Conhece esta mulher? - Fonoteca Municipal de Lisboa
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Música<br />
Da esquerda<br />
para a direita:<br />
Beat La<strong>de</strong>n,<br />
Ikonoklasta,<br />
Sacerdote e DJ<br />
Mpula<br />
CATARINA LIMÃO<br />
ros 17 anos da minha vida foram<br />
passados num perímetro <strong>de</strong> catorze<br />
metros quadrados. Tudo à volta era<br />
guerra. Daí nasce aquele complexo <strong>de</strong><br />
ignorar o que está à volta, <strong>de</strong> olhar<br />
para fora e querer imitar. Só quando<br />
se sai, quando se ganha noção <strong>de</strong> uma<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é que surge a necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> resgatar o que antes ignorávamos”.<br />
Mas Batida não é apenas sauda<strong>de</strong>.<br />
Utiliza-se a música como espelho<br />
<strong>de</strong> um tempo e são convocados Sacerdote,<br />
Maskarado e Dama Ivone, directamente<br />
da Sambila, ou Bob da Rage<br />
Sense, rapper angolano radicado em<br />
Portugal, para dar voz às novas canções.<br />
Alarga-se o ritmo para além do<br />
kuduro – recolhem-se baixos gordos<br />
no kwaito sul-africano e não se per<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> vista o Congo que, dir-nos-á Coquenão,<br />
“tem com Angola uma comunicação<br />
que flui como sangue” - e transforma-se<br />
um disco chamado “Dance<br />
Mwangolé” numa explosão musical<br />
com vidas <strong>de</strong>ntro: entre temas, ouvem-se<br />
<strong>de</strong>poimentos recolhidos nas<br />
ruas, vozes <strong>de</strong> veteranos com estilhaços<br />
<strong>de</strong> guerra, excertos do DJs incentivando<br />
à compra <strong>de</strong> “Batidas”, as<br />
compilações <strong>de</strong> kuduro distribuídas<br />
e vendidas em cd pirata pelas ruas.<br />
Depois dos Buraka Som Sistema terem<br />
legitimado o <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rado kuduro,<br />
estes Batida trabalham-no como algo<br />
mais selvagem, como emanação das<br />
ruas e da sua história.<br />
Dançando<br />
pela mudança<br />
Chamam “batidas” às<br />
compilações pirata <strong>de</strong> kuduro<br />
que saem dos subúrbios<br />
<strong>de</strong> Luanda para a cida<strong>de</strong>.<br />
Foi a ven<strong>de</strong>r “batidas” num<br />
concerto <strong>de</strong> MC Kapa no Elinga<br />
Teatro, se<strong>de</strong> do grupo teatral<br />
homónimo, com história longa<br />
<strong>de</strong> duas décadas, que Luaty<br />
Beirão e Pedro Coquenão<br />
conheceram Sacerdote,<br />
voz <strong>de</strong> d<strong>esta</strong>que em “Dance<br />
Mangwolé”.<br />
Coquenão compara o Elinga<br />
à lisboeta Galeria Zé dos Bois,<br />
<strong>de</strong>screvendo o ambiente que<br />
nele se vive como “terapia<br />
colectiva”. Nos concertos,<br />
como aquele <strong>de</strong> MC Kapa, “está<br />
público que sabe as letras e<br />
que grita palavras <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m<br />
políticas, sem conotação<br />
partidária, reclamando uma<br />
Angola melhor”. Na sua<br />
maioria, aponta Luaty, aquele<br />
é formado por pessoas que,<br />
tal como ele, “cresceram<br />
favorecidas, com acesso a<br />
coisas vedadas a 92 por cento<br />
da população angolana”: a<br />
informação ou a possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> estudar fora do país.<br />
Sacerdote tal como MC Kapa<br />
não cresceram com as mesmas<br />
condições: “encontram ali o<br />
único momento da semana, do<br />
mês ou do trimestre em que<br />
convivem com almas gémeas<br />
no seu percurso <strong>de</strong> revolta, na<br />
exigência <strong>de</strong> fazer <strong>de</strong> Angola<br />
um país melhor”.<br />
Por cada Conjunto<br />
Ngonguenha ou Nástio<br />
Mosquito (músico, escritor,<br />
poeta, artista multimédia)<br />
existe um MC Kapa ou um<br />
Sacerdote. Dois contextos que<br />
se unem nos mesmos anseios.<br />
Sobre isso escreveu Marta<br />
Lança no Ípsilon <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> Julho<br />
Chamam “batidas”<br />
às compilações<br />
pirata <strong>de</strong> kuduro<br />
que saem dos<br />
subúrbios <strong>de</strong> Luanda<br />
para a cida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> 2007, quando mergulhou<br />
na cena hip hop local para<br />
concluir “Luanda está a<br />
mexer”.<br />
Batida, fazendo a ponte<br />
entre criadores angolanos<br />
e portugueses que sentem<br />
Angola próxima, é<br />
inspiradíssima prova disso.<br />
Num país on<strong>de</strong> a guerra já é<br />
passado mas continua a ter<br />
marca no presente, olha-se<br />
em frente e há quem exija<br />
mudança. A Batida fá-lo<br />
celebrando, dançando o que<br />
existe. No ritmo contagiante,<br />
celebratório. No homem que<br />
ouvimos, humor incisivo,<br />
exclamar algures: “Cheguei<br />
à conclusão que em Angola<br />
o dinheiro corrompe a lei.<br />
A conclusão é vossa, o<br />
importante é que já falei”. M.L.<br />
FAZUMA<br />
Chamam<br />
“batidas” às<br />
compilações<br />
pirata <strong>de</strong><br />
kuduro que<br />
saem dos<br />
subúrbios<br />
<strong>de</strong> Luanda<br />
para a cida<strong>de</strong><br />
FAZUMA<br />
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