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Conhece esta mulher? - Fonoteca Municipal de Lisboa

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No século passado, nos idos <strong>de</strong> 30 e<br />

40, Hollywood <strong>de</strong>scobriu um filão nos<br />

filmes <strong>de</strong> capa e espada. Entre todos<br />

os actores que se <strong>de</strong>dicaram à nobre<br />

arte <strong>de</strong> fazer <strong>de</strong> conta que sabiam espadachar,<br />

o mais importante foi Errol<br />

Flynn, tão galã na tela como conquistador<br />

inveterado em terra. Deixou<br />

para a posterida<strong>de</strong> uma frase que resume<br />

não só a sua vida como a vida<br />

i<strong>de</strong>alizada <strong>de</strong> boa parte do género<br />

masculino: “Gosto do meu uísque velho<br />

e das minhas <strong>mulher</strong>es novas”.<br />

Assim.<br />

Mais <strong>de</strong> 60 anos <strong>de</strong>pois ficamos<br />

surpreendidos ao ouvi-la reformulada<br />

ao telefone. Do outro lado da<br />

linha vem a seguinte frase: “Gosto<br />

<strong>de</strong> música antiga”. Segue-se uma<br />

pausa e <strong>de</strong>pois o remate: “Mas gosto<br />

<strong>de</strong> fazer amor com <strong>mulher</strong>es mais<br />

novas”.<br />

Quem o diz é Nicolas Godin, meta<strong>de</strong><br />

do duo francês Air que em 1998<br />

tomou <strong>de</strong> assalto a indústria com<br />

“Moon Safari”, disco retro-futurista,<br />

repleto <strong>de</strong> órgãos que nos anos 60<br />

eram usados pelas crianças para brincar,<br />

repleto <strong>de</strong> caixas <strong>de</strong> ritmo, melodias<br />

preguiçosas, linhas <strong>de</strong> sintetizador<br />

roubadas a bandas-sonoras <strong>de</strong><br />

séries <strong>de</strong> televisão sci-fi.<br />

Os Air tinham pegado em tudo o<br />

que havia sido consi<strong>de</strong>rado futurista<br />

e haviam-no tornado nostálgico e terno.<br />

Havia um óbvio charme naquela<br />

música, mas não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>signá-la<br />

por romântica. Quando muito o termo<br />

po<strong>de</strong>ria ser aplicado ao amor quase<br />

infantil que o duo <strong>de</strong>votava a instrumentos<br />

esquecidos nos sotãos dos<br />

pais. O<br />

E é por isso que a frase <strong>de</strong> Godin<br />

causa surpresa, mesmo que ele a acabe<br />

a rir-se. Porque não os tomamos<br />

por conquistadores inveterados, <strong>de</strong>bochados<br />

profissionais, <strong>de</strong>sencaminhadores<br />

<strong>de</strong> adolescentes como Flynn<br />

era. Mas aos 39 anos o solteiro Godin<br />

está à vonta<strong>de</strong> para dizer o que pensa.<br />

Quando lhe perguntamos se os Air se<br />

vão tornar uma banda <strong>de</strong> culto ou se<br />

acha que ainda têm hipóteses <strong>de</strong> crescer,<br />

ele não hesita: “Não faço i<strong>de</strong>ia<br />

porque tentamos o mais que po<strong>de</strong>mos<br />

ser ‘outsi<strong>de</strong>rs’”. Insistimos e especificamos:<br />

que lugar têm hoje os<br />

Air na indústria, ou que lugar hão-<strong>de</strong><br />

ter neste momento <strong>de</strong> crise <strong>de</strong> vendas<br />

<strong>de</strong> discos? Volta a não ter hesitações:<br />

“Não sei que lugar temos na indústria<br />

– <strong>de</strong> preferência quero distância <strong>de</strong><br />

tudo isso”.<br />

Isto po<strong>de</strong> soar estranho numa banda<br />

que assina por uma editora gran<strong>de</strong>,<br />

mas acaba por fazer sentido se pensarmos<br />

que há muito que a imagem<br />

dos Air <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> <strong>esta</strong>r associada à<br />

inovação, ao topo da experiência pop,<br />

à próxima gran<strong>de</strong> onda que convém<br />

apanhar, para <strong>esta</strong>r i<strong>de</strong>ntificada com<br />

uma pop quase clássica. Godin, aliás,<br />

di-lo <strong>de</strong> forma explícita: “Estou <strong>de</strong>sa<strong>de</strong>quado<br />

em relação ao mundo <strong>de</strong><br />

hoje”. Não há amargura na voz do<br />

homem, o que lhe dá o tal tom romântico<br />

que nunca nos tinha ocorrido<br />

16<br />

que<br />

Música<br />

Nunca mais, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a estreia, voltaram a ter um êxito<br />

inapelável. Mas em “Love 2” voltam a conseguir canções<br />

imediatas. E ao mesmo tempo fazem meio disco<br />

experimental e inventivo. João Bonifácio<br />

atribuir-lhes. Continua:<br />

“O que eu faço não se a<strong>de</strong>qua<br />

ao mundo <strong>de</strong> hoje. Sou muito ‘oldschool’,<br />

gosto <strong>de</strong> músicos velhos, gosto<br />

<strong>de</strong> música antiga”. É então que<br />

acrescenta “Mas gosto <strong>de</strong> fazer amor<br />

com <strong>mulher</strong>es mais novas”.<br />

Um disco <strong>de</strong> músicos<br />

A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> <strong>de</strong>sa<strong>de</strong>quação faz sentido:<br />

há <strong>de</strong>z anos os Air eram a banda-sonora<br />

dos miúdos hip, hoje é M.I.A..<br />

Não há competição para um velho <strong>de</strong><br />

39 anos. Além disso, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a estreia<br />

os Air nunca mais voltaram a ter um<br />

êxito monumental: “10,000 HZ”, o<br />

segundo disco (2001), foi mais ou menos<br />

rejeitado por público e crítica: era<br />

<strong>de</strong>masiado cerebral, <strong>de</strong>masiado produzido,<br />

<strong>de</strong>masiado atreito a experiências.<br />

“Talkie Walkie” (2004) e “Pocket<br />

Simphony” recuperaram a vertente<br />

pop <strong>de</strong>ixando o lado mais<br />

experimental <strong>de</strong> fora, mas não ven<strong>de</strong>ram<br />

como o primeiro – e não conseguiam<br />

alcançar a imediatez da estreia.<br />

N<strong>esta</strong>s condições podia esperar-se<br />

que “Love 2” fosse uma tentativa <strong>de</strong><br />

fazer canções directas. Mas não: pelo<br />

menos meta<strong>de</strong> das canções têm várias<br />

partes diferentes, por vezes no fim<br />

esten<strong>de</strong>m-se em jams,<br />

há pilhagens a Bollywood, <strong>de</strong>sconstrução<br />

<strong>de</strong> ritmos africanos, proto-westerns.<br />

O curioso é que nessa<br />

óptima meta<strong>de</strong> os Air continuam a<br />

soar a Air, apenas menos betinhos.<br />

Dir-se-ia que <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> tomar morfina<br />

antes <strong>de</strong> comer – passaram para<br />

o Valium, que dá sono, mas menos.<br />

É um cortar com o passado, mas<br />

Godin não gosta <strong>de</strong> falar disso. Diz<br />

que nunca volta a ouvir os discos <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> acabados. “Gosto <strong>de</strong> fazê-los,<br />

gosto do processo, gosto das canções<br />

na altura, mas não tenho prazer nenhum<br />

quando volto a ouvi-los”. Ainda<br />

assim admite fazer uma pequena

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