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Conhece esta mulher? - Fonoteca Municipal de Lisboa

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A dança da bazuka<br />

Estamos em <strong>Lisboa</strong>, numa esplanada<br />

do Martim Moniz. Partilhamos uma<br />

mesa com Pedro Coquenão e Luaty<br />

Beirão. São, respectivamente, o primeiro<br />

impulsionador <strong>de</strong> Batida (juntamente<br />

com Beat La<strong>de</strong>n) e o “conspirador”<br />

que se juntaria ao projecto<br />

pouco <strong>de</strong>pois. Coquenão, juntamente<br />

com António Fazuma, é um dos<br />

fundadores da Rádio Fazuma. Inicialmente<br />

um projecto radiofónico <strong>de</strong>dicado<br />

ao reggae e às músicas <strong>de</strong> influência<br />

africana, tornou-se uma plataforma<br />

que não se limita a divulgar:<br />

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apoia edições e cria a sua intervenção.<br />

É <strong>de</strong>les o documentário “É Dreda Ser<br />

Angolano” (2007), que viajava pelo<br />

quotidiano <strong>de</strong> Luanda ao som <strong>de</strong> um<br />

programa <strong>de</strong> rádio imaginário que<br />

nos revelou nomes como MC Kapa,<br />

representante da nova face do hip<br />

hop angolano. Interventivo, com<br />

olhar lúcido e clínico, MC Kapa é autor<br />

<strong>de</strong> “Atrás do prejuízo”, obra-prima<br />

da música angolana recente e da música<br />

cantada em português.<br />

Já Luaty Beirão é membro do Conjunto<br />

Ngonguenha, cujo álbum,<br />

“Ngonguenhação” (2004), represen-<br />

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tou um <strong>de</strong>cisivo momento <strong>de</strong> viragem.<br />

A sua premissa era criar um rap angolano,<br />

resgatando para as rimas as peculiarida<strong>de</strong>s<br />

do português angolano<br />

e para a música uma história feita <strong>de</strong><br />

Bonga, Wal<strong>de</strong>mar Bastos ou Carlos<br />

Lamartine. Naturalmente, não há<br />

coincidências: foi ao ouvir “Ngonguenhação”<br />

que os membros da Rádio<br />

Fazuma <strong>de</strong>cidiram encarregar Luaty<br />

<strong>de</strong> filmar a Luanda da actualida<strong>de</strong>, daí<br />

resultando “É Dreda Ser Angolano” - e<br />

Condutor, o produtor do Ngonguenha,<br />

seria <strong>de</strong>pois um dos fundadores<br />

dos Buraka Som Sistema.<br />

No final <strong>de</strong> 2007, Pedro Coquenão,<br />

responsável pelo programa “Batida”,<br />

no ar na Antena 3, pegou na “Bazuka”,<br />

dos Águias Reais, e trabalhoua<br />

em ritmo kuduro. Começou a passar<br />

a “brinca<strong>de</strong>ira” no programa e mostrou-a<br />

a Beat La<strong>de</strong>n, cujo entusiasmo<br />

o convenceu a investir em novos cruzamentos.<br />

Para legitimar a criação,<br />

procuraram os <strong>de</strong>tentores dos direitos<br />

autorais da canção. Na editora, a Difference,<br />

ouviram aquela nova “Bazuka”<br />

e ofereceram-lhes uma proposta<br />

irrecusável. Acesso aos arquivos<br />

“angolanos” da Valentim <strong>de</strong> Carvalho,<br />

para extraírem novas “bazukas”. Assim<br />

fizeram: samples <strong>de</strong> Lancerdo ou<br />

dos Cabinda Ritmos originaram temas<br />

como “Puxa” ou o “Tribalismo” rappado<br />

por Sacerdote, canções como<br />

“N’Congo jami”, <strong>de</strong> Carlos Lamartine,<br />

ou “Nufeko disole”, <strong>de</strong> Brás Firmino,<br />

foram alvo <strong>de</strong> remistura.<br />

Em diálogo transfronteiriço, criaram<br />

algo novo. Enviaram as produções<br />

para Maskarado e Sacerdote,<br />

em Luanda, e eles, pouco<br />

familiarizados com a “inclusão<br />

<strong>de</strong> elementos tradicionais<br />

no kuduro”, estranharam<br />

primeiro, entusiasmaram-se<br />

em seguida.<br />

Descobriram uma familiarida<strong>de</strong> entre<br />

duas músicas <strong>de</strong> dança separadas por<br />

décadas: “ambas vivem da repetição<br />

da percussão, algo essencial na música<br />

africana”, explica Coquenão.<br />

Acrescenta outro dado: “o ‘Bazuka’<br />

original, dos Águias Reais, tem 136<br />

bpm [batidas por minuto], o kuduro<br />

original 135”. Ou seja, quando o kuduro<br />

surgiu, na década <strong>de</strong> 90, <strong>esta</strong>va<br />

“lento” em relação ao semba da <strong>de</strong><br />

1960.<br />

Depois dos Buraka<br />

Som Sistema terem<br />

legitimado perante<br />

Portugal e no mundo<br />

o outrora<br />

<strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rado<br />

kuduro, estes Batida<br />

trabalham-no como<br />

algo mais selvagem,<br />

como emanação das<br />

ruas e da sua história<br />

MC Kapa, a nova face do hip hop angolano,<br />

autor <strong>de</strong> “Atrás do prejuízo”, obra-prima<br />

da música angolana recente e da música<br />

cantada em português<br />

“Dance Mwangolé”, termo da autoria<br />

<strong>de</strong> Sebem, precursor do kuduro,<br />

<strong>de</strong>screve qualquer tipo <strong>de</strong> música<br />

electrónica feita por angolanos. “Dance<br />

Mwangolé”, o disco d<strong>esta</strong> Batida<br />

que agora ouvimos, é mais que isso.<br />

A partir <strong>de</strong> Portugal, reenquadra a<br />

História e a diversida<strong>de</strong> da música<br />

angolana. Como dizem os seus autores,<br />

só seria possível criá-lo aqui, mas<br />

o seu centro é Luanda, capital on<strong>de</strong><br />

convive gente <strong>de</strong> todas as províncias<br />

e on<strong>de</strong> a música reflecte essa diversida<strong>de</strong>.<br />

No seu formato, on<strong>de</strong> as canções<br />

se misturam com voz da rua,<br />

reflecte-se a dinâmica <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong><br />

que se re<strong>de</strong>scobre a si mesma e se<br />

abre ao mundo.<br />

Luaty: “Este disco nunca vai dar o<br />

complexo espectro do que é o país,<br />

mas oferece bastante para essa compreensão”.<br />

Estão lá as memórias do<br />

“fungi <strong>de</strong> Sábado” e dos “domingos<br />

a jogar à bola” <strong>de</strong> Bob da Rage Sense<br />

e o “kota e a sua orquestra alcoólica”<br />

apresentados por Luaty (aka Ikonoklasta).<br />

Estão lá as guitarras bailarinas<br />

do semba e o ritmo convulsivo<br />

do kuduro. Está lá a euforia que “Bazuka”<br />

provoca e o que ouvimos logo<br />

a seguir, na voz arrastada <strong>de</strong> alguém<br />

não i<strong>de</strong>ntificado: “Tenho dois estilhaços<br />

<strong>de</strong> guerra, um na cabeça e<br />

outro ali. De guerra mesmo. Só era<br />

isso”.<br />

Luaty Beirão: “Temos sempre um<br />

elemento subversivo; é a missão do<br />

artista”. Pedro Coquenão: “Ao fazermos<br />

um disco inspirado n<strong>esta</strong> música<br />

e n<strong>esta</strong> realida<strong>de</strong>, há um lado cool,<br />

estimulante que se instala. Mas <strong>de</strong>pois<br />

algo toma esse lugar. É quando percebes<br />

que estás a representar mais<br />

que isso [a música]”. E Batida representa.<br />

Ver crítica <strong>de</strong> discos págs, 31 e segs.<br />

CATARINA LIMÃO

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