Conhece esta mulher? - Fonoteca Municipal de Lisboa
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am dos primeiros europeus a pisar<br />
o Novo Mundo. Ele tinha era sido enfeitiçado<br />
pela selva, um inferno ver<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> on<strong>de</strong> conseguia escapar sempre<br />
sem gran<strong>de</strong>s doenças - e como são<br />
fantásticas essas doenças, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> vermes<br />
que crescem incessantemente<br />
<strong>de</strong>ntro do corpo e espreitam por feridas<br />
que não saram nunca, a febres<br />
várias, passando por abelhas microscópicas<br />
que são atraídas pela humida<strong>de</strong><br />
dos olhos. Enfim, pelo menos<br />
um dos círculos do Inferno podia ficar<br />
preenchido apenas pelos insectos que<br />
povoam o mundo fechado e ver<strong>de</strong> da<br />
flor<strong>esta</strong> amazónica, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> nem se<br />
vê o Sol, por ser tão cerrada a vegetação.<br />
Como é que ali po<strong>de</strong>ria alguma<br />
vez ter havido civilizações que se comparassem<br />
às dos incas, no topo dos<br />
An<strong>de</strong>s? Nunca naquela terra cheia <strong>de</strong><br />
vida mas ao mesmo tempo tão hostil<br />
à vida se po<strong>de</strong>ria imaginar que tivesse<br />
havido civilização complexa, com<br />
milhões <strong>de</strong> habitantes, algo semelhante<br />
ao que relataram os primeiros “conquistadores”<br />
espanhóis.<br />
Pelo menos era isso que se pensava<br />
no início do século XX, e que se continuou<br />
a pensar até há pelo menos 30<br />
a 40 anos. Descobertas permitidas<br />
graças a avanços na tecnologia – sobretudo<br />
as que transportaram os<br />
olhos do homem para o céu, e outros<br />
truques para além dos sentidos humanos,<br />
como os radares inventados<br />
com a II Guerra Mundial, ou o Sistema<br />
<strong>de</strong> Posicionamento Global (GPS).<br />
Só na última parte do livro <strong>de</strong> Grann<br />
chegamos a perceber que a procura<br />
<strong>de</strong> Fawcett, afinal, se tornou hoje um<br />
tema <strong>de</strong> investigação científica – uma<br />
busca <strong>de</strong> provas concretas <strong>de</strong> que a<br />
civilização amazónica pré-colombiana<br />
existiu mesmo. E não era apenas<br />
uma cida<strong>de</strong>, era um complexo <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s<br />
e outras povoações mais pequenas,<br />
organizadas em torno <strong>de</strong> praças<br />
redondas e ligadas por estradas muito<br />
direitas e seguindo orientações<br />
astronómicas, como as dos equinócios,<br />
e pontos car<strong>de</strong>ais.<br />
Quem lhe conta, em páginas <strong>de</strong>masiado<br />
breves, o que a ciência <strong>de</strong>scobriu,<br />
vigando as teorias do <strong>de</strong>saparecido<br />
Fawcett (e outros), foi o arqueólogo<br />
Michael Heckenberger, da<br />
Universida<strong>de</strong> da Florida, adoptado<br />
pelos índios cuicuro. Quando Grann<br />
o encontrou, o arqueólogo vivia com<br />
os índios há 13 anos – tanto tempo que<br />
já tinha a sua própria cubata numa<br />
al<strong>de</strong>ia do Parque Indígena do Xingu,<br />
no norte do Brasil. Heckenberger po<strong>de</strong>ria<br />
lembrar o coronel Kurtz do filme<br />
“Apocalyse Now”, <strong>de</strong> Coppola,<br />
mas é um cientista a sério, com publicações<br />
nas mais respeitadas revistas<br />
científicas, on<strong>de</strong> relata as <strong>de</strong>scobertas<br />
que tem feito na selva ao longo<br />
da última década.<br />
Em 1492, quando Colombo chegou<br />
à América, o que encontrou foi uma<br />
O arqueólogo Michael<br />
Heckenberger, adoptado pelos<br />
cuicuro - Gram encontrou-o,<br />
vivia ele há 13 anos com os<br />
índios, na sua <strong>de</strong>manda pelos<br />
caminhos <strong>de</strong> Fawcett<br />
flor<strong>esta</strong> virgem ou um parque cultivado,<br />
ajeitado às necessida<strong>de</strong>s dos<br />
milhões <strong>de</strong> pessoas que lá viviam –<br />
esse era o título <strong>de</strong> um artigo que Heckenberger<br />
publicou em 2003, na<br />
revista “Science”. Ele <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a segunda<br />
hipótese, e tem provas para o<br />
<strong>de</strong>monstrar, que aliás mostrou a<br />
Grann, quando o nova-iorquino quarentão<br />
que nunca tinha sequer acampado<br />
foi para a selva, na zona <strong>de</strong> Mato<br />
Grosso, tentando <strong>de</strong>svendar o mistério<br />
do que terá levado ao<br />
<strong>de</strong>saparecimento <strong>de</strong> Fawcett.<br />
“Começou a caminhar outra vez<br />
pela flor<strong>esta</strong>, apontando o que era,<br />
claramente, os restos <strong>de</strong> uma enorme<br />
paisagem feita pelo homem”, relata<br />
Grann, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Heckenberger o ter<br />
feito ver um <strong>de</strong>snível que afinal era<br />
um fosso “<strong>de</strong> há cerca <strong>de</strong> 900 anos”,<br />
um lugar que parecia “ser um fosso<br />
<strong>de</strong>ntro do fosso” e na verda<strong>de</strong> era on<strong>de</strong><br />
ficava uma paliçada que ro<strong>de</strong>ava<br />
a povoação, ali ao pé da al<strong>de</strong>ia cuicuro<br />
on<strong>de</strong> ainda hoje vivem índios.<br />
Flor<strong>esta</strong> urbanizada<br />
“Havia uma praça circular gigantesca<br />
on<strong>de</strong> a vegetação tinha carácter diferente<br />
da do resto da flor<strong>esta</strong>, porque<br />
outrora tinha sido limpa. E tinha havido<br />
uma zona <strong>de</strong> habitações dispersas,<br />
como se provava por um solo<br />
preto ainda mais <strong>de</strong>nso que fora enriquecido<br />
pelo lixo <strong>de</strong>composto pelos<br />
<strong>de</strong>jectos humanos” (pág. 308). Em<br />
poucas linhas, Grann fala da “terra<br />
preta” tão diferente do solo empobrecido<br />
<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> parte da flor<strong>esta</strong>, e que<br />
tem sinais claros <strong>de</strong> ter sido produzida<br />
pela activida<strong>de</strong> humana, <strong>de</strong>screve<br />
as <strong>de</strong>scobertas dos últimos <strong>de</strong>z a 20<br />
anos que fizeram mudar a forma como<br />
os arqueólogos olham para a Amazónia<br />
– não uma flor<strong>esta</strong> intocada<br />
pelo homem, mas um “habitat” por<br />
ele modificado, com estradas, caminhos<br />
elevados e pontes, canais e até<br />
tanques <strong>de</strong> aquacultura.<br />
Pelo menos numa zona que fica algures<br />
entre o Mato Grosso brasileiro e<br />
Llanos <strong>de</strong> Mojos, na Bolívia, uma planície<br />
entalada entre as montanhas dos<br />
An<strong>de</strong>s e a flor<strong>esta</strong> amazónica, on<strong>de</strong><br />
também há vestígios <strong>de</strong> uma ocupação<br />
sofisticada do espaço, com montes que<br />
po<strong>de</strong>m ter servido <strong>de</strong> terras agrícolas<br />
ou refúgios para as inundações que se<br />
seguem ao <strong>de</strong>gelo nas montanhas, na<br />
Primavera, dizia uma reportagem publicada<br />
em Fevereiro <strong>de</strong> 2000 também<br />
na revista “Science”.<br />
No ano passado, em Agosto, Heckenberger,<br />
e uma equipa que incluía<br />
vários cientistas brasileiros e pelo menos<br />
um índio cuicuro, voltou a falar<br />
das últimas <strong>de</strong>scobertas feitas na zona<br />
on<strong>de</strong> Fawcett tinha a certeza <strong>de</strong> que<br />
encontraria a sua misteriosa “Z”. O<br />
conceito que introduzem os arqueólogos<br />
e outros cientistas essenciais<br />
para <strong>esta</strong> investigação, que inclui até<br />
A procura <strong>de</strong> Fawcett<br />
tornou-se hoje tema<br />
<strong>de</strong> investigação<br />
científica – uma busca<br />
<strong>de</strong> provas concretas<br />
<strong>de</strong> que a civilização<br />
amazónica précolombiana<br />
existiu<br />
mesmo. E não era<br />
apenas uma cida<strong>de</strong>,<br />
era um complexo<br />
<strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s e outras<br />
povoações mais<br />
pequenas,<br />
organizadas em torno<br />
<strong>de</strong> praças redondas e<br />
ligadas por estradas<br />
muito direitas e<br />
seguindo orientações<br />
astronómicas, como<br />
as dos equinócios,<br />
e pontos car<strong>de</strong>ais<br />
satélites, é o <strong>de</strong> que a Amazónia antes<br />
<strong>de</strong> Colombo era uma “flor<strong>esta</strong> urbanizada”,<br />
uma paisagem modificada<br />
pela acção do homem, que escolheu<br />
umas plantas sobre outras, e on<strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong>m ter sido domesticadas espécies<br />
que ainda hoje fazem parte da<br />
alimentação básica dos que ali vivem,<br />
como a mandioca.<br />
“Quando eu e a minha equipa começámos<br />
a cartografar tudo, <strong>de</strong>scobrimos<br />
que nada era feito por aci<strong>de</strong>nte.<br />
Todos estes povoados eram instalados<br />
segundo um plano complicado,<br />
com um sentido <strong>de</strong> engenharia e matemática<br />
que rivalizava com tudo o<br />
que <strong>esta</strong>va a acontecer em gran<strong>de</strong><br />
parte da Europa do tempo” (pág.<br />
309), disse o arqueólogo da Universida<strong>de</strong><br />
da Florida ao jornalista que via<br />
“Z” surgir da flor<strong>esta</strong>. “Gostavam <strong>de</strong><br />
ter belas estradas e praças e pontes.<br />
Os seus monumentos não eram pirâmi<strong>de</strong>s,<br />
razão pela qual foram tão difíceis<br />
<strong>de</strong> encontrar; eram características<br />
horizontais. Mas não eram menos<br />
extraordinários.” (pág. 310).<br />
Foi só no fim da sua viagem pelas<br />
aventuras e muitas <strong>de</strong>sgraças das missões<br />
<strong>de</strong> Fawcett – e dos aventureiros<br />
que se propuseram ir para a selva para<br />
<strong>de</strong>scobrir o que lhe teria acontecido,<br />
a ele, ao filho e ao amigo do filho,<br />
em 1925 – que David Grann <strong>de</strong>scobriu<br />
que “Z”, afinal, <strong>esta</strong>va hoje a ser <strong>de</strong>scoberta<br />
por muitos cientistas, aos<br />
bocadinhos, com o recurso a meios<br />
aéreos que no tempo <strong>de</strong> Fawcett eram<br />
praticamente impossíveis e tecnologias<br />
como radares que penetram o<br />
solo para <strong>de</strong>scobrir o que está por<br />
<strong>de</strong>baixo da terra, sensores remotos<br />
para <strong>de</strong>tectar campos magnéticos no<br />
solo, fotografias <strong>de</strong> satélite e tantas,<br />
tantas outras coisas para além dos<br />
pedaços <strong>de</strong> cerâmica que Fawcett <strong>de</strong>scobria<br />
por toda a parte na selva, on<strong>de</strong><br />
viviam as tribos que não tinham sido<br />
ainda aculturadas e <strong>de</strong>struídas pelo<br />
contacto com os brancos.<br />
“Durante um momento, consegui<br />
ver esse mundo <strong>de</strong>saparecido como<br />
se estivesse à minha frente Z”, confessa<br />
Grann.<br />
Ver crítica <strong>de</strong> livros págs. 26 e segs.<br />
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