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LITERATURA LATINA I - Universidade Castelo Branco

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VICE-REITORIA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO E CORPO DISCENTE<br />

COORDENAÇÃO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA<br />

<strong>LITERATURA</strong> <strong>LATINA</strong> I<br />

Rio de Janeiro / 2008<br />

Todos os direiTos reservados à<br />

<strong>Universidade</strong> CasTelo BranCo


UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO<br />

Todos os direitos reservados à <strong>Universidade</strong> <strong>Castelo</strong> <strong>Branco</strong> - UCB<br />

Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, armazenada ou transmitida de qualquer forma ou<br />

por quaisquer meios - eletrônico, mecânico, fotocópia ou gravação, sem autorização da <strong>Universidade</strong> <strong>Castelo</strong><br />

<strong>Branco</strong> - UCB.<br />

<strong>Universidade</strong> <strong>Castelo</strong> <strong>Branco</strong> - UCB<br />

Avenida Santa Cruz, 1.631<br />

Rio de Janeiro - RJ<br />

21710-250<br />

Tel. (21) 3216-7700 Fax (21) 2401-9696<br />

www.castelobranco.br<br />

Un3l <strong>Universidade</strong> <strong>Castelo</strong> <strong>Branco</strong><br />

Literatura Latina I / <strong>Universidade</strong> <strong>Castelo</strong> <strong>Branco</strong>. – Rio de Janeiro: UCB,<br />

2008. - 52 p.: il.<br />

ISBN<br />

1. Ensino a Distância. 2. Título.<br />

CDD – 371.39


Responsáveis Pela Produção do Material Instrucional<br />

Coordenadora de Educação a Distância<br />

Prof.ª Ziléa Baptista Nespoli<br />

Coordenador do Curso de Graduação<br />

Denilson P. Matos - Letras<br />

Conteudista<br />

Zeandra Oliveira<br />

Supervisor do Centro Editorial – CEDI<br />

Joselmo Botelho


Apresentação<br />

Prezado(a) Aluno(a):<br />

É com grande satisfação que o(a) recebemos como integrante do corpo discente de nossos cursos de graduação,<br />

na certeza de estarmos contribuindo para sua formação acadêmica e, conseqüentemente, propiciando<br />

oportunidade para melhoria de seu desempenho profissional. Nossos funcionários e nosso corpo docente esperam<br />

retribuir a sua escolha, reafirmando o compromisso desta Instituição com a qualidade, por meio de uma<br />

estrutura aberta e criativa, centrada nos princípios de melhoria contínua.<br />

Esperamos que este instrucional seja-lhe de grande ajuda e contribua para ampliar o horizonte do seu conhecimento<br />

teórico e para o aperfeiçoamento da sua prática pedagógica.<br />

Seja bem-vindo(a)!<br />

Paulo Alcantara Gomes<br />

Reitor


Orientações para o Auto-Estudo<br />

O presente instrucional está dividido em três unidades programáticas, cada uma com objetivos definidos e<br />

conteúdos selecionados criteriosamente pelos Professores Conteudistas para que os referidos objetivos sejam<br />

atingidos com êxito.<br />

Os conteúdos programáticos das unidades são apresentados sob a forma de leituras, tarefas e atividades complementares.<br />

As Unidades 1 e 2 correspondem aos conteúdos que serão avaliados em A1.<br />

Na A2 poderão ser objeto de avaliação os conteúdos das três unidades.<br />

Havendo a necessidade de uma avaliação extra (A3 ou A4), esta obrigatoriamente será composta por todo o<br />

conteúdo de todas as Unidades Programáticas.<br />

A carga horária do material instrucional para o auto-estudo que você está recebendo agora, juntamente com<br />

os horários destinados aos encontros com o Professor Orientador da disciplina, equivale a 30 horas-aula, que<br />

você administrará de acordo com a sua disponibilidade, respeitando-se, naturalmente, as datas dos encontros<br />

presenciais programados pelo Professor Orientador e as datas das avaliações do seu curso.<br />

Bons Estudos!


Dicas para o Auto-Estudo<br />

1 - Você terá total autonomia para escolher a melhor hora para estudar. Porém, seja<br />

disciplinado. Procure reservar sempre os mesmos horários para o estudo.<br />

2 - Organize seu ambiente de estudo. Reserve todo o material necessário. Evite<br />

interrupções.<br />

3 - Não deixe para estudar na última hora.<br />

4 - Não acumule dúvidas. Anote-as e entre em contato com seu monitor.<br />

5 - Não pule etapas.<br />

6 - Faça todas as tarefas propostas.<br />

7 - Não falte aos encontros presenciais. Eles são importantes para o melhor aproveitamento<br />

da disciplina.<br />

8 - Não relegue a um segundo plano as atividades complementares e a auto-avaliação.<br />

9 - Não hesite em começar de novo.


SUMÁRIO<br />

Quadro-síntese do conteúdo programático ................................................................................................. 11<br />

Contextualização da disciplina ................................................................................................................... 13<br />

UNIDADE I<br />

INTRODUÇÃO À <strong>LITERATURA</strong> <strong>LATINA</strong><br />

1.1 - Aspectos históricos ............................................................................................................................. 17<br />

1.2 - O século de Augusto (de 44 ou 43 a. C. a 17 d. C.) ............................................................................ 18<br />

1.3 - Epopéia Grega .................................................................................................................................... 18<br />

1.4 - A epopéia em Roma ............................................................................................................................ 23<br />

UNIDADE II<br />

O LIRISMO<br />

2.1 - O Surgimento da poesia lírica na Grécia ............................................................................................ 29<br />

2.2 - Momento histórico .............................................................................................................................. 29<br />

2.3 - O Lirismo em Roma ........................................................................................................................... 30<br />

2.4 - Virgílio e as Bucólicas ........................................................................................................................ 31<br />

2.5 - Ovídio ................................................................................................................................................. 32<br />

UNIDADE III<br />

DRAMÁTICO (TEATRO - TRAGÉDIA)<br />

3.1 - A palavra tragédia ............................................................................................................................... 34<br />

3.2 - Teatro e cerimônia religiosa ................................................................................................................ 34<br />

3.3 - Teatro e tragédia em Roma ................................................................................................................. 34<br />

3.4 - Roma, a civilização do espetáculo ...................................................................................................... 35<br />

3.5 - Ator: glória e infâmia .......................................................................................................................... 36<br />

3.6 - A máscara ............................................................................................................................................ 37<br />

3.7 - Breve história do teatro latino ............................................................................................................ 37<br />

3.8 - As tragédias de Sêneca ....................................................................................................................... 39<br />

Glossário ..................................................................................................................................................... 47<br />

Gabarito ....................................................................................................................................................... 48<br />

Referências bibliográficas ........................................................................................................................... 49


Quadro-síntese do conteúdo<br />

programático<br />

UNIDADES DO PROGRAMA OBJETIVOS<br />

I - INTRODUÇÃO À <strong>LITERATURA</strong> <strong>LATINA</strong><br />

1.1 - Aspectos históricos<br />

1.2 - O século de Augusto (de 44 ou 43 a. C. a 17 d. C.)<br />

1.3 - Epopéia Grega<br />

1.4 - A epopéia em Roma<br />

II - O LIRISMO<br />

2.1 - O Surgimento da poesia lírica na Grécia<br />

2.2 - Momento histórico<br />

2.3 - O Lirismo em Roma<br />

2.4 - Virgílio e as Bucólicas<br />

2.5 - Ovídio<br />

III II - DRAMÁTICO (TEATRO - TRAGÉDIA)<br />

3.1 - A palavra tragédia<br />

3.2 - Teatro e cerimônia religiosa<br />

3.3 - Teatro e tragédia em Roma<br />

3.4 - Roma, a civilização do espetáculo<br />

3.5 - Ator: glória e infâmia<br />

3.6 - A máscara<br />

3.7 - Breve história do teatro latino<br />

3.8 - As tragédias de Sêneca<br />

• Caracterizar a poesia épica em obras da Literatura<br />

Latina;<br />

• Identificar as características da cultura helenística<br />

e a respectiva influência na Literatura Latina.<br />

• Caracterizar a poesia lírica em obras da Literatura<br />

Latina quanto à época e natureza dos textos.<br />

• Caracterizar a tragédia e a comédia em obras da<br />

Literatura Latina.<br />

11


Contextualização da Disciplina<br />

GÊNEROS LITERÁRIOS<br />

Breve Visão de Conjunto Sobre os Gêneros Literários<br />

O primeiro a elaborar uma poética sobre os gêneros literários foi Aristóteles, em sua Poética. Considera<br />

a arte como mimese. Tal mimese realiza-se, em primeiro lugar, de acordo com os meios em que se<br />

realiza. Por exemplo, a poesia utiliza o ritmo, a melodia, o verso, mas a poesia ditirâmbica utiliza todos<br />

esses elementos, ao passo que a tragédia e a comédia utilizam-na separadamente. Em segundo lugar, de<br />

acordo com os objetos diversos da mimese, ou seja, se o objeto for as pessoas, sendo estas nobres ou<br />

ignóbeis, melhores ou piores do que a média humana, as composições serão diversas conforme o objeto<br />

imitado. Diante disto, a tragédia representa personagens melhores do que os homens o são, ao passo que<br />

a comédia, piores. Em terceiro lugar, de acordo com os diversos modos da mimese. Desta forma, Aristóteles<br />

considera dois modos de mimese poética: o modo narrativo e o modo dramático, ou seja, o modo<br />

épico e o modo dramático.<br />

Horácio (Epistola ad Pisones) concebe o gênero literário como correspondendo a uma tradição formal e sendo<br />

caracterizado por um determinado tom ou metro. Ou seja, para Horácio, o gênero se caracteriza pelo metro,<br />

o qual é usado de acordo com o conteúdo específico. Desta forma, por exemplo, a poesia iâmbica estava mais<br />

próxima da linguagem coloquial, por isso mais adequada à ação dramática. Segundo ele, portanto, os gêneros<br />

não se misturavam, visto que seguiam tons adequados a cada movimento psicológico.<br />

No Renascimento, através da releitura de ambos e através da constatação das obras literárias escritas até então,<br />

chega-se à inclusão de um terceiro gênero, já anunciado por Horácio: o lírico.<br />

No século XVII, admite-se a subdivisão dos três gêneros em gêneros menores (espécies), severamente distintos<br />

e regidos por regras intransigentes e imutáveis que comandavam a criação e orientavam poetas e críticos.<br />

Tais cânones baseavam-se na crença de que os gêneros eram essências fixas ou formas exigidas pela natureza.<br />

Como acreditavam que os antigos realizaram os gêneros em plenitude, estes serviram de modelo. Tal idéia<br />

negava o princípio do desenvolvimento e da alterabilidade dos gêneros no seu processo histórico.<br />

O Barroco vem negar esse tipo de atitude, pregando uma espécie de liberdade criadora, visto que cultiva o<br />

hibridismo dos gêneros (como a criação da tragicomédia).<br />

No século XVIII (Iluminismo francês), ocorre a contestação da tirania da norma com a criação do drama<br />

burguês e do romance.<br />

No Romantismo, séc. XIX, acredita-se que a força inovadora do gênio prevalece sobre a norma; liberdade<br />

de criação.<br />

Tendência moderna: rebeldia contra o estabelecimento de barreiras limitadoras; deve prevalecer a originalidade.<br />

A divisão tripartida (lírico, épico, dramático) não comporta a multiplicidade da produção literária<br />

atual. Ex.: Há contos com os procedimentos do puro diálogo, característico do gênero dramático. Há dramas<br />

sem diálogos, com um personagem só (monólogo). Há obras líricas de cunho narrativo, onde a emoção se<br />

sobrepõe à narração.<br />

Emil Staiger, em Conceitos fundamentais da Poética, apresenta uma solução para a questão dos gêneros;<br />

estabelece a diferença básica entre a conceituação substantiva e a adjetiva.<br />

Os substantivos Lírica, Épica e Drama constituem os ramos em que se classificam as obras, de acordo com<br />

determinadas características formais:<br />

Lírica: poemas de breve extensão que expressam estados de alma.<br />

Épica: relato ou apresentação de uma ação.<br />

Drama: representação da ação movida por um dinamismo de tensão.<br />

13


Os adjetivos lírico, épico e dramático definem a essência caracterizadora da obra; tal essência manifesta-se<br />

por determinados fenômenos estilísticos.<br />

Deste modo uma obra pertence a um ramo genérico onde a essência lírica tem caráter prioritário; tal obra<br />

participa, contudo, da essência ou de traços particulares de outros gêneros.<br />

Ex.: Uma peça teatral é dramática quanto ao ramo porque nela prevalece a essência dramática (representação,<br />

tensão), mas pode participar da essência lírica nos momentos em que tiver desdobramentos afetivos. Um romance<br />

pertence ao ramo épico porque nele prevalece a essência épica (relato/apresentação de uma ação), mas pode<br />

também participar da essência dramática (nos diálogos) e da essência lírica (efusão de sentimentos).<br />

Segundo Staiger, nenhuma obra pode ser classificada exclusivamente num só gênero: sempre vai partilhar da<br />

essência dos demais. Com isso abrem-se os limites para o entrosamento entre os gêneros.<br />

A partir da divisão tripartida dos gêneros, podemos estabelecer divisões em espécies (formas ou classes):<br />

- Espécies da Lírica: soneto, ode, elegia, balada, rondó etc.<br />

- Espécies da Épica: epopéia, romance, conto, novela.<br />

- Espécies do Drama: tragédia, comédia, tragicomédia, farsa etc.<br />

Sobre a Essência de Cada Gênero<br />

O gênero lírico<br />

A essência lírica se manifesta nos fenômenos estilísticos.<br />

Será lírico o poema de extensão menor que não possuir personagens nítidos e no qual uma voz central (um<br />

eu-lírico) exprime seu estado de alma. Da expressão do Eu lírico advém o subjetivismo (o eu-lírico não pode<br />

ser confundido com um eu-autobiográfico). O clima lírico é provido de afetividade e emotividade, ligadas ao<br />

íntimo e ao sentimento. O eu-lírico, ao exprimir seus estados d’alma, envolve-se no que diz. Isto torna fluida<br />

e inconsistente a relação entre o sujeito e o objeto (entre o eu e o mundo). Emoção e sentimento impedem a<br />

configuração mais nítida das coisas e dos seres. O eu e o mundo se aproximam, fundem-se e confundem-se.<br />

Esta aproximação atinge vários graus: quando há descrições, diálogos, análises e reflexões, por exemplo, há um<br />

maior distanciamento entre o eu e o mundo, desvanece-se o clima lírico, visto que são incluídos elementos épicos<br />

ou dramáticos. A atitude lírica consiste na fusão entre o eu e o mundo. Isto só se dá por um estado de alma<br />

que envolve tudo, exterior e interior, passado, presente e futuro. Staiger chama a essência lírica de recordação<br />

(i. e., re + cor, cordis = de novo no coração) > o um-no-outro, o EU nas coisas e as coisas no EU.<br />

O gênero épico<br />

A essência épica:<br />

A essência épica revela-se através de traços estilísticos específicos.<br />

Ao contrário da lírica, a épica se realiza através de um distanciamento entre o sujeito (narrador) e o objeto<br />

(mundo narrado). O narrador não se envolve no que diz, confronta-se com o que narra. O mundo narrado é o<br />

ob-jeto (posto diante de).<br />

Epopéia vem do grego épos = canto, recitação, isto é, alguém narra um fato a um grupo de ouvintes; distanciando-se,<br />

portanto, o narrador em relação ao acontecimento passado, numa posição de confronto. O relato é<br />

a atitude épica na qual o narrador se coloca diante do objeto, segundo determinado ponto de observação, para<br />

ver, registrar, mostrar, enfim, apresentar. Por isso Staiger considera a apresentação a essência épica.<br />

A epopéia enquadra-se no gênero épico (também chamado de narrativo, por causa da apresentação) porque<br />

apresenta os elementos específicos da narração: narrador, espaço, acontecimento, personagens etc. A epopéia,<br />

contudo, não se confunde com a narrativa de ficção pelos seguintes motivos: 1. Integra a expressão formal na<br />

estrutura narrativa, isto é, a epopéia tem como unidade o verso, divide-se em estrofes e cantos, explora recursos


ítmicos e sonoros. 2. Tem a presença de uma consciência lírica, necessária para integrar a expressão formal,<br />

aliada ao fio narrativo. Nesse sentido, fazer uma epopéia é um privilégio do poeta, condição para ser autor<br />

épico. 3. Estrutura a realidade através de uma proposição da realidade histórica resultante da fusão do real e do<br />

mito. A narrativa de ficção estrutura uma proposição de realidade ficcional (do verbo fingere), uma elaboração<br />

em nível de imaginário, de relação existencial do homem com o mundo; matéria romanesca, real imaginário<br />

criado literariamente. A matéria épica baseia-se na estruturação de uma proposição da realidade histórico-maravilhosa<br />

como resultado da realização literária da fusão do real histórico com o mítico.<br />

A natureza da matéria épica: Chamamos de matéria épica a fusão do real histórico com o mítico processada<br />

ao nível da realidade objetiva. A matéria épica constitui-se de uma dimensão real, projetada no acontecimento<br />

histórico, e de uma dimensão mítica sustentada na aderência mítica desrealizadora desse mesmo acontecimento<br />

histórico (ver in Anazildo V. da Silva, Formação épica da Lit. Bras.). O fato histórico, quando ocorre, é só realidade<br />

e o seu relato puro e simples é História. Se esse fato é grandioso e fantástico a ponto de romper o limite<br />

do real (ver mais adiante o conceito de mito), capaz de ultrapassar a capacidade de compreensão do homem na<br />

época de sua ocorrência, começa a receber uma aderência mítica desrealizadora que a ele se funde com o passar<br />

do tempo, convertendo-o em matéria épica.<br />

A epopéia é, pois, uma realização literária específica de uma matéria épica. É por isso que a epopéia estrutura-se<br />

em dois planos, o histórico (dimensão do real da matéria épica) e o maravilhoso (dimensão mítica da<br />

matéria épica). Observe que este conceito é fundamental para entendermos e caracterizarmos o herói épico<br />

e o relato, visto que a interação desses dois planos é uma exigência épica. O herói épico, para ser sujeito<br />

da ação épica, precisa agenciar as duas dimensões: a real e a mítica. Sua condição humana agencia o real<br />

histórico, sua condição mítica, o real maravilhoso. Sendo o personagem épico um ser histórico, a condição<br />

humana é um atributo natural para agenciar o real histórico, mas isto, por si só, não é suficiente para o elevar<br />

à categoria de herói (como ser histórico é um homem, um mortal, sujeito à consumação). Para ser herói,<br />

deve adentrar o solo do maravilhoso, ganhando, com a condição mítica, a imortalidade que o resgata da consumação<br />

do tempo histórico e lhe confere a heroicidade. Com a interação entre os dois planos, ou as duas<br />

realidades, ocorre a transfiguração histórica do relato e do herói. Essa interação ocorre sempre, ainda que o<br />

personagem seja um herói por natureza, isto é, quando já traz em si, geneticamente, as condições humana e<br />

mítica (Ex.: Enéias, filho de Anquises (humano) e de Vênus (deusa), tem em si, por uma situação original, a<br />

dupla condição que unge o herói épico).<br />

O que chamamos de modelo épico clássico é uma manifestação do discurso épico (epopéia) na antigüidade.<br />

Este primeiro modelo (clássico) foi devidamente formulado por Aristóteles. Seu discípulo Staiger<br />

sistematizou teoricamente os elementos estruturadores do discurso épico (também o lírico e o dramático,<br />

inter-relacionando-os).<br />

Staiger tem como objetivo determinar a essência épica, que denomina apresentação e justifica em função<br />

do distanciamento entre o EU e o MUNDO, isto é, entre o narrador e a matéria narrada. Esse distanciamento<br />

coloca o narrador diante da matéria narrada em situação de confronto (não de fusão), resultando daí os demais<br />

elementos ou fenômenos estilísticos que compõem essa essência:<br />

O passado.<br />

A memória.<br />

O uso da 3ª pessoa.<br />

A grandiloqüência.<br />

A narrativa e a ação.<br />

A inalterabilidade de ânimo.<br />

A uniformidade métrica.<br />

O desenrolar progressivo.<br />

Eis algumas obras épicas:<br />

Grécia - Ilíada, Odisséia - epopéias homéricas.<br />

Roma - Eneida, de Vergílio e Farsalia, de Lucano.<br />

Itália - A Divina Comédia - de Dante Alighieri; Jerusalém Libertada - de Torquato Tasso.<br />

Portugal - Os Lusíadas - de Luís de Camões.<br />

Brasil - O Uraguai - de Basílio da Gama e Caramuru - de Frei José de Santa Rita Durão.<br />

15


16<br />

O gênero dramático<br />

Na épica, o narrador apresenta a ação progressivamente, através de análises e descrições, estendendo-se longamente.<br />

Na obra dramática, ao contrário, há uma economia de meios, devido ao fator tempo (que é limitado).<br />

A ação épica se estende no tempo e no espaço, deslocando-se de um lugar para outro, do passado para o futuro.<br />

A ação dramática tem como espaço o palco, no momento da representação, coagida a uma seleção de lances<br />

num ritmo acelerado. Na épica, o narrador se demora em cada parte, importante em si mesma, pois seu objetivo<br />

não é o final. No drama não há essa visão setorial (por partes), mas há uma visão globalizante, que se volta<br />

para o que vai acontecer e instiga a ação para o final, para o desfecho. Esta preocupação faz com que todas as<br />

partes se relacionem entre si e com o todo, interdependentes. Este conjunto que se volta para o que vai ocorrer<br />

é o que Staiger chama de tensão.<br />

Fenômenos estilísticos do gênero dramático<br />

A maneira dramática: na obra lírica a relação entre o autor e o mundo é de envolvimento, na épica, de confronto,<br />

de distanciamento, visto que o narrador é o mediador do relato. Na obra dramática o autor desaparece<br />

atrás do mundo criado, visto que os acontecimentos se desenrolam autonomamente, sem interferência do narrador.<br />

A ação é desenvolvida por meio de personagens num palco, como representação do mundo.<br />

A maneira dramática consiste, pois, no modo de realização das ações, que faz as personagens aparecerem e<br />

agirem diante de nós. A ação se desenrola através de acontecimentos que revelam as personagens, situadas num<br />

determinado lugar e numa determinada época. Ausente o narrador, as personagens são responsáveis para dar<br />

conta das ações, através da representação [Drama = ação].<br />

A tensão dramática, dinamizada pelo alvo a alcançar, impulsiona a ação e suprime todo o excesso. Daí decorre<br />

a concentração ou densidade.<br />

Convém restringir o tempo, economizar espaço e escolher um momento expressivo da longa história, um momento<br />

pouco antes do final, e daí desse ponto reduzir a extensão a uma unidade sensivelmente palpável, para<br />

que, ao invés de partes, grupos coesos ao invés de passagens isoladas, o sentido global fique claro, a fim de que<br />

nada do que o espectador deva fixar se perca.<br />

A obrigação da concentração e do sentido global mobilizado em função de desfecho se conexiona com a unidade<br />

de ação. Tal unidade condensa num todo coeso a ação principal e as acessórias. A ela se junta a unidade de<br />

lugar, pela concentração da encenação às vezes num só cenário, e a unidade de tempo, que é sempre restrito.<br />

O diálogo é a forma natural de as personagens, emancipadas do narrador, desenvolverem a ação. A respeito<br />

dele, Anatol Rosenfeld afirma:<br />

O que se chama, em sentido restrito, de “dramático”, refere-se particularmente ao entrechoque de vontades<br />

e à tensão criada por um diálogo através do qual se externam concepções e objetivos contrários produzindo<br />

o conflito (ROSENFELD, 1996).<br />

A ação, provinda do choque de interesses opostos, antes de chegar ao desfecho, passa por momentos chamados<br />

nó (conjunto de interesses que destrói a situação inicial para encetar a ação), reconhecimento (passagem<br />

da ignorância ao conhecimento de uma dada situação), peripécia (mudança da ação ao contrário do que se<br />

esperava) e clímax (ponto culminante do conflito, depois do qual a trama deve terminar).


UNIDADE I<br />

INTRODUÇÃO À <strong>LITERATURA</strong> <strong>LATINA</strong><br />

1.1 - Aspectos Históricos<br />

Como Foi Transmitida a Literatura Clássica?<br />

Quem lê uma história da literatura latina encontrase<br />

diante de uma narrativa contínua, uma narrativa<br />

complexa na qual se encontram personagens diversos<br />

– os escritores – que produzem suas obras. Ao ler assim,<br />

tudo em seqüência, não se dá conta de quanto<br />

trabalho, no tempo, foi necessário aos estudiosos para<br />

reconstruir um quadro dos fatos e dos acontecimentos<br />

literários tal que se possa, hoje, no estado atual do<br />

conhecimento, defini-lo como completo.<br />

O fato é que, de todos os textos da literatura clássica,<br />

alguns se conservaram mais ou menos íntegros,<br />

outros nos chegaram mutilados mais ou menos gravemente,<br />

de outros permaneceram somente algum<br />

pequeno fragmento, outros ainda desapareceram por<br />

completo e sabemos só (por testemunhas indiretas)<br />

que existiram um dia. O mesmo texto que lemos estampado<br />

em edições não é senão o ponto de chegada<br />

de uma história acidentada, no curso da qual sofreu<br />

deformações e prejuízos de vários tipos que o tornaram<br />

cá e lá defeituoso ou talvez incorreto. O trabalho<br />

dos filólogos providencia com perícia e paciência a<br />

restituição da originária correção dos textos. Em resumo,<br />

tanto a história da literatura grega ou latina<br />

como os textos das obras que as acompanham, se<br />

não tivessem sido integrados pelo trabalho dos estudiosos,<br />

resultariam muito mais lacunosos e incertos<br />

do que hoje o são.<br />

Uma enorme quantidade de textos da literatura latina<br />

já tinha sido perdida no fim da Idade Antiga;<br />

muitos outros se perderam durante a Idade Média.<br />

As razões desse desaparecimento são múltiplas e<br />

diversas: não só mudança de gosto e transformações<br />

culturais fizeram “descartar” certas obras, mas<br />

advém também que obras particularmente longas,<br />

como as Historiae de Tito Lívio, fossem abreviadas<br />

e simplificadas até que os compêndios fizeram desaparecer<br />

os originais; outras desapareceram pelos incêndios<br />

ou saques ou destruições de bibliotecas. Se<br />

o trabalho dos historiadores literários e dos filólogos<br />

não tivesse procurado pesquisar e reconstruir o que<br />

existia, muitos autores importantes hoje não teriam<br />

sequer mencionados os nomes.<br />

Os textos foram conservados e chegaram até nós<br />

graças a papiros e a manuscritos em pergaminhos ou<br />

em papel [ditos ainda códices, do nome codex (tabuinha<br />

de escrever), que tinha a tabuinha de madeira<br />

usada na idade imperial como capa das folhas de<br />

pergaminhos encadernados como livro]; importante<br />

é ainda a documentação que se reuniu através das<br />

epígrafes (inscrições em prosa ou em versos incisas<br />

no mármore, na pedra, no bronze ou sobre os vasos).<br />

Em alguns casos temos numerosíssimos exemplares<br />

para examinar, como certas obras de Ovídio; mas há<br />

também casos em que o manuscrito é um só, como<br />

acontece com os seis primeiros livros dos “Anais”<br />

de Tácito. Na maioria das vezes se trata de manuscritos<br />

medievais (a maior parte dos séculos IX ao<br />

XIII); mais raramente o texto é transmitido por manuscritos<br />

tardo-antigos ou, ao contrário, só por cópia<br />

da idade humanística.<br />

Por quanto vária e complexa possa ser a transmissão<br />

da cada um e dos diversos autores, quando a obra de<br />

um autor é conservada em códices manuscritos (copiados<br />

durante a I. M. pelos monges ou mais tarde<br />

pelos Humanistas), o editor reconstrói o texto trabalhando<br />

sobre testemunhas que são representadas por<br />

uma cópia ou por uma fieira de cópias. O resultado<br />

que alcança é chamado de edição crítica, uma edição<br />

que de costume contém, além do texto crítico reconstruído<br />

pelo editor moderno, também um aparato crítico,<br />

onde estão assinaladas as variantes por ele refutadas<br />

(neste aparato de notas, estampado na maioria<br />

das vezes ao pé da página, se registram precisamente<br />

as variantes, isto é, as diferenças entre os vários manuscritos).<br />

De tal modo resultam logo evidentes os<br />

critérios de reconstrução do texto que o editor adotou<br />

preferindo uma lição a outra (preferindo um determinado<br />

modo que o copista do manuscrito “leu”<br />

e transcreveu um passo). A disciplina que examina a<br />

tradição manuscrita de um texto (ou seja, o conjunto<br />

dos documentos escritos que o transmitiram), que<br />

tem por objetivo reconstruir a forma originária e que<br />

procura saneá-lo dos gastos ocorridos com o tempo, é<br />

chamada de crítica textual.<br />

Nesse caso, qualquer que seja a particular situação<br />

da tradição manuscrita de um autor, a nossa relação<br />

com os textos pode ser definida como direta, no sentido<br />

que esses foram reproduzidos por si sós (embora<br />

com possíveis gastos, cochilos do copista, omissões,<br />

infidelidades, acréscimos e ajustes). Diz-se então que<br />

esses textos chegaram até nós por tradição direta.<br />

17


18<br />

Das obras de alguns autores (por exemplo, Vergílio,<br />

mas também Cícero, Horácio, Pérsio) possuímos seja<br />

a tradição direta, sejam testemunhas de tradições indiretas<br />

(por exemplo em obras de comentadores antigos:<br />

Sérvio para Vergílio, Porfírio para Horácio etc.).<br />

Mas, como se falou, a rede de obras conservadas<br />

se entrecorta continuamente com uma rede de obras<br />

perdidas, da qual é conservada notícia graças ao testemunho<br />

de outros autores e de outros textos. Autores<br />

cruciais para o desenvolvimento da cultura romana<br />

(como Névio, Ênio, Lucílio) nos são conhecidos desta<br />

maneira, porque partes dos seus textos são citadas<br />

por outros autores (como as Origines e o Hortensius<br />

de Cícero). Neste caso possuímos textos que nos são<br />

legados de “segunda mão”: trata-se de pequenos trechos,<br />

de fragmentos recordados habitualmente por<br />

razões lingüísticas ou gramaticais. Diz-se então que<br />

os textos nos chegaram por tradição indireta.<br />

Os gramáticos latinos nos conservaram uma preciosa<br />

coleção de fragmentos de textos para nós perdidos:<br />

eram atraídos por uma palavra inusual, por uma<br />

construção estranha, por um arcaísmo, por um neologismo,<br />

em geral pela experimentação lingüística, e<br />

por isso referiam palavras de autor (trechos inteiros,<br />

frases ou uma expressão) no interior de um discurso<br />

deles. Mas acontece também que Cícero (por ex. no<br />

Brutus) cita com admiração (e assim se os conserva)<br />

alguns versos dos Annales de Ênio. A literatura<br />

clássica seria para nós muito menos substanciosa se<br />

também esta rede fragmentária e semi-submersa não<br />

tivesse sido percorrida e explorada por pacientes e espessos<br />

geniais estudiosos.<br />

1.2 - O Século de Augusto (de 44 ou 43 a. C. a 17 d. C.)<br />

Foi a época de ouro da literatura latina. Floresceram<br />

os mais variados gêneros literários: a historiografia, com<br />

Tito Lívio e Salústio, a poesia épica, com Vergílio (Enei-<br />

1.3 - Epopéia Grega<br />

Leitura<br />

Os helenos são oriundos da planície do Danúbio,<br />

tendo penetrado na bacia mediterrânea oriental por<br />

meio de invasões sucessivas a partir do séc. XV a.C.<br />

Encontraram nas ilhas do mar Egeu populações que<br />

tinham se tornado civilizações brilhantes (civilização<br />

cretense/egéia ou minóica).<br />

A colonização, do séc. VII ao V, expandiu a língua<br />

e a cultura por quase todo o mediterrâneo. As conquistas<br />

de Alexandre (IV) levaram-no até o coração<br />

da Ásia. A conquista romana (II a.C.) introduziu-a em<br />

Roma. No I séc. a. C., em todo o mundo antigo, falava-se<br />

ou lia-se o grego e todos tornaram-se tributários<br />

da cultura helênica.<br />

Dárdano, filho de Zeus, fundou a Dardânia, um distrito<br />

a noroeste de Tróia, e casou-se com a filha de<br />

Teucro, rei do lugar. Seus descendentes foram Tros<br />

(de quem o distrito de Tróia e os troianos tiraram o<br />

nome) e Ilos, fundador da cidade de Tróia, conhecida<br />

conseqüentemente como Ílion.<br />

Segundo Junito Brandão, “um fato parece definitivo:<br />

uma realidade histórica está subjacente ao mito na<br />

epopéia homérica, se bem que, glorificada e transfor-<br />

da), o lirismo, com Horácio, Vergílio, Ovídio, Tibulo e<br />

Propércio. A vida cultural desenvolvia-se em torno dos<br />

círculos como os de Messala, Polião e Mecenas.<br />

Alguns consideram que Homero tenha nascido no<br />

século XII a.C., situando os episódios narrados pela<br />

Ilíada e pela Odisséia como ocorridos por volta do<br />

séc. XIII ou XII a.C. Outros situam seu nascimento<br />

no séc. IX e até mesmo no séc. VII a.C. Modernamente,<br />

prefere-se situá-lo no séc. IX, na Ásia Menor.<br />

O ponto de partida das narrativas é a Guerra de<br />

Tróia, que teria ocorrido entre os séculos XIII e XII<br />

a.C. Segundo escavações recentes, Tróia seria uma<br />

fortaleza de forma aproximadamente circular, não<br />

medindo mais do que 183m transversalmente. As<br />

muralhas tinham aproximadamente 4,50m de largura<br />

e 6m de altura, com portas e torres quadradas para sua<br />

defesa. O terreno dentro da fortaleza elevava-se em<br />

terraços até o palácio situado em seu centro. Eis uma<br />

história reduzidíssima da fundação de Tróia:<br />

mada por vários séculos de tradição puramente oral<br />

que precederam à composição definitiva elaborada<br />

por Homero (séc. IX - VIII a.C.) e a fixação por escrito<br />

dos dois poemas (séc. VI a.C.).<br />

A dificuldade maior no estudo da epopéia Homérica<br />

está em isolar o que realmente é micênico do que pertence<br />

a épocas posteriores, como a Idade do Ferro, a Idade<br />

do Caos e ao ambiente histórico em que viveu o próprio<br />

poeta. Sem dúvida, também sob o ângulo político, social


e religioso, os poemas homéricos são uma colcha de retalhos<br />

com rótulos de civilizações diferentes no tempo e<br />

no espaço. Não obstante todas essas dificuldades, alguns<br />

elementos micênicos podem, com boa margem de segurança,<br />

ser detectados no meio dos dois grandes poemas.<br />

Consoante Homero, o que parece autêntico, o mundo<br />

micênico era um entrelaçamento de reinos pequenos<br />

e grandes, mais ou menos independentes, centralizados<br />

em grandes palácios, como Esparta, Atenas, Pilos,<br />

Micenas, Tebas..., mas devendo fidelidade, ou talvez<br />

vassalagem, não se sabe muito bem por que, ao reino<br />

de Agamêmnon, com sede em Micenas. Além deste<br />

aspecto político, há outros a considerar. M. Helena da<br />

Rocha Pereira alinha alguns elementos aqueus presentes<br />

na epopéia homérica. “Ora, os Poemas Homéricos<br />

descrevem, fundamentalmente, a civilização micênica,<br />

embora ignorem a sua forte burocratização e a<br />

abundância de escravatura, reveladas pelas tabuinhas<br />

de Pilos. Mas, entre os principais elementos micênicos,<br />

podemos apresentar: as figuras e seus epítetos;<br />

a riqueza de Micenas (era rica em ouro); a raridade<br />

do ferro; a noção de que anáks (o senhor, o príncipe,<br />

rei com poderes religiosos e militares) é mais do<br />

que basileus (rei com poderes políticos); o fausto dos<br />

funerais de Pátroclo; a arquitetura dos palácios, nomeadamente<br />

a presença do mégaron; objetos como o<br />

elmo de presas de javali, a taça de Nestor e a espada<br />

de Heitor, com um aro de ouro”.<br />

Mas se comprovadamente existem elementos micênicos,<br />

de fundo e de forma, nos poemas homé-<br />

A Ilíada<br />

Primórdios da Guerra de Tróia<br />

A Ilíada trata de apenas uma pequena parte da Guerra<br />

de Tróia. De fato, só abarca alguns meses durante o<br />

décimo ano dessa guerra. Os gregos antigos, porém,<br />

estavam familiarizados com todos os acontecimentos<br />

que tinham conduzido a esse décimo ano e, no decurso<br />

da Ilíada, Homero faz muitas referências a diversos<br />

fatos passados.<br />

A lenda começa há séculos, com a construção da<br />

cidade de Tróia. Esta estava sob a proteção dos filhos<br />

de Zeus, o pai dos deuses. O rei da cidade era<br />

Laomedonte, que, por ela prosperar rapidamente, decidiu<br />

fazer uma enorme muralha para sua proteção.<br />

Esta é evidentemente a muralha que os gregos não<br />

conseguiram penetrar durante nove anos – o ponto<br />

em que começa a Ilíada. Para uma construção tão<br />

magnífica era necessário evocar o auxílio divino, e o<br />

deus dos mares e dos oceanos, Posídon, ofereceu-se<br />

para ajudar, mas disse que teria de ser compensado<br />

pelos seus esforços.<br />

ricos, como pode o bardo máximo da Hélade ter<br />

conhecimento, por vezes tão preciso, de um mundo<br />

que ele cantou cerca de quatro ou cinco séculos depois?<br />

A escrita já existia, é verdade, e cinco séculos<br />

também antes do poeta, mas aquela, a Linear B, era<br />

usada, sobretudo em documentos administrativos<br />

e comerciais e não em textos de caráter literário.<br />

Parece que os poderosos senhores do mundo aqueu<br />

julgavam indigno ou desnecessário que suas façanhas<br />

fossem gravadas em tabuinhas de argila. E<br />

realmente não era necessário, pela própria técnica<br />

poética da época. A poesia épica missênica é oral<br />

e tradicional, uma poesia não escrita e transmitida<br />

de geração a geração. Uma poesia áulica, cheia de<br />

fórmulas de caráter religioso e militar e cuja sobrevivência<br />

se deveu aos aedos (cantavam ao som<br />

da cítara, improvisando, inspirados pelos deuses)<br />

e rapsodos (poetas que costuravam os versos sem<br />

cantar, apenas recitando-os).<br />

(....) Os poemas homéricos resultam, pois, de um longo,<br />

mas progressivo desenvolvimento da poesia oral, em<br />

que trabalharam muitas gerações. Usando significantes<br />

do fim do séc. IX e meados do séc. VIII a.C., épocas em<br />

que foram, ao que parece, ‘compostas’, na Ásia Menor<br />

grega, respectivamente a Ilíada e a Odisséia, o poeta nos<br />

transmite significados do séc. XIII ao séc. VIII a.C. O<br />

mérito extraordinário de Homero foi saber genialmente<br />

reunir esse acervo imenso em dois insuperáveis poemas<br />

que, até hoje, se constituem no arquétipo da épica ocidental”<br />

(BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia grega.<br />

Petrópolis, Ática, 1996. v. III).<br />

No fim dos trabalhos, os troianos pensaram que<br />

a muralha era tão impenetrável que se recusaram a<br />

compensar Posídon. Este retirou então a sua proteção<br />

e, assim, a cidade ficou sem a proteção divina e vulnerável<br />

ao ataque.<br />

Na altura da Guerra de Tróia, a cidade era governada<br />

pelo rei Príamo, casado com Hécuba, a qual, segundo<br />

a lenda, deu-lhe 49 filhos, incluindo o nobre Heitor,<br />

a profetisa Cassandra, Páris e muitos outros. Quando<br />

Hécuba estava grávida de Páris, teve o sonho de que<br />

esse filho seria a causa da destruição de Tróia. Um oráculo<br />

e um adivinho confirmaram que ele seria efetivamente<br />

a causa da destruição total da nobre cidade de<br />

Tróia; portanto, para o bem da cidade, Hécuba concordou<br />

em abandonar o recém-nascido à morte, expondoo<br />

no monte Ida, mas ele foi salvo por pastores e cresceu<br />

como pastor, ignorante do seu nascimento real.<br />

Pouco antes do início da Guerra de Tróia, Zeus preparou<br />

o casamento de Tétis (uma deusa) com Peleu<br />

(um mortal); serão a mãe e o pai do nobre Aquiles. No<br />

casamento, todos os deuses e deusas compareceram e<br />

estavam a divertir-se, quando Éris, a deusa da discór-<br />

19


20<br />

dia, que, por razões óbvias, não foi convidada, joga<br />

uma maçã de ouro no meio deles, com as palavras<br />

“PARA A MAIS BELA” nela inscritas.<br />

Hera, Atená e Afrodite reclamam a maçã e pedem<br />

a Zeus que julgue entre elas, mas este recusa-se sabiamente,<br />

preferindo nomear o pastor Páris (o qual<br />

tomava conta dos rebanhos nas proximidades) para<br />

decidir o pleito. As deusas vão todas a ter com Páris,<br />

e cada uma delas procura suborná-lo, oferecendo-lhe<br />

a sua especialidade. Hera oferece-lhe um rico reino e<br />

poder. Atená oferece-lhe sabedoria e êxitos militares.<br />

Afrodite oferece-lhe amor, o amor da mais bela mulher<br />

do mundo, a espetacular Helena. Conseqüentemente,<br />

Páris escolhe Afrodite, tornando assim Hera<br />

e Atená suas implacáveis inimigas, jurando ambas<br />

destruir Páris e a cidade de Tróia.<br />

Ao saber que possuirá Helena, Páris vai primeiro a<br />

Tróia e estabelece-se como verdadeiro príncipe, filho<br />

legítimo de Príamo e Hécuba. Depois embarca para<br />

Esparta, para a corte do rei Menelau, o qual estava<br />

ausente, onde seduz e logo rapta Helena, levando-a<br />

para Tróia.<br />

A Guerra de Tróia<br />

Quando Menelau volta a Esparta e sabe da partida<br />

da esposa, convoca grande número de generais gregos<br />

para o acompanharem na conquista de Tróia e<br />

na recuperação de Helena. Em tempos, todos esses<br />

generais tinham cortejado Helena, chegando depois<br />

a um acordo: comprometiam-se a auxiliar aquele que<br />

conseguisse o amor de Helena e a vingar qualquer<br />

desonra a que o futuro marido ficasse sujeito por causa<br />

dela. Assim, Páris precipitou a Guerra de Tróia,<br />

cumprindo o sonho profético que sua mãe tivera de<br />

dar à luz um filho que seria a causa da destruição da<br />

cidade de Tróia.<br />

Alguns dos chefes gregos estavam ansiosos por saquear<br />

Tróia, mas dois, Ulisses e Aquiles, tinham sido<br />

avisados por oráculos do destino que teriam se participassem<br />

da expedição. Ulisses foi avisado de que estaria<br />

ausente durante vinte anos, pelo que se fingiu de<br />

louco, mas a sua astúcia foi rapidamente descoberta<br />

e acabou por concordar em partir. Os gregos sabiam<br />

que nunca poderiam capturar Tróia sem a ajuda de<br />

Aquiles, que era o maior guerreiro do mundo. Este<br />

era praticamente invulnerável como combatente porque,<br />

ao nascer, a mãe o mergulhara no rio Estige, tornando-o<br />

imortal em todo o corpo exceto no calcanhar,<br />

por onde o segurara (mais tarde, Páris descobrirá esta<br />

vulnerabilidade e disparará uma seta envenenada para<br />

o calcanhar de Aquiles – é por esta razão que utilizamos<br />

a expressão “calcanhar de Aquiles” para nos<br />

referimos à vulnerabilidade de alguém). Aquiles foi<br />

avisado de que, se fosse para a guerra, obteria grande<br />

glória, mas morreria jovem. Então a mãe disfarçou-o<br />

com roupas femininas. Porém, o astuto Ulisses descobriu<br />

a artimanha e Aquiles acabou por concordar com<br />

a sua participação.<br />

O irmão de Menelau, Agamêmnon, foi eleito chefe<br />

do exército. Quando estavam reunidos mil navios, os<br />

ventos acalmaram e, após consulta dos oráculos, descobriu-se<br />

que Agamêmnon matara um veado consagrado<br />

à Ártemis, a deusa da caça. Nada a poderia pacificar<br />

a não ser o sacrifício da filha de Agamêmnon,<br />

Ifigênia. Após considerável angústia, Agamêmnon<br />

mandou chamar a filha, sob pretexto de que ela iria<br />

casar com Aquiles. Uma vez lá, todavia, fê-la sacrificar,<br />

e os ventos começaram imediatamente a soprar.<br />

A expedição partiu.<br />

O primeiro desembarque foi num local errado, mas<br />

os gregos (chamados de aqueus, na Ilíada) acabaram<br />

por chegar a Tróia e sitiar a cidade, colocando Aquiles<br />

numa das extremidades e o famoso Ajax na outra.<br />

Durante nove anos tentaram, sem êxito, penetrar a<br />

invulnerável muralha troiana. Contudo, conquistaram<br />

e pilharam muitas terras pequenas e, no fim do nono<br />

ano, capturaram duas belas mulheres, Criseide, que<br />

foi entregue a Agamêmnon, e Briseide, que coube a<br />

Aquiles. Aqui começa a Ilíada, que terminará com o<br />

funeral de Heitor.<br />

A Queda de Tróia<br />

Depois do funeral de Heitor, os troianos solicitaram<br />

a ajuda de forças exteriores e os gregos perderam<br />

muitos combatentes valorosos. Numa batalha, Aquiles<br />

defrontou-se com Páris, o qual lançou uma seta<br />

que, guiada por Apolo, atingiu Aquiles no calcanhar<br />

direito, o único ponto em que ele era vulnerável. Só<br />

com grande dificuldade é que Ajax e Ulisses conseguiram<br />

recuperar o corpo de Aquiles, e logo surgiu<br />

uma disputa sobre quem deveria receber sua esplêndida<br />

armadura. Quando esta foi atribuída a Ulisses,<br />

Ajax ficou tão furioso que ameaçou matar alguns dos<br />

chefes gregos, mas, ao aperceberem-se do erro do seu<br />

comportamento, acabou por se suicidar.<br />

Com a morte dos dois maiores guerreiros, Ajax e<br />

Aquiles, os gregos começaram a duvidar de que algum<br />

dia conseguiriam conquistar Tróia. Consultando diversos<br />

adivinhos e oráculos, são informados de que se<br />

devem apoderar do arco e flechas de Héracles, que se<br />

encontravam nas mãos do príncipe Filocteto, um grego<br />

anteriormente abandonado devido a uma terrível ferida<br />

que não sarava. Ulisses e Diomedes são enviados e convencem<br />

Filocteto a regressar com o arco e as flechas.<br />

No seu primeiro combate, este consegue matar Páris.<br />

Esta morte, no entanto, não afeta o curso da guerra.


Aos gregos foi então apresentada uma série de coisas<br />

que teriam de ser realizadas para alcançarem a vitória<br />

como: 1. Levar os ossos de Pelops da Ásia de regresso<br />

à Grécia; 2. Fazer que o filho de Aquiles entrasse<br />

na guerra; 3. Roubar a imagem sagrada de Atená do<br />

santuário de Tróia. Estes fatos foram realizados, mas<br />

nenhum deles alterou o curso da guerra. Então Ulisses<br />

concebeu um plano através do qual os gregos poderiam<br />

penetrar as defesas de Tróia: foi construído um<br />

grande cavalo de madeira, com o ventre oco, para conter<br />

muitos guerreiros. Na escuridão da noite, o cavalo<br />

foi levado para as planícies de Tróia, e alguns combatentes<br />

gregos treparam para dentro dele. Os restantes<br />

gregos queimaram os acampamentos e afastaram-se<br />

para os barcos, simulando o abandono da guerra, mas<br />

ficaram à espera para além de uma ilha próxima.<br />

Na manhã seguinte, os troianos descobriram que os<br />

gregos tinham ido embora e encontraram o enorme cavalo<br />

misterioso postado em frente de sua cidade. Também<br />

depararam com um grego chamado Sínone com<br />

histórias plausíveis acerca da partida dos gregos, do cavalo<br />

de pau e da sua própria presença ali. Sínone contou<br />

a Príamo e aos outros que Atená abandonara os gregos<br />

devido ao roubo da sua imagem do templo. Sem a ajuda<br />

dela, sentiram-se perdidos e, por isso, partiram. Porém,<br />

para chegarem em segurança às suas terras, tinham de<br />

proceder a um sacrifício humano. Sínone era o escolhido,<br />

mas fugira e escondera-se. O cavalo fora deixado<br />

para aplacar a ira da deusa, e os gregos tinham a esperança<br />

de que os troianos o profanassem, atraindo o ódio<br />

de Atená. Estas mentiras convenceram Príamo e muitos<br />

outros troianos, que então arrastaram o cavalo gigantesco<br />

para dentro das muralhas, a fim de honrarem Atená.<br />

Nessa noite, os soldados saíram sub-repticiamente do<br />

cavalo, mataram as sentinelas e abriram as portas da cidade<br />

para permitirem a entrada do exército grego. Este<br />

acendeu focos de incêndio por todo o lado, começou a<br />

massacrar os habitantes e procedeu à pilhagem. A resistência<br />

troiana de nada serviu. O rei Príamo foi morto, e,<br />

ao amanhecer, quase todos os troianos tinham tido o mesmo<br />

destino. Só escaparam Enéias, com o seu pai e o seu<br />

filho criança, e um pequeno grupo de troianos. O filhinho<br />

pequeno de Heitor foi atirado do alto da muralha da cidade.<br />

As mulheres que ficaram foram entregues aos chefes<br />

gregos como troféus de guerra para serem usadas como<br />

escravas ou concubinas. Tróia foi devastada. Hera e Atená<br />

tiveram sua vingança sobre Páris e a sua cidade.<br />

Resumos e Comentários<br />

CANTO I<br />

A peste - A ira de Aquiles<br />

A Ilíada começa, como todos os poemas épicos,<br />

com a invocação do poeta à musa (deusa) da poesia.<br />

Nesta invocação, Homero apresenta seu tema, a ira<br />

ou a fúria de Aquiles e seus efeitos, e pede a ajuda da<br />

musa para conseguir contar adequadamente a história.<br />

O leitor é então levado ao ponto onde o problema teve<br />

sua origem. É aí que a história da Ilíada começa.<br />

Durante uma das muitas expedições do exército aqueu<br />

(grego) nas proximidades de Tróia, duas jovens troianas<br />

muito belas, Criseide e Briseide, foram capturadas<br />

e levadas ante o chefe do exército Agamêmnon e ante a<br />

Aquiles. Criseide, troféu de Agamêmnon, é filha de Crises,<br />

sacerdote de Apolo, e não tarda muito para que Crises<br />

venha ao acampamento aqueu, esperando resgatála.<br />

Agamêmnon se recusa a cedê-la e ordena rudemente<br />

ao velho que abandone o acampamento. Desesperado,<br />

Crises implora o auxílio de Apolo. Este responde à prece<br />

do sacerdote e uma peste mortífera espalha-se entre<br />

os aqueus, matando centenas de combatentes.<br />

No décimo dia da peste, Aquiles recusa-se a aguardar<br />

mais tempo uma ação do rei Agamêmnon para pôr fim à<br />

praga. Usurpando a autoridade de Agamêmnon, Aquiles<br />

convoca uma assembléia do exército e sugere que seja<br />

chamado um adivinho para determinar a causa da peste.<br />

Calcante, um adivinho aqueu, explica a causa, após suplicar<br />

a Aquiles absoluta proteção. Quando o adivinho<br />

revela que a causa é resultante da recusa de Agamêmnon<br />

em devolver Criseide ao pai, o próprio Agamêmnon<br />

fica furioso por ser publicamente nomeado como<br />

responsável pela praga. Insiste em que, se for obrigado a<br />

devolver Criseide, sua recompensa de direito, então tem<br />

de ser compensado com a recompensa de Aquiles, Briseide.<br />

Tal exigência enfurece Aquiles, que, ofendido na<br />

sua timé e areté, considera até mesmo a hipótese de apunhalar<br />

Agamêmnon, mas é acalmado pela deusa Atená,<br />

ao tomar da espada. Finalmente Nestor (o mais velho<br />

e sensato de todos os guerreiros aqueus) ergue-se para<br />

falar e consegue pacificar os dois homens irados.<br />

Aquiles, contudo, permanece encolerizado pela afronta<br />

pública de Agamêmnon ao exigir Briseide, e recusase<br />

a aceitar a indignidade que sente ter-lhe sido imposta<br />

na presença de todos os soldados. Conseqüentemente<br />

anuncia que retira todas as suas tropas da luta. Nem<br />

ele, nem nenhum dos seus homens voltarão a lutar com<br />

os aqueus contra os troianos. Justifica a decisão afirmando<br />

que nem ele nem qualquer dos que o seguem<br />

tinham qualquer questão pessoal com os troianos. Ele<br />

só tinha ido ajudar Agamêmnon e Menelau na tentativa<br />

de recuperação da esposa deste, Helena, e considera<br />

extremamente injusto que lhe retirem a recompensa,<br />

Briseide. Aquiles está firme na decisão de não voltar<br />

a lutar: não o fará e, além disso, ele e seus homens regressarão<br />

o mais breve possível à sua própria terra.<br />

No entanto, Agamêmnon decide aplacar Apolo: devolverá<br />

Criseide, a sua recompensa. Envia-a em segurança<br />

a bordo de um navio, que a levará até sua<br />

terra, e depois manda os seus arautos irem buscar Bri-<br />

21


22<br />

seide. Surpreendentemente, Aquiles entrega a jovem<br />

sem qualquer dificuldade.<br />

A seguir, porém, num sofrimento profundo, Aquiles<br />

vagueia sozinho pela praia e chora. Foi publicamente<br />

envergonhado pelo rei Agamêmnon e tratado como um<br />

escravo. A sua mãe Tétis, uma ninfa do mar, aparece ao<br />

ver o filho em tal estado. Este confessa-lhe seus problemas<br />

e pede-lhe que utilize sua influência junto de Zeus<br />

para assegurar que os exércitos troianos derrotem os<br />

seus camaradas de aramas aqueus. Aquiles pensa que,<br />

quando os aqueus compreenderem que estão perdendo<br />

a guerra em razão de sua ausência, entenderão qual o<br />

verdadeiro valor que Aquiles tinha para eles. Em resultado<br />

disso, remediarão o insulto de Agamêmnon.<br />

Tétis visita Zeus no Olimpo, e o rei dos deuses concorda<br />

em ajudar os troianos, embora exprima o temor<br />

de que a esposa, Hera, fique aborrecida, pois ela tem<br />

ciúmes de Tétis, odeia os troianos e não suporta a idéia<br />

de os ver ganhar a guerra. Descobrimos de fato que<br />

Hera odeia os troianos, mas teme ainda mais a ira de<br />

Zeus, pelo que cala os seus problemas. O canto I termina<br />

com um banquete dos deuses no palácio de Zeus.<br />

Odisséia<br />

Sinopse da Odisséia<br />

Ulisses, rei de Ítaca, participa da grande expedição dos<br />

aqueus, comandada por Agamêmnon, contra a cidade<br />

de Tróia, com o fim de resgatar Helena para Menelau.<br />

Após 10 anos, Tróia é saqueada e os heróis aqueus regressam<br />

a casa. Quando a Odisséia começa, já se passou<br />

mais de uma década desde a queda de Tróia.<br />

Ulisses ainda não regressou. Todos os outros chefes<br />

já tinham regressado às suas pátrias ou já tinham morrido.<br />

Não havia, porém, qualquer notícia do rei de Ítaca.<br />

Na sua ausência, os nobres de Ítaca e das cidades<br />

vizinhas convergiram para o palácio, esperando obter<br />

a mão de Penélope, mulher de Ulisses. Esta, sempre<br />

fiel à memória do marido, não quer voltar a casar e,<br />

enquanto permanecem no palácio tentando que ela<br />

mude de idéia, os pretendentes esbanjam a fortuna de<br />

Ulisses para seu próprio prazer e corrompem muitos<br />

dos seus criados. Quando Telêmaco, o filho de Ulisses,<br />

cresceu, visitou vários senhores aqueus na esperança<br />

de saber se o pai ainda estava vivo.<br />

Durante esses dez anos, Ulisses vagueou pelo mundo,<br />

passando por uma série inacreditável de aventuras<br />

e sofrendo tormentos inimagináveis, causados pela<br />

maldade de Possêidon. Perdeu todos os seus barcos<br />

e é o único sobrevivente do valoroso exército que<br />

partiu de Tróia. Finalmente, com a ajuda do rei dos<br />

feaces, Ulisses regressa a Ítaca. Auxiliado pela deusa<br />

Atená, de quem é o favorito, Ulisses castiga os pre-<br />

tendentes e restitui-se como rei. Reencontra a mulher,<br />

o filho e o pai, e uma possível guerra civil é evitada<br />

pela intercessão dos deuses.<br />

A Odisséia começa com a invocação de Homero à<br />

musa da poesia, na qual enuncia o tema do poema<br />

épico e lhe pede que o oriente para que possa contar<br />

a história de modo adequado. É, diz ele, a história de<br />

um homem solitário que vagueou pelo mundo durante<br />

muitos anos e sofreu muitos tormentos antes de a<br />

sua tentativa de regressar à pátria ser bem sucedida.<br />

No início da história, todos os sobreviventes da<br />

guerra de Tróia, com a exceção de Ulisses, já regressaram<br />

a casa. Ele se encontra retido pela ninfa Calipso,<br />

que tem esperanças de o fazer seu marido e,<br />

enquanto a maior parte dos deuses lhe vota simpatia,<br />

Posídon, deus do mar, tem-lhe rancor e fá-lo sofrer<br />

muitas provações.<br />

Na ausência de Posídon, Zeus, o rei dos deuses,<br />

convoca um conselho divino no Olimpo. Depois do<br />

discurso de abertura sobre o castigo de Egisto, o assassino<br />

de Agamêmnon, Atená interrompe o pai. Recorda-lhe<br />

o pobre Ulisses, separados da família e dos<br />

seres amados numa ilha distante e exige que os deuses<br />

retomem a sua anterior amizade para com ele. Salienta<br />

que embora Posídon lhe tenha rancor porque Ulisses<br />

cegou um dos seus filhos, ele pode ser obrigado a submeter-se<br />

ao desejo conjunto dos outros deuses. Sugere<br />

que Hermes seja enviado a Calipso, ordenando-lhe<br />

que liberte Ulisses, enquanto ela se disfarçará e irá<br />

visitar Telêmaco, o filho de Ulisses. Zeus e os outros<br />

deuses concordam com a sugestão de Atená.<br />

Atená veste-se de guerreiro e vai imediatamente a Ítaca,<br />

o país de Ulisses. Ali, encontra a casa do herói ocupada<br />

por um bando de príncipes menores e jovens nobres que<br />

aparentemente fazem a corte à mulher de Ulisses, mas<br />

que, ao mesmo tempo, passam os dias em banquetes e<br />

festins nos quais esbanjam toda a fortuna de Ulisses.<br />

Atená, identificando-se como Mentes, chefe dos Táfios<br />

e velho amigo de Ulisses, é bem recebida por Telêmaco.<br />

Sentados ao jantar, Telêmaco pede desculpa<br />

pelo comportamento grosseiro dos pretendentes. Pergunta<br />

a Atená se tem notícias do pai. Atená tranqüiliza<br />

Telêmaco, dizendo que Ulisses está vivo em algum<br />

lugar e que acabará por regressar a casa e castigará os<br />

pretendentes. Telêmaco descreve os problemas causados<br />

pela ausência do pai e explica como Penélope,<br />

a mãe, se recusa a casar-se novamente. Atená recomenda<br />

a Telêmaco que convoque uma reunião na ágora,<br />

durante a qual ordenará aos pretendentes que saiam<br />

da casa e, ao mesmo tempo, anunciará a sua intenção<br />

de procurar saber notícias do Ulisses. Então, a deusa<br />

aconselha, deve partir para Pilo e Esparta para saber o<br />

que for possível, por intermédio de Nestor e Menelau.


Além disso, salienta Atená, se Ulisses tiver morrido,<br />

então é hora de Telêmaco enfrentar as suas responsabilidades,<br />

reclamando a sua herança, fazendo que a mãe<br />

escolha um novo marido e castigando os pretendentes.<br />

A deusa parte e ambos separam-se como amigos.<br />

Entretanto, no festim dos pretendentes, um aedo<br />

canta sobre as aventuras dos aqueus de Tróia. Penélope<br />

aparece e fica perturbada por esta lembrança de<br />

Ulisses, ausente há tanto tempo, mas Telêmaco orde-<br />

1.4 - A Epopéia em Roma<br />

Publius Vergilius Maro, às vezes chamado<br />

de Vergílio (Andes, 15 de Outubro de de 70 70 aC aC aC aC<br />

- Brindisi, , 21 de Setembro de 19 aC aC aC aC aC aC<br />

Sua obra mais conhecida é a Eneida. Foi considerado<br />

ainda em vida como o grande poeta romano e<br />

expoente da literatura latina. Seu trabalho foi uma<br />

vigorosa expressão das tradições de uma nação que<br />

urgia pela afirmação histórica, saída de um período<br />

turbulento de cerca de dez anos, durante os quais as<br />

revoluções prevaleceram.<br />

Considerado o maior poeta latino, era natural da região<br />

de Mântua (70-19 a.C.) e filho de uma família de camponeses.<br />

Alcançou pelo casamento uma situação estável,<br />

podendo então ouvir, em Milão e Roma, as lições de filósofos<br />

epicuristas. Amigo de Horácio, como ele protegido<br />

por Mecenas, entrou em contato com o imperador, de<br />

quem recebeu o incentivo para escrever a Eneida.<br />

Admirador da cultura helênica, empreendeu uma<br />

viagem à Grécia, berço e viveiro da cultura, sonho<br />

que há muito acalentava: o destino concedeu-lhe a realização<br />

desse anseio, mas morreu no regresso, junto<br />

de Brindisi. O seu túmulo encontra-se em Nápoles.<br />

A obra de Virgílio compreende, além de poemas<br />

menores, compostos na juventude, as Bucólicas ou<br />

Éclogas, em número de dez, em que reflete a influência<br />

do gênero pastoril criado por Teócrito.<br />

As Geórgicas, dedicadas ao seu protetor Mecenas,<br />

constam de quatro livros, tratando da agricultura.<br />

Trata-se de uma obra de implicações políticas indiretas,<br />

embora bem definidas: ao fazer a apologia da<br />

vida do campo, o poeta serve o ideal político-social<br />

da dignificação da classe rural. Reflete a influência de<br />

Hesíodo e Lucrécio.<br />

Literariamente, as Geórgicas são consideradas a sua<br />

obra mais perfeita. E, finalmente, a Eneida, que o poeta<br />

considerou inacabada, a ponto de pedir, no leito de morte,<br />

que fosse queimada, constitui a epopéia nacional.<br />

na-lhe que saia da sala, onde o divertimento é, afinal,<br />

destinada a homens e não a mulheres sensíveis.<br />

Os pretendentes tentam interrogar o jovem sobre o<br />

seu recente visitante. Ele anuncia a convocação da<br />

Assembléia para a manhã seguinte, bem como a sua<br />

projetada viagem em busca de informações e o castigo<br />

que tenciona aplicar a todos eles. Ficam surpresos<br />

com esta súbita afirmação de virilidade, mas prosseguem<br />

o festim esbanjador. Telêmaco vai-se deitar e<br />

sonha com a sua próxima viagem.<br />

Eneida<br />

RESUMO E COMENTáRIOS<br />

A tempestade: Enéias em Cartago<br />

Arma virumque cano... Início da Eneida, verso célebre<br />

na antigüidade. Foi usado por poetas como Propércio,<br />

Ovídio, Pérsio e Marcial, como referência à obra vergiliana.<br />

Sobre paredes de Pompéia, foram encontrados diversos<br />

grafites reproduzindo-os ou parodiando-os, como:<br />

Fullones ululamque cano, no Arma virumque.<br />

(Eu canto os pisantes e a coruja, não as guerras e<br />

o varão.)<br />

Nos sete primeiros versos está resumida toda a ação<br />

da Eneida. O primeiro verso<br />

Arma virumque cano, Troiae qui primus ab oris<br />

evoca Enéias – sem o nomear – e Tróia, sua pátria;<br />

o último dos sete<br />

Albanique patres atque altae moenia Romae<br />

termina sobre o nome de Roma, ou seja, de Tróia<br />

até o Lácio, malgrado a ira de Juno. Ao mesmo tempo<br />

estão presentes os dois personagens principais do<br />

poema: Enéias, o troiano fugitivo que os destinos<br />

chamam para fundar uma cidade sobre as margens do<br />

Tibre, e Roma, cuja grande imagem estará sempre no<br />

pensamento do leitor.<br />

Arma (= instrumentos bélicos de defesa e ataque)<br />

quer dizer guerra, luta; ao passo que virum (homem,<br />

varão, em oposição a homo < humus) refere-se ao herói,<br />

isto é, a um ser cujo epíteto é uma garantia de<br />

nobreza; é o ser dotado da areté e da timé; é aquele<br />

que tem de superar um a um os obstáculos para mostrar<br />

que é herói, isto é, que está acima do comum dos<br />

homens – um semideus; mas é também aquele que vai<br />

se sujeitar ao Destino e à vontade dos deuses (Fato<br />

profugus). A isto o poeta diz cano, isto é, canto, do<br />

verbo cantar. Cantar é mais do que dizer, narrar: é<br />

falar grande, é ser grandiloqüente.<br />

23


24<br />

Depois deste preâmbulo, o poeta invoca a Musa:<br />

Musa, mihi causas memora... (A musa da poesia<br />

épica, a filha mais velha de Mnemosine, era Calíope,<br />

uma das sete musas protetoras das artes e da literatura).<br />

A invocação da Musa é uma tradição homérica.<br />

Esta invocação termina com uma pergunta do poeta:<br />

Tentaene animis coelestibus irae?. Tal questionamento<br />

mostra que o poeta, assim como todos os romanos,<br />

não admite que os deuses possam ser acessíveis<br />

às mesmas paixões que rasgam os humanos. Como<br />

se explica isso? Vergílio assinala desde o início do<br />

poema: diante dos sofrimentos infligidos ao herói<br />

– alma religiosa! – por uma divindade rancorosa, ele,<br />

o herói, se assombra e sua piedade emudece. O poeta<br />

explica que Juno teme por Cartago, sua cidade predileta,<br />

que seja aniquilada por um povo oriundo da<br />

raça troiana. Além disso, a deusa ainda guarda em seu<br />

coração o julgamento de Páris, em que fora preterida.<br />

Deste modo, Juno aparece como uma deusa vingativa;<br />

os infelizes mortais são, então, os joguetes das<br />

paixões divinas. Em Homero este conceito era aceito<br />

normalmente, sem objeções; mas, entre os romanos,<br />

era inconcebível que os deuses agissem assim. Vergílio<br />

atualiza o dado com o verso Tantae molis erat<br />

Romanam condere gentem! (Tantos esforços eram<br />

para fundar a nação romana). É a resposta à pergunta<br />

que acaba a invocação. Ou seja, as divindades têm<br />

suas iras, mas as perseguições servem para dizer que<br />

os fins justificam a injustiça: eram necessárias as tribulações<br />

de Enéias para que Roma pudesse nascer.<br />

Quer dizer, Roma não nasce sem sacrifícios, sem dor;<br />

é também o preço de tanto poder e de tanta glória.<br />

Enéias será o herói desses sacrifícios necessários e<br />

Juno, deusa que é, o instrumento de um Destino que<br />

ela crê combater (também os deuses estavam sujeitos<br />

ao Fado). Começa então a apresentação dos feitos em<br />

que o herói se envolve. A narrativa se inicia in medias<br />

res, isto é, no meio dos acontecimentos. O primeiro<br />

deles se dá no mar: os navios já estão se aproximando<br />

do destino final da viagem, os marinheiros estão felizes,<br />

quando desaba uma terrível tempestade, que Juno<br />

fez desencadear, e afasta os troianos para as costas da<br />

África. O poema não se inicia com os fatos conforme<br />

a ordem de ocorrência: a destruição de Tróia, depois<br />

a fuga, depois a viagem, depois a chegada. Começa<br />

no meio (esta forma de iniciar está em Homero, na<br />

Odisséia, quando Ulisses, depois de ter deixado a ilha<br />

de Calipso num navio, está para chegar ao país dos<br />

feaces. Vem uma tempestade que o leva para longe,<br />

entre os etíopes).<br />

Juno, para desencadear a tempestade, dirige-se a<br />

Éolo, o deus dos ventos, que lhe deve obrigações<br />

(através dela ele se tornou rei dos ventos); a deusa<br />

oferece-lhe em matrimônio Deiopéia, a mais bela de<br />

suas ninfas, como recompensa, a qual lhe dará belos<br />

filhos. Juno é a deusa dos bons casamentos. Vergílio,<br />

com isso, quer valorizar o prazer da dignidade do ca-<br />

samento e a legitimidade das alegrias familiares. Faz<br />

parte do plano augústeo de renovação dos costumes:<br />

a volta aos antigos costumes.<br />

É, pois, no meio do turbilhão dos ventos que aparece<br />

pela primeira vez o herói Enéias. Surge voltado para os<br />

céus, em plangente queixa. É a figura do pius Aeneas,<br />

cujo pensamento se volta sem cessar para o céu. Embora<br />

suas palavras não sejam uma oração, e sim um<br />

pranto, caracterizam o herói como o sobrevivente de<br />

uma “troupe” de outros tantos heróis como Diomedes,<br />

Aquiles, Heitor... A descrição das cenas que envolvem<br />

a tempestade são um belo exemplo da grandiloqüência<br />

épica. A tempestade representa um obstáculo mortal ao<br />

qual o herói deverá suplantar. Visto que estas forças da<br />

natureza são grandes demais para um homem, Netuno<br />

intervém majestosamente, opondo-se a Juno e a Éolo,<br />

e ajuda Enéias. Mas esta ajuda se justifica, visto que<br />

Juno e Éolo se intrometem num domínio que não lhes<br />

pertencia. No mais, a tempestade é a desordem dos elementos<br />

em convulsão; Netuno é igual a Augusto que<br />

vem restabelecer a ordem na cidade.<br />

E os troianos ganham as costas da Líbia. A liderança<br />

do herói se ressalta pelas cenas de reconhecimento<br />

do lugar, pela procura dos companheiros dispersos,<br />

pela provisão dos alimentos, pelo encorajamento aos<br />

companheiros através do discurso eficaz.<br />

Vênus vai ter com Júpiter, buscando satisfações<br />

para o que acontece. Através das palavras de Júpiter,<br />

Vergílio projeta a história e o futuro de Roma. E<br />

mostra o entendimento que deve dar à obra: será uma<br />

epopéia nacional e será um poema dinástico (Augusto<br />

é o continuador de Enéias). As guerras heróicas de<br />

Enéias no Lácio, as guerras que formaram o poderio<br />

romano dão início ao império de Augusto, o fundador<br />

da pax romana. Júpiter manda Mercúrio a Cartago a<br />

fim de preparar Dido para a chegada de Enéias.<br />

Segue-se o encontro de Enéias com sua mãe-protetora<br />

Vênus, que vem ajudá-lo, pondo-lhe a par do<br />

lugar em que está e das pessoas com quem há de lidar.<br />

Segue-se a narração do encontro de Enéias com<br />

a fenícia Dido ou Elissa, rainha da nascente Cartago.<br />

[Cartago teria sido fundada por volta de 814-813 a.C.<br />

por colonos Tírios, sob o reinado de Tir Pigmalião,<br />

por obra da irmã deste, Deido. Visto que as condições<br />

da fundação de Cartago eram desconhecidas, Vergílio<br />

as explica de forma legendária. Vergílio também cria<br />

a lenda da paixão de Dido por Enéias, afastando-se da<br />

história que, segundo Varrão, narra que Enéias teria<br />

tido uma aventura amorosa na África, mas não com<br />

Dido e sim com Ana, que seria a verdadeira fundadora<br />

da capital tíria (como se vê, a história é polêmica)].<br />

Se Vergílio introduziu Enéias no palácio de Dido<br />

para que ele vivesse ali uma aventura amorosa, tinha


suas razões. L. A. Constans enumera três delas: a primeira,<br />

de ordem literária ou estética, pretende que Enéias,<br />

da mesma forma que Ulisses, fique retido pelo amor de<br />

uma mulher – é o lado romanesco da epopéia; a segunda<br />

é de ordem histórica ou nacionalista, visto que a Eneida<br />

evocaria no espírito romano toda a história de Roma – alguma<br />

coisa anterior devia relacionar-se às guerras púnicas,<br />

fato que domina a história da fase republicana: Dido<br />

ao ser abandonada por Enéias lança-lhe imprecações antes<br />

do suicídio, ou seja, as guerras púnicas encontram uma<br />

explicação legendária e sobrenatural, pois elas são o cumprimento<br />

das imprecações de Dido; por fim, a terceira razão<br />

está relacionada com as circunstâncias da atualidade:<br />

a cidade que Enéias vê em construção não era uma cidade<br />

fenícia do século oitavo a.C., mas uma cidade nos moldes<br />

romanos, ou seja: no ano 44 a.C. César havia decidido<br />

ressuscitar Cartago, enviando veteranos para a colonia<br />

Iulia Carthago. Esta cidade seria a cidade em construção<br />

que Vergílio alusivamente descreve.<br />

Enéias vê-se em Cartago onde o detém um vasto<br />

templo que está sendo construído em homenagem a<br />

Juno, em meio a um bosque sagrado. Afrescos decorativos<br />

representam episódios da guerra de Tróia.<br />

O herói os contempla, comove-se ao extremo, vai às<br />

lágrimas e geme, em suspiros profundos arrancados<br />

do peito. Mais de uma vez o herói chora na Eneida.<br />

É a interpretação vergiliana do caráter do herói, do<br />

seu fundo psicológico, que, num momento de pausa<br />

e reflexão, mergulha no imo da alma humana para<br />

se compadecer. Há um elo sentimental entre Tróia,<br />

Enéias e Cartago. Mas esse mergulho é interrompido<br />

pelo que se pode então, de súbito, ver. Dido lhe aparece<br />

deslumbrante de beleza. Traz não só a majestade<br />

da rainha mas também um não sei o quê que a torna<br />

bem digna do filho de uma deusa. Mostra-se a construtora<br />

de uma cidade no momento em que ele sonha<br />

em fixar os penates num novo país.<br />

Vênus, por sua vez, no intuito de ajudar o filho angustiado,<br />

transforma-lhe a fatigada e a pálida face<br />

desfigurada pelo naufrágio na vislumbrante figura que<br />

lembra a estátua de um deus. À vista daquela beleza<br />

sobrenatural, a rainha Dido se comove e seu coração<br />

feminino se enternece de piedade só de pensar nos<br />

sofrimentos do herói.<br />

Obstipuit primo aspectu Sidonia Dido<br />

Casu deinde viri tanto... (I, 613-614)<br />

(A sidônia Dido ficou estupefata à primeira vista;<br />

depois pela tão grande desgraça de um varão...)<br />

Ele é belo, mas infeliz. Ela está pronta a amá-lo. Vênus<br />

põe Cupido em ação, que toma os traços de Ascânio,<br />

o qual serve para os aproximar. Desenrola-se<br />

o banquete e Dido já “bebia o amor em prolongados<br />

goles”. A pedido da rainha, Enéias toma a palavra e<br />

fará o relato que ocupará os livros II e III.<br />

A Eneida Após Vergílio<br />

A glória de Vergílio já dura vinte séculos. Já na Antigüidade,<br />

as escolas esboçavam a imagem de um<br />

Vergílio sábio universal e filósofo místico, cuja obra<br />

encerraria, sob os vôos da alegoria e do símbolo, todos<br />

os segredos do universo. Até mesmo os cristãos<br />

viram no autor da IV égloga (Bucólicas) um anunciador<br />

do nascimento de Cristo. Traçaremos, a seguir,<br />

alguns esboços sobre a Eneida, desde sua publicação<br />

até nossos dias.<br />

A Eneida mal começou a ser escrita e já se tornara<br />

célebre. Os poetas da época de Augusto, Ovídio, Propércio,<br />

Horácio, até mesmo o historiador Tito Lívio,<br />

foram influenciados pela Eneida. No primeiro século<br />

da nossa era, Sílio Itálico e Estácio esforçam-se por enriquecer<br />

a epopéia latina seguindo os traços do mestre.<br />

Os gramáticos e os retóricos comentam seus versos.<br />

Não se pode pensar, por outro lado, que todas as<br />

opiniões só foram favoráveis à Eneida. Houve alguns<br />

autores e críticos que resistiram a ela nos primeiros<br />

tempos. É o caso de Carvilius Pictor que escreveu<br />

Aenneosmastix para fustigá-la. Herennius revela<br />

seus erros, enquanto que Perellius Faustus e Otavius<br />

Avitus denunciam seus plágios. O grande crítico<br />

Asconius Pedianus, do primeiro século da nossa<br />

era, consagrou uma obra para combater os detratores<br />

de Vergílio (Contra obtrectatores Virgilii). Calígula<br />

pretendeu banir das bibliotecas públicas as obras e<br />

as imagens de Vergílio, porque, segundo ele, era uma<br />

obra de “nenhum gênio e de magro saber” (Suetônio,<br />

Calígula, 34). Outros gramáticos como Valério Probo<br />

e Anneus Cornutus comentaram largamente a Eneida.<br />

Posteriormente, o estudo de Vergílio tornou-se<br />

um dos meios indispensáveis para a educação liberal,<br />

mas mantinha ainda alguma polêmica.<br />

Através das escolas, a Eneida ganhava outros locais<br />

além dos muros de Roma. Difundiu-se nos círculos<br />

mundanos e nos meios populares. Também passou a<br />

servir de motivo de esnobismo: na alta sociedade dos<br />

tempos de Nero era de bom tom falar sobre o conhecimento<br />

da Eneida. Juvenal (Sátira, VI) nos fala de<br />

uma mulher tocada pela literatura que senta à “mesa,<br />

louva Vergílio, justifica Dido pronta para morrer, põe<br />

os poetas em paralelo, compara-os, suspendendo na<br />

balança Vergílio de um lado e Homero de outro”.<br />

Políbio, alforriado por Cláudio, havia empreendido a<br />

tradução de Homero para o latim e de Vergílio para o<br />

grego, no que fora elogiado por Sêneca.<br />

A Eneida também difundiu-se entre o povo. Os desocupados<br />

escreviam seus versos sobre as paredes das<br />

casas e sobre os monumentos públicos (pichações).<br />

A pantomima se amparava em seus heróis: Nero, no<br />

dia de sua morte, prometera imitar, dançando, um tre-<br />

25


26<br />

cho de Turno, de Vergílio, se ele escapasse de seus<br />

inimigos. O poema também era declamado em lugares<br />

públicos: Petrônio, no Festim de Trimalcião, nos<br />

mostra um convidado de seu jantar ridículo fazendo<br />

seu escravo recitar o livro V da Eneida.<br />

Na época dos Antoninos, o arcaizante crítico Fronto<br />

dizia preferir Ênio a Vergílio; o imperador Adriano<br />

achava o mesmo. Nessa época, a Eneida começa a<br />

se colorir de idéias supersticiosas: tiram-se dela,<br />

principalmente do livro VI, predições e avisos sobrenaturais.<br />

Para isto, abria-se o livro ao acaso e interpretava-se<br />

o primeiro verso que se oferecia. Adriano,<br />

malgrado suas prevenções literárias, foi o primeiro<br />

imperador a consultar as sortes vergilianae, cujo uso<br />

se perpetuaria durante a Idade Média.<br />

Esta tendência de fazer da Eneida um livro sagrado<br />

no qual se procuravam revelações de toda ordem, se<br />

traduziu nas escolas pela exegese alegórica. A partir<br />

desse procedimento, descobriu-se uma chave de um<br />

enriquecimento ilimitado: fazer significar no texto de<br />

Vergílio idéias filosóficas, religiosas e morais; abriamse<br />

ao ensino perspectivas que não tinham outros limites<br />

senão o da engenhosidade do mestre. O comentário<br />

de Servius, no final do século IV, nos mostra que<br />

desde então exercitava-se em fazer o poeta dizer o<br />

que ele não havia dito, e que sua obra estava para se<br />

tornar o que de fato foi, na alta Idade Média, uma vertente<br />

inexaurível de ensino filosófico e místico.<br />

Eis um exemplo que Servius nos dá acerca do ramo<br />

de ouro que a Sibila mandou Enéias colher para realizar<br />

sua viagem ao Hades: sabe-se que Pitágoras via<br />

a vida humana à imagem da letra Y: o tronco figura a<br />

primeira idade; a bifurcação, o momento da juventude,<br />

em que o homem tem de escolher entre o vício, que é<br />

representado pelo galho esquerdo, e a virtude, que simboliza<br />

o galho direito. O ramo de ouro tinha a forma de<br />

um Y, para significar que era preciso seguir o caminho<br />

da virtude; se Vergílio diz que ele estava escondido<br />

numa floresta, é porque de fato a virtude se dissimula<br />

no meio da confusão da vida e entre uma multidão de<br />

vícios. O mito das duas portas do Sono, uma de chifre<br />

e outra de marfim, é explicada por Sérvio da seguinte<br />

maneira: “a porta de chifres significa os olhos, porque<br />

eles têm a cor do chifre e são mais resistentes que as<br />

outras partes do corpo: visto que não sentem o frio,<br />

como diz Cícero em De natura deorum; a porta de marfim<br />

significa a boca, por causa dos dentes”.<br />

Na época em que apareceram os comentários de<br />

Servius, o Império, agonizante de melhores espíritos,<br />

fazia um supremo desejo de fé para manter o que eles<br />

acreditavam imortal: Roma, seu poder e sua cultura.<br />

E o momento em que Ausônio, um claudiano, tenta<br />

demonstrar pelos exemplos que a técnica vergiliana<br />

é sempre capaz de produzir belos poemas; é quando<br />

Rutílio Namatiamo diz em seus versos de forma clássica<br />

seu amor à cidade eterna. Vergílio, o poeta clássico<br />

por excelência e o cantor da grandeza romana, não<br />

podia deixar de ocupar um lugar de honra nesse renascimento.<br />

Na obra de Macróbio, quase a metade de<br />

suas Saturnales é dedicada a Vergílio. Ele insiste sobre<br />

a universalidade de seus conhecimentos: distingue-se<br />

nitidamente, nos diálogos macrobianos, os primeiros<br />

traços do Vergílio onisciente da Idade Média.<br />

A familiaridade que havia com a obra de Vergílio<br />

favoreceu os jogos literários dos centões (poesias<br />

constituídas por versos ou parte de versos de diversos<br />

autores), que teriam bela sorte na Idade Média.<br />

O Cento Nuptialis de Ausônio é um dos melhores espécimens<br />

do gênero: 131 versos de Vergílio, tirados<br />

especialmente da Eneida, são escolhidos e reunidos<br />

de tal forma que constituem um canto nupcial. Antes<br />

dele, um tal de Hosidius Geta compusera toda a tragédia<br />

de Medéia com a ajuda dos versos da Eneida.<br />

Esta renovação cultural havida entre os séculos IV<br />

e V da nossa era provocou uma série de reedições da<br />

Eneida, conforme nos atestam os manuscritos dessa<br />

época chegados até nós.<br />

A veneração que o autor da Eneida experimentava<br />

no final da Idade Antiga encontra-se também entre<br />

os autores cristãos. Não foi sem luta e remorsos que<br />

Santo Agostinho, bispo de Hipona, dizia: “Quem<br />

mais digno de piedade do que um infeliz que não tinha<br />

piedade por si próprio, e que chorava a morte de<br />

Dido, sobrevinda porque ela amava Enéias, mas que<br />

não chorava a sua própria morte, sobrevinda pela<br />

falta de te amar, ó Deus, luz do meu coração...”. No<br />

mesmo instante em que ele o acusa, freme ainda à<br />

lembrança de tudo o que fez bater seu coração de estudante:<br />

“Eu pecava, pois, quando, menino, preferia<br />

coisas vãs a coisas mais úteis, ou, dizendo melhor,<br />

quando eu detestava umas e amava as outras. Sim,<br />

‘um e um fazem dois, dois e dois fazem quatro’ era<br />

para mim um refrão odioso, e eu experimentava as<br />

mais vivas delícias a este espetáculo de vaidade: um<br />

cavalo de madeira, cheio de soldados armados, incendeia<br />

Tróia, e a sombra da própria Creúsa”.<br />

São Jerônimo é ainda mais dramático. Conhecemos o<br />

sonho que teve em Antioquia: ele comparece diante de<br />

um juiz no tribunal que lhe diz: “Tu és Ciceroniano, e não<br />

cristão. Lá onde está teu tesouro, lá está teu coração”. E<br />

lá de cima um anjo lhe batia com varas. Ele fez então a<br />

promessa de não abrir mais nenhum livro profano.<br />

A leitura alegórica permitiu aos cristãos ler Vergílio<br />

sem nenhum remorso. Fulgêncio, no século VI,<br />

escreveu De continentia Vergiliana (Sobre o conteúdo<br />

de Vergílio), fornecendo um modelo de tal leitura.<br />

Escreve que o espectro de Vergílio lhe aparecera e lhe


evelara que, ao escrever a Eneida, tivera como objetivo<br />

fazer um espelho da vida humana. O início do<br />

poema lhe forneceu a ocasião de mostrar de uma só<br />

vez a vertiginosa e inquietante profundidade do seu<br />

simbolismo: arma, virum, primus, essas três palavras<br />

correspondem a ter, governar, ornar, isto é, significam<br />

a natureza, a ciência e a felicidade. A tempestade<br />

do primeiro livro é a imagem das tempestades da vida<br />

e o naufrágio de Enéias era o nascimento do homem,<br />

que entra chorando nas praias da existência. Os livros<br />

II e III correspondem à infância, ávida de narrativas<br />

fabulosas; este período termina com a morte de Anquises,<br />

a qual simboliza que o homem se liberta da tutela<br />

paterna. Então ele se dedica aos prazeres da caça<br />

e ao amor (Dido). Depois ele retorna, dá-se conta dos<br />

ensinamentos de seu pai, dedica-se aos nobres exercícios<br />

(jogos fúnebres do canto V) e, com a inteligência<br />

triunfante, queima os instrumentos do erro (incêndio<br />

dos navios), libera-se das alucinações (Palinuro) e da<br />

vaidade (Misenas). A descida aos infernos é a viagem<br />

do espírito humano em busca da verdade filosófica.<br />

É inútil dizer se tudo é símbolo no país das sombras:<br />

o velho Caronte é o templo que nos ajuda a passar a<br />

vida sobre as águas agitadas e tumultuosas da juventude<br />

(Aqueronte); Cérbero, o cão ladrador, são as querelas<br />

que dividem os homens a quem somente o mel<br />

da sabedoria acalma. A etimologia – a mais fantasista<br />

– tem naturalmente sua tarefa nesta enlouquecedora<br />

exegese. A Itália, Ausônia, à qual Enéias aspira, é o<br />

símbolo dos progressos da virtude: ele não atingirá<br />

a virtude perfeita senão através de dores e provações<br />

e é isto que significa o nome Lavínia (Lavínia, id est<br />

laborum viam = Lavínia, isto é, vida de trabalhos);<br />

ele terá necessidade da aliança do homem de bem,<br />

Evandro; Turno, a quem precisa vencer, é a violência<br />

insensata (Turnus enin graece dicitur quase, furibundus<br />

sensus); seu cocheiro Metisca é a embriaguez;<br />

sua inspiradora Juturna (diuturna) é a má obstinação.<br />

Tais elucubrações de Fulgêncio tiveram sucesso<br />

durante a Idade Média. Jean de Salisbury, no século<br />

XII, em Polycraticus, completa-as, acrescentando<br />

eu ennaios, quer dizer, “habitante”: assim, Enéias é o<br />

símbolo da alma que habita o corpo.<br />

Vergílio é para Dante o artista incomparável que<br />

lhe ensinou “o belo estilo”: ele é o bom conselheiro,<br />

o amigo que protege e consola como uma mãe;<br />

ele é, enfim, o romano que representa, aos olhos de<br />

um cidadão da “Itália escrava”, a idéia da pátria e o<br />

grande sonho imperial. Todo mundo conhece o sonho<br />

que deu origem à Divina Comédia. Numa manhã<br />

de sexta-feira santa do ano de 1300, o poeta se viu<br />

numa floresta escura, tendo perdido o caminho, e encontrando<br />

sucessivamente, ao longo de uma encosta<br />

cheia de angústia, uma pantera, um leão, uma loba<br />

e três fulvos símbolos que lhe barravam o acesso à<br />

sabedoria e à virtude que ele, em vão, esforçava-se<br />

por alcançar. Aparece-lhe então, no deserto em que<br />

se debatia sua alma, a grande sombra do mantuano<br />

(Vergílio), que Beatrice tinha enviado para ajudá-lo.<br />

Vergílio assume a missão de guiá-lo, com a mais alta<br />

autoridade e a mais terna solicitude, através do Inferno<br />

e do Purgatório. É visível o modelo do livro<br />

VI da Eneida para a concepção da Divina Comédia,<br />

não somente na descrição do Inferno, mas também<br />

do Purgatório e até mesmo do Paraíso. Dante, num<br />

imenso esforço de criação, concilia o mundo pagão,<br />

necessário à epopéia, com o mundo cristão, um imperativo<br />

de sua época.<br />

Surgiram várias histórias medievais envolvendo o<br />

personagem Enéias, tanto na França como na Inglaterra.<br />

Na França, no século XII, surgiu o mais célebre<br />

dos romances contando a história de Enéias e Dido:<br />

Roman de la rose.<br />

O Renascimento italiano se interessou muito por Vergílio.<br />

Petrarca foi um admirador do mantuano. Interpretava<br />

a Eneida ainda alegoricamente, fazendo dele,<br />

segundo a tradição de Fulgêncio, uma representação<br />

da vida humana. O italiano, no entanto, não acreditava,<br />

como os homens de seu século, numa Eneida mágica;<br />

nem concebia que a IV Égloga anunciava Cristo;<br />

também insurgiu-se contra os que acreditavam que a<br />

fábula dos amores de Enéias e Dido fosse uma verdade<br />

histórica. Escreveu África, inspirado pela luta de Cipião<br />

e de Aníbal, rivalizando com o autor da Eneida.<br />

No século XV, surgiram muitos comentadores e imitadores<br />

da Eneida. Cristóforo Landino interpretou-a<br />

sob as idéias de Platão. Cândido Decembrio continua<br />

a Eneida, criando um XIII canto. No século XVI<br />

multiplicaram-se as edições e os comentários acerca<br />

da Eneida, quando se fizeram também as primeiras<br />

traduções para as línguas românticas. Ainda mais: os<br />

poetas da época sentiram-se tentados, à maneira de<br />

Vergílio, de constituir, para seus países, uma epopéia.<br />

Surge assim Orlando Furioso, de Ariosto e Jerusalém<br />

Libertada, de Torquato Tasso, na Itália. Em Portugal,<br />

Luís de Camões escreve o belo poema Os Lusíadas.<br />

No século XVII, Milton, na Inglaterra, escreve O Paraíso<br />

Perdido. No século XVIII, na França, Voltaire<br />

escreve a Henriade, que se parece com a Eneida (há<br />

uma tempestade, uma Gabrielle abandonada como<br />

Dido, uma descida aos Infernos, os Campos Elísios,<br />

onde também coloca os bons e os maus da pátria. Não<br />

podemos esquecer de que, no século XVIII, no Brasil,<br />

surgiram duas epopéias: O Uraguai, de Basílio da<br />

Gama, e o Caramuru, de Santa Rita Durão.<br />

Além de inspirar epopéias, a Eneida inspirou inúmeras<br />

peças de teatro durante o nascimento do teatro<br />

clássico-renascentista: Dido se sacrificando, de Jodelle,<br />

De partu Virginis, de Sannazaro, Dido, de Hardy,<br />

Enéias travestido, de G. B. Lalli, e Vergílio tra-<br />

27


28<br />

vestido, de Scarron (1633); duas comédias; em ópera:<br />

Dido abandonada, de Metastásio, no século XVIII.<br />

A Eneida não exerceu uma ação considerável só no<br />

domínio da literatura universal; foi também para muitos<br />

outros artistas uma fonte de inspiração. Alguns monumentos<br />

da antigüidade atestam sua influência nessa arte.<br />

Exercícios de Auto-avaliação<br />

1- Como foi transmitida a literatura clássica?<br />

2- Qual foi a época de ouro da Literatura Latina?<br />

3- Defina uma epopéia.<br />

4- Como começa A Ilíada?<br />

5- Como começa A Odisséia?<br />

Há, no entanto, alguns quadros inspirados pela Eneida,<br />

encontrados em Pompéia e Herculano. O maior número<br />

de quadros inspirados pela Eneida foram produzidos a<br />

partir do Renascimento. Encontram-se nos museus de<br />

Paris, no Louvre, no National Gallery, de Londres, no<br />

Palácio Máximo, em Roma, no Palácio Ducal em Mântua,<br />

em Viena, em Dresde e em Bruxelas.


UNIDADE II<br />

O LIRISMO<br />

2.1 - O Surgimento da Poesia Lírica na Grécia<br />

A poesia lírica, na antiga Grécia, ritmava a dicção dos<br />

textos subjetivos, a partir do instrumento que a acompanhava<br />

– a lira. Esse acompanhamento musical já<br />

deixava de ser executado na passagem da poesia grega<br />

para a romana, mas veio definitivamente divorciado a<br />

partir do chamado Doce Estilo Novo, movimento poético<br />

italiano nascido na Baixa Idade Média. Com o desaparecimento<br />

da melodia, determinados traços musicais<br />

foram acrescidos ao verso: ritmo, rima, aliteração<br />

e outros aspectos que acentuam a sonoridade.<br />

Segundo a professora Nely M. Pessanha, a poesia<br />

dita lírica, na Grécia Antiga, “nem sempre é expressão<br />

da entrega, do abandono ao fluxo e refluxo dos<br />

mais variados sentimentos; nem sempre é manifestação<br />

do estado anterior à distinção sujeito-objeto, de<br />

onde resulta o ‘um no outro’, de que fala Emil Staiger.<br />

Pode ela ‘recordar’, pode trazer de novo ao coração<br />

as ressonâncias de um estado sincrético entre o ‘eu’<br />

e o ‘outro’”. Isto se explica historicamente.<br />

Se lírica se refere ao instrumento, o sintagma “poesia<br />

lírica” alcança dimensões maiores, visto que a<br />

significação se amplia e a expressão passa a designar<br />

2.2 - Momento Histórico<br />

O surgimento e expansão da lírica na Grécia está<br />

no bojo de grandes transformações políticas, sociais,<br />

econômicas e culturais, decorrentes das ações de colonização<br />

e de ampliação de uma economia voltada<br />

para o comércio e as navegações.<br />

No século VII a.C., as cidades gregas viviam sob o<br />

governo das oligarquias, que substituíram os governos<br />

monárquicos. O poder era, então, aristocrático,<br />

fundado na ancestralidade, reconhecida como divina,<br />

e na riqueza, ligada à propriedade rural. Naquele<br />

século, a expansão do mundo grego, através da emigração,<br />

se fazia indispensável, visto que a população<br />

aumentara e o solo era pobre. Fundaram-se colônias<br />

às margens do mar Egeu e do mar Jônio, onde havia<br />

terras propícias à agricultura. Assim, nasceram novas<br />

cidades e a Grécia Continental e Asiática.<br />

O comércio e a navegação levaram os gregos a negociar<br />

(cereais, matérias-primas, metais preciosos,<br />

todo o poema cantado, acompanhado de um instrumento<br />

musical de cordas: lyra, phórminx, kítharis,<br />

bárbitos – ou de sopro – o aulós.<br />

Iniciando-se no século VII a.C., passando melodiosamente<br />

pelo século VI e ainda ressoando no século<br />

V, ressurge renovada nos séculos III e II a.C. Há, pois,<br />

dois momentos distintos na história da lírica grega: a<br />

lírica arcaica e a lírica alexandrina. A lírica arcaica<br />

constitui a Idade Lírica. Sobre ela faremos considerações<br />

mais prolongadas.<br />

A lírica alexandrina floresceu numa época de anseios<br />

de erudição, nos séculos III e II a.C. Caracteriza-se<br />

sobretudo pelo culto da forma, pela busca da<br />

expressão rara, pelo distanciamento da linguagem coloquial.<br />

Os poetas dessa época são, por assim dizer,<br />

os longínquos precursores do Parnasianismo: tinham<br />

o lema da Arte pela Arte. Os alexandrinos deixaram<br />

de cultivar muitas das modalidades da lírica arcaica<br />

ou transformaram-nas profundamente. Cultivavam a<br />

elegia, de conteúdo amoroso e mitológico. O idílio e<br />

a poesia bucólica foram as criações (formas novas)<br />

desse período.<br />

lãs, vinho, azeite, produtos manufaturados, como a<br />

cerâmica) para além do mundo grego, chegando, por<br />

exemplo, à Síria e ao Egito.<br />

As oligarquias, que tinham um poder absoluto, começam<br />

a sofrer pressões de uma emergente classe<br />

média, de uma “burguesia” (oriunda do comércio)<br />

que reivindica participação no governo. A introdução<br />

da moeda e as transações comerciais mudou o conceito<br />

de riqueza, até então assentada na posse de grandes<br />

quantidades de terra. Os pequenos agricultores são<br />

obrigados a contrair dívidas na tentativa de superar os<br />

efeitos de uma má colheita. Não conseguindo pagálas,<br />

perdem as terras e são reduzidos à condição de<br />

simples trabalhadores e de escravos.<br />

Tal fato impele os camponeses para o outro lado do<br />

mar. Inicia-se, ao mesmo tempo, o movimento reivindicatório<br />

de novas leis, como: anistia das dívidas, divisão<br />

das terras (reforma agrária) e a publicação de<br />

29


30<br />

leis escritas, isto é, a díke ou nómos que substitui a<br />

thémis (casuística) (Thémis = forma de lei vigente até<br />

então, tida como justiça de caráter divino. Consistia<br />

no poder do rei ou do eupátrida de julgar em nome<br />

de deus...). Surgem então os legisladores, dos quais se<br />

destaca a figura de Sólon. As leis produzidas por eles,<br />

no entanto, não causam grande efeito e a crise social<br />

continua. Tal fato determinou a substituição da forma<br />

de poder, que saiu das mãos dos eupátridas, passando<br />

para as dos tiranos (= líderes provenientes da aristocracia<br />

que se uniam ao povo e à classe média para<br />

protegê-los contra os nobres. A conotação pejorativa<br />

veio mais tarde). Os tiranos trataram de realizar obras<br />

de utilidade pública (templos, festas religiosas, jogos<br />

etc.) conseguindo prestígio junto ao dêmos. O regime<br />

tirânico durou só até o fim do século VI.<br />

Características<br />

A lírica arcaica grega não pode ser caracterizada<br />

por aquilo que entendemos como estilo lírico hoje em<br />

dia. Primitivamente, o lírico está coesamente ligado<br />

ao canto e ao som dos instrumentos de corda. Há outros<br />

dois elementos fundamentais ligados à estrutura<br />

formal: o metro e o dialeto utilizados.<br />

O metro variava segundo a palavra e a melodia.<br />

Há variedades métricas ligadas às epopéias homéricas<br />

que usavam o hexâmetro datílico, combinan-<br />

2.3 - O Lirismo em Roma<br />

A Época de César (78-44 aC<br />

A poesia neotérica e Catulo<br />

Poetae novi (neòteroi, à grega) é a expressão usada<br />

por Cícero para indicar as tendências inovadoras, o<br />

moderno gosto poético de uma corrente que se desenvolve<br />

e se afirma no primeiro século a.C., demarcando<br />

uma decisiva curva na história da literatura latina.<br />

O processo de renovação do gosto literário promovido<br />

pelos poetae novi não é senão um aspecto do<br />

fomento geral de helenização dos costumes, de transformação<br />

dos modos de vida conseqüentes das grandes<br />

conquistas do II séc. a.C. que abriram ao poderio<br />

romano o cenário da área oriental do Mediterrâneo,<br />

e posto em contato a arcaica sociedade dos camponeses-soldados<br />

com populações habituadas a formas<br />

de vida mais refinadas. Este enorme e complexo fenômeno<br />

de civilização – que encontra em Roma a tenaz<br />

hostilidade dos cultores da tradição, do “partido<br />

catoniano” – manifesta sua influência, como é óbvio,<br />

também no campo especificamente literário, no qual<br />

se assiste a um lento mas progressivo enfraquecimento<br />

dos valores e das formas da tradição (de gêneros<br />

do-o com o pentâmetro – caso da elegia. Outras, por<br />

sua vez, operam com metros que imitam o ritmo da<br />

língua falada, como os versos iâmbicos. Tendo em<br />

vista a variedade de metros, a harmonia entre sons e<br />

palavras, aliada à busca da musicalidade, podemos<br />

dizer que a lírica moderna conserva traços da lírica<br />

dos tempos dos gregos.<br />

Outra característica da lírica arcaica é a subordinação<br />

a um tipo de dialeto grego, o que se explica pelo fato de<br />

ela ter surgido em diversas cidades e regiões gregas.<br />

Voltado para o presente, o lírico grego deixa<br />

fluir seus sentimentos e emoções. Também reflete<br />

a vida de sua pólis, exortando, recordando preceitos<br />

morais, louvando os que demonstram sua<br />

areté (excelência de qualidades físicas, morais,<br />

intelectuais). Cada um desses climas líricos eram<br />

expressos através de estruturas métricas próprias e<br />

diferenciadas. Assim é que havia a Elegia, a Ode,<br />

o Peã, o Epinício etc.<br />

As Formas Líricas<br />

No período arcaico, havia basicamente quatro modalidades<br />

líricas distintas: a elegia, o iambo, a mélica<br />

monódica e a mélica coral.<br />

literários política e moralmente “empenhados”, como<br />

a épica e, sobretudo, o teatro), e ao emergir de exigências<br />

novas, ditadas pelo refinamento do gosto e<br />

da sensibilidade. O que esses poetas têm de verdadeiramente<br />

novo, no que diz respeito às escolhas dos<br />

antecessores, é não tanto a predileção pela literatura<br />

grega mais recente (também os autores arcaicos trabalharam<br />

com técnica já alexandrina), mas, sim, a<br />

decisiva imitação dos aspectos eruditos e preciosos<br />

que caracterizavam exatamente aquela literatura. Os<br />

neóteroi tomam dos poetas helenísticos o gosto pela<br />

contaminação entre os gêneros, o interesse pela experimentação<br />

métrica, a pesquisa de um léxico e<br />

de um estilo sofisticados, enfim, o caráter decisivamente<br />

descompromissado da sua poesia.<br />

Não obstante os elementos de continuidade entre<br />

a poesia nugatória (poesia de versos ligeiros, de<br />

entretenimento, futilidades, vaidades, erotismo) e a<br />

propriamente neotérica, bem maior é comumente a<br />

sabedoria que esta última possui e, mais nitidamente,<br />

o descarte que ela introduz no que diz respeito<br />

à tradição literária latina. A elegância freqüentemente<br />

maneirada, o artificioso experimentalismo<br />

praticado sobre os modelos gregos pelos literatos


do círculo de Lutácio Cátulo, deixam lugar a um<br />

tipo de poesia que não concede senão um espaço<br />

limitado ao otium e aos seus prazeres (recortados<br />

às margens do sistema, como concessão ocasional<br />

de uma conduta de vida centrada ainda nos deveres<br />

do civis), mas os coloca no centro da existência, tornando-os<br />

os valores absolutos, as razões exclusivas,<br />

como acontece em Catulo. A poesia neotérica assinala<br />

o auge, sob o plano literário, de uma tendência<br />

sensível na literatura latina: de um lado, o crescente<br />

desinteresse pela vida ativa gasta a serviço do estado,<br />

pelos valores venerados pela tradição, pelo<br />

papel, em suma, do civis romano; de outro lado, o<br />

contemporâneo afirmar-se do gosto pelo otium, pelo<br />

tempo livre, dedicado às letras e aos prazeres, à satisfação<br />

das necessidades individuais e privadas.<br />

A revolução do gosto literário é acompanhada por<br />

uma geral revolta do caráter ético que a substancia e<br />

mostra a crise dos valores do mos maiorum. A refutação<br />

da vida empenhada ao serviço da comunidade,<br />

do modelo do cidadão-soldado, se reflete no difundirse<br />

do epicurismo, uma filosofia que prega a renúncia<br />

aos negotia político-militares em favor de uma vida<br />

à parte e tranqüila, em íntima comunhão dos amigos.<br />

A convergência entre os princípios do epicurismo e<br />

as tendências dos poetas neotéricos é evidente, mas<br />

nota-se também uma diferença importante: para os<br />

epicuristas, cuja finalidade é a ataraxia, o prazer sem<br />

perturbações, o éros é uma doença insidiosa, da qual<br />

devemos fugir pois é fonte de angústia e de dor (basta<br />

pensar no livro De rerum natura, de Lucrécio), enquanto<br />

que para os neòteroi – sobretudo para Catulo<br />

2.4 - Virgílio e as Bucólicas<br />

As Bucólicas ou Églogas são uma coletânea de<br />

poemas inspirados nos idílios do alexandrino Teócrito<br />

de Siracusa (III a.C.). Codificam o gênero<br />

bucólico. Há églogas díspares, i. é, dialógicas, e<br />

as églogas pares, narração com uma só voz. São<br />

apresentados, sobre o fundo a campanha padana<br />

personagens pastoris que cantam suas experiências<br />

e seus sentimentos.<br />

A égloga I contém um diálogo entre dois pastores,<br />

dos quais um, Melibeu, é obrigado a deixar<br />

seus campos confiscados, ao passo que o segundo,<br />

Títiro, pode permanecer graças à ajuda de um poderoso<br />

que reside em Roma. Na II égloga, Córidão<br />

lamenta seu amor não correspondido pelo jovem<br />

Aléxis. A III consiste numa disputa poética entre<br />

– o amor é o sentimento central da vida, aquele que<br />

constitui o fulcro e a razão essencial.<br />

Isso torna também, por conseguinte, o tema privilegiado<br />

de sua poesia e concorre para dar forma<br />

a um novo estilo de vida, inspirado justamente no<br />

culto do éros e das paixões e da dedicação à poesia<br />

que os alimenta.<br />

O trabalho da forma, o escrupuloso cuidado pela<br />

composição, o paciente lavor de lima são, enfim, o<br />

tratamento distintivo primário da nova poética vinda<br />

de Calímaco. Como Calímaco havia asperamente polemizado<br />

contra os seguidores do épos homérico, ridicularizando<br />

o desmazelo e o proselitismo do poema<br />

longo, e havia propugnado um novo estilo poético,<br />

inspirado pela brevitas e pela ars (o meticuloso trabalho<br />

do cinzel), assim Catulo e os neòteroi ridicularizam<br />

os estanques imitadores de Ênio, os pomposos<br />

cultores da épica tradicional (Volúsio, Sufeno, Hortênsio),<br />

celebrativa das glórias nacionais, já estranhas<br />

ao gosto atual, quer pelo cuidado formal quer pelos<br />

conteúdos antiquados. Serão, em vez, outros os gêneros<br />

privilegiados pela poética calimácea e apropriados<br />

para o acurado lavor do cinzel, ao labor limae: os<br />

poemas breves, como o epigrama, ou ainda como o<br />

epílio, o poema mitológico em miniatura, possibilitam<br />

ao poeta a ostentação da própria preciosa erudição<br />

(trata-se de antigos mitos de assunto erótico,<br />

próximos, talvez, da sensibilidade moderna), e de pôr<br />

em prática refinadas estratégias de composição (narrativas<br />

de encaixe, narrações tramadas juntas as quais<br />

se refletem mutuamente).<br />

os pastores Dâmeta e Menalca. A IV celebra a renovação<br />

do mundo ligado ao nascimento de um<br />

menino que abrirá uma nova época de paz. A V<br />

evoca, através do canto de dois pastores, a morte<br />

e a divinação de Dáfnis. A VI contém o canto<br />

de Sileno, inspirado em Lucrécio, que descreve a<br />

criação do universo. A VII é uma disputa de canto<br />

entre dois pastores árcades. A VIII apresenta<br />

o lamento de um pastor pela infidelidade da mulher<br />

amada e a descrição dos encantamentos com<br />

que a moça procura reconquistar seu amado. A IX<br />

tem por protagonista dois pastores, dos quais o<br />

primeiro (Mérides) vê seus campos confiscados e<br />

o segundo (Licidas) recorda que Menalca tentou<br />

inutilmente conservar a propriedade com a poesia.<br />

A X canta o amor de Galo pela bela Licóride.<br />

31


32<br />

2.5 - Ovídio<br />

Nasceu em Sulmona (hoje Abruzzo) em 43 a.C.<br />

Freqüentou as melhores escolas de retórica de Roma,<br />

tendo em vista a carreira política e forense. Após uma<br />

visita à Grécia entrou para o círculo de Messala, onde<br />

se relacionou com os maiores poetas romanos. Devido<br />

à sua poesia foi declarado oficialmente imoral<br />

e punido por Augusto com o exílio no Mar Negro,<br />

o Ponto, em Tomes, hoje Costança. Questiona-se a<br />

verdadeira causa do exílio; segundo alguns, a causa<br />

verdadeira seria o seu envolvimento num escândalo<br />

de adultério com a sobrinha de Augusto. Morreu em<br />

Tomes em 17 ou 18 d. C.<br />

Sua primeira obra foi Amores (49 elegias, 2460 versos),<br />

em dísticos elegíacos. Heroides, Ars amatoria<br />

(três livros, 2300 v.), Remedia amoris (814 v.), Medicamina<br />

faciei feminae (=Os cosméticos das mulheres),<br />

Metamorphóseon libri (15 livros, 12.000 v.),<br />

Fasti (seis livros, 5000 v.), Tristia (cinco livros, 3500<br />

v.). Escreveu ainda quatro livros de Epistulae ex Ponto,<br />

em dísticos elegíacos.<br />

As Heroides<br />

Se o éros é o tema da poesia do Ovídio juvenil, a outra<br />

grande fonte da sua poesia é o mito. As Heroides,<br />

bem como as Metamorfoses, alimenta-se desse tema.<br />

Trata-se de uma coleção de cartas poéticas. A primeira<br />

série, de 1-15, é escrita por mulheres famosas, heroínas<br />

do mito grego (também a Dido, de Vergílio, e sobretudo<br />

a personagem histórica Safo) aos seus amantes<br />

ou maridos distantes (Penélope a Ulisses, Fílides a<br />

Demofonte, Briseida a Aquiles, Fedra a Hipólito, Eno<br />

a Páris, Dido a Enéias, Hipsípile a Jasão, Érmião a<br />

Orestes, Djanira a Hércules, Ariana a Teseu, Medéia a<br />

Jasão, Safo a Fáon etc.). A segunda série, de 16 a 21,<br />

é constituída pelas cartas de três enamorados acompanhadas<br />

pelas respostas das respectivas mulheres: Páris<br />

e Helena, Ero e Leandro, Acôncio e Cídipe.<br />

A originalidade dessa obra, com a qual cria uma<br />

nova espécie literária, Ovídio se diz orgulhoso. Com<br />

efeito, não temos notícias de obras semelhantes antes<br />

dele, ou seja, de coletânea de cartas poéticas de assunto<br />

amoroso. Se personagens e situações pertencem<br />

ao grande patrimônio do mito, muitos elementos são<br />

mudados pela tradição elegíaca latina, onde são freqüentes<br />

os motivos como o sofrimento pela distância<br />

da pessoa amada, recriminações, lamentos, súplicas,<br />

suspeitas de infidelidade, acusações de traições etc.<br />

Um exemplo disso é a epístola de Fedra a Hipólito,<br />

cuja heroína de Eurípedes perde os seus traços de nobre<br />

dignidade trágica para assemelhar-se a uma dama<br />

despreocupada da sociedade galante, empenhada em<br />

seduzir o enteado com os afagos de um fácil furti-<br />

vus amor e desenvolta assertiva de uma nova moral<br />

sexual, zombeteiramente intolerante com as antigas<br />

tradições.<br />

Recodificando em termos elegíacos histórias de heroínas<br />

da épica e da tragédia, não nascidas “dentro” e<br />

“para” o código elegíaco, Ovídio introduz o leitor num<br />

novo universo literário, não é antigo, nem moderno,<br />

não é épico, nem trágico ou mítico, nem é elegíaco.<br />

As Heroides são propriamente poesias de lamento,<br />

são a expressão da condição infeliz da mulher, deixada<br />

só pelo esposo amante distante. Ovídio põe nas<br />

palavras de Safo uma ligação entre o verso elegíaco e<br />

a condição da heroína infelizmente enamorada:<br />

flendus meus est: elegi quoque flebile carmen<br />

devo chorar sobre o meu amor; e a elegia é um canto<br />

lacrimoso.<br />

Os Amores<br />

A falta de uma figura unificante<br />

Ovídio não tinha ainda vinte anos quando publicou<br />

Amores, uma coletânea de elegias de assunto amoroso.<br />

Mostra influências de Tibulo e principalmente<br />

Propércio. Também Ovídio é uma voz em primeira<br />

pessoa a cantar temas tradicionais da elegia: poesia<br />

de ocasião (como o epicédio de Tibulo), ou de pura<br />

estampa alexandrina (como a elegia pela morte do<br />

papagaio da amada), sobretudo aventuras de amor,<br />

encontros fugazes, serenatas noturnas, brigas com a<br />

amada, cenas de ciúme, protestos contra a sua venalidade<br />

ou seus caprichos e as traições etc.<br />

Ovídio e a tradição elegíaca<br />

Antes de tudo – e é talvez a novidade mais saliente<br />

– falta uma figura feminina em torno da qual se reúnam<br />

as várias experiências amorosas que constitua o<br />

centro unificante da obra e junto da vida do poeta. Os<br />

poetas de amor precedentes, Catulo e Propércio, construíram<br />

a própria atividade poética em torno de uma<br />

única mulher, de um só grande amor que constitui o<br />

sentido daquela atividade. Com Ovídio não é assim:<br />

Corina, a mulher evocada aqui e acolá com pseudônimo<br />

grego, é uma figura tênue, de presença intermitente<br />

e limitada, que se suspeita não tivesse nem sequer<br />

uma existência real. Não somente o poeta declara mais<br />

vezes de não saber contentar-se com um único amor,<br />

de preferir duas mulheres (2,10) ou definitivamente de<br />

sofrer o fascínio de qualquer mulher bonita.<br />

Como a figura da mulher inspiradora, que não tem os<br />

contornos nítidos de uma protagonista e tende a parecer<br />

um resíduo, uma função convencional do gênero elegí-


aco, também o páthos que tinha caracterizado as vozes<br />

da grande poesia de amor latina com Ovídio se dilui e<br />

banaliza. O drama de Catulo, de Propércio, a sua intensa<br />

aventura existencial, torna-se em Ovídio pouco mais que<br />

um lusus (= passatempo), e a experiência do éros é analisada<br />

pelo poeta com um filtro de ironia e de destaque<br />

intelectual. Não menos significativa é a escassa presença<br />

nos Amores de um motivo centralíssimo na poesia elegíaca<br />

precedente, ou seja, o servitium amoris, a profissão<br />

de total dedicação do amante à amada, aos seus desejos<br />

e aos seus caprichos. Em Ovídio, dizia-se, este motivo<br />

tem uma função bastante limitada, ao passo que é notável<br />

que, numa autêntica elegia, sua posição de realce seja dedicada<br />

à profissão de servitium nos confrontos amorosos.<br />

Não só: ganha peso, com respeito à poesia precedente,<br />

a) a consciência literária do poeta, que se manifesta na<br />

insistência sobre a poesia como instrumento de imortalidade,<br />

como nos conclusivos versos (1, 15):<br />

por isso também quando o rogo fúnebre tiver consumido<br />

meu corpo,<br />

continuarei a existir e grande parte de mim sobreviverá.<br />

b) como autônoma criação do poeta, desvinculada<br />

da obrigação de retratar o real, como nos versos<br />

(3, 12, 41...):<br />

A fértil fantasia dos poetas se desprende sem limites,<br />

e não vincula as próprias palavras à fidelidade à história.<br />

A elegia ovidiana não mais se apresenta como subordinada<br />

à vida, seu fiel reflexo, mas reivindica o seu<br />

primado, a sua centralidade na existência do poeta.<br />

Exercícios de Auto-avaliação<br />

1- Qual foi a primeira obra de Ovídio?<br />

As Metamorfoses<br />

2- Aponte diferenças entre Vergílio e Ovidio existentes nas Metamorfoses.<br />

3- De que trata Os Amores, de Ovídio?<br />

4- Aponte algumas características da lírica.<br />

5- O que é o epicurismo?<br />

Se Vergílio, na Eneida, seguiu a tradição épica,<br />

Ovídio abordou o épos de outra maneira: não optou<br />

pelo poema de grandes dimensões, mas seguiu<br />

o modelo épico inspirado em Hesíodo (Teogonia),<br />

aquele de um “poema coletivo”, que reagrupa uma<br />

série de histórias independentes que têm em comum<br />

um mesmo tema. Segue, pois, um modelo<br />

inspirado entre os alexandrinos, principalmente<br />

em Calímaco.<br />

O poema narra, em forma épica, em 15 livros,<br />

a criação do universo a partir do caos e sobre a<br />

criação do homem. Depois vem o dilúvio universal<br />

e a regeneração do gênero humano graças a<br />

Deucalião e Pirra. A seguir vem o tempo do mito,<br />

dos deuses e semideuses, das suas paixões e caprichos:<br />

de Apolo e Dafne (a transformação desta em<br />

loureiro), de Júpiter e Io, de Faetonte, de Narciso<br />

e Eco etc. Passa também pela história de Príamo,<br />

pela de Perseu que salva Andrômaca do monstro<br />

marinho, pela do rapto de Prosérpina, pela de Minerva<br />

e Aracne, de Medéia, de Ícaro e Dédalo, de<br />

Peleu e Tétis etc.<br />

O amor nas Metamorfoses constitui o tema unificante<br />

da obra. Não se trata mais de um amor ambientado<br />

na vida quotidiana de Roma, da sociedade<br />

mundana, mas no universo do mito, no mundo<br />

dos deuses e dos semideuses, como já ocorrera<br />

antes nas Heroides.<br />

33


34<br />

UNIDADE III<br />

DRAMÁTICO (TEATRO - TRAGÉDIA)<br />

3.1 - A Palavra Tragédia<br />

Este primeiro conjunto de explicações sobre a origem<br />

da tragédia se funde em parte sobre o substantivo “tragédia”<br />

(tragôidia) cujo sentido não é claro. A tragôidia<br />

designa a atividade do tragôidios, que é um membro<br />

de um coro trágico. É um termo composto de dois elementos:<br />

tragos = bode e ôidia, ôidios (ligado a aeidô,<br />

cantar). Pode designar, então: “canto do bode”, “canto<br />

por um bode” ou “canto em honra de um bode”.<br />

Todavia, a presença desse bode intriga. Refere-se<br />

a um bode representando a recompensa oferecida<br />

3.2 - Teatro e Cerimônia Religiosa<br />

A tragédia aparece como um elemento de uma cerimônia<br />

religiosa e não somente na sua origem. Ainda<br />

na época clássica (séculos V - IV), o aspecto religioso<br />

deste espetáculo teatral permanece sensível.<br />

As representações têm lugar no quadro do culto de<br />

Dioniso, durante as festas desse deus. Elas se desenrolam<br />

no teatro de Dioniso, o qual comporta uma<br />

cadeira para o sacerdote e o altar de Dioniso fica<br />

no centro da orquestra. Ainda que nada nas obras<br />

possam lembrar o culto desse deus do vinho e da<br />

3.3 - Teatro e Tragédia em Roma<br />

A Originalidade do Teatro Latino<br />

O teatro latino existe por ele mesmo, mas tal existência<br />

ainda hoje é ignorada ou mal conhecida. Conhecese<br />

o teatro grego porque, por longo tempo, nossa cultura<br />

se reconhece nele. Mas o teatro latino não permite<br />

a mesma ilusão. Ele nos é bastante estranho, bastante<br />

diferente da marmórea imagem que se faz geralmente<br />

da Antigüidade clássica. Ele é não só ignorado, mas<br />

também visto como uma má imitação do teatro grego.<br />

O teatro latino: um evento<br />

A primeira característica do teatro latino é a de não<br />

ser literário. Em Roma, os textos dramáticos eram<br />

escritos unicamente para serem representados, e,<br />

mais freqüentemente, uma só vez. A meta do empreendedor<br />

do espetáculo era de suscitar um evento, de<br />

marcar a memória do público. Para isto, ele montava<br />

ao melhor dramaturgo, como o deixa entrever uma<br />

inscrição em mármore, em Páros? Refere-se simplesmente<br />

a um disfarce dos atores em bode, que se relacionavam<br />

aos sátiros associados a Dioniso, em honra<br />

do qual eram representados esses espetáculos? Ou o<br />

bode era uma vítima oferecida em sacrifício durante<br />

uma cerimônia ritual de purificação à qual eram destinadas<br />

as primeiras formas de tragédia? Esta última<br />

interpretação, que não é muito mais convincente do<br />

que as anteriores, oferece o mérito de relacionar o alcance<br />

religioso das manifestações trágicas.<br />

fecundidade, a ligação com seu culto permanece<br />

forte e é, pois, verossímil que a tragédia resulta do<br />

alargamento de um rito nas cerimônias em honra de<br />

Dioniso. Aristóteles (Poética) afirma que a tragédia<br />

saiu de improvisações a partir do ditirambo, que é<br />

uma obra coral representada em honra de Dioniso.<br />

Aristóteles, todavia, não vê uma filiação continuada:<br />

a tragédia não se encontra senão em potencial no ditirambo<br />

e deve ter sido representada por poetas para<br />

ser verdadeiramente tragédia.<br />

um espetáculo total onde a música e o canto, a dança,<br />

a maquinaria e os atores-vedetes separavam para si<br />

a parte do leão. O texto fornece somente o pretexto<br />

para a representação; raramente ele era conservado.<br />

O essencial em Roma era a festa dentro da qual se<br />

inseria o espetáculo teatral: os jogos. É esta festa que<br />

se insere na memória coletiva, não o texto.<br />

Hoje, nós estamos acostumados a dar prioridade ao<br />

texto. Ele é conservado e de novo interpretado em<br />

outra ocasião. Para nós, ele constitui um monumento<br />

da memória. Estamos, pois, acostumados ao teatromonumento,<br />

ao passo que os romanos preferiam o<br />

teatro-acontecimento.<br />

O calendário teatral<br />

Os romanos iam muito freqüentemente ao teatro,<br />

mas somente na primavera e no verão. O calendário


teatral era o dos jogos. O número de dias consagrados<br />

aos jogos não parou de aumentar durante toda a história<br />

de Roma. No início da República havia dois dias de<br />

jogos, mas já no ano 77 a.C. havia 55 dias para o teatro<br />

dentro de um calendário que possuía 175 dias de jogos;<br />

durante o Império o número de dias de teatro aumentou<br />

para 101, sem contar os dias dos jogos públicos e oficiais.<br />

Além desses, havia os jogos privados, oferecidos<br />

por famílias nobres por ocasião de um triunfo ou de um<br />

funeral. Em cada festa são apresentadas uma ou várias<br />

peças teatrais novas, cada qual uma só vez. As reapresentações<br />

eram raras e assistemáticas.<br />

O costume romano era bem diferente do nosso e<br />

mesmo dos costumes gregos. Na Grécia, somente alguns<br />

dias por ano eram consagrados ao teatro. Em<br />

Roma, a estação dos jogos coincidia necessariamente<br />

com a estação militar: deste modo o teatro começava<br />

em março e parava em outubro, com raras exceções<br />

em novembro, por ocasião dos jogos Plebeus.<br />

Um teatro tocado pela vida política<br />

Em Atenas, o teatro era uma atividade cívica. Em<br />

Roma, o espetáculo teatral é alheio à vida política.<br />

Os atores eram grandemente tomados de infâmia;<br />

qualquer alusão, sobre o palco, a um homem político<br />

era proibida; os poetas dramáticos escreviam apenas<br />

para ganhar suas vidas, normalmente voltados para<br />

as camadas inferiores da população, descartadas da<br />

vida política. O público dos teatros comparecia para<br />

se divertir e não para refletir sobre problemas do Estado<br />

ou sobre as graves questões morais. A plebe que<br />

comparecia sobre os degraus, barulhenta e sedenta por<br />

diversões, não constituía uma assembléia de cidadãos.<br />

Todas as pessoas iam ao teatro, inclusive crianças, mulheres<br />

e escravos. As apresentações não estavam, como<br />

em Atenas, submetidas ao julgamento de um júri civil.<br />

O poeta recebia apenas um salário, jamais a glória.<br />

Com efeito, o espetáculo não se endereça ao julgamento<br />

de público, mas à sua sensibilidade musical. Para os<br />

romanos, a inteligência, os sentidos político e moral são<br />

apanágios dos homens adultos pertencentes às camadas<br />

superiores da sociedade: senadores, cavaleiros, ricos<br />

plebeus. Se o povo não emite julgamentos, no entanto<br />

o sentimento musical é um fator comum a todos. O público<br />

não parece uma assembléia política: fica sentado,<br />

pacífico, disponível ao prazer dos sentidos.<br />

A música, não a mimese<br />

As teorias gregas sobre o teatro, especialmente as de<br />

Aristóteles, não se aplicam inteiramente ao teatro latino,<br />

pois elas se fundam no fator mimese (imitação);<br />

será melhor entendê-la como apresentação. A concepção<br />

de Aristóteles era a seguinte: o poeta dramático,<br />

como o pintor e o escultor ou ainda os outros poetas, é<br />

um imitador por duas razões: ele imita a realidade que<br />

lhe fornece os assuntos e imita as obras-primas dos<br />

seus antecessores, tirando-lhes a técnica. Segundo tal<br />

teoria, uma tragédia ou uma comédia é a representação<br />

dos sentimentos humanos, transformados pela<br />

arte. O teatro é um espelho mais ou menos deformante<br />

da sociedade humana. Toda a obra artística seria uma<br />

imagem da realidade, não existindo senão em razão<br />

do objeto que ela representa. Este teatro de representação<br />

não se aplica inteiramente ao teatro latino, pois<br />

este não representa, mas apresenta algo sobre o palco<br />

para o prazer e o esquecimento dos espectadores.<br />

O que regula os gestos das personagens e dita suas<br />

palavras não é uma verdade, mas a música. Eles dançam<br />

e cantam; seus cantos, sentido e som confundidos,<br />

são organizados pelo ritmo e pelo prazer de brincar<br />

com as palavras.<br />

Um espetáculo lúdico<br />

O teatro em Roma, sob todos esses aspectos, para<br />

nós insólitos, é um teatro diferente porque ele se inscreve<br />

no seio de uma prática ritual própria da civilização<br />

romana: os jogos (ludi); é por isso que os romanos<br />

não falavam em teatro, mas em jogos cênicos<br />

(ludi scaenici).<br />

A característica fundamental do teatro romano era a<br />

de ser um espetáculo lúdico. Por isso ele faz parte dos<br />

jogos, inseridos no calendário dos lazeres dos romanos.<br />

É, pois, estudando os jogos romanos que podemos<br />

reconstituir o teatro latino, quer como espetáculo<br />

cênico, quer como texto escrito. Ele deve ser visto<br />

dentro desse contexto da civilização romana.<br />

3.4 - Roma, a Civilização do Espetáculo<br />

Havia em Roma quatro tipos de espetáculos cívicos:<br />

1º) O espetáculo do poder:<br />

O poder político era encarnado pelos magistrados<br />

(censores, cônsules, pretores e edis). Formava o governo:<br />

seus memboros tinham função de generais, de<br />

presidente da república, de prefeito da cidade ou de<br />

ministros. Nas províncias havia os governadores. Seu<br />

poder se dava através do aparato que os cercava. Sua<br />

roupa, que era aquela dos antigos reis, a toga bordada<br />

de vermelho (a toga pretexta), a cadeira de marfim e<br />

os 12 litores que os acompanham são a materialização<br />

desse poder. Suscitam nos espectadores obediência e<br />

respeito espontâneos.<br />

35


36<br />

O triunfo é por excelência a “mise en scène” do poder<br />

dos magistrados. O cônsul vitorioso sentia-se autorizado,<br />

de maneira especial, a atravessar a cidade à<br />

frente de suas tropas, exibindo os espólios tomados e<br />

trazendo os reis vencidos amarrados na ponta de uma<br />

corrente. O triunfador, com um manto de púrpura e<br />

as bochechas pintadas de vermelho, como as estátuas<br />

dos deuses, conduzia o carro de Júpiter e subia ao<br />

capitólio ao som das trombetas. Toda Roma fazia o<br />

percurso em ovações.<br />

O Senado, a alta assembléia, formada por antigos<br />

magistrados, é também um espetáculo. Esses homens<br />

graves em toga pretexta, numa pose digna e compassada,<br />

demonstravam uma autoridade tão evidente que<br />

um embaixador estrangeiro dizia ter visto neles “uma<br />

assembléia de reis”.<br />

O aparato do poder em Roma é fundamental; ele é a<br />

verdade e manifesta uma legitimidade sagrada.<br />

2º) Os espetáculos da família:<br />

As grandes famílias romanas usavam o mesmo tipo<br />

de espetáculo para assegurar prestígio e afirmar sua<br />

nobreza. O espetáculo por excelência do poderio aristocrático<br />

eram os funerais de um magistrado. O morto<br />

era levado em procissão através da cidade, depois de<br />

uma parada no Fórum. Era precedido por um longo<br />

cortejo de ancestrais já falecidos sobre um carro de<br />

honra, representados por máscaras fúnebres, moldadas<br />

em cera, cujos atores ficavam vestidos com roupas<br />

de magistrados. Após esse desfile ao som das flautas,<br />

os atores que vestiam as máscaras se instalavam no<br />

Fórum, onde faziam seu próprio elogio. Depois sepultavam<br />

o morto fora da cidade. O espetáculo desses<br />

fantasmas com todo o aparato de sua glória passada<br />

e a lembrança de todos seus altos feitos políticos e<br />

militares serviam para gravar na mente de todos os<br />

romanos a lembrança de seus homens ilustres e lhes<br />

davam o gosto da virtude e da glória. Era o espetáculo<br />

da memória, a celebração das virtudes cívicas que<br />

levam às mais altas funções.<br />

As famílias mais ricas e poderosas incluíam, nas solenidades,<br />

combates de gladiadores, que ocorriam no<br />

Fórum. Denominavam-se “deveres” (munera). Não<br />

eram simulações e havia derramamento de sangue.<br />

3.5 - Ator: Glória e Infâmia<br />

O ator romano era chamado de ludius. Era um dançarino<br />

e um mímico. O cantor e o tocador de flauta<br />

eram colaboradores, feitos de glória e de infâmia.<br />

- O ator nos espetáculos:<br />

O espetáculo latino dá ao ator o primeiro lugar nos<br />

Tais combatentes eram admirados por sua coragem;<br />

eram uma lição de virtude.<br />

As famílias nobres exibiam-se em lugares públicos.<br />

Um homem público não se deslocava na cidade se<br />

não estivesse acompanhado de um grupo de “clientes”.<br />

Quanto mais numeroso era o grupo, mais importante<br />

era o homem.<br />

3º) Os espetáculos da religião:<br />

O ato essencial da religião romana era o sacrifício: a<br />

exposição da morte de um animal doméstico sobre um<br />

altar iluminado e a posterior repartição de suas carnes<br />

entre os principais sacrificadores. Sacrifício doméstico<br />

ou sacrifício público era sempre um ato coletivo que<br />

compreendia atores e espectadores. Ambos faziam<br />

parte do sacrifício. Ou se obtinha uma parte do animal<br />

e se a comia, ou se assistia à cerimônia. Olhar já era<br />

participar, e não apenas uma prova de passividade.<br />

4º) Os espetáculos da palavra<br />

A vida política em Roma era aquela da república: a<br />

força que agita era o exercício da palavra. Os magistrados<br />

eram eleitos, as leis eram votadas. Governar<br />

era convencer. Daí se entende a força da eloqüência.<br />

No senado, diante do povo, os políticos falavam.<br />

Uma parte do auditório votaria, a outra não. A prática<br />

do voto não era igualitária, mas os espectadores eram<br />

sempre ativos.<br />

Outro espetáculo da palavra era proporcionado pelos<br />

advogados no Fórum. Era por lá que todo o político<br />

iniciava, dava-se a conhecer, defendendo seus<br />

amigos e atacando seus inimigos. Apresentavam as<br />

provas diante de um público, que todas as manhãs se<br />

apresentava ante o tribunal. Sua presença era tão importante<br />

que Cícero dizia que não havia causa para<br />

defender se não houvesse público.<br />

Na civilização romana, a vida pública era constituída<br />

em grande parte de espetáculos. Seus atores eram<br />

os da vida política. Os espectadores eram os cidadãos,<br />

cuja presença indicava uma legitimação dos atos da<br />

vida pública. Roma afirmava a legitimidade dos poderes<br />

do espetáculo, a verdade das aparências às quais<br />

não se opõe nenhuma interioridade.<br />

espetáculos cênicos. É ele que tem a tarefa mais importante,<br />

não o poeta ou o compositor da música. Era<br />

ele a quem o público aclamava, a quem os simpatizantes<br />

acompanhavam em grupo até sua casa. Ele<br />

desencadeava paixões, inclusive paixões amorosas,<br />

entre os homens da nobreza. O grande ator Roscius


foi sucessivamente o favorito de Lutácio Catulo e de<br />

Sila, dois dos mais poderosos e dos mais nobres personagens<br />

da sua época. Tal glória decorria da sedução<br />

proporcionada pelas suas virtudes físicas, pela sua<br />

dança e seus cantos. Eles eram o prazer dos jogos.<br />

- O ator cômico – um corpo:<br />

O ator cômico era o preferido do público porque ele<br />

executava a dança. Uma comédia era quase a metade<br />

composta de cenas de balé – cantica – nas quais ele<br />

dançava seu papel; o texto era cantado com acompanhamento<br />

de flauta e de um tamborete de madeira<br />

– scabellum. Cada ator cômico se especializava num<br />

papel, masculino ou feminino, treinando quotidianamente.<br />

Devia ser esbelto e ter muito fôlego. Os papéis<br />

de escravos exigiam agilidade e talento de piadista; os<br />

de cortesã, graça e leveza feminina.<br />

Não era suficiente ser bom dançarino e acrobata; nas<br />

passagens faladas, era preciso encher com sua voz os<br />

imensos teatros de Roma. O ator cômico era o modelo<br />

do ator de mimo, da atelana e da pantomima, para<br />

3.6 - A Máscara<br />

Não se sabe até que época as máscaras foram usadas<br />

no teatro romano. Eram mais comuns na comédia.<br />

Devem ter sido importantes, pois até hoje elas constituem<br />

o símbolo do teatro, enfeitando monumentos<br />

consagrados aos espetáculos. Eram maquilagens que<br />

quem o corpo era mais importante que a voz. Eles<br />

eram também capazes de representar nas tragédias.<br />

- O ator trágico – uma voz:<br />

3.7 - Breve História do Teatro Latino<br />

O Teatro Romano Tem uma História?<br />

Os jogos cênicos latinos começam com a importação<br />

das pantomimas etruscas, no IV século a.C. e se concluem<br />

com as pantomimas de assuntos mitológicos que<br />

sobrevivem, no Império do Ocidente, até o século V p.<br />

C. São mais de mil anos de teatro. É fácil, pois, notar<br />

alterações no teatro, em conseqüência da evolução cultural.<br />

O movimento relativo do teatro e da civilização<br />

constitui a história do teatro romano. Basicamente ele<br />

permanece o mesmo, mas se adapta às mutações do<br />

mundo no qual está inserido, ou seja, numa Roma que<br />

permanece uma civilização de espetáculos.<br />

O teatro estava, de início, inserido no calendário dos<br />

jogos. Os jogos constituíam um espaço temporário, à<br />

parte da vida cívica, mas tinham características bem<br />

romanas. Podiam acolher espetáculos estrangeiros,<br />

mas sem destruir sua natureza exótica. Deste modo<br />

os jogos serviam em Roma para receber espetáculos<br />

estrangeiros que os romanos acolhiam por motivos<br />

O ator trágico devia exercitar sobretudo a voz.<br />

Na tragédia, as partes declamadas tinham um lugar<br />

de destaque. Sem acompanhamento musical,<br />

o ator devia impor-se a públicos de 10 a 20 mil<br />

pessoas. Sua dicção era sofisticada, bastante próxima<br />

do recitativo, quase no limite do canto. Vestido com<br />

roupa de rei, na cabeça um diadema de ouro, calçando<br />

uma espécie de coturno que o aumentava de tamanho,<br />

ele devia distinguir-se em papéis difíceis ou de terror,<br />

deva representar Medéia infanticida, Fedra amorosa,<br />

Agamêmnon embevecido pela vitória sobre Tróia.<br />

A representação do ator trágico devia supor que a voz<br />

era uma extensão do seu corpo, pois a expressão corporal<br />

na tragédia era essencial: ela exprimia, segundo um código<br />

gestual determinado, sentimentos simples como dor,<br />

cólera, desespero, jubilação, furor, que eram, de princípio,<br />

esquemas coreográficos. Nenhum gesto era improvisado.<br />

tornavam as fisionomias irreais e despersonalizadas.<br />

Faziam parte de um estatuto cultural. Usavam máscaras<br />

os atores não tocados de infâmia, que representavam<br />

nas atelanas. Teria, segundo alguns, desaparecido<br />

durante o império.<br />

religiosos: oscos, etruscos, gregos. A cada nova importação,<br />

os jogos assimilavam o novo espetáculo,<br />

transformando-o em espetáculo lúdico, em balé, introduzindo-o<br />

nos mimos e na pantomima.<br />

Os Jogos Mudam de Estatuto com o Império<br />

Na República, os jogos definiam um espaço fora das<br />

normas cívicas. O povo dos jogos se opõe ao povo das<br />

armadas e ao povo das assembléias. Com o Império, o<br />

público romano perde sua dúplice definição política e<br />

militar. A oposição cívica X lúdica se apaga. O teatro,<br />

com o circo, torna-se o único pretexto para uma coletividade<br />

que quer se reunir e que não se define mais<br />

como povo de espectadores. A licença lúdica torna-se<br />

um modo de relação entre o povo, constituído pelo público,<br />

e o imperador, que é sempre o editor dos jogos.<br />

O teatro em si não se modificou; permaneceu sempre<br />

um lugar de festa e de lazer desenfreado, de exotismo.<br />

37


38<br />

Há três datas marcantes na história do teatro latino:<br />

- 364 a.C. : a criação dos jogos cênicos marca um<br />

período de teatro sem texto;<br />

- 240 a.C.: a criação dos jogos gregos marca um período<br />

de teatro com texto;<br />

- 27 a.C.: criação da pantomima romana, o desaparecimento<br />

da comédia. A tragédia deu origem à pantomima<br />

(de novo um teatro sem texto).<br />

Os Primeiros Jogos Cênicos<br />

Em 364 a.C., uma peste se abateu sobre Roma. Para<br />

os antigos, a peste não era epidemia, mas um castigo<br />

divino que podia ser execrado através de ritos expiatórios.<br />

Depois de esgotados todos os ritos domésticos,<br />

os romanos apelaram para um ritual estrangeiro,<br />

mandando vir da Etrúria atores para que eles fizessem<br />

um espetáculo cênico. O ritual passou a ser celebrado<br />

anualmente e integrado aos Grandes Jogos, no meio<br />

da procissão e dos espetáculos de circo. Temos aí a<br />

matriz do teatro romano, que existirá no futuro como:<br />

- um teatro-espetáculo lúdico;<br />

- um conteúdo de representações adaptado de espetáculos<br />

estrangeiros;<br />

- a origem da profissão do ator, chamado de histrio<br />

(do etrusco Hister ou Ister) para diferenciá-lo dos ludiones<br />

da procissão, pois era o histrio dotado de infâmia<br />

e excluído da vida cívica (os histriones reuniamse<br />

num colegiado particular);<br />

- um teatro espetáculo de dança.<br />

No Tempo dos Jogos Gregos<br />

O período de 240 a 27 a.C. é o do teatro com texto.<br />

Cultivam-se todas as espécies dramáticas conhecidas.<br />

Duas tendências marcam esses dois séculos: a primeira<br />

é a multiplicação dos dias de jogos, graças à importação<br />

de divindades estrangeiras (como os jogos<br />

da Grande Mãe, vinda do oriente), à celebração das<br />

vitórias obtidas e aos funerais de ilustres cidadãos; a<br />

segunda é a criação do teatro de texto, por imitação<br />

dos gregos. Na Grécia, a tragédia e a comédia eram<br />

consideradas como obras literárias que proporcionavam<br />

aos poetas muitas honras. O mesmo não ocorria<br />

em Roma, de imediato. Aos poucos, a condição do<br />

dramaturgo ganhou ímpeto. De início, eram chamados<br />

de scribae, depois, de poetae. Por fim a tragédia é<br />

considerada uma espécie literária.<br />

O tempo dos scribae vai de Lívio Andronico, passando<br />

por Névio, Plauto, Cecílio, até Ênio. O tempo<br />

dos poetae começa com Ênio, passa por Pacúvio, Lúcio<br />

Lanúvio até Terêncio. Depois vem o tempo dos<br />

oradores. Começa com Ácio e vai até o poeta Varius.<br />

No Tempo dos Jogos Imperiais: a Confusão<br />

dos Espaços<br />

No final da República se instalam os teatros permanentes.<br />

Os jogos não constituem mais um parênteses na vida<br />

dos cidadãos que se consagram à política e à guerra. Os<br />

teatros ficavam no campo de Marte e o campo de Marte<br />

é integrado à cidade. Os jogos passaram a funcionar<br />

como um intercâmbio entre o povo e o editor dos jogos.<br />

Adquiriram um valor político. O campo de Marte, que<br />

era o lugar das eleições e da Liberdade, torna-se o lugar<br />

dos teatros e da licença. Mas o cidadão romano, definido<br />

como um homo spectator, percebe que o espetáculo<br />

mudou. O ludismo eliminou o civismo e o civismo, inversamente,<br />

entra no teatro. Depois de Augusto, os imperadores<br />

introduziram uma série de regulamentações a<br />

fim de dar um pouco de seriedade à festa e de tornar o<br />

público uma sociedade hierarquizada.<br />

O teatro passou a não se dissociar da vida cívica.<br />

Cada vez menos se distinguiam os espetáculos lúdicos<br />

dos espetáculos cívicos. O mundo imaginário do palco<br />

se confundiu com a nova sociedade imperial. Os impossíveis<br />

heróis mitológicos da tragédia encarnaramse<br />

nos imperadores. Eles eram os novos Héracles e<br />

Apolos. Os aristocratas não se preocupavam com a infâmia<br />

e subiram ao palco para se tornarem “heróis”.<br />

O Teatro de Texto Deixa o Palco<br />

Com o início do Império, a tensão entre o teatro monumento<br />

e o teatro acontecimento abriu uma ruptura.<br />

Sob o reinado de Augusto praticaram-se as leituras<br />

públicas – recitatio. Nas casas de cidadãos privados<br />

organizaram-se leituras de textos de poemas dramáticos<br />

para os amigos. O texto era só declamado, como<br />

um discurso. A meta não era suscitar um prazer teatral,<br />

mas propor ao julgamento dos ouvintes uma obra<br />

que pretendia ser um monumento da cultura latina.<br />

O autor dessas obras, geralmente o chefe da casa ou<br />

um seu protegido, não procura o sucesso público dos<br />

teatros. Segundo Horácio, ele escreve uma obra séria,<br />

geralmente uma tragédia, e se deixa prender nas armadilhas<br />

da mimese. Ele dá um conteúdo alegórico<br />

à peça, e o teatro-texto se torna um instrumento de<br />

propaganda entre os espectadores. A poesia dramática<br />

se torna um exercício puramente de retórica, como os<br />

que praticam os declamadores.<br />

A Pantomima<br />

Paralelamente uma outra espécie de espetáculo é<br />

criada: a pantomima. Dois libertos de Augusto, Pylades<br />

e Bathyles, fabricam, a partir da tragédia, peças<br />

de teatro em que tudo é cantado e dançado. Um único<br />

ator apresentava todos os papéis. Um cantor, acom-


panhado pelo coro, canta o texto, um livrinho escrito<br />

por um poeta. O mais importante, no entanto, era a<br />

dança. Assemelhava-se, de certa forma, aos primeiros<br />

jogos cênicos latinos, conforme os modelos do ludis-<br />

3.8 - As Tragédias de Sêneca<br />

Os poetas dramáticos não desapareceram, mas tornaram-se<br />

amadores. Os profissionais partem para o que<br />

lhes interessava: os livrinhos de textos para a pantomima.<br />

Entre os oradores engajados e os livristas interessados,<br />

encontram-se alguns dramaturgos na linha de Ênio<br />

e de Ácio. Sêneca é um deles. É graças a ele que temos<br />

acesso a textos completos de tragédias romanas.<br />

Lucius Annaeus Seneca<br />

Nasceu entre 2 a.C. e 2 d.C. em Córdova, Espanha. Seu<br />

pai era um rico cavaleiro romano, que deixa a Espanha<br />

quando seu filho era ainda bebê. Depois de uma agitada<br />

juventude que acabou com seu exílio na Córsega, por<br />

ordem do Imperador Cláudio, tornou-se o pedagogo de<br />

Nero, juntamente com Burrus, e foi seu primeiro ministro.<br />

Estóico, é acusado de ter aconselhado Nero no assassinato<br />

da mãe do Imperador, Agripina. Foi posto de lado<br />

por Nero, que se lança em sua loucura política. Envolvido<br />

na conjuração contra Nero, suicida-se em 64 p.C.<br />

A leitura das tragédias de Sêneca revela obras cuja eficácia<br />

espetacular é evidente. Elas não são inteligíveis sem<br />

a reconstituição do espetáculo em que elas poderiam ter<br />

lugar. A estrutura se organiza não por uma lógica do discurso,<br />

mas pela encenação do ator. Essas tragédias foram<br />

representadas? Nunca saberemos, mas o importante é que<br />

elas foram escritas como se devessem ser representadas e<br />

como obras de propaganda destinadas à leitura pública.<br />

Elas são suscetíveis de uma interpretação filosófica?<br />

Não se pode, salvo incríveis distorções intelectuais,<br />

por não dizer de sofismas, chamá-las de obras estóicas.<br />

Talvez elas ofereçam uma filosofia pessimista do<br />

poder absoluto e do heroísmo em geral, mas elas afirmam<br />

que o homem heróico não tem senão a escolha<br />

entre a santidade e a monstruosidade, duas maneiras<br />

de excluir a humanidade.<br />

Suas obras dramáticas são: Agamêmnon, Hércules<br />

Furioso, Hércules no Eta, As fenícias, As troianas,<br />

Medéia, Édipo, Fedra e Thiestes.<br />

A Atualidade do Teatro Latino<br />

O tipo de teatro proposto pelo teatro latino corresponde<br />

à evolução contemporânea do palco. Esse<br />

teatro, onde o musical ocupa o papel principal, que<br />

mo do IV século a.C. A única diferença era que os<br />

assuntos eram tomados da mitologia grega. A pantomima<br />

tornou-se, até o final do Império, o espetáculo<br />

por excelência representado em toda a Europa.<br />

não tem nada de intelectual visto que se endereça à<br />

sensibilidade e não à reflexão, este teatro sem distanciamento<br />

e sem mensagem, que não visa a nada senão<br />

a produzir um espetáculo total, é, por todas as razões,<br />

redescoberto pelos grupos de vanguarda americanos<br />

e japoneses. O teatro latino, do mesmo modo, exige<br />

corpos e vozes para conseguir reter a expressão de<br />

paixões elementares e dar livre curso ao rir.<br />

É preciso ainda lembrar que a comédia e a tragédia<br />

latinas passaram além das fronteiras do tempo da<br />

existência do Império Romano. Quando, no Renascimento,<br />

a Europa descobre o teatro antigo, é, de início,<br />

através das tragédias de Sêneca. Admiraram-no e o<br />

imitaram os poetas trágicos em toda a Europa, até à<br />

época clássica, de Shakespeare a Corneille. Os poetas<br />

barrocos não conheciam outro autor clássico vindo da<br />

Antigüidade. Na época clássica, na França, no século<br />

XVII, visto que a tragédia grega eclipsou a tragédia<br />

latina, uma comédia de conteúdo psicológico se impôs.<br />

É dessa época que surge a desafeição pelo teatro<br />

latino depois de muitos séculos. Somente alguns espíritos<br />

isolados, Antonin Artraud ou Robert Brasillach,<br />

na primeira metade do século XX, releram Sêneca e<br />

encontraram sua pujança trágica. A dimensão musical<br />

do teatro de Plauto e de Terêncio não foi, por seu<br />

turno, verdadeiramente redescoberta. Finalmente, a<br />

relação que cada época tem com o teatro latino é revelador<br />

de sua própria estética teatral. É preciso, para<br />

ser capaz de redescobrir o teatro latino, saber fazer do<br />

espetáculo uma festa.<br />

Medéia<br />

Texto I<br />

Prólogo (v. 1-55)<br />

O primeiro canto de Medéia, monólogo de abertura<br />

da tragédia, é ao mesmo tempo um canto de dolor e<br />

um anticanto do himeneu, dando espaço, na entrada, a<br />

uma estrutura de inversão: a queixa da dolor se opõe<br />

termo a termo ao feliz canto do himeneu constituído<br />

pelo primeiro coro.<br />

Este prólogo de Medéia deve ser lido do ponto de<br />

vista do código e da estrutura. Do ponto de vista do<br />

espetáculo, síntese dos dois precedentes, a cena torna<br />

imediatamente sensível a decadência de Medéia,<br />

39


40<br />

depois sua progressiva transformação em criatura inquietante<br />

e detestável. O espetáculo é o da piedade,<br />

depois do horror, o nascimento do monstro.<br />

Medéia manipula o ritual das núpcias de Jasão e Creúsa,<br />

onde o primeiro coro dirá o caráter perfeitamente normal<br />

e normativo. O tempo de sua celebração coincide com<br />

aquele da tragédia, e são eles que desvendam a dolor.<br />

Formalmente, o canto imita a prece. Toda prece começa<br />

por palavras que devem assegurar a comunicação<br />

entre quem reza e os deuses destinatários. É por<br />

isto que, para atualizar suas divindades, quem ora diz<br />

seus nomes e suas características.<br />

MEDÉIA INVOCA UMA SÉRIE DE DIVINDADES<br />

Aquelas que foram associadas ao seu casamento<br />

com Jasão, que, por conseguinte, são garantias e aliadas<br />

de Medéia em sua vingança. Elas são o casamento<br />

passado de Medéia.<br />

MEDÉIA:<br />

Deuses do himeneu!<br />

E tu, Lucina, deusa do leito onde se engendra a raça!<br />

E tu, deusa que ensinaste a Tífis a arte de guiar o<br />

primeiro navio para conquistar os mares!<br />

E tu, Sol, que distribuis sobre a terra a luz do dia!<br />

E tu, ó tríplice Hécato, que dá às misteriosas cerimônias<br />

uma tríplice claridade!<br />

Ó vós todas, divindades por quem Jasão me jurou<br />

sua fidelidade!<br />

Depois ela invoca as divindades infernais, que estão<br />

em oposição aos deuses associados normalmente nos<br />

cantos do himeneu e que vão servir para inverter as<br />

núpcias presentes. Sua invocação realça a identidade<br />

singular de Medéia, do seu passado de maga. Há, pois,<br />

nessas duas listas de divindades invocadas, um dúplice<br />

jogo sobre a memória: divindades do casamento passado,<br />

divindades do passado de Medéia como maga.<br />

Vós todos, poderes que só Medéia tem o direito<br />

de invocar!<br />

Caos da noite eterna,<br />

reino de além-túmulo,<br />

fantasmas selvagens,<br />

soberanos do sombrio império<br />

e tu, sua esposa, raptada por um mais fiel amante!<br />

O fim da invocação relembra que esta invocação é<br />

um canto de dolor. A expressão ambígua “a voz da<br />

desgraça” quer dizer “expressão da desgraça” e “portadora<br />

de desgraça” marca a dúplice natureza da dolor:<br />

sofrimento e desejo de vingança.<br />

Ó deuses, eu vos imploro,<br />

escutai a voz da desgraça!<br />

Depois Medéia invoca as divindades do furor, as Fúrias,<br />

que, na mitologia grega, são também as deusas da<br />

Vingança. Assim a dolor incita um primeiro movimento<br />

rumo ao furor. Ela chama as Fúrias para que as tochas<br />

negras da vingança substituam as tochas nupciais e se<br />

tornem tochas de luto. Esta substituição é uma das formas<br />

que proporcionam a inversão das núpcias de Creúsa<br />

em antinúpcias de Medéia. Vê-se como se articulam<br />

estreitamente a ação e a estrutura, visto que as Fúrias<br />

pertencem a uma e outra. O vetor deste duplo jogo é<br />

constituído pelas tochas, que são o emblema das fúrias<br />

e, ao mesmo tempo, são os objetos rituais das núpcias e<br />

dos funerais. Dito de outro modo, são as tochas do himeneu<br />

que queimarão Creúsa e atearão fogo ao palácio:<br />

Vinde vós, deusas vingadoras do crime,<br />

vinde em meu socorro:<br />

os cabelos desarrumados, entrelaçados de serpentes,<br />

firme nas mãos sanguinolentas um negro archote,<br />

descabeladas, sinistras, como viestes no dia das minhas<br />

núpcias!<br />

MEDÉIA DÁ O CONTEÚDO DE SUA PRECE<br />

Vinde neste dia<br />

oferecer a morte à jovem nubente,<br />

oferecer a morte a seu pai,<br />

oferecer a morte à linhagem real!<br />

O conteúdo desta prece é paradoxal: ela inverte os<br />

votos habituais formulados por ocasião de um casamento.<br />

A morte é posta como o inverso das núpcias.<br />

A unidade de tempo, o dia, é comentado pelo acontecimento,<br />

as núpcias. Medéia retomará exatamente<br />

esta unidade de tempo para inserir a ação trágica: ela<br />

fará dele o seu dia. Esta inversão toma uma forma<br />

particular no que concerne a Jasão. Medéia quer que<br />

sua vingança faça dele, por sua vez, uma Medéia de<br />

hoje e um Jasão de outra época, visto que o argonauta<br />

chegou para ela suplicante, do estrangeiro, aterrorizado<br />

com a tarefa que devia cumprir.<br />

De agora em diante, ele não encontrará mais ninguém<br />

para o acolher e o ajudar. Ele se tornará errante<br />

e odiável. É exatamente o trajeto que ele cumprirá<br />

tornando-se uma furiosa vítima:<br />

E a mim, dai um outro mal, mais terrível que a morte,<br />

para que eu possa dá-lo ao meu esposo:<br />

que ele viva, errando pobre por cidades desconhecidas,<br />

desterrado, espantado, abominado, sem lar.<br />

Que ele me deseje como esposa,<br />

e encontre a porta fechada, hóspede já muito<br />

conhecido.<br />

E - não é possível pensar nada mais horrível - possa<br />

ele gerar filhos<br />

semelhantes ao pai, semelhantes à mãe.


DA DOLOR AO FUROR<br />

A súplica pára. Medéia torna-se o assunto de suas<br />

frases. A prece tem seu efeito, ela agiu sobre Medéia,<br />

envolvendo-a no véu que a leva ao furor. Ela passa do<br />

pranto à cólera, da dor à ação.<br />

Minha vingança já está lá,<br />

minha vingança já nasceu.<br />

Eu tenho dois filhos.<br />

Palavras.<br />

Eu semeio lágrimas e palavras num deserto.<br />

Vou passar ao ataque.<br />

A própria Medéia transmuda o ritual das núpcias em<br />

ritual fúnebre, fazendo do dia luminoso das núpcias<br />

uma noite eterna para Creúsa e Corinto:<br />

Eu colocarei os archotes nas mãos dos meus inimigos<br />

estenderei o dia no céu.<br />

Este poder, ela o tem de sua raça, pois é filha do Sol.<br />

Mas sua ascendência não pode ajudá-la senão no crime.<br />

Lá no alto, o sol nos olha, o ancestral da minha raça,<br />

e nós aqui o vemos percorrer indiferente, cheio de<br />

claridade, a rota celeste,<br />

sem voltar ao nascente, sem parar o dia.<br />

Esta ascendência não lhe dá diretamente poder sobre a<br />

luz e o fogo. Mas ela tem por ancestral e modelo Faetonte,<br />

o filho do Sol. Aquele, guiando o carro do Sol sem saber<br />

conduzi-lo, transformou a boa e doce luz do dia num<br />

fogo devastador que incendiou a terra. A palavra torna-se<br />

uma prece, mas desta vez diretamente endereçada a um<br />

ser de sua raça. Indiferente como deus, ele não se ocupa<br />

dos homens, mas ouvirá seus ascendentes furiosos:<br />

Ó Sol, concede-me uma graça!<br />

Sol, ancestral de minha raça,<br />

deixa-me voar pelo céu, confia-me as rédeas do<br />

teu carro!<br />

Eu conduzirei os cavalos de fogo com chicotes<br />

flamejantes,<br />

incendiarei Corinto, a cidade entre dois mares!<br />

O istmo se fundirá nas chamas e as ondas se juntarão.<br />

Medéia, queimando Corinto, repetirá o crime de<br />

Faetonte e, inscrevendo-se assim na imortalidade<br />

mitológica, dá às suas tochas nupciais transformadas<br />

em tochas fúnebres a eficácia das tochas das Erínias,<br />

tochas da vingança mitológica.<br />

A FURIOSA<br />

O tipo de palavra muda. Medéia agiu sobre si mesma,<br />

donde o uso do eu e do tu que remeterá um e outro<br />

a ela mesma. Ela é a destinatária da própria palavra.<br />

Medeia começa a procurar o crime que a vingará. Ela<br />

é ainda, na estrutura geral, a necessidade de agir no<br />

quadro das núpcias. Sua palavra torna-se, pois, metafórica.<br />

O crime será encontrado quando ela tiver descoberto<br />

o meio de realizar suas metáforas, aquilo que<br />

está esboçado aqui, na estrutura da tragédia. Medéia<br />

retoma, pois, os elementos do ritual nupcial, um a um:<br />

Não me resta senão levar eu mesma a tocha nupcial<br />

e degolar, depois das preces rituais, as vítimas sobre<br />

o altar consagrado.<br />

Tradicionalmente, a inspeção das entranhas dos animais<br />

sacrificados permitia predizer o futuro:<br />

Coragem,<br />

tu procurarás, tu mesma, nas entranhas, o caminho<br />

da vingança,<br />

se tu ainda estás viva,<br />

se tu guardas alguma energia de outrora.<br />

Aqui começa o duplo trabalho da memória. Medéia<br />

se lembra de sua violência passada, violência mitológica,<br />

quando comenta os crimes cometidos para favorecer<br />

Jasão, crimes que lhe servirão de modelo:<br />

Esquece que tu és uma mulher, um ser medroso,<br />

reencontra tua alma de caucasiana,<br />

reveste-te de violência.<br />

Os horrores em que o Ponto e o Fásis foram ao teatro<br />

repetir-se-ão no istmo de Corinto:<br />

Insensatos, incríveis, horríveis, espantosos para o<br />

Céu e a Terra<br />

são os desígnios que se agitam na âmago do meu<br />

cérebro:<br />

feridas, mortes, membros esparsos e jogados ao<br />

relento.<br />

Pela palavra, Medéia faz um trabalho de abstração e<br />

de classificação sobre os objetos da memória. Assim,<br />

seleciona tipos de crimes que servem para inventar<br />

outros crimes.<br />

Depois, Medéia descarta suas lembranças, pois elas<br />

seriam insuficientes para curar hoje a infelicidade que<br />

a atinge. Isto prova que o que foi um scelus nefas pode<br />

tornar-se o calmante em outro contexto. O passado deve<br />

ser transposto. Há uma escala virtuosa do horror. É preciso<br />

vencer os ancestrais, vencer-se a si mesma:<br />

Não, eis aí lembranças muito inocentes.<br />

Eu não era então senão uma menina.<br />

A dor de uma mulher é exigente.<br />

São-me necessários crimes superiores.<br />

Hoje eu sou mãe.<br />

Arma-te de cólera, prepara-te para uma luta de<br />

morte, um combate de louca.<br />

41


42<br />

O prólogo termina com a afirmação repetida de que<br />

a ação vai ser de antinúpcias e de anulação das núpcias<br />

passadas de Medéia e Jasão. O nó da ação é ao<br />

mesmo tempo dado como a relação existente entre a<br />

tragédia e as lendas mitológicas. O que é objeto de<br />

narrativa são os crimes mitológicos, tornados crimes<br />

trágicos. Não há tragédia, hoje, senão porque sobreveio<br />

à lembrança a vingança de Medéia, e essa vingança<br />

não foi digna de memória, visto que com ela<br />

Medéia se abandona da condição humana por um crime<br />

mitológico, ou seja, trágico. Aqui, é o poeta quem<br />

fala, dando, por assim dizer, a regrada escritura da<br />

tragédia, que deve ser representada como um scelus<br />

nefas para justificar sua razão de ser:<br />

Medéia repudiada deve tornar-se legendária.<br />

Narramos já a história das núpcias.<br />

Como tu deixarás teu esposo?<br />

Do mesmo modo que o seguiste!<br />

Sufoca tuas frouxas perplexidades!<br />

Esta casa, onde tu entraste por um crime,<br />

por um crime deverás deixá-la.<br />

Assim, o quadro da cura fantástica está dado ao púbico:<br />

será o das núpcias ao inverso.<br />

O instrumento de Medéia é a língua; sua força, a da<br />

retórica. A relação metafórica entre a pompa nupcial<br />

e a pompa fúnebre é uma constante em Roma. Mas a<br />

tragédia faz da metáfora uma metamorfose, da comparação,<br />

uma razão. O furioso tem o poder de fazer existir<br />

as palavras, de dar à retórica força de realidade.<br />

Outras Obras de Sêneca<br />

A) Catálogo dos crimes trágicos<br />

Tieste<br />

O scelus nefas é composto sucessivamente do sacrifício<br />

humano cumprido por Atreu e do banquete canibal<br />

que se seguiu. A passagem do sacrifício é narrada<br />

no banquete sob a ótica de Atreu, que descreve Tieste<br />

festejando sob seus olhos, antes de interpelá-lo e de<br />

lhe oferecer como brinde um copo de vinho no qual<br />

versara o sangue dos seus filhos, depois contempla-o<br />

olhando a cabeça e as mãos dos filhos. Os dois sujeitos<br />

dos nefas são os dois irmãos, em posição intercambiável<br />

de carrasco e de vítima, de furiosos e de dolorosos.<br />

Atreu precedera Tieste e o havia feito pouco dele porque<br />

sua dor inicial ultrapassara a do irmão.<br />

ATREU<br />

Sei porque tu choras: Tu te angustias por eu ter tomado<br />

depressa<br />

este crime que eu te roubei.<br />

Não há amas canibais que te angustiem,<br />

nem quem te corte a garganta.<br />

É por não me teres feito comer,<br />

esta foi sempre tua intenção,<br />

uma refeição desta espécie,<br />

e de servi-la a teu irmão sem que ele percebesse.<br />

Tu irias te lançar sobre meus filhos,<br />

mas uma coisa te reteve, uma só.<br />

Tu suspeitavas que eles nasceram de ti.<br />

O crime é a repetição agravada daquele de Tântalo.<br />

É a partir daquele modelo que Atreu o inventou. Ele<br />

permite aos dois irmãos de inscreverem-se na dinastia<br />

da mitologia dos reis de Micenas. Uma cena de<br />

astúcia, a reconciliação dos dois irmãos, permitiu a<br />

execução do nefas.<br />

Fedra<br />

O crime de Fedra na tragédia de Eurípedes, Hipólito<br />

coroado, trata da história da esposa de Teseu que, na<br />

ausência deste, apaixonou-se perdidamente por seu<br />

enteado Hipólito. Repelida por este, filho do primeiro<br />

casamento de Teseu, Fedra suicidou-se, enforcandose,<br />

mas deixou uma mensagem mentirosa ao marido,<br />

acusando-lhe o filho de tentar violentá-la, o que irá<br />

provocar a morte do inocente Hipólito.<br />

Os personagens da peça são Fedra, Hipólito e Teseu, os<br />

quais passam para o mito. Fedra renova os amores selvagens<br />

da sua mãe Pasífae (esposa do rei Minos, a qual<br />

se apaixonara por um touro, dando à luz o minotauro),<br />

em seguimento à mesma dolor de Djanira ou Medéia.<br />

Fedra é uma mulher rejeitada, uma cretense exilada na<br />

Ática, para onde seu pai a enviara como refém:<br />

PHAEDRA<br />

O magna vasti Creta dominatrix freti<br />

cuius per omnes litus innumerae rates<br />

tenuere pontum, quidquid Assyria tenus<br />

tellure Nerea pervium rostris secas<br />

cur me in penates obsidem invisos datam<br />

hostique nuptam degere aetatem in malis<br />

lacrimisque cogis? Pefugus en coniux abest<br />

praestatque nuptae quam solet Thaeseus fidem.<br />

...<br />

FEDRA<br />

Ó Creta, soberana do mar vasto, cujos barcos inúmeros<br />

na costa<br />

cobrem as águas que Nereu franqueia às naus até<br />

ao litoral da Assíria,<br />

por que me deixas presa em mar odioso, esposa do<br />

inimigo,<br />

condenada por toda a vida a dor e ao pranto?<br />

Prófugo, Teseu me é fiel como já foi às outras.<br />

Com pretendente ousado, entrou nas trevas do ínvio<br />

lago do qual ninguém regressa.


Vai, sócio da paixão, tirar Prosérpina à realeza infernal.<br />

Nem a vergonha nem o medo<br />

o detém: o pai de Hipólito busca no imo Aqueronte<br />

o amor ilícito.<br />

Mas dor maior me aflige! O meu cuidado<br />

resiste ao sono e à quietação da noite.<br />

Gera-se o mal, cresce e me abrasa o seio como,<br />

no Etna,<br />

o vapor ferve e transborda.<br />

Esta dolor inicial vai estabelecer comunicação com<br />

o furor da dinastia de Fedra, memória que lhe proporcionará<br />

a própria identidade. É lá que ela vai buscar<br />

a origem do seu amor por Hipólito, sua invenção; o<br />

moço repete o touro de Pasífae, visto que ele pertence<br />

à selvageria, a uma circunstância selvagemente agravante,<br />

visto que socialmente ele é visto como filho de<br />

Fedra, ou seja, os amores dos animais se caracterizam<br />

precisamente não pelo incesto que é uma transgressão,<br />

mas pela indiferença à parentela. O amor monstruoso<br />

de Fedra ultrapassa ao de sua mãe.<br />

Hipólito também reata com sua mãe, a Amazona,<br />

por seus amores monstruosos, mesmo sendo ele um<br />

agente involuntário. Optando deliberadamente pela<br />

selvageria contra a civilização, justo antes da cena em<br />

que Fedra renova seu desejo por ele, Hipólito passa<br />

ao lado do nefas e se torna suscetível para entender<br />

seus avós, inventa ele também o nefas. A seguir, mesmo<br />

ele recusando com horror o amor de Fedra, ele<br />

será seu parceiro num diálogo amoroso, terá falado de<br />

amor com uma mulher vestida de Amazona, que ele<br />

chamou sua mãe e que prometeu de tomar junto dela<br />

o lugar de seu pai. Esta mulher o apertou nos braços e<br />

o cobriu de carinhos.<br />

O nefas de Fedra e de Hipólito é o enfrentamento<br />

de duas selvagerias mitológicas que não podem se<br />

amar. Se a selvageria, no imaginário romano, dá às<br />

mulheres um erotismo excitante, ao contrário, virilizando<br />

excessivamente os homens, transforma-se em<br />

erotismo. As mulheres selvagens são lobas, quer dizer<br />

prostitutas, os homens-lobos vivem em alcatéias de<br />

caçadores celibatários. Hipólito tem horror às mulheres<br />

não por capricho particular, mas porque ele se vê<br />

um selvagem habitante das florestas.<br />

A selvageria de um e outro está presente sobre o palco<br />

e visível pelo disfarce da dança. Vimos que Fedra<br />

encontrou a pacificação numa veste de Amazona caçadora.<br />

Hipólito também está travestido de caçador<br />

mitológico. Tal é a função do prólogo de Fedra e de<br />

sua natureza particular: instalar no espaço trágico o<br />

furor selvagem de Hipólito. Com efeito Fedra se abre<br />

com um monólogo que não é nem a dolor de um herói,<br />

nem o furor de um deus ou de um fantasma vindo de<br />

um outro mundo. A escritura em estrofes líricas prova<br />

que esse prólogo, diferentemente dos outros prólogos<br />

das tragédias de Sêneca, era cantado por um cantor<br />

enquanto um ator dançava. A cena. Tecnicamente essa<br />

dança é uma pantomima, onde o ator imita sucessivamente<br />

as diferentes técnicas e os diferentes momentos<br />

da caça. Hipólito dá ordens a seus companheiros caçadores<br />

antes de partir, de manhã. Manda-os percorrer<br />

todo o território da Ática, depois, antes de se engajar<br />

ele mesmo nessa expedição, envia uma prece a Diana,<br />

deusa da caça, afim de que ela lhe seja favorável.<br />

O que é mesmo inquietante é o personagem que<br />

representa Hipólito. Esse caçador não é um filho de<br />

família, um esportista vindo da cidade. É um caçador<br />

excessivo, que, ao menos em palavras, transforma<br />

toda a Ática em território de caça, onde não vivem<br />

senão pastores. As cidades, as terras cultivadas, toda<br />

espécie de civilização sedentária desapareceu. Suas<br />

primeiras palavras são ambíguas, são as de um chefe<br />

que lança os companheiros ao ataque sem que se saiba<br />

se trata-se de uma expedição militar ou uma caça;<br />

eles vão percorrer o país semeando terror:<br />

Ite umbrosas cingite silvas<br />

summaque montis iuga, Cecoprii<br />

Ide, cercai bosques umbrosos, rodeai com passo<br />

errante e lépido,<br />

o cume do monte de Cécrops.<br />

A volta da caça mostra uma horda, celebrando um<br />

triunfo pré-histórico, em torno de charretes rústicas<br />

que rodam rangendo rumo às cabanas primitivas.<br />

Diana, a quem ele invocara, não é uma divindade<br />

dos homens civilizados; seu espaço são os confins do<br />

universo habitado. Ela reina pela violência sobre povos<br />

selvagens e primitivos.<br />

Assiste-nos, ó forte deusa, que reinas sobre as<br />

terras virgens;<br />

cujas flechas certeiras ferem as feras que se dessedentam<br />

no frio Araxes<br />

ou que saltam no Istro gelado. A tua destra persegue<br />

os leões da Getúlia<br />

e as corças de Creta. Agilmente alcanças os gamos<br />

velozes.<br />

A ti se imolam os pintados tigres, os peludos bisontes<br />

e os búfalos de grandes cornos. Todo animal que no<br />

deserto pasce,<br />

à vista doss gramantes, ou se esconde na selva<br />

a’rabica<br />

e nos picos dos Pireneus, e ainda nas florestas da<br />

Hircânia,<br />

nos vastos campos da Sarmácia, teme as tuas aljavas,<br />

Diana!<br />

Para o imaginário romano, um caçador dos confins é<br />

pior do que um bárbaro, é um homem selvagem, que<br />

43


44<br />

vive como animal no meio de animais, que não diferencia<br />

entre a caça e a guerra, pois não há diferença<br />

entre um animal e um homem. Esse tipo de caçador se<br />

situa num espaço de além, fora do espaço habitado. A<br />

selvageria extrema e impossível dos confins dá, pois,<br />

suas cores em Fedra a uma selvageria mitológica que<br />

é a da Amazona, mãe de Hipólito, onde reencontra<br />

Pasifae, mãe de Fedra.<br />

A dança de Hipólito depois da prece a Diana é a de<br />

um chefe selvagem, de um homem-lobo que, se ele<br />

reina na Ática, a transformaria em deserto, em floresta<br />

virgem. Mas esse valor ideológico do prólogo que deduzimos<br />

das palavras de Hipólito é o desenvolvimento<br />

verbal de uma evidência espetacular. O público romano<br />

reconhecia imediatamente em Hipólito, desde que<br />

o vê, um caçador selvagem dos confins. Desde que ele<br />

já o viu alhures, essa dança do rei bárbaro que reina<br />

sobre sujeitos como sobre um gibon, seja no circo nas<br />

venationes, ou gladiadores reproduzindo grandes caças<br />

mitológicas ou pseudo-históricas – caças de Hércules<br />

ou de Alexandre – seja no teatro das pantomimas com<br />

assuntos miológicos. Costumes bárbaros em vivas cores,<br />

músicas estranhas e, no circo, presença de animais<br />

exóticos (leões, panteras etc.) inscreveram na memória<br />

dos romanos imagens definitivas.<br />

Ao corpo selvagem e dançante de Hipólito abrindo a<br />

tragédia corresponde o quadro final de seu corpo mutilado,<br />

incompleto, hediondo, que o traz de volta à civilização.<br />

A dança de Hipólito é da mesma natureza trágica<br />

que as danças do furor; mas um furor que não foi<br />

precedido pelo espetáculo da dolor, ou ainda da mesma<br />

natureza que a dança de Tântalo. Ele realiza assim seu<br />

corpo mitológico, como fazem Djanira e Medéia.<br />

Esta primeira parte do nefas é possível, quer dizer, é<br />

o reencontro entre as duas selvagerias, porque Diana<br />

serve de intercessora. Ela encarna as duas façes da selvageria,<br />

a masculina e a feminina. Ela é a divindade<br />

dos confins e da caça. É a divindade dos homens selvagens,<br />

mas é também, sob o nome de Hécato, a lua,<br />

a deusa da magia amorosa, pois uma lenda narra que<br />

a lua se tomou de amor por Endimião, um pastor, e<br />

desceu à terra, seduzida. Depois, as magas a associam<br />

aos lagos para que ela favoreça aos amores difíceis.<br />

Hécato, astro noturno, é uma deusa de mulheres enamoradas.<br />

E por isso que a Ama lhe faz uma prece:<br />

Rainha da floresta, ó única moradora e adorada na<br />

montanha,<br />

muda para melhor os meus presságios! Deusa magna<br />

das florestas e dos bosques, astro do céu claro, glória<br />

da noite,<br />

tu que alternas com o dia a luz do mundo, tríplice<br />

Hécato,<br />

acode em nossa ajuda! Doma do triste Hipólito a<br />

alma gélida:<br />

aprenda a amar, partilhe os fogos mútuos e saiba ouvir.<br />

O coração lhe amansa, enleia-lhe a razão! Hostil<br />

e irado<br />

retorne às leis de Vênus. Nisso empenha o teu poder.<br />

..............................................<br />

Custa-me executar o crime ordenado. Quem teme<br />

os reis<br />

proscreva o certo e o justo; expulse a honra do peito!<br />

O pudor é mau cúmplice dos déspotas.<br />

A dúpla natureza de Diana está já presente no fim do<br />

prólogo dançado por Hipólito; quando ele terminou<br />

sua oração à deusa, ele ouve os latidos dos cães; é<br />

um sinal da presença de Hécato, a partir das preces<br />

de magia erótica.<br />

A tragédia passa-se, pois, em dois tempos correspondentes<br />

aos dois estágios corporais dos heróis: a<br />

primeira parte é aquela dos corpos selvagens e belos;<br />

a segunda, aquela dos corpos em luto e lesados.<br />

Teseu sai dos Infernos, lúgubre e despojado como<br />

um fantasma. Fedra toma sucessivamente duas posturas<br />

de luto: a primeira é a exibição socializada dos<br />

efeitos de sua violação (pretendida), a segunda, para<br />

chorar Hipólito. Hipólito é um cadáver mutilado,<br />

completamente ferido.<br />

A cena da confissão amorosa se repete na cena da<br />

confissão criminal; essas cenas se juntam em três, com<br />

o terceiro ausente. No início, o ausente é Teseu: no país<br />

dos mortos, ele não é senão uma máscara posta sobre<br />

os olhos de Hipólito; a seguir o ausente é Hipólito, que<br />

não passa de um monte de carne desgraçada. Nas duas<br />

cenas, Fedra repete o mesmo gesto da sedução que a<br />

liga a Hipólito, mas na primeira vez o nefas fica incompleto,<br />

pois não foi posto em cena um ritual pervertido;<br />

na segunda vez, utilizando o rito do luto, Fedra vai até<br />

o fim de sua transformação em monstro e liga seu destino<br />

a Hipólito na memória da mitologia. Sua acusação<br />

mentirosa contra Hipólito é tipicamente uma cena de<br />

astúcia para preparar o scelus nefas.<br />

Édipo<br />

Édipo é uma das tragédias mais complexas de Sêneca.<br />

Salvo as aparências, esta tragédia obedece ao mesmo<br />

esquema das outras tragédias. A única diferença<br />

está no que se refere ao nefas, que foi cometido antes<br />

do início da ação cênica. Mas, como nada se sabe disso<br />

no início da peça, é como se o nefas não existisse<br />

ainda para aqueles que se tornarão seus sujeitos:<br />

Édipo e Jocasta. A invenção do nefas vai coincidir<br />

com a descoberta dos crimes cometidos por Édipo, o<br />

parricídio e o incesto. Dizer o nefas ou cumpri-lo é a<br />

mesma coisa, pois o crime, para tornar-se performativo,<br />

é preciso que seja ritualizado. Isto não é espantoso<br />

numa civilização em que um prodígio, um monstrum,


não existe se não for reconhecido como tal pelas autoridades<br />

religiosas e políticas, no curso dos procedimendos<br />

da linguagem.<br />

Édipo, no prólogo doloroso, fala de seu medo de cometer<br />

seu scelus nefas anunciado pelo oráculo de Delfos.<br />

Compreendendo que ele já o cometera, ele coincide com<br />

ele mesmo, com seu ser mitológico e, para dar uma realidade<br />

a esta nova identidade enfim reencontrada, ele finge<br />

não estar entendendo nada. No fim da tragédia, ele tem a<br />

mesma fruição cumprida por Atreu ou Medéia.<br />

Bene habet, peractum est...<br />

Iuvant tenebrae...<br />

Vultus Oedipodam hic decet.<br />

Está bem, tudo se cumpriu...<br />

As trevas ajudam...<br />

Édipo, tu tens agora teu verdadeiro rosto.<br />

O nefas o integra na dinastia tebana como seu pai<br />

lhe relembra, saindo dos Infernos, seu pai, que é a<br />

figura de um fantasma furioso, comunicando, a seu<br />

Exercícios de Auto-avaliação<br />

1- Como se organiza a estrutura das tragédias de Sêneca?<br />

2- Quais são as obras dramáticas de Sêneca?<br />

3- Como era considerada a tragédia na Grécia?<br />

4- Com quem começa o tempo dos poetae?<br />

5- Quando se instalam os teatros permanentes?<br />

6- Onde ficavam os teatros?<br />

modo, sua raiva a seu filho, como Tântalo ou Tieste.<br />

Ekle é o digno descendente dos monstros tebanos que<br />

o precederam no trono.<br />

O furor de Édipo lhe vem tarde na peça, depois<br />

que ele apreendeu o nefas. Este furor lhe permite<br />

reapropriar-se do crime, o que o leva a crivar-se<br />

os olhos e a empurrar sua mãe ao suicídio. Jocasta<br />

entra em furor ao mesmo tempo que Édipo. Ela<br />

participou da revelação do nefas, sendo a primeira<br />

a entender as verdadeiras circunstâncias do assassinato<br />

de Laio.<br />

O espetáculo do nefas é aquele da sua revelação<br />

e do posterior prolongamento. A revelação se realiza<br />

em duas cenas: a primeira é uma narração, a<br />

consulta aos mortos; a outra é a consulta no palco,<br />

das entranhas sacrifícais. A seguir, os efeitos da revelação<br />

dão lugar a uma narração, que conta como<br />

Édipo se crivou os olhos; depois, sobre o palco,<br />

Édipo reencontra Jocasta que se suicida diante do<br />

público. Culpáveis, mas não responsáveis, ambos<br />

entram para a lenda.<br />

45


46<br />

Se você:<br />

1) concluiu o estudo deste guia;<br />

2) participou dos encontros;<br />

3) fez contato com seu tutor;<br />

4) realizou as atividades previstas;<br />

Então, você está preparado para as<br />

avaliações.<br />

Parabéns!


Glossário<br />

Comédia- obra ou representação teatral em que predomina a graça.<br />

Dioniso- deus grego dos ciclos vitais e da alegria e do vinho, chamado de Baco pelos romanos.<br />

Ditirâmbico(a)- composição lírica que exprime entusiasmo ou delírio.<br />

Iãmbico(a)- irônico, satírico, sarcástico.<br />

Ignóbeis- que não tem nobreza.<br />

Mimese- imitação, figura que consiste no uso do discurso direto e principalmente na imitação do gesto, voz e<br />

palavras de outro.<br />

Mito- narrativa dos tempos fabulosos ou heróicos.<br />

Pantomimas- arte ou expressão por meio de gestos, mímica.<br />

Tragicomédia- peça que participa da tragédia pelo assunto e personagens e da comédia pelos incidentes.<br />

Tragédia- obra teatral em versos que se originou do ditirambo.<br />

47


48<br />

Gabarito<br />

Unidade I<br />

1- Sugestão: a resposta pode ser formulada a partir do item 1.1.<br />

2- Foi a época de Augusto (de 44 ou 43 a.C. a 17 d.C).<br />

3- Sugestão: a contextualização da disciplina, na parte em que fala sobre o gênero épico nos primeiros três parágrafos.<br />

4- Começa como todo poema épico, com a invocação à musa (deusa) da poesia.<br />

5- Começa com a invocação de Homero à musa da poesia, na qual enuncia o tema do poema épico e lhe pede<br />

que oriente para que possa contar a história de modo adequado.<br />

Unidade II<br />

1- A primeira obra de Ovídio foi Amores.<br />

2- Ovídio abordou o épos de outra maneira, não optou pelo poema de grandes dimensões, seguiu o modelo<br />

épico inspirado em Hesíodo.<br />

3- Você pode responder de acordo com o tópico Os Amores.<br />

4- Resposta no item 2.3.<br />

5- Filosofia que prega a renúncia aos negotia político-militares em favor de uma vida à parte e tranqüila, em<br />

íntima comunhão dos amigos.<br />

Unidade III<br />

1- Não por uma lógica do discurso, mas pela encenação do ator.<br />

2- Suas obras dramáticas são: Agamêmnon, Hércules, Furioso, Hércules no Eta, As Fenícias, As Troianas,<br />

Medéia, Édipo, Fedra e Tristes.<br />

3- Na Grécia, a tragédia era considerada como obra literária que proporcionava aos poetas muitas honras.<br />

4- Com Ênio.<br />

5- No final da República.<br />

6- Os teatros ficavam no campo de Marte e o campo de Marte é integrado à cidade.


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WOOLGER, Jennifer Barker & WOOLGER, Roger J. A deusa interior. São Paulo: Cultrix, 1998.<br />

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