17.04.2013 Views

Conhece esta mulher? - Fonoteca Municipal de Lisboa

Conhece esta mulher? - Fonoteca Municipal de Lisboa

Conhece esta mulher? - Fonoteca Municipal de Lisboa

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

am dos primeiros europeus a pisar<br />

o Novo Mundo. Ele tinha era sido enfeitiçado<br />

pela selva, um inferno ver<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> on<strong>de</strong> conseguia escapar sempre<br />

sem gran<strong>de</strong>s doenças - e como são<br />

fantásticas essas doenças, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> vermes<br />

que crescem incessantemente<br />

<strong>de</strong>ntro do corpo e espreitam por feridas<br />

que não saram nunca, a febres<br />

várias, passando por abelhas microscópicas<br />

que são atraídas pela humida<strong>de</strong><br />

dos olhos. Enfim, pelo menos<br />

um dos círculos do Inferno podia ficar<br />

preenchido apenas pelos insectos que<br />

povoam o mundo fechado e ver<strong>de</strong> da<br />

flor<strong>esta</strong> amazónica, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> nem se<br />

vê o Sol, por ser tão cerrada a vegetação.<br />

Como é que ali po<strong>de</strong>ria alguma<br />

vez ter havido civilizações que se comparassem<br />

às dos incas, no topo dos<br />

An<strong>de</strong>s? Nunca naquela terra cheia <strong>de</strong><br />

vida mas ao mesmo tempo tão hostil<br />

à vida se po<strong>de</strong>ria imaginar que tivesse<br />

havido civilização complexa, com<br />

milhões <strong>de</strong> habitantes, algo semelhante<br />

ao que relataram os primeiros “conquistadores”<br />

espanhóis.<br />

Pelo menos era isso que se pensava<br />

no início do século XX, e que se continuou<br />

a pensar até há pelo menos 30<br />

a 40 anos. Descobertas permitidas<br />

graças a avanços na tecnologia – sobretudo<br />

as que transportaram os<br />

olhos do homem para o céu, e outros<br />

truques para além dos sentidos humanos,<br />

como os radares inventados<br />

com a II Guerra Mundial, ou o Sistema<br />

<strong>de</strong> Posicionamento Global (GPS).<br />

Só na última parte do livro <strong>de</strong> Grann<br />

chegamos a perceber que a procura<br />

<strong>de</strong> Fawcett, afinal, se tornou hoje um<br />

tema <strong>de</strong> investigação científica – uma<br />

busca <strong>de</strong> provas concretas <strong>de</strong> que a<br />

civilização amazónica pré-colombiana<br />

existiu mesmo. E não era apenas<br />

uma cida<strong>de</strong>, era um complexo <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s<br />

e outras povoações mais pequenas,<br />

organizadas em torno <strong>de</strong> praças<br />

redondas e ligadas por estradas muito<br />

direitas e seguindo orientações<br />

astronómicas, como as dos equinócios,<br />

e pontos car<strong>de</strong>ais.<br />

Quem lhe conta, em páginas <strong>de</strong>masiado<br />

breves, o que a ciência <strong>de</strong>scobriu,<br />

vigando as teorias do <strong>de</strong>saparecido<br />

Fawcett (e outros), foi o arqueólogo<br />

Michael Heckenberger, da<br />

Universida<strong>de</strong> da Florida, adoptado<br />

pelos índios cuicuro. Quando Grann<br />

o encontrou, o arqueólogo vivia com<br />

os índios há 13 anos – tanto tempo que<br />

já tinha a sua própria cubata numa<br />

al<strong>de</strong>ia do Parque Indígena do Xingu,<br />

no norte do Brasil. Heckenberger po<strong>de</strong>ria<br />

lembrar o coronel Kurtz do filme<br />

“Apocalyse Now”, <strong>de</strong> Coppola,<br />

mas é um cientista a sério, com publicações<br />

nas mais respeitadas revistas<br />

científicas, on<strong>de</strong> relata as <strong>de</strong>scobertas<br />

que tem feito na selva ao longo<br />

da última década.<br />

Em 1492, quando Colombo chegou<br />

à América, o que encontrou foi uma<br />

O arqueólogo Michael<br />

Heckenberger, adoptado pelos<br />

cuicuro - Gram encontrou-o,<br />

vivia ele há 13 anos com os<br />

índios, na sua <strong>de</strong>manda pelos<br />

caminhos <strong>de</strong> Fawcett<br />

flor<strong>esta</strong> virgem ou um parque cultivado,<br />

ajeitado às necessida<strong>de</strong>s dos<br />

milhões <strong>de</strong> pessoas que lá viviam –<br />

esse era o título <strong>de</strong> um artigo que Heckenberger<br />

publicou em 2003, na<br />

revista “Science”. Ele <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a segunda<br />

hipótese, e tem provas para o<br />

<strong>de</strong>monstrar, que aliás mostrou a<br />

Grann, quando o nova-iorquino quarentão<br />

que nunca tinha sequer acampado<br />

foi para a selva, na zona <strong>de</strong> Mato<br />

Grosso, tentando <strong>de</strong>svendar o mistério<br />

do que terá levado ao<br />

<strong>de</strong>saparecimento <strong>de</strong> Fawcett.<br />

“Começou a caminhar outra vez<br />

pela flor<strong>esta</strong>, apontando o que era,<br />

claramente, os restos <strong>de</strong> uma enorme<br />

paisagem feita pelo homem”, relata<br />

Grann, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Heckenberger o ter<br />

feito ver um <strong>de</strong>snível que afinal era<br />

um fosso “<strong>de</strong> há cerca <strong>de</strong> 900 anos”,<br />

um lugar que parecia “ser um fosso<br />

<strong>de</strong>ntro do fosso” e na verda<strong>de</strong> era on<strong>de</strong><br />

ficava uma paliçada que ro<strong>de</strong>ava<br />

a povoação, ali ao pé da al<strong>de</strong>ia cuicuro<br />

on<strong>de</strong> ainda hoje vivem índios.<br />

Flor<strong>esta</strong> urbanizada<br />

“Havia uma praça circular gigantesca<br />

on<strong>de</strong> a vegetação tinha carácter diferente<br />

da do resto da flor<strong>esta</strong>, porque<br />

outrora tinha sido limpa. E tinha havido<br />

uma zona <strong>de</strong> habitações dispersas,<br />

como se provava por um solo<br />

preto ainda mais <strong>de</strong>nso que fora enriquecido<br />

pelo lixo <strong>de</strong>composto pelos<br />

<strong>de</strong>jectos humanos” (pág. 308). Em<br />

poucas linhas, Grann fala da “terra<br />

preta” tão diferente do solo empobrecido<br />

<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> parte da flor<strong>esta</strong>, e que<br />

tem sinais claros <strong>de</strong> ter sido produzida<br />

pela activida<strong>de</strong> humana, <strong>de</strong>screve<br />

as <strong>de</strong>scobertas dos últimos <strong>de</strong>z a 20<br />

anos que fizeram mudar a forma como<br />

os arqueólogos olham para a Amazónia<br />

– não uma flor<strong>esta</strong> intocada<br />

pelo homem, mas um “habitat” por<br />

ele modificado, com estradas, caminhos<br />

elevados e pontes, canais e até<br />

tanques <strong>de</strong> aquacultura.<br />

Pelo menos numa zona que fica algures<br />

entre o Mato Grosso brasileiro e<br />

Llanos <strong>de</strong> Mojos, na Bolívia, uma planície<br />

entalada entre as montanhas dos<br />

An<strong>de</strong>s e a flor<strong>esta</strong> amazónica, on<strong>de</strong><br />

também há vestígios <strong>de</strong> uma ocupação<br />

sofisticada do espaço, com montes que<br />

po<strong>de</strong>m ter servido <strong>de</strong> terras agrícolas<br />

ou refúgios para as inundações que se<br />

seguem ao <strong>de</strong>gelo nas montanhas, na<br />

Primavera, dizia uma reportagem publicada<br />

em Fevereiro <strong>de</strong> 2000 também<br />

na revista “Science”.<br />

No ano passado, em Agosto, Heckenberger,<br />

e uma equipa que incluía<br />

vários cientistas brasileiros e pelo menos<br />

um índio cuicuro, voltou a falar<br />

das últimas <strong>de</strong>scobertas feitas na zona<br />

on<strong>de</strong> Fawcett tinha a certeza <strong>de</strong> que<br />

encontraria a sua misteriosa “Z”. O<br />

conceito que introduzem os arqueólogos<br />

e outros cientistas essenciais<br />

para <strong>esta</strong> investigação, que inclui até<br />

A procura <strong>de</strong> Fawcett<br />

tornou-se hoje tema<br />

<strong>de</strong> investigação<br />

científica – uma busca<br />

<strong>de</strong> provas concretas<br />

<strong>de</strong> que a civilização<br />

amazónica précolombiana<br />

existiu<br />

mesmo. E não era<br />

apenas uma cida<strong>de</strong>,<br />

era um complexo<br />

<strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s e outras<br />

povoações mais<br />

pequenas,<br />

organizadas em torno<br />

<strong>de</strong> praças redondas e<br />

ligadas por estradas<br />

muito direitas e<br />

seguindo orientações<br />

astronómicas, como<br />

as dos equinócios,<br />

e pontos car<strong>de</strong>ais<br />

satélites, é o <strong>de</strong> que a Amazónia antes<br />

<strong>de</strong> Colombo era uma “flor<strong>esta</strong> urbanizada”,<br />

uma paisagem modificada<br />

pela acção do homem, que escolheu<br />

umas plantas sobre outras, e on<strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>m ter sido domesticadas espécies<br />

que ainda hoje fazem parte da<br />

alimentação básica dos que ali vivem,<br />

como a mandioca.<br />

“Quando eu e a minha equipa começámos<br />

a cartografar tudo, <strong>de</strong>scobrimos<br />

que nada era feito por aci<strong>de</strong>nte.<br />

Todos estes povoados eram instalados<br />

segundo um plano complicado,<br />

com um sentido <strong>de</strong> engenharia e matemática<br />

que rivalizava com tudo o<br />

que <strong>esta</strong>va a acontecer em gran<strong>de</strong><br />

parte da Europa do tempo” (pág.<br />

309), disse o arqueólogo da Universida<strong>de</strong><br />

da Florida ao jornalista que via<br />

“Z” surgir da flor<strong>esta</strong>. “Gostavam <strong>de</strong><br />

ter belas estradas e praças e pontes.<br />

Os seus monumentos não eram pirâmi<strong>de</strong>s,<br />

razão pela qual foram tão difíceis<br />

<strong>de</strong> encontrar; eram características<br />

horizontais. Mas não eram menos<br />

extraordinários.” (pág. 310).<br />

Foi só no fim da sua viagem pelas<br />

aventuras e muitas <strong>de</strong>sgraças das missões<br />

<strong>de</strong> Fawcett – e dos aventureiros<br />

que se propuseram ir para a selva para<br />

<strong>de</strong>scobrir o que lhe teria acontecido,<br />

a ele, ao filho e ao amigo do filho,<br />

em 1925 – que David Grann <strong>de</strong>scobriu<br />

que “Z”, afinal, <strong>esta</strong>va hoje a ser <strong>de</strong>scoberta<br />

por muitos cientistas, aos<br />

bocadinhos, com o recurso a meios<br />

aéreos que no tempo <strong>de</strong> Fawcett eram<br />

praticamente impossíveis e tecnologias<br />

como radares que penetram o<br />

solo para <strong>de</strong>scobrir o que está por<br />

<strong>de</strong>baixo da terra, sensores remotos<br />

para <strong>de</strong>tectar campos magnéticos no<br />

solo, fotografias <strong>de</strong> satélite e tantas,<br />

tantas outras coisas para além dos<br />

pedaços <strong>de</strong> cerâmica que Fawcett <strong>de</strong>scobria<br />

por toda a parte na selva, on<strong>de</strong><br />

viviam as tribos que não tinham sido<br />

ainda aculturadas e <strong>de</strong>struídas pelo<br />

contacto com os brancos.<br />

“Durante um momento, consegui<br />

ver esse mundo <strong>de</strong>saparecido como<br />

se estivesse à minha frente Z”, confessa<br />

Grann.<br />

Ver crítica <strong>de</strong> livros págs. 26 e segs.<br />

23

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!