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Conhece esta mulher? - Fonoteca Municipal de Lisboa

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“Se eu olhar para trás<br />

foi extremamente<br />

rápido...”<br />

Carlos<br />

Drummond<br />

<strong>de</strong> Andra<strong>de</strong><br />

http://www.<br />

carlosdrummond<strong>de</strong>andra<strong>de</strong>.<br />

com.br/<br />

Ciberescritas<br />

O poeta da vida<br />

supersónica<br />

78 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, você acha muito?”,<br />

perguntava, em 1981, uma jornalista do<br />

“Jornal Hoje” a Carlos Drummond <strong>de</strong><br />

Andra<strong>de</strong> num dos ví<strong>de</strong>os, disponível no<br />

“São<br />

You Tube e no “site” oficial do poeta que a<br />

editora brasileira Record acaba <strong>de</strong> lançar. A resposta não<br />

se fez esperar: “Não, não é bem nem muito, a gente não<br />

tem a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que o tempo passou não. (...) Se eu olhar<br />

para trás foi extremamente rápido, uma coisa curiosa<br />

isso não dá para a gente sentir a ida<strong>de</strong> não, dá para sentir<br />

que o negócio foi muito veloz, um processo <strong>de</strong>masiado<br />

rápido, como se eu tomasse um avião supersónico.”<br />

Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> morreu em Agosto <strong>de</strong> 1987 e<br />

há 25 anos que a sua obra está no catálogo da Record.<br />

Para o assinalar foi lançado este “site” on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong>m<br />

consultar todos os títulos <strong>de</strong> Drummond publicados na<br />

Record, bem como fotos e ví<strong>de</strong>os on<strong>de</strong> o autor aparece.<br />

Mas a gran<strong>de</strong> novida<strong>de</strong> é a secção Rádio Drummond,<br />

on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>mos ouvir alguns dos seus poemas musicados.<br />

Quando se entra ouve-se, por exemplo, o famoso poema<br />

“No meio do caminho tinha uma pedra” em versão<br />

“Drum’n’bass” (“Nunca me esquecerei que no meio do<br />

caminho/tinha uma pedra/tinha uma pedra no meio<br />

do caminho/no meio do caminho tinha uma pedra”). E<br />

também o divertido “Quadrilha” (“João amava Teresa<br />

que amava Raimundo/ que amava Maria que amava<br />

Joaquim que amava Lili/ que não amava ninguém.// João<br />

foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,/<br />

Raimundo morreu <strong>de</strong> <strong>de</strong>sastre, Maria ficou para tia,/<br />

Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernan<strong>de</strong>s/<br />

que não tinha entrado na história.//”)<br />

Este não é o primeiro “site” que surge na Internet<br />

<strong>de</strong>dicado ao poeta. Em 1995 foi lançado Drummond na<br />

era digital (“o primeiro website <strong>de</strong> um autor brasileiro”)<br />

e dois anos <strong>de</strong>pois foi colocada na Internet a primeira<br />

versão interactiva do livro “O Avesso das Coisas”.<br />

Carlos Drummond <strong>de</strong><br />

Andra<strong>de</strong> nasceu em 1902,<br />

em Itabira do Mato Dentro,<br />

<strong>esta</strong>do <strong>de</strong> Minas Gerais.<br />

Estudou no Colégio Anchieta<br />

da Companhia <strong>de</strong> Jesus <strong>de</strong> on<strong>de</strong> foi expulso em 1919 por<br />

“insubordinação mental” e no ano seguinte mudou-se<br />

com a família para Belo Horizonte. Em 1924, Drummond<br />

começou a correspon<strong>de</strong>r-se com outro poeta, Manuel<br />

Ban<strong>de</strong>ira, e nesse ano conhece Blaise Cendrars, Oswald<br />

<strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, Tarsila do Amaral e Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong><br />

no Gran<strong>de</strong> Hotel <strong>de</strong> Belo Horizonte. Estes <strong>de</strong>talhes<br />

biográficos estão disponíveis na secção Linha do Tempo,<br />

numa cronologia on<strong>de</strong> se fica a saber um pouco sobre<br />

a vida <strong>de</strong> Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>. No dia 31 <strong>de</strong> Janeiro<br />

<strong>de</strong> 1987 escreveu o seu último poema, “Elegia a um<br />

Tucano Morto”, e a filha, Maria Julieta, morreu com um<br />

cancro no dia 5 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong>sse ano. O poeta escreveu<br />

nessa altura no seu diário: “Assim terminou a vida da<br />

pessoa que mais amei neste mundo.” Doze dias <strong>de</strong>pois,<br />

Carlos Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> morria com problemas<br />

cardíacos.<br />

Além das fotos, dos ví<strong>de</strong>os, das referências aos livros<br />

com alguns poemas que po<strong>de</strong>m ser lidos na íntegra, da<br />

Rádio Drummond, irão ser acrescentadas entrevistas<br />

e poesias <strong>de</strong>clamadas pelo próprio Drummon. Quem<br />

quiser po<strong>de</strong> <strong>de</strong>scarregar para o ecrã do computador<br />

“papéis <strong>de</strong> pare<strong>de</strong>” com imagens do poeta com uma vida<br />

supersónica.<br />

isabel.coutinho@publico.pt<br />

(Ciberescritas já é um blogue http://blogs.publico.pt/<br />

ciberescritas)<br />

Zonas <strong>de</strong><br />

penumbra<br />

Reedição do primeiro<br />

romance <strong>de</strong> Vasco Graça<br />

Moura, sob o signo musical.<br />

Pedro Mexia<br />

Quatro Últimas Canções<br />

Vasco Graça Moura<br />

Quetzal<br />

mmmnn<br />

“Na sua infância,<br />

não se tinha posto<br />

nunca a questão<br />

da justificação da<br />

música, e muito<br />

menos a da<br />

legitimação da<br />

ópera. Era um<br />

facto aceite e<br />

fruído, como as<br />

verda<strong>de</strong>s do catecismo e os terrores<br />

<strong>de</strong> Sexta-Feira Santa. E, procurando<br />

dizer as coisas com muito tacto,<br />

repetia-lhe que nas gran<strong>de</strong>s óperas,<br />

‘Orfeo’, ‘D. Giovanni’, o ‘Tristão’,<br />

quase todo o Verdi, a questão não<br />

seria talvez a da verosimilhança,<br />

nem a do maior ou menor<br />

grau <strong>de</strong> convenção, mas<br />

pura e simplesmente a<br />

<strong>de</strong> um certo jogo<br />

melodramático dos<br />

equivalentes da<br />

verda<strong>de</strong>. Ou a <strong>de</strong> um<br />

tipo <strong>de</strong> arte que<br />

existe e age por<br />

transfiguração das<br />

representações do<br />

<strong>de</strong>stino e do lado<br />

agónico da<br />

paixão” (pág.<br />

40). Esta<br />

passagem<br />

resume o<br />

programa do<br />

primeiro<br />

romance <strong>de</strong><br />

Vasco Graça<br />

Moura, publicado<br />

em 1987. Não é a<br />

verosimilhança que<br />

importa, mas o jogo<br />

melodramático das<br />

FERNANDO VELUDO/ PÚBLICO<br />

paixões. Sem que nunca se<br />

<strong>de</strong>sliguem melodrama e jogo, que<br />

Graça Moura é um melancólico<br />

lúdico. Escrito sob o signo musical,<br />

progri<strong>de</strong> em vários andamentos,<br />

vários timbres, cadências,<br />

compassos. É uma polifonia em que<br />

as personagens são sobretudo vozes.<br />

Mais uma vez, é o próprio autor<br />

quem explica, numa curiosa nota<br />

final: “(…) o registo <strong>de</strong> Matil<strong>de</strong> é<br />

teatral e trágico; o <strong>de</strong> Francisco é o<br />

do memorialismo íntimo e o da<br />

evocação camiliana; o <strong>de</strong> Ingrid,<br />

mais ligeiro, tem a ver com que<br />

po<strong>de</strong>ríamos <strong>de</strong>signar por crónica<br />

jornalística; o <strong>de</strong> Cristóvão situa-se<br />

predominantemente nas margens do<br />

diarismo” (pág. 202).<br />

Esta auto-<strong>de</strong>finição é interessante<br />

porque parece <strong>de</strong>smontar a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

que Graça Moura escolheu para os<br />

seus romances um registo narrativo<br />

Não é a verosimilhança que importa,<br />

mas o jogo melodramático das paixões,<br />

no primeiro romance <strong>de</strong> Vasco Graça<br />

Moura, agora reeditado<br />

clássico, sem quaisquer<br />

mo<strong>de</strong>rnismos. É verda<strong>de</strong> que as<br />

cenas são quase sempre realistas,<br />

que a prosa é claríssima, que há uma<br />

vaga psicologia. E nenhum escritor<br />

heterossexual <strong>de</strong>screve tão bem a<br />

arquitectura barroca ou a <strong>de</strong>coração<br />

<strong>de</strong> um salão. Mas é muito mais<br />

estimulante vermos “Quatro Últimas<br />

Canções” como “cose mentale”.<br />

Chegamos à última página e quase<br />

não retemos nada do enredo e das<br />

figuras que o atravessam, excepto o<br />

facto <strong>de</strong> se tratar <strong>de</strong> uma<br />

homenagem à Casa <strong>de</strong> Mateus, no<br />

seu notável trabalho <strong>de</strong> mecenato e<br />

na sua fauna <strong>de</strong> artistas excêntricos.<br />

O que fica, em contrapartida, é um<br />

texto maleável, que num passo<br />

discute Jünger e noutro dá a ouvir<br />

uma telefonia mal sintonizada, que<br />

cose excertos <strong>de</strong> poemas e<br />

divagações intencionalmente<br />

pretensiosas, que fustiga a<br />

“esquerda festiva” e a tontice dos<br />

intelectuais, e que regularmente<br />

interrompe tudo com umas<br />

investigações genealógicas que<br />

funcionam curiosamente como<br />

acrescento ficcional.<br />

As “Quatro Últimas Canções”<br />

(“Vier letzte Lie<strong>de</strong>r”), última<br />

composição <strong>de</strong> Richard Strauss<br />

(1948) estruturam o romance,<br />

ondulando nas “(…) <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iras<br />

metamorfoses do <strong>de</strong>stino, na<br />

luminosa e pungente serenida<strong>de</strong> dos<br />

ecos já rarefeitos <strong>de</strong> uma presença<br />

do mundo, das suas alegrias e das<br />

suas catástrofes”. Embora o livro<br />

contenha passagens <strong>de</strong> educação<br />

sentimental, e uma intriga política<br />

confusa, o que prevalece é a<br />

sucessão <strong>de</strong> símbolos e memórias<br />

que a música convoca, quase<br />

sempre num tom calmamente<br />

crepuscular, em zonas <strong>de</strong><br />

penumbra. A música, tal como a<br />

coreografia in<strong>de</strong>cisa d<strong>esta</strong>s<br />

personagens, cria momentos <strong>de</strong><br />

intensida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> naturalida<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong> representação, <strong>de</strong><br />

sofrimento, mas tudo isso<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do intérprete e do<br />

ouvinte. A música, tal como a vida,<br />

só se revela enquanto execução,<br />

sujeita à personalida<strong>de</strong> do músico,<br />

isto é, do sujeito. A partitura é então<br />

transfigurada por quem toca ou<br />

canta, mas também por quem ouve,<br />

ou seja, por quem vive.<br />

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