só por milagre não o levou à<br />

morte.<br />

Grann <strong>de</strong>screve muito bem, na<br />

pág. 134, o que dividia os dois<br />

homens, e aquilo que Fawcett tinha<br />

<strong>de</strong> ser, para se ter tornado uma<br />

lenda ao serviço da Royal<br />

Geographic Society britânica,<br />

cartografando as fronteiras da<br />

Bolívia seguindo os tributários do rio<br />

Amazonas: “As qualificações para<br />

um gran<strong>de</strong> explorador polar e para<br />

um explorador da Amazónia não são<br />

necessariamente as mesmas. Na<br />

verda<strong>de</strong>, as duas formas <strong>de</strong><br />

exploração são a antítese uma da<br />

outra. Um explorador polar tem <strong>de</strong><br />

suportar temperaturas <strong>de</strong> 38 graus<br />

abaixo <strong>de</strong> zero e os mesmos terrores<br />

repetidamente: queimaduras do<br />

frio, fissuras no gelo e escorbuto.<br />

Olha e só vê neve e gelo, neve e gelo<br />

– uma brancura incessante. O horror<br />

fisiológico está em saber que essa<br />

paisagem nunca mudará e o <strong>de</strong>safio<br />

é resistir, como um prisioneiro na<br />

solitária, à privação dos sentidos.<br />

Em contrapartida, um explorador da<br />

Amazónia, mergulhado num<br />

cal<strong>de</strong>irão <strong>de</strong> calor, tem os sentidos<br />

constantemente agredidos. Em lugar<br />

<strong>de</strong> gelo, há chuva e um explorador<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

espreita a cada passo, em toda a<br />

parte, novos perigos: um mosquito<br />

malárico, uma lança, uma cobra,<br />

uma aranha, uma piranha. A mente<br />

tem <strong>de</strong> lidar com o terror do cerco<br />

constante”.<br />

Nas múltiplas expedições à selva<br />

que conduziu, mesmo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

praticamente ter sido acusado <strong>de</strong><br />

assassínio por Murray, Fawcett foi-se<br />

transformando ele próprio num<br />

homem da selva; falava em tornar-se<br />

nativo. Mas foi só <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter<br />

encontrado os índios que todos<br />

diziam que eram perigosos (que não<br />

<strong>esta</strong>vam aculturados, como os que<br />

viviam mais perto das linhas <strong>de</strong><br />

água) que <strong>de</strong>sabrochou em pleno a<br />

obsessão do coronel, e a sua<br />

convicção <strong>de</strong> que estes selvagens,<br />

nobres e orgulhosos, com longas<br />

flechas e arcos, como não eram os<br />

índios aculturados, <strong>de</strong>viam<br />

<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> uma civilização<br />

avançada. Indícios <strong>de</strong>ssa civilização<br />

perdida <strong>esta</strong>va sempre a encontrálos<br />

na selva, sob a forma <strong>de</strong><br />

fragmentos <strong>de</strong> bela cerâmica, em<br />

alguns locais até pinturas rupestres.<br />

A I Guerra Mundial, e os horrores<br />

nunca vistos <strong>de</strong>sse conflito,<br />

interromperam-lhe os sonhos. E se<br />

calhar danificaram a sua mente <strong>de</strong><br />

uma forma que não é possível aferir.<br />

“Z”, no entanto, continuou a<br />

fervilhar-lhe no espírito, como uma<br />

missão quase religiosa.<br />

Não esquecia “Z”, o nome que<br />

misteriosamente ele <strong>de</strong>u a essa<br />

civilização perdida, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

estudar relatos dos primeiros<br />

espanhóis e portugueses que<br />

andaram pela selva, e <strong>de</strong>screviam<br />

um ambiente bem diferente daquele<br />

que ele encontrava no início do<br />

século XX. E falavam do Eldorado,<br />

procurado até à morte por tantos,<br />

que sonhavam com o ouro sem fim<br />

<strong>de</strong>ssa cida<strong>de</strong> mítica.<br />

Após muitas dificulda<strong>de</strong>s,<br />

internou-se na selva com o filho <strong>de</strong><br />

21 anos, Jack, e o melhor amigo<br />

<strong>de</strong>ste. Os três homens, que <strong>de</strong>veriam<br />

enviar mensagens com o progresso<br />

das suas aventuras para um<br />

consórcio <strong>de</strong> jornais norteamericanos,<br />

<strong>de</strong>sapareceram um dia<br />

<strong>de</strong> 1925 na selva, sem <strong>de</strong>ixar rasto.<br />

Os boatos foram muitos, muitos<br />

outros exploradores tentaram ir<br />

resgatá-lo – uma centena terá<br />

perecido na aventura – mas <strong>de</strong>le<br />

nunca mais se soube nada.<br />

No entanto, os cientistas que<br />

<strong>de</strong>pois da I Guerra olhavam para ele<br />

como uma figura exótica e com<br />

i<strong>de</strong>ias estranhas, acabaram por<br />

vingar as suas i<strong>de</strong>ias – Grann, que foi<br />

mesmo à selva, entre os índios do<br />

Brasil, <strong>de</strong>scobre um dos cientistas<br />

que está a <strong>de</strong>scobrir a misteriosa<br />

civilização perdida da Amazónia.<br />

Mas se quer saber mesmo como é<br />

<strong>esta</strong> história da selva, tem <strong>de</strong> ler o<br />

livro até ao fim.<br />

Quebre-se o suspense, só um<br />

bocadinho: o que aconteceu mesmo<br />

a Fawcett, ao seu filho <strong>de</strong> 21 anos e<br />

ao seu amigo <strong>de</strong> infância, isso<br />

permanece um segredo da selva.


MUSEU DO ORIENTE


Livros<br />

Ficção<br />

Quadratura<br />

da neurose<br />

Sexo, drogas, jihad e<br />

psicanálise. Crónica da<br />

Londres pós-swinging, vista<br />

por um paki assumido.<br />

Eduardo Pitta<br />

Algo para te dizer<br />

Hanif Kureishi<br />

(Trad. Rita Graña)<br />

Teorema<br />

mmmmn<br />

Stephen Frears, Daniel Day-Lewis e<br />

Hanif Kureishi (n. 1954) entraram na<br />

minha vida no dia em que vi “A<br />

minha bela lavandaria” (1985).<br />

Nunca mais os perdi <strong>de</strong> vista. Outras<br />

peças <strong>de</strong> Kureishi foram por ele<br />

adaptadas ao cinema. Entretanto, o<br />

28<br />

autor teve a sorte<br />

<strong>de</strong> encontrar em<br />

Portugal um<br />

editor atento. O<br />

catálogo da<br />

Teorema inclui as<br />

suas duas<br />

colectâneas <strong>de</strong><br />

contos, bem como<br />

cinco dos seis<br />

romances. Falta traduzir o primeiro<br />

<strong>de</strong> todos, “The Buddha of Suburbia”<br />

(1990), que lhe valeu o Prémio<br />

Whitbread e um processo judicial da<br />

irmã que o acusou <strong>de</strong> manipular<br />

factos para <strong>de</strong>negrir a família. O<br />

último em data é “Algo para te<br />

dizer”.<br />

Filho <strong>de</strong> pai paquistanês e mãe<br />

inglesa, Kureishi estudou direito e<br />

filosofia mas <strong>de</strong>pois foi ganhar a vida<br />

como autor <strong>de</strong> livros pornográficos.<br />

Críticos conspícuos comparam-no a<br />

Swift e Ballard. Natural <strong>de</strong> Bromley,<br />

tornou-se o cronista por excelência<br />

dos interditos da “great London”.<br />

Jamal Khan, protagonista do<br />

romance e mais que provável alterego<br />

do autor, é um terapeuta <strong>de</strong><br />

origem paquistanesa sem ilusões<br />

acerca dos outros: “Os segredos são<br />

a minha moeda; ganho a vida a lidar<br />

com eles. Segredos do <strong>de</strong>sejo,<br />

daquilo que as pessoas realmente<br />

querem, daquilo que mais temem.<br />

Segredos escondidos em questões<br />

como: Por que motivo é o amor tão<br />

difícil, o sexo complicado, a vida<br />

dolorosa, e a morte tão próxima e no<br />

entando tida como tão longínqua?<br />

Porque é que o prazer e o castigo<br />

estão tão intimamente relacionados?<br />

Como é que os nossos corpos falam?<br />

Porque será o prazer tão difícil <strong>de</strong><br />

aguentar?” E isto é só o primeiro<br />

parágrafo do livro.<br />

Jamal Khan olha a profissão com<br />

complacência: “De outra forma, o<br />

público teria <strong>de</strong> se contentar com<br />

livros <strong>de</strong> auto-ajuda em que os<br />

autores anunciavam os seus<br />

doutoramentos na capa, como uma<br />

garantia <strong>de</strong> estupi<strong>de</strong>z.” Um filho<br />

problemático e uma irmã<br />

toxico<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e bissexual —<br />

Miriam parece <strong>de</strong>calcada da<br />

verda<strong>de</strong>ira irmã <strong>de</strong> Kureishi — são<br />

motivo <strong>de</strong> tensão acrescida. O<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

ANNE-CHRISTINE POUJOULAT/ AFP<br />

“Algo para te dizer” prova<br />

que Kureishi <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ter vergonha <strong>de</strong> ser “paki”<br />

exercício da psicanálise é uma forma<br />

como qualquer outra <strong>de</strong> se<br />

“<strong>de</strong>sculpabilizar” enquanto<br />

escalpeliza a Inglaterra pós-Beatles.<br />

Por interposto Jamal Khan, Kureishi<br />

expõe o que pensa sobre Freud,<br />

sexo, drogas, intolerância racial,<br />

imigrantes, o 11 <strong>de</strong> Setembro, o<br />

<strong>de</strong>senraizamento dos muçulmanos<br />

europeus, os homens-bomba, a jihad<br />

islâmica em solo britânico, Mick<br />

Jagger, Lady Di (“a supermo<strong>de</strong>lo da<br />

histeria”), Blair (“um fanático”) e a<br />

guerra do Iraque. Tudo sem per<strong>de</strong>r<br />

<strong>de</strong> vista a cultura pop dos anos 1960-<br />

70, sublinhada em notas atinentes.<br />

Jamal Khan é bipolar, egocêntrico,<br />

cínico e mesquinho. Não diz tudo,<br />

guarda para si o mais importante.<br />

Afinal <strong>de</strong> contas, não se mata um<br />

homem todos os dias. Melhor que<br />

ninguém, sabe que a torrente da<br />

consciência <strong>de</strong>ve ser servida em<br />

doses homeopáticas. A culpa é um<br />

empecilho? Quem melhor que os<br />

pacientes para o isentar <strong>de</strong>la? Uma<br />

sucessão <strong>de</strong> pequenas histórias<br />

compõem o quadro geral. O recurso<br />

ao “flashback” nem sempre é eficaz,<br />

ficando algumas pontas soltas por<br />

resolver. Um expediente curioso é o<br />

da intromissão do protagonista <strong>de</strong><br />

“A minha bela lavandaria”. O jovem<br />

gay paquistanês da era Thatcher é<br />

agora um produtor da televisão,<br />

próspero e conservador. Uma<br />

metáfora do percurso do autor?<br />

Os últimos capítulos ocupam-se<br />

do ataque terrorista <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong><br />

2005, em Londres: três bombas no<br />

metro, outra num autocarro que<br />

atravessava Tavistock Square.<br />

Enquanto “<strong>de</strong>baixo da superfície, a<br />

cida<strong>de</strong> ardia num inferno<br />

in<strong>de</strong>scritível”, Jamal Khan revê<br />

mentalmente os que <strong>de</strong>ixaram o seu<br />

nome associado à praça: Gandhi,<br />

Dickens, Freud, James Strachey,<br />

Virginia Woolf... Ao mesmo tempo,<br />

pensa “no horror daqueles<br />

comboios <strong>de</strong>struídos pelas bombas,<br />

naqueles corpos <strong>de</strong>spedaçados [...]<br />

que culminam, pelo menos na<br />

minha cabeça, na matança diabólica<br />

<strong>de</strong> civis em Bagda<strong>de</strong>: cabeças<br />

cortadas [...] membros atirados para<br />

as árvores.”<br />

Porém, mais do que a crítica social<br />

(oriundo da alta classe média<br />

paquistanesa, Kureishi nasceu e<br />

cresceu na periferia proletária do sul<br />

<strong>de</strong> Londres, on<strong>de</strong> os pais se<br />

radicaram <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> fugir da Índia),<br />

o sexo é o Leitomotiv da obra. E um<br />

livro como este ilustra bem a<br />

máxima do autor: “os círculos<br />

adjacentes do prazer são múltiplos”.<br />

Mérito maior, “Algo para te dizer”<br />

prova que Kureishi <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ter<br />

vergonha <strong>de</strong> ser “paki”.


“Se eu olhar para trás<br />

foi extremamente<br />

rápido...”<br />

Carlos<br />

Drummond<br />

<strong>de</strong> Andra<strong>de</strong><br />

http://www.<br />

carlosdrummond<strong>de</strong>andra<strong>de</strong>.<br />

com.br/<br />

Ciberescritas<br />

O poeta da vida<br />

supersónica<br />

78 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, você acha muito?”,<br />

perguntava, em 1981, uma jornalista do<br />

“Jornal Hoje” a Carlos Drummond <strong>de</strong><br />

Andra<strong>de</strong> num dos ví<strong>de</strong>os, disponível no<br />

“São<br />

You Tube e no “site” oficial do poeta que a<br />

editora brasileira Record acaba <strong>de</strong> lançar. A resposta não<br />

se fez esperar: “Não, não é bem nem muito, a gente não<br />

tem a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que o tempo passou não. (...) Se eu olhar<br />

para trás foi extremamente rápido, uma coisa curiosa<br />

isso não dá para a gente sentir a ida<strong>de</strong> não, dá para sentir<br />

que o negócio foi muito veloz, um processo <strong>de</strong>masiado<br />

rápido, como se eu tomasse um avião supersónico.”<br />

Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> morreu em Agosto <strong>de</strong> 1987 e<br />

há 25 anos que a sua obra está no catálogo da Record.<br />

Para o assinalar foi lançado este “site” on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong>m<br />

consultar todos os títulos <strong>de</strong> Drummond publicados na<br />

Record, bem como fotos e ví<strong>de</strong>os on<strong>de</strong> o autor aparece.<br />

Mas a gran<strong>de</strong> novida<strong>de</strong> é a secção Rádio Drummond,<br />

on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>mos ouvir alguns dos seus poemas musicados.<br />

Quando se entra ouve-se, por exemplo, o famoso poema<br />

“No meio do caminho tinha uma pedra” em versão<br />

“Drum’n’bass” (“Nunca me esquecerei que no meio do<br />

caminho/tinha uma pedra/tinha uma pedra no meio<br />

do caminho/no meio do caminho tinha uma pedra”). E<br />

também o divertido “Quadrilha” (“João amava Teresa<br />

que amava Raimundo/ que amava Maria que amava<br />

Joaquim que amava Lili/ que não amava ninguém.// João<br />

foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,/<br />

Raimundo morreu <strong>de</strong> <strong>de</strong>sastre, Maria ficou para tia,/<br />

Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernan<strong>de</strong>s/<br />

que não tinha entrado na história.//”)<br />

Este não é o primeiro “site” que surge na Internet<br />

<strong>de</strong>dicado ao poeta. Em 1995 foi lançado Drummond na<br />

era digital (“o primeiro website <strong>de</strong> um autor brasileiro”)<br />

e dois anos <strong>de</strong>pois foi colocada na Internet a primeira<br />

versão interactiva do livro “O Avesso das Coisas”.<br />

Carlos Drummond <strong>de</strong><br />

Andra<strong>de</strong> nasceu em 1902,<br />

em Itabira do Mato Dentro,<br />

<strong>esta</strong>do <strong>de</strong> Minas Gerais.<br />

Estudou no Colégio Anchieta<br />

da Companhia <strong>de</strong> Jesus <strong>de</strong> on<strong>de</strong> foi expulso em 1919 por<br />

“insubordinação mental” e no ano seguinte mudou-se<br />

com a família para Belo Horizonte. Em 1924, Drummond<br />

começou a correspon<strong>de</strong>r-se com outro poeta, Manuel<br />

Ban<strong>de</strong>ira, e nesse ano conhece Blaise Cendrars, Oswald<br />

<strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, Tarsila do Amaral e Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong><br />

no Gran<strong>de</strong> Hotel <strong>de</strong> Belo Horizonte. Estes <strong>de</strong>talhes<br />

biográficos estão disponíveis na secção Linha do Tempo,<br />

numa cronologia on<strong>de</strong> se fica a saber um pouco sobre<br />

a vida <strong>de</strong> Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>. No dia 31 <strong>de</strong> Janeiro<br />

<strong>de</strong> 1987 escreveu o seu último poema, “Elegia a um<br />

Tucano Morto”, e a filha, Maria Julieta, morreu com um<br />

cancro no dia 5 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong>sse ano. O poeta escreveu<br />

nessa altura no seu diário: “Assim terminou a vida da<br />

pessoa que mais amei neste mundo.” Doze dias <strong>de</strong>pois,<br />

Carlos Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> morria com problemas<br />

cardíacos.<br />

Além das fotos, dos ví<strong>de</strong>os, das referências aos livros<br />

com alguns poemas que po<strong>de</strong>m ser lidos na íntegra, da<br />

Rádio Drummond, irão ser acrescentadas entrevistas<br />

e poesias <strong>de</strong>clamadas pelo próprio Drummon. Quem<br />

quiser po<strong>de</strong> <strong>de</strong>scarregar para o ecrã do computador<br />

“papéis <strong>de</strong> pare<strong>de</strong>” com imagens do poeta com uma vida<br />

supersónica.<br />

isabel.coutinho@publico.pt<br />

(Ciberescritas já é um blogue http://blogs.publico.pt/<br />

ciberescritas)<br />

Zonas <strong>de</strong><br />

penumbra<br />

Reedição do primeiro<br />

romance <strong>de</strong> Vasco Graça<br />

Moura, sob o signo musical.<br />

Pedro Mexia<br />

Quatro Últimas Canções<br />

Vasco Graça Moura<br />

Quetzal<br />

mmmnn<br />

“Na sua infância,<br />

não se tinha posto<br />

nunca a questão<br />

da justificação da<br />

música, e muito<br />

menos a da<br />

legitimação da<br />

ópera. Era um<br />

facto aceite e<br />

fruído, como as<br />

verda<strong>de</strong>s do catecismo e os terrores<br />

<strong>de</strong> Sexta-Feira Santa. E, procurando<br />

dizer as coisas com muito tacto,<br />

repetia-lhe que nas gran<strong>de</strong>s óperas,<br />

‘Orfeo’, ‘D. Giovanni’, o ‘Tristão’,<br />

quase todo o Verdi, a questão não<br />

seria talvez a da verosimilhança,<br />

nem a do maior ou menor<br />

grau <strong>de</strong> convenção, mas<br />

pura e simplesmente a<br />

<strong>de</strong> um certo jogo<br />

melodramático dos<br />

equivalentes da<br />

verda<strong>de</strong>. Ou a <strong>de</strong> um<br />

tipo <strong>de</strong> arte que<br />

existe e age por<br />

transfiguração das<br />

representações do<br />

<strong>de</strong>stino e do lado<br />

agónico da<br />

paixão” (pág.<br />

40). Esta<br />

passagem<br />

resume o<br />

programa do<br />

primeiro<br />

romance <strong>de</strong><br />

Vasco Graça<br />

Moura, publicado<br />

em 1987. Não é a<br />

verosimilhança que<br />

importa, mas o jogo<br />

melodramático das<br />

FERNANDO VELUDO/ PÚBLICO<br />

paixões. Sem que nunca se<br />

<strong>de</strong>sliguem melodrama e jogo, que<br />

Graça Moura é um melancólico<br />

lúdico. Escrito sob o signo musical,<br />

progri<strong>de</strong> em vários andamentos,<br />

vários timbres, cadências,<br />

compassos. É uma polifonia em que<br />

as personagens são sobretudo vozes.<br />

Mais uma vez, é o próprio autor<br />

quem explica, numa curiosa nota<br />

final: “(…) o registo <strong>de</strong> Matil<strong>de</strong> é<br />

teatral e trágico; o <strong>de</strong> Francisco é o<br />

do memorialismo íntimo e o da<br />

evocação camiliana; o <strong>de</strong> Ingrid,<br />

mais ligeiro, tem a ver com que<br />

po<strong>de</strong>ríamos <strong>de</strong>signar por crónica<br />

jornalística; o <strong>de</strong> Cristóvão situa-se<br />

predominantemente nas margens do<br />

diarismo” (pág. 202).<br />

Esta auto-<strong>de</strong>finição é interessante<br />

porque parece <strong>de</strong>smontar a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

que Graça Moura escolheu para os<br />

seus romances um registo narrativo<br />

Não é a verosimilhança que importa,<br />

mas o jogo melodramático das paixões,<br />

no primeiro romance <strong>de</strong> Vasco Graça<br />

Moura, agora reeditado<br />

clássico, sem quaisquer<br />

mo<strong>de</strong>rnismos. É verda<strong>de</strong> que as<br />

cenas são quase sempre realistas,<br />

que a prosa é claríssima, que há uma<br />

vaga psicologia. E nenhum escritor<br />

heterossexual <strong>de</strong>screve tão bem a<br />

arquitectura barroca ou a <strong>de</strong>coração<br />

<strong>de</strong> um salão. Mas é muito mais<br />

estimulante vermos “Quatro Últimas<br />

Canções” como “cose mentale”.<br />

Chegamos à última página e quase<br />

não retemos nada do enredo e das<br />

figuras que o atravessam, excepto o<br />

facto <strong>de</strong> se tratar <strong>de</strong> uma<br />

homenagem à Casa <strong>de</strong> Mateus, no<br />

seu notável trabalho <strong>de</strong> mecenato e<br />

na sua fauna <strong>de</strong> artistas excêntricos.<br />

O que fica, em contrapartida, é um<br />

texto maleável, que num passo<br />

discute Jünger e noutro dá a ouvir<br />

uma telefonia mal sintonizada, que<br />

cose excertos <strong>de</strong> poemas e<br />

divagações intencionalmente<br />

pretensiosas, que fustiga a<br />

“esquerda festiva” e a tontice dos<br />

intelectuais, e que regularmente<br />

interrompe tudo com umas<br />

investigações genealógicas que<br />

funcionam curiosamente como<br />

acrescento ficcional.<br />

As “Quatro Últimas Canções”<br />

(“Vier letzte Lie<strong>de</strong>r”), última<br />

composição <strong>de</strong> Richard Strauss<br />

(1948) estruturam o romance,<br />

ondulando nas “(…) <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iras<br />

metamorfoses do <strong>de</strong>stino, na<br />

luminosa e pungente serenida<strong>de</strong> dos<br />

ecos já rarefeitos <strong>de</strong> uma presença<br />

do mundo, das suas alegrias e das<br />

suas catástrofes”. Embora o livro<br />

contenha passagens <strong>de</strong> educação<br />

sentimental, e uma intriga política<br />

confusa, o que prevalece é a<br />

sucessão <strong>de</strong> símbolos e memórias<br />

que a música convoca, quase<br />

sempre num tom calmamente<br />

crepuscular, em zonas <strong>de</strong><br />

penumbra. A música, tal como a<br />

coreografia in<strong>de</strong>cisa d<strong>esta</strong>s<br />

personagens, cria momentos <strong>de</strong><br />

intensida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> naturalida<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong> representação, <strong>de</strong><br />

sofrimento, mas tudo isso<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do intérprete e do<br />

ouvinte. A música, tal como a vida,<br />

só se revela enquanto execução,<br />

sujeita à personalida<strong>de</strong> do músico,<br />

isto é, do sujeito. A partitura é então<br />

transfigurada por quem toca ou<br />

canta, mas também por quem ouve,<br />

ou seja, por quem vive.<br />

29


Teatro/Dança<br />

30<br />

Teatro<br />

Bailado<br />

num velório<br />

criado por<br />

Pessoa<br />

Três bailarinas transformam<br />

um texto dramatúrgico<br />

“estático e extático”, “O<br />

Marinheiro”, <strong>de</strong> Pessoa,<br />

num poema visual cujo<br />

movimento é pensado por<br />

Joclécio Azevedo.<br />

Ana Maria Henriques<br />

O Marinheiro<br />

De Fernando Pessoa. Encenação <strong>de</strong><br />

Francisco Alves. Pelo Teatro<br />

Plástico. Com Andrea Moisés,<br />

Margarida Bento, Mónica Garnel,<br />

Cátia Esteves, Inês Cerqueira,<br />

Susana Otero.<br />

Porto. Teatro Helena Sá e Costa (ESMAE). R.<br />

Alegria, 503 (entrada pela R. da Escola Normal, 39).<br />

De 03/10 a 11/10. 3ª a Dom. às 21h30. Tel.:<br />

225189982. 5€ a 10€.<br />

Três <strong>mulher</strong>es velam um corpo cuja<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é <strong>de</strong>sconhecida, viajando<br />

entre o passado e o futuro e contando<br />

histórias como a <strong>de</strong> um homem do<br />

mar que, após ter naufragado numa<br />

ilha <strong>de</strong>serta, cria uma realida<strong>de</strong><br />

ficcional mais po<strong>de</strong>rosa que a<br />

realida<strong>de</strong>. Neste velório etéreo que<br />

Francisco Alves e o Teatro Plástico<br />

construíram a partir d’ “O<br />

Marinheiro”, <strong>de</strong> Fernando Pessoa,<br />

Agenda<br />

Teatro<br />

Estreiam<br />

O Efeito <strong>de</strong> Serge<br />

De Philippe Quesne. Encenação <strong>de</strong><br />

Philippe Quesne. Pelo Vivarium<br />

Studio. Com Gaetan Vourch, Isabelle<br />

Angotti, Rodolphe Auté, Hermès,<br />

Zinn Atmane.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Culturgest. Rua Arco do Cego - Edifício da<br />

CGD. De 05/10 a 06/10. 2ª e 3ª às 21h30. Tel.:<br />

217905155. 15€.<br />

A Melancolia dos Dragões<br />

De Philippe Quesne. Encenação <strong>de</strong><br />

Philippe Quesne. Pelo Vivarium<br />

Studio. Com Isabelle Angotti, Zinn<br />

Atmane, Rodolphe Auté, Hermès,<br />

Sébastien Jacobs, Émilien Tessier,<br />

Tristan Varlot, Gaetan Vourch.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Culturgest. Rua Arco do Cego - Edifício da<br />

CGD. De 08/10 a 10/10. 5ª a Sáb. às 21h30. Tel.:<br />

217905155. 12€.<br />

Trama - Festival <strong>de</strong> Artes<br />

Performativas.<br />

Rapariga(s)<br />

De Neil Labute. Encenação <strong>de</strong><br />

Almeno Gonçalves. Com André<br />

três bailarinas transformam um texto<br />

dramatúrgico “estático e extático”<br />

num poema visual cujo movimento é<br />

pensado por Joclécio Azevedo.<br />

Em cena no Teatro Helena Sá e<br />

Costa, no Porto, a partir <strong>de</strong> amanhã e<br />

até 11 <strong>de</strong> Outubro, “O Marinheiro” é,<br />

para o director artístico, Francisco<br />

Alves, “um dos mais belos textos <strong>de</strong><br />

toda a história da dramaturgia e<br />

literatura portuguesas”: por recusar<br />

coor<strong>de</strong>nadas teatrais – “não há<br />

personagens, acção ou enredo” -, é<br />

um “<strong>de</strong>safio para qualquer criador”.<br />

“As gran<strong>de</strong>s obsessões do Pessoa<br />

estão cá todas: o mar, a dualida<strong>de</strong><br />

vida/sonho, a palavra como algo<br />

mágico e a palavra poética enquanto<br />

Nunes, Jéssica Athay<strong>de</strong>,<br />

Marta Melro, Núria Madruga, Helena<br />

Laureano.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro da Comuna - Sala das Novas<br />

Tendências. Pç. Espanha. De 08/10 a 31/12. 5ª a Sáb.<br />

às 21h30. Tel.: 217221770. 15€.<br />

A Resistível Ascensão<br />

<strong>de</strong> Arturo Ui<br />

De Bertolt Brecht. Encenação <strong>de</strong><br />

Joaquim Horta. Pela Truta. Com<br />

Carlos Alves, Duarte Guimarães,<br />

Gonçalo Amorim, Joaquim Horta,<br />

Paula Diogo, Pedro Martinez, Raul<br />

Oliveira, Rúben Tiago, Sílvia Filipe,<br />

Tónan Quito.<br />

Caldas da Rainha. Centro Cultural<br />

e Congressos das Caldas da Rainha. Rua Doutor<br />

Leonel Sotto Mayor. Dia 02/10. 6ª às 21h30. Tel.:<br />

262889650. 7,5€.<br />

Continuam<br />

O Concerto <strong>de</strong> Gigli<br />

De Tom Murphy. Encenação <strong>de</strong> Nuno<br />

Carinhas. Pela Assédio. Com João<br />

Cardoso, João Pedro Vaz, Rosa<br />

Quiroga.<br />

Porto. Teatro Carlos Alberto. R. Oliveiras, 43. De<br />

08/10 a 11/10. 5ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.:<br />

223401905. 5€ a 15€.<br />

Sons Fundamentais: Vozes da Irlanda.<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito aMaumM<br />

BommmmmmExcelente<br />

“O Efeito <strong>de</strong> Serge”, <strong>de</strong> Philippe Quesne<br />

A confluência das artes plásticas, da música,<br />

da dança e da palavra num espectáculo teatral<br />

é um dos aspectos trabalhados pelo Teatro Plástico<br />

manif<strong>esta</strong>ção do divino”, explica,<br />

realçando a adaptação que o texto<br />

original sofreu com a inclusão das<br />

bailarinas. “Tentei trabalhar a i<strong>de</strong>ia<br />

do fragmento, da dispersão e do<br />

espelho, elementos fundamentais na<br />

obra do autor”. Ao longo da acção, as<br />

três <strong>mulher</strong>es <strong>de</strong>sdobram-se noutras<br />

personagens graças às variações e<br />

pequenos solilóquios que, apesar <strong>de</strong><br />

dialogarem entre si, vão tendo em<br />

palco.<br />

Esta que foi a primeira obra<br />

publicada por Pessoa na revista<br />

“Orpheu”, foi escrita em dois dias, no<br />

ano <strong>de</strong> 1913, e prece<strong>de</strong> a explosão da<br />

criação dos heterónimos. Até morrer,<br />

em 1935, o autor não cessou <strong>de</strong><br />

Padam Padam<br />

De José Maria Vieira Men<strong>de</strong>s. Pelo<br />

Teatro Praga. Com Cláudia Jardim,<br />

Diogo Bento, Marcello Urgeghe,<br />

Patrícia da Silva, Pedro Penim.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Centro Cultural <strong>de</strong> Belém - Pequeno<br />

Auditório. Praça do Império. Até 05/10. 4ª a Sáb. às<br />

21h30. 2ª e Dom. às 19h. Tel.: 213612400. 12,5€ a 15€.<br />

Menina Else<br />

De Arthur Schnitzler. Encenação <strong>de</strong><br />

Christine Laurent. Com Rita Durão.<br />

Guarda. Teatro <strong>Municipal</strong> da Guarda. Rua Batalha<br />

Reis, 12. Dia 03/10. Sáb. às 21h30. Tel.: 271205241. 5€.<br />

Acto Seguinte - Festival <strong>de</strong> Teatro da<br />

Guarda.<br />

A Caça<br />

De Manoel <strong>de</strong> Oliveira. Encenação <strong>de</strong><br />

Rogério <strong>de</strong> Carvalho. Pelo Bando.<br />

Com Crista Alfaiate, Miguel Eloy, Sara<br />

<strong>de</strong> Castro.<br />

Torres Vedras. Teatro-Cine. Av. Tenente Valadim, 19.<br />

Dia 03/10. Sáb. às 11h. Tel.: 261338131. 2€.<br />

A Bicicleta <strong>de</strong> Faulkner<br />

De Heather McDonald. Encenação <strong>de</strong><br />

Rita Lello. Com Maria do Céu Guerra,<br />

Rita Fernan<strong>de</strong>s, Sérgio Moura Afonso,<br />

Susana Costa.<br />

<strong>Lisboa</strong>. A Barraca - Teatro Cinearte. Lg Santos, 2. Até<br />

29/11. 5ª a Sáb. às 22h. Dom. às 17h. Tel.:<br />

213965360.10€ a 12,5€.<br />

adaptar a única produção dramática<br />

que completou e editou em vida,<br />

apesar <strong>de</strong> nunca a ter visto<br />

representada. Para uma melhor<br />

compreensão da complexida<strong>de</strong> da<br />

peça, o programa distribuído aos<br />

espectadores vai contar com a<br />

publicação <strong>de</strong> um ensaio <strong>de</strong> Teresa<br />

Rita Lopes, on<strong>de</strong> a especialista na<br />

obra do autor discorre sobre a<br />

relevância e riqueza do texto no<br />

universo pessoano.<br />

Criado em 1995 no Porto, o Teatro<br />

Plástico tem vindo a d<strong>esta</strong>car-se na<br />

apresentação <strong>de</strong> textos<br />

contemporâneos que<br />

“problematizem o tempo presente e<br />

todos os seus paradoxos”. A<br />

confluência das artes plásticas, da<br />

música, da dança e da palavra num<br />

espectáculo teatral é um dos aspectos<br />

trabalhados por <strong>esta</strong> companhia<br />

cujas encenações se esforçam por<br />

explorar novas formas para a<br />

representação no espaço urbano, e<br />

on<strong>de</strong> os monólogos assumem lugar<br />

<strong>de</strong> d<strong>esta</strong>que.<br />

Adiada por várias vezes <strong>de</strong>vido à<br />

perda do apoio institucional do<br />

Ministério da Cultura, a<br />

representação d’ “O Marinheiro” pela<br />

companhia portuense resulta <strong>de</strong> um<br />

processo “complicado” que<br />

comportou mudanças no elenco,<br />

hoje formado por Andrea Moisés,<br />

Margarida Bento, Mónica Garnel,<br />

Cátia Esteves, Inês Cerqueira e<br />

Susana Otero. Apesar da estreia<br />

marcada para amanhã às 21h30,<br />

Francisco Alves não <strong>de</strong>siste da i<strong>de</strong>ia<br />

<strong>de</strong> o encenar numa igreja: “pela sua<br />

dimensão espiritual, este texto<br />

incorpora um ritual em que, tal como<br />

na missa, o objectivo é tornar<br />

presente o que não existe através da<br />

palavra”.<br />

Ifigénia na Táurida<br />

De Goethe. Encenação <strong>de</strong> Luis<br />

Miguel Cintra. Com Beatriz Batarda,<br />

José Manuel Men<strong>de</strong>s, Luis Miguel<br />

Cintra, Paulo Moura Lopes, Vítor <strong>de</strong><br />

Andra<strong>de</strong>.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro da Cornucópia - Bairro Alto. R.<br />

Tenente Raúl Cascais 1A. Até 01/11. 3ª a Sáb. às<br />

21h30. Dom. às 16h. Tel.: 213961515. 15€ (sujeitos a<br />

<strong>de</strong>scontos).<br />

Seis Personagens<br />

à Procura <strong>de</strong> Autor<br />

De Luigi Piran<strong>de</strong>llo. Pelos Artistas<br />

Unidos. Encenação <strong>de</strong> Jorge Silva<br />

Melo. Com João Perry, Sylvie Rocha,<br />

Lia Gama, Mariema, Pedro Gil, entre<br />

outros.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> S. Luiz.<br />

R. Antº Maria Cardoso, 38-58. Até 18/10. 4ª, 5ª, 6ª e<br />

Sáb. às 21h00. Dom. às 17h30. Tel.: 213257650. 10€<br />

a 20€.<br />

O Camareiro<br />

De Ronald Harwood. Com Alexandre<br />

Lopes, Carlos Paniágua, José Neves,<br />

Maria Ana Filipe, Maria Amélia<br />

Matta, Paula Mora, Ruy <strong>de</strong> Carvalho,<br />

Virgílio Castelo.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Teatro Nacional D. Maria II - Sala Garrett.<br />

Pç. D. Pedro IV. Até 25/10. 4ª, 5ª, 6ª<br />

e Sáb. às 21h30. Dom. às 16h00. Tel.: 213250835.<br />

7,5€ a 16€.


Discos<br />

Pop<br />

Com<br />

que som!<br />

Aliar os prodígios da<br />

engenharia a uma voz<br />

prodigiosa era só o que<br />

faltava a Amália. Agora já não<br />

falta. Há um passado melhor,<br />

no futuro que nos espera.<br />

Nuno Pacheco<br />

Amália<br />

Rodrigues<br />

Coração<br />

In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />

mmmmn<br />

IPlay<br />

Amália Secreta<br />

mmmmn<br />

Tradisom, Tr Trad a isom, , Farol<br />

Sings Fa Fado<br />

do From<br />

Portugal<br />

and Flamenco<br />

Flamenco<br />

From Spain<br />

mmmnn<br />

CNM<br />

Seja febre ou moda, a, a onda <strong>de</strong><br />

r<strong>esta</strong>uros que se apossou possou da<br />

chamada música popular opular é<br />

reconhecidamente e bem-vinda.<br />

bem-vinda.<br />

Quem já ouviu os “novos” Beatles<br />

sabe do que se trata. a. Um vidro baço<br />

que se torna nítido fazendo <strong>de</strong> uma<br />

antiga paisagem um m alvo renovado renovado<br />

<strong>de</strong> curiosida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>slumbramento.<br />

eslumbramento.<br />

Por via da exposição ição que assinala<br />

os <strong>de</strong>z anos da morte rte <strong>de</strong> Amália,<br />

também um lote consi<strong>de</strong>rável onsi<strong>de</strong>rável das<br />

suas gravações foi sujeito a r<strong>esta</strong>uro.<br />

“Coração In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte”, <strong>de</strong>nte”, disco com<br />

o mesmo nome da exposição exposição a<br />

inaugurar no Museu eu Berardo, surge<br />

como fulcral neste processo.<br />

Primeiro porque o trabalho <strong>de</strong><br />

engenharia sonora nele aplicado é,<br />

<strong>de</strong> facto, extraordinário. nário. Des<strong>de</strong> os<br />

temas <strong>de</strong> “Com Que e Voz” (“Gaivota”,<br />

“Maria <strong>Lisboa</strong>”) até é aos (agora mais)<br />

magníficos “Povo Que Lavas no Rio”<br />

e “Estranha Forma a <strong>de</strong> Vida”<br />

(“Busto”), não só a voz <strong>de</strong> Amália se<br />

torna mais encantadora adora nas suas<br />

cambiantes cromáticas, ticas, como os<br />

acompanhamentos s instrumentais<br />

ganham novo e significativo nificativo<br />

relevo, sejam guitarras rras (Raul<br />

Nery, Fontes Rocha, a,<br />

Domingos Camarinha), nha),<br />

violas (Santos Moreira, eira,<br />

Castro Mota, Joel Pina), ina),<br />

orquestras ou mesmo mo<br />

instrumentos<br />

inesperados (ouça-se, -se,<br />

por exemplo, o contrabaixo no “Aï<br />

mourir pour toi” <strong>de</strong> 1958).<br />

Os 20 temas do disco (há também<br />

uma outra edição, em CD duplo,<br />

com 35 temas mas <strong>de</strong> tiragem<br />

limitada) vão dos anos 50 aos 70,<br />

numa sequência harmónica e<br />

sedutora para o ouvinte (a selecção é<br />

<strong>de</strong> David Ferreira) e permitem<br />

escutar com “novos ouvidos” o<br />

brilho incomparável da voz <strong>de</strong><br />

Amália em registos muito diversos:<br />

“Solidão”, vinda do “<strong>de</strong>sencontro”<br />

histórico com o saxofonista Don<br />

Byas, permite enten<strong>de</strong>r melhor a<br />

branda excelência <strong>de</strong>ssa versão;<br />

“Barco negro” ou “Fallaste<br />

corazón”, <strong>de</strong> 1955, reluzem como<br />

nunca; “Foi Deus”, das gravações <strong>de</strong><br />

Abbey Road <strong>de</strong> 1952, é único, até<br />

pelo insólito (Amália engana-se, ao<br />

cantar “o pranto nos rosto” em vez<br />

<strong>de</strong> “o pranto no rosto”); e os dois<br />

temas vindos do célebre concerto do<br />

Olympia em 1956, “Amália” e “Nem<br />

às pare<strong>de</strong>s confesso”, fazem-nos<br />

querer ouvir, agora, todo o concerto<br />

assim, como se tivesse sido gravado<br />

ontem. O trabalho <strong>de</strong> engenharia<br />

sonora, a cargo <strong>de</strong> um técnico que é<br />

também músico (o peruano Jorge<br />

Cervantes), Cervante s), ) foi feito a partir das ddas<br />

fitas ffitas<br />

originais, com uma uma única excepção:<br />

“Aï mourir pour toi”,<br />

gravado em Paris.<br />

Apesar da excelência<br />

do resultado, há<br />

falhas no<br />

libreto, para<br />

lá dos bons s<br />

textos:<br />

pequenos<br />

erros,<br />

ausência<br />

dos anos<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

Air: meia reinvenção, meio gran<strong>de</strong> disco<br />

<strong>de</strong> gravação das faixas e dos<br />

títulos dos discos originais. A<br />

corrigir, espera-se.<br />

Uma outra edição on<strong>de</strong> o r<strong>esta</strong>uro<br />

é também notável, mas feito a partir<br />

<strong>de</strong> discos <strong>de</strong> 78 rotações, é o terceiro<br />

volume da série Arquivos do Fado.<br />

Com um libreto irrepreensível,<br />

chama-se “Amália Secreta” porque a<br />

quase totalida<strong>de</strong> dos seus 20 temas<br />

era inédita em CD, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />

parte do disco “Amália Rodrigues”<br />

(1957), só editado em França e no<br />

Brasil (<strong>esta</strong> edição inclui 10 das 12<br />

faixas originais, entre as quais a<br />

raríssima “Ai <strong>Lisboa</strong>” e uma versão<br />

excelente <strong>de</strong> “Foi Deus”, que é<br />

muito curioso comparar com a do<br />

disco antes citado) até à dilacerante<br />

ranchera “Grítenme piedras <strong>de</strong>l<br />

campo”.<br />

Por último, essencial a<br />

coleccionadores, o primeiro LP <strong>de</strong><br />

Amália, editado nos EUA em 1954. A<br />

remasterização não anulou por<br />

completo as reverberações, mas a<br />

voz <strong>de</strong> Amália resiste aos <strong>de</strong>feitos e,<br />

quer nas oito faixas do LP original<br />

(há, também, uma edição limitada<br />

em vinil) quer nos quatro bónus<br />

incluídos no CD, impõe-se pela<br />

força. Mas MMas<br />

basta bbasta<br />

comparar, por<br />

exemplo, dois “Fallaste corazón” (o<br />

<strong>de</strong>ste <strong>de</strong>ste disco é o mesmo <strong>de</strong> “Coração<br />

In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte”) para<br />

confirmar que o<br />

“coração” da<br />

engenharia<br />

vale ouro.<br />

Por via da exposição que assinala os <strong>de</strong>z anos<br />

da morte <strong>de</strong> Amália, um lote consi<strong>de</strong>rável das suas<br />

gravações foi sujeito a r<strong>esta</strong>uro<br />

Air<br />

Love 2<br />

EMI<br />

mmmmn<br />

Onze anos <strong>de</strong>pois<br />

da estreia com<br />

“Moon Safari”<br />

ninguém espera<br />

revoluções dos Air<br />

– quando muito<br />

há uma vaga<br />

esperança <strong>de</strong> ver retornar aquela<br />

impon<strong>de</strong>rável aliança entre<br />

reaccionarismo e invenção pop que<br />

dominava o primeiro disco. Porque é<br />

nisso que eles (só por vezes e nunca<br />

durante um disco inteiro) são<br />

extraordinários: na criação <strong>de</strong> papel<br />

<strong>de</strong> pare<strong>de</strong> que emana ternura. Foi,<br />

aliás, a recusa da superficialida<strong>de</strong><br />

que tornou “10000 HZ”, o segundo<br />

tomo, um disco falhado: se antes o<br />

talento <strong>de</strong> Dunckel e Godin se<br />

revelava na precisão dos <strong>de</strong>talhes<br />

escondidos sob mantos <strong>de</strong> melodias<br />

retro, nesse disco amaldiçoado por<br />

muitos fãs havia um nítido excesso<br />

<strong>de</strong> produção. Digamos que: o<br />

primeiro era disco <strong>de</strong> produtor<br />

apaixonado por canções, o segundo<br />

era disco <strong>de</strong> cientista, e “Talkie<br />

Walkie” (2004) e “Pocket Simphony”<br />

eram meios termos. “Love 2”, não<br />

<strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> ser imaculadamente<br />

produzido, toma outros rumos: não<br />

tem um plano estético, uma cartilha<br />

a nivelá-lo, não procura <strong>de</strong>senhar<br />

canções, antes, movendo-se <strong>de</strong>ntro<br />

do espectro limitado e dolente dos<br />

Air, vira à esquerda e à direita<br />

quando bem lhe apetece, sem<br />

obe<strong>de</strong>cer a regras, a um som – ao<br />

ponto <strong>de</strong> as faixas <strong>de</strong> típica beleza-<br />

Air serem exactamente aquelas que<br />

pen<strong>de</strong>m para o insosso, casos <strong>de</strong><br />

“Love”, “So light is her football”,<br />

“Sing sang sung” e “African velvet”.<br />

O oposto acontece quando os temas<br />

se abrem ao inesperado: aí, quando<br />

as canções têm várias partes, e em<br />

muito poucas ocorre algo vagamente<br />

semelhante a um refrão, os Air<br />

quase proce<strong>de</strong>m a uma reinvenção –<br />

porque apesar <strong>de</strong> os arranjos<br />

recorrerem bastas vezes a<br />

instrumentos clássicos (além dos<br />

costumeiros órgãos laranja-tépido<br />

há metais, flautas, guitarras sli<strong>de</strong>,<br />

pianos), parecem não <strong>de</strong>sempenhar<br />

as funções que lhes são habituais ou<br />

surgirem quando menos se espera.<br />

Acaba por ser um disco <strong>de</strong> pequenas<br />

brinca<strong>de</strong>iras: na estranha “Missing<br />

the light of day” uma linha <strong>de</strong> piano<br />

percorre os órgãos vintage enquanto<br />

uma voz robotizada aparece e<br />

<strong>de</strong>saparece para dar lugar a um solo<br />

<strong>de</strong> harpa (?); na lindíssima “Tropical<br />

Disease” metais acompanham uma<br />

simples melodia à Satie em sobe e<br />

<strong>de</strong>sce, antes <strong>de</strong> se entrar numa coda<br />

com inflexões jazzy; em “Heaven’s<br />

31


Discos<br />

light” há um country-espacial,<br />

com melódica sob fundo <strong>de</strong> órgãos;<br />

em “Night hunter” proce<strong>de</strong>-se a uma<br />

<strong>de</strong>liciosa <strong>de</strong>sconstrução <strong>de</strong> ritmos<br />

afro-beat; enquanto o funk avariado<br />

<strong>de</strong> “Eat my beat”, com cítara e<br />

pan<strong>de</strong>ireta, tem contornos <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>clinação <strong>de</strong> Bollywood. Meio disco<br />

belo, meio disco inesperadamente<br />

amplo, exploratório e<br />

primorosamente melódico. Meia<br />

reinvenção, meio gran<strong>de</strong> disco.<br />

João Bonifácio<br />

Batida<br />

Dance Mwangolé<br />

Difference; distri. Farol<br />

mmmmn<br />

O que se ouve<br />

aqui, neste<br />

magnífico “Dance<br />

Mwangolé” do<br />

projecto Batida,<br />

não é o passado<br />

revisto pelos olhos do presente. Não<br />

são sembas transformados em<br />

kudurus, merengues a brincar com<br />

os graves do kwaito, não é<br />

brinca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> gente urbana a fingir<br />

pertencer ao musseque. “Dance<br />

Mwangolé” cruza tudo isso para<br />

celebrar o que permanece <strong>de</strong><br />

espírito criativo (que é, também, o<br />

espírito <strong>de</strong> uma vida, a angolana, a<br />

africana, a portuguesa que olha para<br />

Angola como emanação <strong>de</strong> uma<br />

cultura partilhada). “Dance<br />

Mwangolé”, gravado quando DJ<br />

Mpula, Beat La<strong>de</strong>n, da Rádio<br />

Fazuma, e Ikonoklasta, do Conjunto<br />

Ngonguenha, ace<strong>de</strong>ram aos arquivos<br />

angolanos das décadas <strong>de</strong> 1960 e<br />

1970 da Valentim <strong>de</strong> Carvalho, é uma<br />

convulsão rítmica que se<br />

complementa. São as guitarras<br />

cristalinas do semba <strong>de</strong> ontem<br />

engran<strong>de</strong>cidos com subgraves <strong>de</strong><br />

hoje, são os mágicos berimbaus e<br />

percussões do Grupo Folclórico <strong>de</strong><br />

Angola ecoando febrilmente entre os<br />

requebros rítmicos criados por<br />

Mpula e Beat La<strong>de</strong>n. “Dance<br />

Mwangolé” é um quadro musical<br />

vivo e vibrante. Música como<br />

espelho do real. Lá encontramos a<br />

“fabulosa história <strong>de</strong> Arlindo Bolota”<br />

e a sua “orquestra alcoólica, contada<br />

por Ikonoklasta, lá ouvimos o<br />

impressionante Sacerdote,<br />

directamente da Sambila, MC <strong>de</strong><br />

“flow” seco e torrencial, a falar do<br />

kuduro e <strong>de</strong> Angola para além do<br />

kuduro. Ali, enfim, <strong>de</strong>scobrimos<br />

uma bomba como “Bazuka” – o<br />

sample dos históricos Águias Reais,<br />

o reco-reco a “bombar”, os graves a<br />

entorpecer o corpo e aquele ritmo<br />

negro, suado: está encontrado<br />

sucessor <strong>de</strong> “Wegue wegue” e não<br />

haverá frio no Inverno enquanto<br />

houver Batida. Organizado como<br />

fluxo contínuo, on<strong>de</strong> a música e a<br />

voz da rua se intercalam, “Dance<br />

Mwangolé”, é um álbum que<br />

estilhaça a História: não quer saber<br />

<strong>de</strong> a ter organizadinha, bem<br />

32<br />

arranjada em arquivos <strong>esta</strong>nques.<br />

Tudo flui, tudo transborda. Toda<br />

<strong>esta</strong> música torna-se uma só. E é tão<br />

importante quanto irresistível.<br />

Mário Lopes<br />

Samba Touré<br />

Songhai Blues: Homage to Ali Farka<br />

Toure<br />

Riverboat, distri. Megamúsica<br />

mmmmn<br />

O título tem tanto<br />

<strong>de</strong> esclarecedor<br />

quanto <strong>de</strong><br />

equívoco. Sim,<br />

sem dúvida,<br />

Samba Touré foi<br />

um dos protegidos <strong>de</strong> Ali Farka<br />

Toure, que chegou a acompanhar<br />

em digressão em 1997. A música que<br />

produz o cantor e guitarrista mali<br />

agora com 41 anos não tem, <strong>de</strong> resto,<br />

outro nome – é o mesmo “blues do<br />

<strong>de</strong>serto” que o mestre inventou e só<br />

lhe fica bem assumir-lhe a<br />

<strong>de</strong>scendência. Acontece,<br />

porém, que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

Toure <strong>de</strong>sapareceu se<br />

suce<strong>de</strong>m os discos <strong>de</strong><br />

tributo, todos muitos<br />

simpáticos, mas que<br />

pouco ou nada<br />

adiantam em<br />

relação à sua<br />

discografia.<br />

“Songhai<br />

Blues” está<br />

longe, porém,<br />

<strong>de</strong> ser apenas<br />

mais um <strong>de</strong>rivado<br />

e é aí que o título<br />

se revela<br />

equívoco, ou <strong>de</strong><br />

uma excessiva<br />

modéstia. Os riffs <strong>de</strong> guitarra po<strong>de</strong>m<br />

ser típicos do blues do <strong>de</strong>serto, mas<br />

estão longe <strong>de</strong> constituir a única<br />

atracção em cartaz. Na maior parte<br />

dos temas a guitarra toma por<br />

interlocutor, ou ce<strong>de</strong> por completo o<br />

protagonismo ao sokou (rabeca<br />

mali) <strong>de</strong> Zoumana Tereta e ao seu<br />

som ru<strong>de</strong> e frenético, contracenando<br />

com uma constante avalanche <strong>de</strong><br />

percussões acústicas. O próprio<br />

estilo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> Samba na<br />

guitarra é mais tenso e acelerado,<br />

por vezes com um “groove” próximo<br />

do funk, enquanto as suas<br />

vocalizações assentam em jogos <strong>de</strong><br />

parada e resposta com o coro, à<br />

maneira <strong>de</strong> ladainhas rituais,<br />

insistentemente repetidas até à<br />

exaustão (ou até ao transe?). Daí um<br />

disco certamente na cauda <strong>de</strong> Farka<br />

Toure, mas inflectindo numa via<br />

própria, que rejuvenesce o blues do<br />

<strong>de</strong>serto, na mesma medida em que<br />

lhe confere mais pulso e agilida<strong>de</strong>.<br />

Luís Maio<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

Espaço<br />

Público<br />

“Dance Mwangolé”<br />

é um álbum que estilhaça a História:<br />

Pearl Jam<br />

Backspacer<br />

Universal Music<br />

mmnnn<br />

Diz-se por aí que<br />

este é o álbum pop<br />

dos Pearl Jam. O<br />

que quer isso<br />

dizer realmente?<br />

Um mistério. Até<br />

porque tal<br />

<strong>de</strong>claração contém, implícita, a i<strong>de</strong>ia<br />

<strong>de</strong> que pop equivale a coisa <strong>de</strong><br />

segunda, a pecados trauteáveis para<br />

regozijo <strong>de</strong> “play-list”. Em 2009, tal<br />

i<strong>de</strong>ia representa um anacronismo<br />

<strong>de</strong>sfasado da realida<strong>de</strong>. Como se<br />

fizesse sentido a distinção entre o<br />

rock, tido como expressão marginal,<br />

anti-sistema ou o raio que o parta, e a<br />

perniciosa pop, excrescência<br />

“comercial” on<strong>de</strong> se expõe a<br />

<strong>de</strong>cadência da música “enquanto<br />

arte”. Pois bem, os<br />

Pearl Jam: álbum <strong>de</strong> veteranos a divertirem-se com a música que estão a gravar<br />

Este espaço vai ser<br />

seu. Que filme, peça <strong>de</strong><br />

teatro, livro, exposição,<br />

disco, álbum, canção,<br />

concerto, DVD viu e<br />

gostou tanto que lhe<br />

apeteceu escrever<br />

CATARINA LIMÃO<br />

sobre ele, concordando<br />

ou não concordando<br />

com o que escrevemos?<br />

Envie-nos uma nota até<br />

500 caracteres para<br />

ipsilon@publico.pt. E<br />

nós <strong>de</strong>pois publicamos.<br />

Green Day figuram nos topes e não<br />

encontramos por lá mestres pop<br />

como Richard Swift. Num cenário<br />

como o actual (e, <strong>de</strong> resto, em<br />

qualquer cenário) tais dicotomias<br />

(rock bom, pop má) são coisa<br />

tremendamente velha e ultrapassada.<br />

Ainda para mais quando se ouve<br />

“Backspacer” e se percebe que o<br />

“álbum pop” dos Pearl Jam é, no<br />

fundo, mais um álbum dos Pearl Jam,<br />

com a diferença <strong>de</strong> recorrerem mais<br />

regularmente a pianos e a inspiração<br />

Springsteeneana (“Speed of sound” e<br />

“Force of nature”) ou <strong>de</strong> arriscarem o<br />

acústico, reflexo do primeiro álbum a<br />

solo <strong>de</strong> Eddie Ved<strong>de</strong>r (a banda sonora<br />

<strong>de</strong> “Into The Wild”), numa “Just<br />

breathe” muito serena, muito<br />

bonitinha e discretamente soporífera<br />

(ainda assim, é tão boa como a<br />

maioria das canções <strong>de</strong> José<br />

Gonzalez, mas arriscamos que os fãs<br />

do sueco nunca o reconhecerão). A<br />

questão, portanto, não está na<br />

<strong>de</strong>scoberta da careca pop dos Pearl<br />

Jam em “Backspacer”. Está em<br />

“Backspacer” ele mesmo. Álbum<br />

curto e <strong>de</strong>spretensioso, álbum <strong>de</strong><br />

veteranos a divertirem-se com a<br />

música que estão a gravar. Tudo<br />

muito bem. Brincam aos Ramones e<br />

aos MC5 em “Supersonic”, mas não<br />

há ali qualquer intenção para além da<br />

brinca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> fã; inventam um<br />

single tenebroso, “The fixer”, e dão<br />

prova inequívoca <strong>de</strong><br />

contemporaneida<strong>de</strong>, infelizmente<br />

pelas razões erradas: este rock FM<br />

não é bem uma canção, antes uma<br />

melodia repetida exaustivamente -<br />

i<strong>de</strong>al, portanto, para estes tempos<br />

em que o slogan publicitário é senhor<br />

incont<strong>esta</strong>do do espaço público. Para<br />

além disso, o que havia antes,<br />

continua a existir. O apreço pelos riffs<br />

do rock clássico <strong>de</strong> 70 – Led Zeppelin<br />

à cabeça, seguido <strong>de</strong> perto pelos The<br />

Who -, <strong>de</strong>vidamente matizado pela<br />

própria história e tiques dos Pearl<br />

Jam, e a i<strong>de</strong>ia do rock como bálsamo<br />

escapista, não como ponto <strong>de</strong><br />

confronto olhando <strong>de</strong> frente o<br />

turbilhão. “Back Spacer” é um disco<br />

que, sem sobressaltos e sem<br />

inesperadas mudanças <strong>de</strong> rumo,<br />

seguro da sua natureza, preencherá<br />

os fãs da banda. Quanto ao resto do<br />

mundo, se estivesse minimamente<br />

preocupado, que não<br />

está, não saberia o<br />

que fazer <strong>de</strong>le<br />

neste ano da graça<br />

<strong>de</strong> 2009. M.L.


Concertos<br />

Anne Sofie von Otter traz-nos<br />

música nascida em condições <strong>de</strong><br />

inenarrável sofrimento humano<br />

Charles Lloyd New Quartet<br />

a encerrar o Angra Jazz<br />

Clássica<br />

O último<br />

grito da<br />

resistência<br />

humana<br />

Anne Sofie Von Otter<br />

interpreta canções<br />

compostas no campo <strong>de</strong><br />

concentração<br />

<strong>de</strong> Theresienstad.<br />

Cristina Fernan<strong>de</strong>s<br />

ascensão internacional, reveste-se<br />

também <strong>de</strong> simbologia especial, já<br />

que nasceu numa família <strong>de</strong> ju<strong>de</strong>us<br />

que fugiu para a África do Sul<br />

durante o regime nazi. Hope tocará<br />

a Sonata para violino solo, <strong>de</strong> Erwin<br />

Schulhoff. O r<strong>esta</strong>nte programa<br />

inclui canções e peças instrumentais<br />

<strong>de</strong> Ilse Weber, Karel Svenk,<br />

Emmerich Kálmán, Robert Dauber,<br />

Viktor Ulmann, Pavel Haas, Karel<br />

Berman e Carlo Sigmund Taube.<br />

Anne Sofie von Otter<br />

<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian.<br />

Avenida <strong>de</strong> Berna, 45A. 6ª às 19h00. Tel.:.<br />

217823700. 17,5€ a 40€.<br />

No Gran<strong>de</strong> Auditório.<br />

O maestro Marc Minkowski disse<br />

uma vez que Anne Sofie von Otter<br />

era “um camaleão, capaz <strong>de</strong> cantar<br />

tudo, da música pré-histórica até<br />

aos Beatles”. De Monteverdi aos<br />

ABBA, passando por Han<strong>de</strong>l,<br />

Haydn, Bizet, Grieg, Mahler, Kurt<br />

Weill, Debussy ou Elvis Costello, a<br />

meio-soprano sueca já cantou <strong>de</strong><br />

tudo e está sempre pronta para<br />

novas <strong>de</strong>scobertas. Aborda géneros<br />

sem preconceitos, mas a música<br />

erudita nunca <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> <strong>esta</strong>r no<br />

centro <strong>de</strong> uma carreira ao mais alto<br />

nível. Essa versatilida<strong>de</strong> permite-lhe<br />

enveredar por universos menos<br />

conhecidos como é o caso do seu<br />

recente trabalho discográfico<br />

<strong>de</strong>dicado às “Canções <strong>de</strong><br />

Theresienstadt”, escritas por Jazz<br />

compositores ju<strong>de</strong>us no campo <strong>de</strong><br />

concentração que os nazis<br />

<strong>esta</strong>beleceram em 1941 no forte <strong>de</strong> Jazz na Terceira<br />

Terezín, a 60 quilómetros <strong>de</strong> Praga.<br />

Neste campo <strong>de</strong> passagem estiveram<br />

AngraJazz 2009<br />

cativos numerosos artistas, antes <strong>de</strong><br />

2 a 4 <strong>de</strong> Outubro, Centro Cultural <strong>de</strong> Angra do<br />

serem transportados para<br />

Heroísmo, Terceira, Açores. Bilhetes – 5 a 18 euros<br />

Auschwitz. Apresentado por<br />

2, 21h30, Orquestra AngraJazz com Hugo Alves;<br />

motivos <strong>de</strong> propaganda como<br />

23h30, Jane Monheit Quarteto;3, 21h30, Quarteto <strong>de</strong><br />

“gueto mo<strong>de</strong>lo”, Theresienstadt<br />

Mário Laginha; 23h30, Henri Texier Strada<br />

permitia aos prisioneiros alguma Quinteto; 4, 21h30, Chano Dominguez Trio; 23h30<br />

– Charles Lloyd New Quartet<br />

autonomia nas suas activida<strong>de</strong>s<br />

culturais. Neste contexto, a música O AngraJazz está <strong>de</strong> volta e,<br />

<strong>de</strong>sempenhou papel fundamental aparentemente, mais forte do que<br />

como evasão, último grito da nunca. Este ano a cumprir a sua 11ª<br />

resistência humana.<br />

edição, marca o calendário cultural<br />

O repertório <strong>de</strong> Theresienstadt da ilha e ganha crescente relevância<br />

tem vindo a ser divulgado através <strong>de</strong> no panorama jazzístico nacional e<br />

uma colecção <strong>de</strong> discos da Channel internacional, apresentando<br />

Classics e <strong>de</strong> outras iniciativas qualida<strong>de</strong>, consistência e<br />

pontuais, mas continua a ocupar diversida<strong>de</strong>. Na programação<br />

lugar marginal na vida musical. De d<strong>esta</strong>cam-se os concertos do Charles<br />

regresso à Gulbenkian, Von Otter Lloyd New Quartet e do projecto<br />

traz-nos <strong>esta</strong> música nascida em Strada <strong>de</strong> Henri Texier, bem como o<br />

condições <strong>de</strong> inenarrável sofrimento continuado apoio dado aos músicos<br />

humano na companhia <strong>de</strong> músicos mais jovens, com a consolidação da<br />

como o pianista Bengt Forsberg, o Orquestra AngraJazz, formação que<br />

violinista Daniel Hope e Bebe abre o Festival, um ensemble cujo<br />

Risenfors, que tocará clarinete, crescimento temos testemunhado e<br />

acor<strong>de</strong>ão e guitarra. A participação que muito <strong>de</strong>ve ao trabalho <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Daniel Hope, violinista em formação e direcção musical <strong>de</strong><br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito a Ma Maum a re remm mm mmRa Ra Razoávelmm mm mmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

Macacos do Chinês<br />

no Barreiro<br />

Legendary Tigerman<br />

prossegue a promoção <strong>de</strong> “Femina”<br />

Claus Nymark ke Pedro d Moreira. i<br />

Integrando músicos resi<strong>de</strong>ntes na<br />

ilha Terceira, recrutados nas fileiras<br />

das orqu<strong>esta</strong>s locais, filarmónicas e<br />

ligeiras, bem como do Conservatório<br />

Regional, este ano conta com o<br />

convidado Hugo Alves, talentoso<br />

trompetista que muito tem feito pelo<br />

<strong>de</strong>senvolvimento do jazz no sul do<br />

país. No segundo concerto da noite,<br />

a cantora norte-americana Jane<br />

Monheit apresenta o novo trabalho,<br />

“The Lovers, The Dreamers and Me”,<br />

num espectáculo que combina o<br />

repertório clássico do jazz com a<br />

interpretação <strong>de</strong> temas pop ou da<br />

música brasileira. Repete no<br />

domingo, dia 4, às 21h00,<br />

no Gran<strong>de</strong> Auditório do CCB. No<br />

segundo dia, é a vez do<br />

extraordinário quarteto <strong>de</strong> Mário<br />

Laginha, uma das formações mais<br />

vibrantes do jazz nacional, fazer a<br />

sua aparição. Jazz <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> nível<br />

por Laginha, Sérgio Pelágio,<br />

Bernardo Moreira e Alexandre<br />

Frazão. Na segunda parte da noite, o<br />

contrabaixista françês Henri Texier<br />

apresenta o seu mais reputado<br />

projecto, Strada, n<strong>esta</strong> ocasião um<br />

quinteto que conta com a voz<br />

singular <strong>de</strong> François Corneloup, nos<br />

saxofones soprano e barítono. O<br />

último dia abre com o Trio do<br />

espanhol Chano Dominguez,<br />

formação híbrida que junta o espírito<br />

do jazz aos ritmos do flamenco. A<br />

encerrar, o Charles Lloyd New<br />

Quartet, ponto alto da programação.<br />

Quarteto <strong>de</strong> luxo com Lloyd nos<br />

saxofones, Jason Moran no piano,<br />

Reuben Rogers no contrabaixo e<br />

Nasheet Waits na bateria.<br />

Rodrigo Amado<br />

Agenda<br />

Sexta 2<br />

Orquestra Barroca<br />

Casa da Música<br />

Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />

Albuquerque. às 21h00. Tel.:. 220120220. 11€.<br />

Na Sala Suggia.<br />

Cristina Branco<br />

<strong>Lisboa</strong>. Parque Mayer. Travessa do Salitre,<br />

Parque Mayer, às 21h30. 5€.<br />

Maria João e Mário Laginha<br />

Viseu. Teatro Viriato. Lg. Mouzinho Albuquerque,<br />

às 21h30. Tel.:. 232480110. 5€ a 20€.<br />

Macacos do Chinês<br />

Barreiro. Espaço J. Rua Dr. António José <strong>de</strong><br />

Almeida, 69. 6ª às 17h30. Tel.:. 212079776.<br />

Entrada livre.<br />

The Legendary Tiger Man<br />

& Convidados<br />

Guimarães. São Mame<strong>de</strong> - Centro <strong>de</strong> Artes e<br />

Espectáculos. R. Dr. José Sampaio, 17-25, às<br />

22h00. Tel.:. 253547028.<br />

15,95€ (oferta <strong>de</strong> bilhete na compra do CD+DVD<br />

nas lojas Fnac). Na Sala Principal.<br />

António Chainho<br />

Sintra. Centro Cultural Olga Cadaval. Pç. Dr.<br />

Francisco Sá Carneiro, às 22h00. Tel.:. 219107110.<br />

10€ a 20€. No Auditório Jorge Sampaio.<br />

DJ Miss T + Hush Hush<br />

+ Rui Remix + Tânia Pascoal<br />

<strong>Lisboa</strong>. Instituto Superior <strong>de</strong> Agronomia. Tapada<br />

da Ajuda. 6ª às 23h30. Tel.:. 213653100.<br />

12,5€.<br />

Lesboa Party.<br />

O’queStrada<br />

Braga. Theatro Circo. Av. Liberda<strong>de</strong>, 697, às<br />

21h30. Tel.:. 253203800. 12€. Na Sala Principal.<br />

Apresentação <strong>de</strong> “Tasca Beat”.<br />

Sábado 3<br />

Clubbing: Au Revoir Simone<br />

+ The Slits + Vitor Ramil<br />

& Marcos Suzano<br />

Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />

Albuquerque, às 23h00. Tel.:. 220120220.<br />

Sala 2: 18€. Outros Espaços: 7,5€.<br />

Ver texto pág. 15<br />

Orquestra Nacional do Porto<br />

e Quarteto <strong>de</strong> Cordas<br />

<strong>de</strong> Matosinhos<br />

Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />

Albuquerque, às 18h00. Tel.:. 220120220. 16€. Na<br />

Sala Suggia. Transcrições para Orquestra - Obras<br />

<strong>de</strong> Beethoven, Pinho Vargas e Brahms.<br />

Rita Redshoes<br />

Alvaiázere. Parque Multiusos. Parque Multiusos,<br />

às 22h00. Tel.:. 236650140. Entrada livre.<br />

Concha Buika<br />

Guimarães. Centro Cultural Vila Flor. Avenida D.<br />

Afonso Henriques, 701, às 22h00. Tel.:.<br />

253424700. 7,5€ a 10€. No Gran<strong>de</strong> Auditório.<br />

Ciclo Stockhausen<br />

- Ascenção e Esperança<br />

Com António Abellan<br />

(sintetizador), Barbara Zarichelli<br />

(soprano), Hubert Mayer (tenor),<br />

Kathinka Pasveer (som), Juditha<br />

Haeberlin (violino), Axel Porath<br />

(viola), Dirk Wietheger<br />

(vbioloncelo).<br />

<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian.<br />

Avenida <strong>de</strong> Berna, 45A. Sáb. às 19h00. Tel.:.<br />

217823700. 15€.<br />

Ver texto págs. 18 e 19<br />

The Legendary Tiger Man<br />

& Convidados<br />

Ton<strong>de</strong>la. Cine Tejá - Novo Ciclo ACERT. R. Dr.<br />

Ricardo Mota, às 22h00. Tel.:. 232814400.<br />

15,95€ (oferta <strong>de</strong> bilhete na compra do CD+DVD<br />

nas lojas Fnac).<br />

33


34<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

Concertos<br />

CESAR RANGEL/ AFP<br />

Cristina Branco em “tournée”<br />

Agenda<br />

Cristina Branco<br />

Póvoa <strong>de</strong> Varzim. Casino da<br />

Póvoa. Ed. do Casino, às 23h00<br />

(jantar às 20h00).. Tel.:.<br />

252690888. 50€ (jantar-<br />

concerto).<br />

Domingo 4<br />

Orquestra <strong>de</strong> Jazz<br />

<strong>de</strong> Matosinhos<br />

Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />

Albuquerque, às 22h00. Tel.:. 220120220.<br />

15€. Na Sala Suggia.<br />

Ciclo Stockhausen - Durações<br />

Naturais e Porta do Céu<br />

Com Franck Gutschmidt<br />

(piano), Benjamin Kobler<br />

(piano), Stuart Geber<br />

(percussão), Kathinka Pasveer<br />

(som).<br />

<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian.<br />

Avenida <strong>de</strong> Berna, 45A, às 19h00. Tel.:. 217823700.<br />

15€. No Gran<strong>de</strong> Auditório. Projecção <strong>de</strong> 2 filmes no<br />

Auditório 3 às 16h00.<br />

Ver texto págs. 18 e 19<br />

Jane Monheit<br />

<strong>Lisboa</strong>. Centro Cultural <strong>de</strong> Belém. Praça do<br />

Império, às 21h00. Tel.:. 213612400.<br />

15€ a 32,5€. No Gran<strong>de</strong> Auditório. M/12.<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

Jane Birkin no CCB<br />

TONY GENTILE& REUTERS<br />

Segunda 5<br />

Au Revoir Simone<br />

<strong>Lisboa</strong>. Aula Magna. Alam.<br />

Universida<strong>de</strong>, às 21h00 (abertura <strong>de</strong><br />

portas às 20h00).. Tel.:. 217967624. 23€<br />

a 30€.<br />

Ver texto pág. 15<br />

Amália Hoje<br />

<strong>Lisboa</strong>. Coliseu dos Recreios. R.<br />

Portas St. Antão, 96. 2ª, 3ª e 4ª às 21h30 (abertura<br />

<strong>de</strong> portas às 20h30).. Tel.:. 213240580. 15€ a 30€.<br />

M/3. Duração: 90m.<br />

Ciclo Stockhausen - Beleza e<br />

Cosmic Pulses<br />

Com Marco Blaauw (trompete),<br />

Kathinka Pasveer (flauta e som),<br />

Suzanne Stephens (clarinete), Florian<br />

Zwissler (som).<br />

<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian.<br />

Avenida <strong>de</strong> Berna, 45A, às 19h00. Tel.:. 217823700.<br />

15€. No Gran<strong>de</strong> Auditório. Comentário pré-concerto<br />

no Auditório 3 às 18h00 com Pedro Amaral.<br />

Ver textos págs. 18 e 19<br />

Terça 6<br />

Homenagem a Amália Rodrigues<br />

Porto. Clube Literário do Porto.<br />

Rua Nova da Alfân<strong>de</strong>ga, 22. 3ª às 21h00.<br />

Tel.:. 222089228.<br />

No Piano-bar. Com vários fadistas<br />

do concelho.<br />

Quinta 8<br />

Jane Birkin<br />

<strong>Lisboa</strong>. Centro Cultural <strong>de</strong> Belém. Praça do<br />

Império, às 21h30. Tel.:. 213612400.<br />

20€ a 45€. No Gran<strong>de</strong> Auditório. Abertura da 10ª<br />

Edição da F<strong>esta</strong> do Cinema Francês. Apresentação<br />

<strong>de</strong> “Enfants d’Hiver”.<br />

Elena Bashkirova e Orquestra<br />

Gulbenkian<br />

<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste<br />

Gulbenkian. Avenida <strong>de</strong> Berna, 45A,<br />

às 21h00. Tel.:. 217823700.<br />

No Gran<strong>de</strong> Audítório. Obras <strong>de</strong><br />

Bach, Webern, Beethoven e<br />

Men<strong>de</strong>lssohn.<br />

The Dorian Grays + Iconoclasts<br />

<strong>Lisboa</strong>. MusicBox. R. Nova do Carvalho, 24 -<br />

Cais do Sodré, às 22h00. Tel.:. 213430107. 6€.<br />

The Bad Plus<br />

Braga. Theatro Circo. Av. Liberda<strong>de</strong>, 697,<br />

às 21h30. Tel.:. 253203800. 8€.<br />

Na Sala Principal.


Cinema<br />

Estreiam<br />

A angústia<br />

do treinador<br />

no momento<br />

do <strong>de</strong>spedimento<br />

Um filme sobre a ambição.<br />

Ou não fosse escrito pelo<br />

argumentista <strong>de</strong> “A Rainha” e<br />

“Frost/Nixon”, Peter Morgan.<br />

Jorge Mourinha<br />

Maldito United<br />

The Damned United<br />

De Tom Hooper,<br />

com Colm Meaney, Henry Goodman,<br />

Oliver Stokes. M/12<br />

MMMnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 15h50, 18h, 21h20, 23h40<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 14h05, 16h35, 19h, 21h40, 00h20 3ª 4ª 16h35,<br />

19h, 21h40, 00h20<br />

Impõe-se a precisão: o United do<br />

título é bem um clube <strong>de</strong> futebol,<br />

mas não o Manchester United; antes<br />

o Leeds United, força dominante do<br />

futebol britânico na passagem dos<br />

anos 1960 para os anos 1970. E sim,<br />

este é um filme sobre futebol, mas<br />

não sobre o jogo em si, antes sobre a<br />

ambição e os jogos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r que o<br />

ro<strong>de</strong>iam, consubstanciado na<br />

história verídica do treinador Brian<br />

Clough, que elevou, em 1973, o<br />

Derby County, pequeno clube<br />

regional, à primeira divisão para<br />

logo a seguir se “<strong>esta</strong>mpar” ao tomar<br />

os controles do Leeds.<br />

Quem conhece o universo do<br />

argumentista Peter Morgan,<br />

responsável por “A Rainha”, “O<br />

Último Rei da Escócia” ou “Frost/<br />

Nixon”, irá reconhecê-lo n<strong>esta</strong> fita<br />

incisiva mas bem-humorada que o<br />

guionista adaptou do romance<br />

(ficcional, mas inspirado por<br />

personagens e factos reais) do<br />

escritor David Peace. É a história <strong>de</strong><br />

As estrelas do público<br />

um homem embriagado pelo<br />

sucesso, que <strong>de</strong>ixa a sua ambição<br />

transportá-lo para estratosferas<br />

rarefeitas on<strong>de</strong> talvez não esteja<br />

preparado para sobreviver ao<br />

mesmo tempo que volta as costas<br />

àqueles que realmente o apreciam,<br />

cruzando com elegância as esferas<br />

progressivamente mais inseparáveis<br />

do público e do pessoal. Mas que, ao<br />

mesmo tempo, faz um retrato<br />

certeiro da Inglaterra dos anos 1970,<br />

<strong>de</strong>senhando em meia-dúzia <strong>de</strong><br />

pormenores atentos que facilmente<br />

passam <strong>de</strong>spercebidos um espírito<br />

<strong>de</strong> época, recordando o ponto<br />

exacto em que o futebol iniciou a<br />

transição em direcção à bem oleada<br />

máquina contemporânea <strong>de</strong> fazer<br />

dinheiro, no caminho da<br />

mediatização extrema do <strong>de</strong>sportorei.<br />

Como em qualquer história<br />

inglesa, tudo gira à volta da classe<br />

social, do modo como a ambição <strong>de</strong><br />

Clough é propulsionada pela<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se provar digno <strong>de</strong><br />

respeito — embora talvez não do<br />

modo que todos esperariam.<br />

“Maldito United” é também mais<br />

uma lição do “savoir-faire” inglês,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a excelência discreta dos<br />

actores (com óbvio<br />

d<strong>esta</strong>que para<br />

Michael<br />

Sheen e o<br />

“habitué”<br />

<strong>de</strong> Mike<br />

Leigh<br />

Timothy<br />

Jorge<br />

Mourinha<br />

Luís M.<br />

Oliveira<br />

Spall) ao rigor da reconstituição<br />

histórica. É verda<strong>de</strong> que isso<br />

também se po<strong>de</strong> dizer <strong>de</strong> qualquer<br />

telefilme britânico e é verda<strong>de</strong> que a<br />

dimensão caseirinha <strong>de</strong> “Maldito<br />

United” provavelmente era mais<br />

apropriada para o pequeno écrã.<br />

Mas isso é esquecer que um telefilme<br />

inglês tem muitas vezes mais cinema<br />

em cinco minutos que 90 por centro<br />

da produção corrente americana.<br />

Ainda por cima, Tom Hooper,<br />

veterano televisivo a assinar a sua<br />

primeira longa para cinema, injecta<br />

uma série <strong>de</strong> pormenores<br />

atipicamente lúdicos, uma liberda<strong>de</strong><br />

formal (do grão da fotografia às<br />

perspectivas forçadas) que troca as<br />

voltas <strong>de</strong> modo inteligente e<br />

subversivo os lugares-comuns do<br />

“realismo social”. O que faz todo o<br />

sentido num filme sobre o arrivismo<br />

e a ambição – só é mesmo pena que<br />

Hooper termine “Maldito United”<br />

com imagens <strong>de</strong> arquivo que vêm<br />

<strong>de</strong>snecessariamente minimizar as<br />

performances dos seus actores ao<br />

apontar as diferenças físicas entre<br />

alguns <strong>de</strong>les, mas insuficientes para<br />

macular o que ficou para trás.<br />

Este é um filme sobre futebol, mas não sobre o jogo em si,<br />

antes sobre a ambição e os jogos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r que o ro<strong>de</strong>iam<br />

Mário<br />

J. Torres<br />

Vasco<br />

Câmara<br />

A Esperança Está On<strong>de</strong> Menos se Espera mnnnn mnnnn nnnnn nnnnn<br />

A Batalha <strong>de</strong> Red Cliff mmmnn nnnnn mmnnn nnnnn<br />

Chéri mmmmn nnnnn mmmmn mmnnn<br />

Distrito 9 mmmmn nnnnn nnnnn mmnnn<br />

Estado <strong>de</strong> Guerra mmmmn mmmmn nnnnn mmmnn<br />

Os Homens que O<strong>de</strong>iam as Mulheres mmnnn nnnnn nnnnn mnnnn<br />

Longe da Terra Queimada mmnnn nnnnn nnnnn mnnnn<br />

Maldito United mmmnn nnnnn nnnnn nnnnn<br />

Séraphine mnnnn mmnnn nnnnn nnnnn<br />

Welcome nnnnn nnnnn nnnnn mmnnn<br />

Natação obrigatória<br />

Welcome<br />

De Philippe Lioret,<br />

com Vincent Lindon, Firat Ayverdi,<br />

Audrey Dana. M/12<br />

MMnnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: Me<strong>de</strong>ia King: Sala 1: 5ª 3ª 4ª 14h30, 17h,<br />

19h30, 22h 6ª Sábado Domingo 2ª 14h30, 17h,<br />

19h30, 22h, 00h30; Me<strong>de</strong>ia Monumental: Sala 1: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h10, 17h20,<br />

19h30, 21h40, 24h<br />

Porto: Me<strong>de</strong>ia Cida<strong>de</strong> do Porto: Sala 3: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h30<br />

O problema em “Welcome” é o filme<br />

não conseguir ser apenas uma coisa<br />

– e ser essa com muita força.<br />

Antes disso: não quis ser<br />

documentário apesar <strong>de</strong> a realida<strong>de</strong><br />

– a concentração <strong>de</strong> imigrantes em<br />

Calais em situação clan<strong>de</strong>stina, para<br />

ali varridos pela turbulência dos<br />

mundos que <strong>de</strong>sabam – <strong>esta</strong>r na<br />

or<strong>de</strong>m do dia e se colar à sua pele.<br />

“Welcome” quis ser ficção,<br />

melodrama, romanesco. Eis, então,<br />

no seu centro, Bilal (Firat Ayverdi),<br />

um iraquiano que tenta chegar a<br />

Inglaterra, on<strong>de</strong> vive a namorada, e<br />

Simon (Vincent Lindon), professor<br />

<strong>de</strong> natação. Encontro a dois entre<br />

um jovem e um quarentão: o<br />

primeiro quer apren<strong>de</strong>r a nadar para<br />

atravessar o canal da Mancha; o<br />

segundo, que vive <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma<br />

bolha <strong>de</strong> tristeza e fracasso (um<br />

divórcio), acaba por reparar no<br />

“outro”, no clan<strong>de</strong>stino Bilal, e<br />

ajudá-lo a materializar a sua<br />

obsessão. Por <strong>de</strong>spertar cívico, para<br />

impressionar a ex-<strong>mulher</strong>, por<br />

memória nostálgica da sua própria<br />

adolescência, pelo instinto<br />

paternal que espreita? Por tudo<br />

isso, e Vincent Lindon é<br />

magnífico a fazer passar muito<br />

com pouco, à maneira dos mais<br />

instintivos americanos do<br />

cinema clássico – o filme, temos<br />

<strong>de</strong> ser justos, é-lhe fiel aí. Mas aí<br />

o realizador Philippe Lioret<br />

<strong>de</strong>via ter sido mais obsessivo e<br />

minimal, tal como as suas<br />

personagens.<br />

Voltamos ao princípio:<br />

“Welcome” <strong>de</strong>via ter querido,<br />

com mais força, apenas <strong>esta</strong><br />

relação a dois. Sem se distrair<br />

com a fracassada<br />

35


Cinema<br />

conjugalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Simon nem com<br />

a vigiada “love story” <strong>de</strong> Bilal.<br />

Desvios, e assim parecem,<br />

<strong>de</strong>masiado presentes para serem<br />

apenas sinalização mas que também<br />

36<br />

Espaço<br />

Público<br />

Frears oferece uma<br />

beleza que ultrapassa a<br />

presença <strong>de</strong> Pfeiffer e <strong>de</strong><br />

Rupert Friend, porque à<br />

semelhança <strong>de</strong> Colette,<br />

coloca acima <strong>de</strong> tudo o<br />

espírito Belle Époque, no<br />

seu esplendor da Arte<br />

Nova. O quarto <strong>de</strong> Lea é<br />

todo ele composto por<br />

curvas sinuosas, a cama<br />

não participam na construção <strong>de</strong><br />

uma história coral. Não se colam à<br />

tensão da história principal –<br />

“história principal”: eis como<br />

“Welcome” tem dificulda<strong>de</strong> em<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

assumir o que quer contar. Devia ter<br />

sido a natação... (o que teriam feito<br />

os irmãos Dar<strong>de</strong>nne com o<br />

voluntarismo <strong>de</strong> uma personagem<br />

como Bilal e com uma piscina como<br />

território <strong>de</strong> monomania?)<br />

Vasco Câmara<br />

Longe da Terra Queimada<br />

The Burning Plain<br />

De Guillermo Arriaga,<br />

com Charlize Theron, Kim Basinger,<br />

Joaquim <strong>de</strong> Almeida, Jennifer<br />

Lawrence. M/16<br />

MMnnn<br />

e o seu espaldar que é tão<br />

erótico quanto a relação<br />

que vai <strong>de</strong>slumbrar o par.<br />

Toda a emoção do filme<br />

vem d<strong>esta</strong> cama e da<br />

carícia <strong>de</strong> Lea sobre a seda<br />

do lençol que se repete<br />

sobre Chéri. É curioso que<br />

a ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Edmée seja<br />

insistentemente referida,<br />

como se esse privilégio<br />

<strong>Lisboa</strong>: CinemaCity Classic Alvala<strong>de</strong>: Sala 3: 5ª 3ª<br />

4ª 13h50, 16h, 18h50, 21h40 6ª 13h50, 16h, 18h50,<br />

21h40, 23h50 Sábado Domingo 11h40, 13h50, 16h,<br />

18h50, 21h40, 23h50 2ª 11h40, 13h50, 16h, 18h50,<br />

21h40; Me<strong>de</strong>ia Saldanha Resi<strong>de</strong>nce: Sala 6: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h20, 17h30,<br />

19h40, 21h50, 00h30; UCI Cinemas - El Corte Inglés:<br />

Sala 12: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h20, 16h45,<br />

19h10, 22h, 00h30 Domingo 11h30, 14h20, 16h45,<br />

19h10, 22h, 00h30; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h30, 19h,<br />

21h40, 00h10<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 20: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 14h20, 16h55, 19h30, 22h10, 00h45 3ª<br />

A receita habitual <strong>de</strong> Arriaga, várias<br />

histórias cruzadas: “Longe da Terra Queimada”<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

anulasse a presença <strong>de</strong><br />

Lea. A prova, a única, que<br />

realça a impossibilida<strong>de</strong><br />

é o suicídio <strong>de</strong> Chéri. O<br />

sentimento libertino<br />

<strong>de</strong>sfaz qualquer interdito<br />

social, menos o da ida<strong>de</strong>,<br />

Chéri vive <strong>de</strong>ssa culpa.<br />

Fernanda Damas Cabral,<br />

64 anos, Investigadora<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />

4ª 16h55, 19h30, 22h10, 00h45; Me<strong>de</strong>ia Cida<strong>de</strong> do<br />

Porto: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

14h30, 17h, 19h30, 22h; ZON Lusomundo<br />

Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h30, 16h, 18h40, 21h40, 00h20<br />

Em Portland, uma <strong>mulher</strong> solitária<br />

que é “maître d’” num r<strong>esta</strong>urante<br />

<strong>de</strong> classe vai para a cama com todos<br />

os que lhe aparecem à frente. No<br />

Novo México, uma caravana em fogo<br />

traz a dor a duas famílias. No<br />

México, um piloto que pulveriza<br />

colheitas tem um aci<strong>de</strong>nte. A estreia<br />

na realização <strong>de</strong> Guillermo Arriaga,<br />

o argumentista <strong>de</strong> “Amor Cão” e<br />

“Babel”, segue à risca a estrutura<br />

fragmentada em mosaico <strong>de</strong><br />

histórias que parecem não ter nada a<br />

ver umas com as outras e, vai-se a<br />

ver, estão todas cruzadas — só que,<br />

aqui, Arriaga atira mais um pauzinho<br />

para a engrenagem ao colocar parte<br />

dos dados num plano temporal<br />

diferente. O que não seria um<br />

problema se não se <strong>de</strong>sse o caso <strong>de</strong>,<br />

uma vez <strong>de</strong>slindado o enigma, tudo<br />

não passar <strong>de</strong> uma versão fronteiriça<br />

dos velhos romances adolescentes<br />

“Welcome”: um professor <strong>de</strong> natação,<br />

um imigrante clan<strong>de</strong>stino , uma piscina<br />

aqui projectada para as suas<br />

consequências futuras <strong>de</strong> modo<br />

pesadamente pomposo. A<br />

fragmentação da narrativa acaba por<br />

parecer uma manobra <strong>de</strong> diversão<br />

para dar espessura e interesse a uma<br />

história banal, <strong>de</strong>sperdiçando no<br />

processo a elegância clássica da<br />

encenação <strong>de</strong> Arriaga, a beleza da<br />

fotografia <strong>de</strong> Robert Elswit e John<br />

Toll e o empenho do elenco.<br />

Ponhamos a coisa assim: gostamos<br />

mais <strong>de</strong> “Longe da Terra Queimada”<br />

do que <strong>de</strong> “Babel”, mas isso não o<br />

torna mais do que um esforço<br />

sincero mas falhado. J. M.<br />

Continuam<br />

Chéri<br />

De Stephen Frears,<br />

com Michelle Pfeiffer, Rupert Friend,<br />

Kathy Bates. M/12<br />

MMMMn<br />

<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 3: 5ª 3ª<br />

4ª 16h20, 19h10, 21h20 6ª 16h20, 19h10, 21h20,<br />

23h50 Sábado Domingo 13h30, 16h20, 19h10,<br />

21h20, 23h50 2ª 13h30, 16h20, 19h10, 21h20;<br />

CinemaCity Classic Alvala<strong>de</strong>: Sala 2: 5ª 2ª 3ª 4ª<br />

13h40, 15h40, 17h40, 19h40, 21h45 6ª 13h40, 15h40,<br />

17h40, 19h40, 21h45, 24h Sábado 11h35, 13h40,<br />

15h40, 17h40, 19h40, 21h45, 24h Domingo 11h35,<br />

13h40, 15h40, 17h40, 19h40, 21h45; Me<strong>de</strong>ia<br />

Monumental: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />

3ª 4ª 13h20, 15h20, 17h20, 19h20, 21h30, 24h; UCI<br />

Cinemas - El Corte Inglés: Sala 14: 5ª 6ª Sábado 2ª<br />

3ª 4ª 14h, 16h, 18h, 20h, 22h, 00h10 Domingo<br />

11h30, 14h, 16h, 18h, 20h, 22h, 00h10; ZON<br />

Lusomundo Alvaláxia: 5ª 2ª 3ª 4ª 13h20, 15h30,<br />

17h40, 19h45, 22h 6ª Sábado Domingo 13h20,<br />

15h30, 17h40, 19h45, 22h, 00h10; ZON Lusomundo<br />

Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h10, 15h20, 18h10, 21h30, 23h50; ZON Lusomundo<br />

Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h20, 15h55, 18h10, 21h40, 23h55; ZON Lusomundo<br />

Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h10, 15h25, 17h50, 21h15, 23h35<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 13h50, 15h55, 18h05, 20h05, 22h10, 00h25 3ª 4ª<br />

15h55, 18h05, 20h05, 22h10, 00h25


“Chéri” é um daqueles bichos raros<br />

que parece uma coisa e é outra. No<br />

papel uma requintada alta comédia<br />

sobre o romance impossível entre<br />

uma cortesã parisiense da Belle<br />

Époque e o filho maçado e recémsaído<br />

da adolescência <strong>de</strong> uma excolega,<br />

pontuado por epigramas<br />

wil<strong>de</strong>anos, na prática “Chéri” é um<br />

olhar lúcido sobre um tempo que<br />

está a chegar ao fim cruzado com<br />

um retrato amargo <strong>de</strong> uma <strong>mulher</strong><br />

que se questiona, <strong>de</strong>svendando a<br />

melancolia e a solidão que se<br />

escon<strong>de</strong>m por trás das opulentas<br />

fachadas mundanas. Modulado com<br />

infinita <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za entre a comédia e<br />

o melodrama, transportado por uma<br />

Michelle Pfeiffer que raramente<br />

vemos em papéis à altura do seu<br />

talento, “Chéri” é um belíssimo<br />

filme “à moda antiga” — andam a<br />

fazer tanta falta... J. M.<br />

Distrito 9<br />

De Neill Blomkamp,<br />

com Sharlto Copley, Jason Cope,<br />

Nathalie Boltt. M/16<br />

MMnnn<br />

VINCENT KESSLER/ REUTERS<br />

<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 1: 5ª 3ª<br />

4ª 16h, 18h50, 21h40 6ª 16h, 18h50, 21h40, 00h15<br />

Sábado Domingo 13h20, 16h, 18h50, 21h40, 00h15<br />

2ª 13h20, 16h, 18h50, 21h40; Castello Lopes - Loures<br />

Shopping: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />

4ª 13h20, 15h50, 18h20, 21h30, 24h; CinemaCity<br />

Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 7: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 14h,<br />

16h30, 18h40, 21h45, 24h Sábado Domingo 11h50,<br />

14h, 16h30, 18h40, 21h45, 24h; CinemaCity Beloura<br />

Shopping: Sala 1: 5ª 6ª 3ª 4ª 13h55, 16h, 18h30,<br />

21h50, 24h Sábado Domingo 2ª 11h45, 13h55, 16h,<br />

18h30, 21h50, 24h; CinemaCity Campo Pequeno<br />

Praça <strong>de</strong> Touros: Sala 7: 5ª 6ª 3ª 4ª 14h, 16h45,<br />

18h55, 21h50, 24h Sábado Domingo 2ª 11h40, 14h,<br />

16h45, 18h55, 21h50, 24h; Me<strong>de</strong>ia Monumental: Sala<br />

4 - Cine Teatro: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

Espaço E<br />

Público<br />

P<br />

Para quem já visitou<br />

os rostos <strong>de</strong> malda<strong>de</strong><br />

bestial presentes nas<br />

fotografias <strong>de</strong> Auschwitz,<br />

“Inglorious Basterds”<br />

<strong>de</strong> Tarantino não passa<br />

mesmo doutra comédia<br />

negra; ao equiparar a<br />

tacanhez americana com<br />

o sadismo nazi (com um<br />

espacinho <strong>de</strong> tributo para<br />

14h30, 17h, 19h45, 22h, 00h15; UCI Cinemas - El<br />

Corte Inglés: Sala 5: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h15,<br />

16h45, 19h15, 21h45, 00h15 Domingo 11h30, 14h15,<br />

16h45, 19h15, 21h45, 00h15; UCI Dolce Vita Tejo:<br />

Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h15,<br />

16h35, 19h, 21h40, 00h05; ZON Lusomundo<br />

Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h20, 15h50, 18h20, 21h20, 23h50; ZON<br />

Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h30, 18h10, 21h30,<br />

00h05; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h40, 18h20, 21h40,<br />

00h20; ZON Lusomundo Dolce Vita Miraflores: 5ª<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 15h20, 18h20, 21h20 6ª Sábado<br />

15h20, 18h20, 21h20, 00h20; ZON Lusomundo<br />

Odivelas Parque: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h10 18h30, 21h20<br />

6ª 15h10 18h30, 21h20, 24h Sábado 12h50, 15h10<br />

18h30, 21h20, 24h Domingo 12h50, 15h10 18h30,<br />

21h20; ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 15h50, 18h30,<br />

21h25, 00h05; ZON Lusomundo Torres Vedras: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h45, 16h15, 18h50,<br />

21h30, 00h10; ZON Lusomundo Vasco da Gama: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h40, 18h15,<br />

21h20, 23h55; Castello Lopes - C. C. Jumbo: Sala 3:<br />

5ª 3ª 4ª 15h40, 18h20, 21h10 6ª 15h40, 18h20,<br />

21h10, 23h40 Sábado Domingo 13h10, 15h40, 18h20,<br />

21h10, 23h40 2ª 13h10, 15h40, 18h20, 21h10; Castello<br />

Lopes - Fórum Barreiro: Sala 2: 5ª 3ª 4ª 15h50,<br />

18h30, 21h20 6ª 15h50, 18h30, 21h20, 24h Sábado<br />

Domingo 13h10, 15h50, 18h30, 21h20, 24h 2ª 13h10,<br />

15h50, 18h30, 21h20; Castello Lopes - Rio Sul<br />

Shopping: Sala 2: 5ª 6ª 3ª 4ª 15h40, 18h40,<br />

21h40, 00h10 Sábado Domingo 2ª 12h50, 15h40,<br />

18h40, 21h40, 00h10; UCI Freeport: Sala 4: 5ª 2ª<br />

3ª 4ª 15h30, 18h30, 21h30 6ª 15h30, 18h30, 21h30,<br />

00h20 Sábado 13h15, 15h30, 18h30, 21h30, 00h20<br />

Domingo 13h15, 15h30, 18h30, 21h30; ZON<br />

Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h30, 18h10, 21h05,<br />

23h45; ZON Lusomundo Fórum Montijo: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h10, 18h40,<br />

21h10, 23h40<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 15: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 14h, 16h30, 19h05, 21h45, 00h25 3ª 4ª<br />

16h30, 19h05, 21h45, 00h25; ZON Lusomundo Dolce<br />

Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h30, 16h, 19h10, 21h50, 00h25; ZON Lusomundo<br />

GaiaShopping: 5ª 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h, 18h30,<br />

21h50 6ª Sábado Domingo 13h30, 16h, 18h30,<br />

21h50, 00h25; ZON Lusomundo MaiaShopping: 5ª<br />

2ª 3ª 4ª 13h20, 16h05, 18h40, 21h50 6ª Sábado<br />

Domingo 13h20, 16h05, 18h40, 21h50, 00h35; ZON<br />

Lusomundo Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 3ª 13h40, 16h20, 18h50, 22h, 00h35 4ª 13h40,<br />

16h20, 18h50, 00h35; ZON Lusomundo<br />

NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h20, 16h10, 19h, 21h50, 00h35; ZON Lusomundo<br />

Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />

4ª 13h40, 16h10, 18h40, 21h40, 00h25; Castello<br />

Lopes - 8ª Avenida: Sala 3: 5ª 3ª 4ª 15h50, 18h20,<br />

21h20 6ª 15h50, 18h20, 21h20, 23h50 Sábado<br />

Domingo 13h, 15h50, 18h20, 21h20, 23h50 2ª 13h,<br />

15h50, 18h20, 21h20; ZON Lusomundo Fórum<br />

Aveiro: 5ª 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h10, 18h55, 21h40 6ª<br />

Sábado Domingo 13h20, 16h10, 18h55, 21h40,<br />

00h20; ZON Lusomundo Glicínias: 5ª 2ª 3ª 4ª<br />

13h40, 16h25, 19h15, 21h55 6ª Sábado Domingo<br />

13h40, 16h25, 19h15, 21h55, 00h40<br />

Com este argumento podíamos <strong>esta</strong>r<br />

perante um tremendo filme (e os<br />

filmes que vimos aqui!). Mas<br />

“Distrito 9” não transcen<strong>de</strong> a<br />

paródia (e às vezes parece mesmo<br />

paródia involuntária) para chegar à<br />

tragédia. Aí se dilui o lado<br />

“cronenberguiano” – há algo, <strong>de</strong><br />

facto, que podia fazer <strong>de</strong>le nova<br />

“versão” <strong>de</strong> “A Mosca”. Ficamos<br />

com a série B, ou Z, e com a<br />

guerrilha política. Traída, <strong>de</strong> alguma<br />

forma, pelo dispositivo espertalhão<br />

do “documentário” (é a linhagem<br />

”Blair Witch Project”...). Que só<br />

concorre para nos suspen<strong>de</strong>r a<br />

crença. Mais do que oportuno,<br />

oportunista? Ou seja: eis como<br />

aquele que po<strong>de</strong>ria ser um gran<strong>de</strong><br />

filme político do nosso tempo –<br />

vamos corrigir: aquele que po<strong>de</strong>ria<br />

ser um gran<strong>de</strong> filme do nosso<br />

tempo – fica reduzido a filme<br />

sintomático do nosso tempo. V. C.<br />

A Batalha <strong>de</strong> Red Cliff<br />

Chi Bi<br />

De John Woo,<br />

com Tony Leung Chiu<br />

Wai, Takeshi<br />

Kaneshiro, Fengyi<br />

Zhang. M/12<br />

MMnnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: ZON Lusomundo<br />

Alvaláxia: 5ª 2ª 3ª 4ª<br />

14h10, 17h30, 21h10 6ª<br />

Sábado Domingo 14h10,<br />

17h30, 21h10, 00h20<br />

Porto: ZON Lusomundo<br />

Marshopping: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª<br />

4ª 17h30, 00h30<br />

o suspense e o romance<br />

dos clássicos). De resto,<br />

quando se trata <strong>de</strong> vingar<br />

o genocídio judaico<br />

com uma carnificina<br />

cinematográfica<br />

(autêntico <strong>de</strong>leite), todo<br />

o sangue nunca será<br />

<strong>de</strong>mais!<br />

João Meirinhos, 24 anos,<br />

licenciado <strong>de</strong>sempregado<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

Depois do seu sucesso em<br />

Hollywood, John Woo regressa à Ásia<br />

com uma longuíssima saga oriental,<br />

repleta <strong>de</strong> efeitos e com todos os<br />

matadores que fizeram a glória do<br />

seu estilo: elaboradas coreografias<br />

<strong>de</strong> violência indiscriminada, sangue<br />

a jorrar “au ralenti”,<br />

superabundância <strong>de</strong> figurantes,<br />

duelos, ambíguas conivências entre<br />

homens. No entanto, <strong>esta</strong> dimensão<br />

<strong>de</strong> “blockbuster” per<strong>de</strong>-se em<br />

excessivos pormenores, em<br />

infindáveis episódios <strong>de</strong>stinados a<br />

adaptar um clássico do século XIV,<br />

sobre factos semi-históricos, semilendários,<br />

passados muito antes,<br />

com uma noção <strong>de</strong> tempo<br />

cinematográfico que se arrasta sem<br />

medida, numa <strong>de</strong>smesura que cansa<br />

o espectador oci<strong>de</strong>ntal - até porque<br />

nos faltam dados factuais. Tudo<br />

consi<strong>de</strong>rado, fica um sentido inato<br />

do espectáculo e o virtuosismo <strong>de</strong><br />

uma câmara irrequieta, mas<br />

também alguma <strong>de</strong>silusão, <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> obras-primas <strong>de</strong><br />

contenção, como “Face-<br />

Off”. M.J.T.<br />

Séraphine<br />

De Martin Provost,<br />

com Yolan<strong>de</strong> Moreau, Ulrich Tukur,<br />

Anne Bennent. M/12<br />

Mnnnn<br />

<strong>Lisboa</strong>: Atlântida-Cine: Sala 1: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª<br />

15h30, 21h30 Sábado Domingo 15h30, 18h15, 21h30;<br />

Me<strong>de</strong>ia King: Sala 3: 5ª 3ª 4ª 14h15, 16h45, 19h15,<br />

21h45 6ª Sábado Domingo 2ª 14h15, 16h45, 19h15,<br />

21h45, 00h15<br />

Porto: Me<strong>de</strong>ia Cida<strong>de</strong> do Porto: Sala 4: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h05, 21h30<br />

Séraphine existiu mesmo – na Senlis<br />

provincial <strong>de</strong> 1914, era realmente<br />

uma <strong>mulher</strong>-a-dias olhada <strong>de</strong><br />

esguelha como “tolinha da al<strong>de</strong>ia”<br />

que pintava nas horas vagas com a<br />

paixão <strong>de</strong> quem não conhece outra<br />

maneira <strong>de</strong> se exprimir – e a sua<br />

história verídica, tal como filmada<br />

pelo actor e realizador Martin<br />

Provost, conquistou os espectadores<br />

franceses, que <strong>de</strong>la fizeram um êxito<br />

e a tornaram no gran<strong>de</strong> vencedor<br />

dos Césares 2009. Mas para um<br />

filme sobre uma artista espontânea e<br />

obsessiva, falta garra, paixão e<br />

entrega a “Séraphine”, que se<br />

queda por uma austerida<strong>de</strong><br />

clínica e quase distante,<br />

incapaz (apesar das<br />

interpretações <strong>de</strong> Yolan<strong>de</strong><br />

Moreau e Ulrich Tukur) <strong>de</strong><br />

comunicar a intensida<strong>de</strong> e a<br />

urgência da arte <strong>de</strong> Séraphine,<br />

escon<strong>de</strong>ndo-se <strong>de</strong>masiadas<br />

vezes atrás <strong>de</strong> uma “académica”<br />

qualida<strong>de</strong> francesa, <strong>de</strong>ixando por<br />

explorar as pistas mais interessantes<br />

(como a relação entre Séraphine e o<br />

seu “mentor” Wilhelm Uh<strong>de</strong>, uma<br />

espécie <strong>de</strong> “amor impossível”<br />

mediado pela arte que é aflorado<br />

mas nunca <strong>de</strong>senvolvido). J. M.<br />

“A Batalha <strong>de</strong> Red Cliff”<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

37


Exposições<br />

“Amália Coração<br />

In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte”<br />

38<br />

A viagem proposta por João Sousa Cardoso através das salas do<br />

A Certain Lack of Coherence é banhada numa intensa luz vermelha,<br />

que sublinha a tensão, ou o frágil equilíbrio, entre a libido e o terror<br />

Um acto<br />

moral<br />

A instalação <strong>de</strong> João Sousa<br />

Cardoso no A Certain Lack of<br />

Coherence, no Porto, é uma<br />

meditação acerca do corpo<br />

plebeu. Óscar Faria<br />

Os Republicanos<br />

De João Sousa Cardoso.<br />

Porto. Uma Certa Falta <strong>de</strong> Coerência. R. dos<br />

Cal<strong>de</strong>ireiros 77. Tel.: 919272115. Até 10/10. Sáb. das<br />

15h30 às 19h30.<br />

Outros.<br />

mmmmm<br />

É com Caravaggio, em finais do<br />

século XVI, que o corpo plebeu<br />

entra <strong>de</strong>finitivamente na história da<br />

pintura. Os ecos <strong>de</strong>sse gesto nunca<br />

mais <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> se fazer sentir,<br />

tornando irreversível a presença<br />

Agenda<br />

Inauguram<br />

André Almeida e Sousa<br />

Braga. Museu Nogueira da Silva. Avenida Central,<br />

61. Tel.: 253601275. Até 28/10. 3ª a Sáb. das 10h às<br />

18h30. Inaugura 2/10 às 17h.<br />

Pintura.<br />

Ejti Stih<br />

<strong>Lisboa</strong>. Galeria Arte Periférica. Praça do Império –<br />

Centro Cultural <strong>de</strong> Belém, Loja 3. Tel.: 213617100.<br />

Até 29/10. 2ª a 10h às 20h. Inaugura 3/10 às 15h30.<br />

Pintura.<br />

André Butzer<br />

Braga. Galeria Mário Sequeira -<br />

Parada <strong>de</strong> Tibães. Quinta da Igreja<br />

(Parada <strong>de</strong> Tibães). Tel.:<br />

253602550. Até 14/11. 2ª a 6ª das<br />

10h às 19h. Sáb. das 15h às 19h.<br />

Inaugura 3/10 às 18h.<br />

Pintura.<br />

Amália, Coração<br />

In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />

De vários autores.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Museu Colecção<br />

Berardo. Praça do Império - Centro<br />

Cultural <strong>de</strong> Belém. Tel.: 213612878.<br />

<strong>de</strong>ssa carnalida<strong>de</strong> no campo da<br />

cultura. Obras tão distintas como as<br />

<strong>de</strong> Pasolini e <strong>de</strong> Warhol, as <strong>de</strong> Costa<br />

e <strong>de</strong> Tillmans, po<strong>de</strong>m ser lidas a<br />

partir <strong>de</strong>sse instante em que a arte<br />

se tornou, <strong>de</strong> facto, participada pelo<br />

povo, então travestido numa<br />

qualquer personagem religiosa, hoje<br />

protagonista dos seus próprios<br />

instantes <strong>de</strong> fama, sobretudo<br />

associados à mediatização da sua<br />

imagem.<br />

A exposição “Os Republicanos”,<br />

<strong>de</strong> João Sousa Cardoso (Vila Nova <strong>de</strong><br />

Famalicão, 1977), constitui uma<br />

meditação acerca <strong>de</strong>sse corpo<br />

plebeu, colocando em evidência,<br />

através do uso <strong>de</strong> fotocópias a pretoe-branco<br />

instaladas nas pare<strong>de</strong>s com<br />

recurso a fita-cola castanha,<br />

diferentes formas da sua<br />

manif<strong>esta</strong>ção, sejam elas políticas,<br />

históricas ou artísticas. A mostra<br />

forma um díptico com “A Terceira<br />

República”, apresentada, em 2007,<br />

num outro espaço gerido por<br />

artistas, o Mad Woman in The Attic.<br />

Tal como nessa ocasião, a proposta<br />

Até 31/01. 6ª das 10h às 22h (última admissão às<br />

21h30). 2ª a 5ª, Sáb. e Dom. das 10h às 19h (última<br />

admissão às 18h30). Inaugura 5/10 às 19h30.<br />

Documental, Pintura, Ví<strong>de</strong>o,<br />

Objectos, Outros.<br />

Amália, Coração In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />

<strong>Lisboa</strong>. Museu da Electricida<strong>de</strong>.<br />

Avenida Brasília - Edifício Central Tejo. Tel.:<br />

210028120. Até 31/01. 3ª a Dom. das 10h às 18h.<br />

Inaugura 5/10 às 17h30.<br />

Documental, Pintura, Ví<strong>de</strong>o,<br />

Objectos, Outros.<br />

A Interpretação dos Sonhos<br />

De Jorge Mol<strong>de</strong>r.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Centro <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna - José <strong>de</strong> Azeredo<br />

Perdigão. Rua Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.:<br />

217823474. Até 27/12. 3ª a Dom. das 10h às 18h.<br />

Inaugura 8/10 às 18h.<br />

Fotografia.<br />

Anos 70 - Atravessar Fronteiras<br />

<strong>Lisboa</strong>. Centro <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna - José <strong>de</strong> Azeredo<br />

Perdigão. Rua Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.:<br />

217823474. Até 03/01. 3ª a Dom. das 10h às 18h.<br />

Inaugura 8/10 às 18h30.<br />

Pintura, Escultura, Fotografia,<br />

Instalação, Outros.<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

actual po<strong>de</strong> ser lida a partir <strong>de</strong> um<br />

procedimento cinematográfico, o<br />

“travelling”, esse acto moral <strong>de</strong> que<br />

falava Jacques Rivette a propósito <strong>de</strong><br />

um plano <strong>de</strong> “Kapo”, <strong>de</strong> Gilles<br />

Pontecorvo – este problema é<br />

também central na obra <strong>de</strong> Jean-Luc<br />

Godard.<br />

A viagem proposta por João Sousa<br />

Cardoso através das salas do A<br />

Certain Lack of Coherence, numa<br />

proposta integrada num programa<br />

expositivo <strong>de</strong>lineado por José Maia, é<br />

banhada numa intensa luz vermelha,<br />

que sublinha a tensão, ou o frágil<br />

equilíbrio, entre a libido e o terror,<br />

figuras limites <strong>de</strong> uma exposição<br />

on<strong>de</strong> o <strong>de</strong>sejo se confronta com a<br />

morte – veja-se, por exemplo, a<br />

imagem do participado funeral do<br />

regicida Manuel Buíça, que, a 28 <strong>de</strong><br />

Janeiro <strong>de</strong> 1908, quatro dias antes <strong>de</strong><br />

ter assassinado D. Carlos I, escrevia<br />

uma carta-t<strong>esta</strong>mento na qual pedia<br />

que, caso fosse morto, educassem os<br />

seus filhos “nos princípios da<br />

liberda<strong>de</strong>, igualda<strong>de</strong> e fraternida<strong>de</strong>”<br />

com os quais comungava.<br />

A exposição abre com duas<br />

imagens <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s dimensões,<br />

numa espécie <strong>de</strong> campo/contracampo,<br />

na qual se observam, numa,<br />

o corpo <strong>de</strong> Mussolini, morto e<br />

pendurado no Piazzale Loreto, em<br />

Milão, e, na pare<strong>de</strong> oposta, um<br />

instantâneo tirado durante a<br />

rodagem <strong>de</strong> “Trás-os-Montes”, <strong>de</strong><br />

Margarida Cor<strong>de</strong>iro e António Reis –<br />

nela, observa-se o director <strong>de</strong><br />

fotografia Acácio <strong>de</strong> Almeida a<br />

realizar um “travelling” em cima <strong>de</strong><br />

uma bicicleta. Na mesma sala é<br />

ainda visível uma fotocópia da<br />

pintura “São João<br />

Baptista”(1599-1600), <strong>de</strong> Caravaggio.<br />

A queda do fascismo, a reinvenção<br />

do cinema, o pós-revolução <strong>de</strong> Abril,<br />

a entrada do corpo plebeu,<br />

republicano, no território da arte<br />

constituem possíveis pontos <strong>de</strong><br />

Jesper Just<br />

<strong>Lisboa</strong>. Centro <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna - José <strong>de</strong> Azeredo<br />

Perdigão. Rua Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.:<br />

217823474. Até 18/01. 3ª a Dom. das 10h às 18h.<br />

Inaugura 8/10 às 18h30.<br />

Ví<strong>de</strong>o, Instalação.<br />

Stag Night<br />

De Bela Silva.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Alecrim 50. R. do Alecrim,<br />

48-50. Tel.: 213465258. Até 31/10. 2ª a 6ª<br />

das 11h às 19h. Sáb. das 11h às 19h. Inaugura<br />

8/10 às 19h.<br />

Pintura.<br />

Diorama<br />

De vários autores.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Museu Nacional <strong>de</strong> História<br />

Natural. Rua da Escola Politécnica, 58. Tel.:<br />

213921800. Até 31/10. 3ª a 6ª das 10h às 17h. Sáb. e<br />

Dom. das 11h às 18h. Na Sala do Veado. Inaugura 8/10<br />

às 19h.<br />

Pintura, Outros.<br />

Continuam<br />

Obras <strong>de</strong> Paula Rego<br />

De Paula Rego.<br />

Cascais. Casa das Histórias - Paula Rego. Av. da<br />

partida para uma mostra que<br />

atravessa as diferentes salas do A<br />

Certain Lack of Coherence numa<br />

montagem inspirada quer nos<br />

baixos-relevos dos frisos jónicos e<br />

coríntios – as histórias neles<br />

contadas po<strong>de</strong>m ser vistas como<br />

uma espécie <strong>de</strong> proto-cinema –, quer<br />

no “Mnemosyne-Atlas”, concebido<br />

por Aby Warburg entre 1924 e 1929.<br />

A sucessão <strong>de</strong> imagens culmina no<br />

primeiro andar do espaço expositivo<br />

– limpo e aberto ao público pela<br />

primeira vez n<strong>esta</strong> ocasião –,<br />

transformado numa espécie <strong>de</strong><br />

receptáculo do inconsciente<br />

nacional. Esse contínuo <strong>de</strong><br />

fotocópias, que muitas vezes se<br />

sobrepõem, provoca uma tensão<br />

quer durante o acto <strong>de</strong> olhar – há<br />

uma clara dificulda<strong>de</strong> em encontrar<br />

um ponto <strong>de</strong> focagem –, quer no<br />

momento <strong>de</strong> assimilação dos<br />

conteúdos, agora homogeneizados<br />

pela sua partilha <strong>de</strong> um lugar<br />

comum. Uma mesma fotografia<br />

po<strong>de</strong> também suscitar diferentes<br />

graus <strong>de</strong> leitura, como aquela em<br />

que se observa Marilyn <strong>de</strong> roupão,<br />

um momento essencial do filme “Os<br />

Inadaptados” (1961), <strong>de</strong> John Huston,<br />

no qual se aborda o tema da<br />

liberda<strong>de</strong>. Há ainda uma forte<br />

presença das <strong>mulher</strong>es na mostra,<br />

como se o artista apontasse um<br />

possível e <strong>de</strong>sejado <strong>de</strong>vir: Maria <strong>de</strong><br />

Lour<strong>de</strong>s Pintasilgo, A<strong>de</strong>lai<strong>de</strong><br />

Ferreira, Ana Deus, Hannah Arendt,<br />

Judith Butler. Um corpo feminino,<br />

filosófico e político, esse<br />

contrapondo ao mundo dos<br />

homens; uma oposição celebrada<br />

por Natália Correia em poema<br />

<strong>de</strong>dicado a Cicciolona, <strong>de</strong>pois da<br />

visita d<strong>esta</strong> ao hemiciclo português:<br />

“Estava o Parlamento em tédio<br />

morno/ Do Processo Penal a lei<br />

moendo/ Quando carnal a <strong>de</strong>putada<br />

porno/ Entra em S. Bento. Horror!<br />

Caso tremendo!”<br />

República, 300. Tel.: 214826970.<br />

Até 18/03. 2ª a Dom. das 10h às 22h.<br />

Entrada livre.<br />

Desenho, Pintura.<br />

Quick, Quick, Slow<br />

<strong>Lisboa</strong>. Museu Colecção Berardo.<br />

Praça do Império - Centro Cultural <strong>de</strong> Belém.<br />

Tel.: 213612878. Até 29/11. 6ª das 10h00<br />

às 22h (última admissão às 21h30). 2ª a 5ª,<br />

Sáb. e Dom. das 10h às 19h (última admissão<br />

às 18h30).<br />

Design. Experimenta Design 2009.<br />

Encompassing The Globe.<br />

Portugal e o Mundo nos Séculos<br />

XVI E XVII<br />

De vários autores.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Museu Nacional <strong>de</strong> Arte Antiga.<br />

Rua das Janelas Ver<strong>de</strong>s - Palácio do Alvor.<br />

Tel.: 213912800. Até 11/10. 3ª das 14h às 18h.<br />

4ª a Dom. das 10h às 18h.<br />

A<strong>de</strong>lina Lopes<br />

Guimarães. Centro Cultural Vila Flor. Avenida D.<br />

Afonso Henriques, 701. T. 253424700. Até 29/11. 3ª<br />

a sáb das 10h às 12h30 e das 14h às 19h. Domingo e<br />

feriados das 14h às 19h.<br />

Fotografia, Objectos.


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