Conhece esta mulher? - Fonoteca Municipal de Lisboa
Conhece esta mulher? - Fonoteca Municipal de Lisboa
Conhece esta mulher? - Fonoteca Municipal de Lisboa
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
que dão a ver o mundanismo <strong>de</strong> uma<br />
estrela, mudanças físicas radicais que<br />
abalam a representação tradicional<br />
da fadista).<br />
Tal como mudou o reportório do<br />
fado para que um público internacional<br />
o acolhesse, “Amália percebeu,<br />
pela gran<strong>de</strong> intuição que tinha, que<br />
era preciso mudar a sua imagem”, diz<br />
Emília Tavares. Uma imagem que faz<br />
valer a sua feminilida<strong>de</strong> – “há uma<br />
certa erotização, que foi sempre uma<br />
coisa pudica <strong>de</strong> se falar, como se a<br />
Amália não tivesse sexualida<strong>de</strong>” – e<br />
que se afasta dos mo<strong>de</strong>los da cultura<br />
oficial do salazarismo.<br />
“Era uma <strong>mulher</strong> in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />
que fumava em público, e emancipada”,<br />
lembra José Manuel dos Santos,<br />
programador da Fundação EDP, amigo<br />
<strong>de</strong> Amália. “Parecia, quase antes<br />
do tempo, uma daquelas romancistas<br />
francesas... Quer dizer, vemos fotografias<br />
<strong>de</strong>la dos anos 60 e parece uma<br />
<strong>mulher</strong> tão livre e emancipada como<br />
a Françoise Sagan. Não tinha o estereótipo<br />
da <strong>mulher</strong> portuguesa <strong>de</strong>sse<br />
tempo.”<br />
Emília Tavares lamenta a inexistência<br />
<strong>de</strong> uma reflexão crítica no campo<br />
dos estudos <strong>de</strong> género: “Era interessante<br />
perceber que efeitos é que <strong>esta</strong><br />
imagem da Amália teve ou não nalguns<br />
sectores da socieda<strong>de</strong> portuguesa”,<br />
diz.<br />
Rui Vieira Nery diz o que podia ser<br />
o programa <strong>de</strong> “Coração In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte”:<br />
“Não há her<strong>de</strong>iros legítimos da<br />
Amália. Todos nós somos her<strong>de</strong>iros<br />
e nela cabem os nossos olhares todos.<br />
Porque é uma obra aberta.”<br />
Temos hoje condições para avaliála<br />
<strong>de</strong> forma diferente?<br />
Jean-François Chougnet é cauteloso.<br />
“Se calhar é um pouco cedo. É<br />
como na história geral: normalmente<br />
temos capacida<strong>de</strong> para começar uma<br />
outra avaliação – não sei se é melhor<br />
ou pior – quando a última pessoa a<br />
conhecer o facto histórico morre. As<br />
primeiras histórias críticas da I Guerra<br />
Mundial foram feitas há 20 anos.<br />
Da II Guerra começam a ser feitas agora,<br />
por uma geração que não fez parte<br />
dos acontecimentos. No caso <strong>de</strong><br />
Amália, a avaliação da geração seguinte<br />
vai ser muito diferente. O décimo<br />
aniversário da morte, provavelmente,<br />
é o primeiro passo. É mais fácil falar<br />
da questão politica, por exemplo, do<br />
que há <strong>de</strong>z anos.”<br />
Chougnet já trabalhou sobre pesospesados<br />
da música popular como<br />
Serge Gainsbourg e Jacques Brel, mas<br />
não encontra paralelo francês para a<br />
relação “única” que os portugueses<br />
têm com Amália. “É uma relação <strong>de</strong><br />
i<strong>de</strong>ntificação enorme, e toda essa<br />
i<strong>de</strong>ntificação é acompanhada <strong>de</strong> coisas<br />
verda<strong>de</strong>iras e coisas falsas, toda a<br />
gente tem uma projecção sobre a imagem<br />
<strong>de</strong> Amália que é diferente da realida<strong>de</strong>.<br />
Ela continua a ocupar um<br />
lugar central na vida cultural do país,<br />
e é provavelmente a personalida<strong>de</strong><br />
que mais representa o Portugal contemporâneo.<br />
Não há muitos casos<br />
assim. Talvez só a Oum Kalsoum, no<br />
Egipto. Se entrar num autocarro do<br />
Cairo, vai ouvir a Oum Kalsoum. Se<br />
entrar num autocarro em <strong>Lisboa</strong>, vai<br />
ouvir a Amália.” Num MP3 perto <strong>de</strong><br />
si.<br />
Ver crítica <strong>de</strong> discos págs. 31 e segs.<br />
Rara e inédita<br />
Vem aí uma edição remasterizada e crítica <strong>de</strong><br />
“Com Que Voz”, com “takes” adicionais: Março <strong>de</strong> 2010,<br />
no 40º aniversário do álbum<br />
Amália e a Valentim <strong>de</strong> Carvalho<br />
tiveram uma relação <strong>de</strong><br />
fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> que durou 47 anos<br />
e que apenas foi interrompida<br />
por um breve período <strong>de</strong><br />
dois anos, entre 1958 e 1960,<br />
quando grava com a editora<br />
francesa Ducretet-Thomson.<br />
Nos seus últimos anos <strong>de</strong> vida,<br />
a Valentim <strong>de</strong> Carvalho (VC)<br />
editou alguns discos <strong>de</strong> inéditos,<br />
nomeadamente “Segredo”, em<br />
1997, que, entre outros, continha<br />
temas compostos por Alain<br />
Oulman nunca publicados, e<br />
“Rara e Inédita” em 1989, que<br />
fez parte <strong>de</strong> uma caixa <strong>de</strong> oito<br />
CDs que assinalou os 50 anos<br />
<strong>de</strong> carreira. Em 2002, o 40º<br />
aniversário <strong>de</strong> “Busto”, um dos<br />
álbuns mais emblemáticos <strong>de</strong><br />
Amália, foi pretexto para uma<br />
edição revista e aumentada,<br />
contendo versões alternativas<br />
<strong>de</strong> temas originais e registos<br />
<strong>de</strong> ensaios. Estes lançamentos<br />
vieram levantar a ponta do véu<br />
sobre a existência <strong>de</strong> material<br />
inédito nos arquivos da VC,<br />
cuja dimensão e características<br />
talvez nunca tenham sido<br />
publicamente esclarecidas.<br />
Rui Vieira Nery, coor<strong>de</strong>nador<br />
da colecção <strong>de</strong> 12 CDs “Amália<br />
Nossa” que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a última<br />
semana começou a ser vendida<br />
pelo PÚBLICO, lamenta que<br />
a edição integral e crítica da<br />
discografia <strong>de</strong> Amália ainda não<br />
tenha sido feita. “Devíamos já<br />
Contagem<br />
aproximada do<br />
material inédito por<br />
década: cerca <strong>de</strong> 30<br />
trechos nos anos 50,<br />
sobretudo “takes”<br />
alternativos <strong>de</strong> temas<br />
editados ou registos<br />
<strong>de</strong> ensaios e “quatro<br />
ou cinco inéditos<br />
absolutos”; dos anos<br />
60 existem oito<br />
inéditos, e dos anos<br />
70, outros oito, mas<br />
“quase todos<br />
absolutos”; dos anos<br />
80 estão i<strong>de</strong>ntificados<br />
quase 40 inéditos<br />
ter todas as sessões <strong>de</strong> gravação,<br />
<strong>de</strong>víamos saber exactamente<br />
o que é que se fez, que ‘takes’ é<br />
que foram rejeitados. Tenho a<br />
impressão que não há uma nota<br />
gravada em estúdio pela Billie<br />
Holiday que não esteja editada<br />
com comentários. Este trabalho<br />
básico não está feito no caso da<br />
Amália.”<br />
Em 1999, David Ferreira, então<br />
director da EMI-VC, encarregou<br />
Jorge Mourinha (actual crítico<br />
do PÚBLICO) <strong>de</strong> inventariar e<br />
datar toda a discografia e todo<br />
o material gravado por Amália,<br />
procurando fixar um reportório<br />
o mais exaustivo possível.<br />
Uma base <strong>de</strong> dados que viria<br />
a servir <strong>de</strong> referência a um<br />
plano <strong>de</strong> edições e reedições<br />
críticas da discografia <strong>de</strong><br />
Amália, entretanto iniciado com<br />
alguns lançamentos: “Amália/<br />
Vinícius”, “Bobino”, “For Your<br />
Delight” e “Abbey Road 1952”.<br />
David Ferreira, que <strong>de</strong>ixou<br />
a EMI e a VC em 2007, mas<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Primavera é consultor<br />
para o catálogo Amália,<br />
tenciona lançar uma edição<br />
remasterizada e crítica <strong>de</strong><br />
“Com Que Voz”, com “takes”<br />
adicionais, à semelhança <strong>de</strong><br />
“Busto”, prev prevista para<br />
Março <strong>de</strong> 2010, no<br />
40º aniversário<br />
an<br />
do ál álbum. Até<br />
fina final do ano,<br />
ta também<br />
pplaneia<br />
editar<br />
discos<br />
com a<br />
Amália a<br />
cantar em<br />
eespanhol,<br />
it italiano e<br />
fra francês.<br />
Co Contagem<br />
aproximada aproxi do<br />
material inédito i<br />
por década: cerca <strong>de</strong> 30<br />
trechos nos anos 50, que são<br />
sobretudo “takes” alternativos<br />
<strong>de</strong> temas editados ou registos<br />
<strong>de</strong> ensaios e “quatro ou cinco<br />
inéditos absolutos”; dos anos<br />
60 existem oito inéditos, “entre<br />
os quais um possível inédito<br />
absoluto”, e dos anos 70,<br />
outros oito, mas “quase todos<br />
absolutos”; dos anos 80 estão<br />
i<strong>de</strong>ntificados quase 40 inéditos,<br />
gravados na sua maioria no<br />
início da década, e entre os quais<br />
se incluem as gravações feitas<br />
para o que <strong>de</strong>veria ter sido um<br />
LP <strong>de</strong> músicas populares, com<br />
orquestra, que não chegou a<br />
ser publicado. David Ferreira<br />
diz que a sua preocupação<br />
sempre foi “pr<strong>esta</strong>r um bom<br />
serviço”, fazendo “edições<br />
cuidadas e seguras” com “som<br />
<strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>”. “Não assino<br />
coisas que não sejam bem feitas.<br />
As gran<strong>de</strong>s obras são gran<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong>safios e não po<strong>de</strong>m ser<br />
tratadas com os pés. Compare<br />
com a arca do Pessoa 10 anos<br />
<strong>de</strong>pois da sua morte. A arca do<br />
Pessoa <strong>de</strong>morou muito tempo a<br />
ser catalogada.” K. G.<br />
11