LITERATURA LATINA I - Universidade Castelo Branco
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O prólogo termina com a afirmação repetida de que<br />
a ação vai ser de antinúpcias e de anulação das núpcias<br />
passadas de Medéia e Jasão. O nó da ação é ao<br />
mesmo tempo dado como a relação existente entre a<br />
tragédia e as lendas mitológicas. O que é objeto de<br />
narrativa são os crimes mitológicos, tornados crimes<br />
trágicos. Não há tragédia, hoje, senão porque sobreveio<br />
à lembrança a vingança de Medéia, e essa vingança<br />
não foi digna de memória, visto que com ela<br />
Medéia se abandona da condição humana por um crime<br />
mitológico, ou seja, trágico. Aqui, é o poeta quem<br />
fala, dando, por assim dizer, a regrada escritura da<br />
tragédia, que deve ser representada como um scelus<br />
nefas para justificar sua razão de ser:<br />
Medéia repudiada deve tornar-se legendária.<br />
Narramos já a história das núpcias.<br />
Como tu deixarás teu esposo?<br />
Do mesmo modo que o seguiste!<br />
Sufoca tuas frouxas perplexidades!<br />
Esta casa, onde tu entraste por um crime,<br />
por um crime deverás deixá-la.<br />
Assim, o quadro da cura fantástica está dado ao púbico:<br />
será o das núpcias ao inverso.<br />
O instrumento de Medéia é a língua; sua força, a da<br />
retórica. A relação metafórica entre a pompa nupcial<br />
e a pompa fúnebre é uma constante em Roma. Mas a<br />
tragédia faz da metáfora uma metamorfose, da comparação,<br />
uma razão. O furioso tem o poder de fazer existir<br />
as palavras, de dar à retórica força de realidade.<br />
Outras Obras de Sêneca<br />
A) Catálogo dos crimes trágicos<br />
Tieste<br />
O scelus nefas é composto sucessivamente do sacrifício<br />
humano cumprido por Atreu e do banquete canibal<br />
que se seguiu. A passagem do sacrifício é narrada<br />
no banquete sob a ótica de Atreu, que descreve Tieste<br />
festejando sob seus olhos, antes de interpelá-lo e de<br />
lhe oferecer como brinde um copo de vinho no qual<br />
versara o sangue dos seus filhos, depois contempla-o<br />
olhando a cabeça e as mãos dos filhos. Os dois sujeitos<br />
dos nefas são os dois irmãos, em posição intercambiável<br />
de carrasco e de vítima, de furiosos e de dolorosos.<br />
Atreu precedera Tieste e o havia feito pouco dele porque<br />
sua dor inicial ultrapassara a do irmão.<br />
ATREU<br />
Sei porque tu choras: Tu te angustias por eu ter tomado<br />
depressa<br />
este crime que eu te roubei.<br />
Não há amas canibais que te angustiem,<br />
nem quem te corte a garganta.<br />
É por não me teres feito comer,<br />
esta foi sempre tua intenção,<br />
uma refeição desta espécie,<br />
e de servi-la a teu irmão sem que ele percebesse.<br />
Tu irias te lançar sobre meus filhos,<br />
mas uma coisa te reteve, uma só.<br />
Tu suspeitavas que eles nasceram de ti.<br />
O crime é a repetição agravada daquele de Tântalo.<br />
É a partir daquele modelo que Atreu o inventou. Ele<br />
permite aos dois irmãos de inscreverem-se na dinastia<br />
da mitologia dos reis de Micenas. Uma cena de<br />
astúcia, a reconciliação dos dois irmãos, permitiu a<br />
execução do nefas.<br />
Fedra<br />
O crime de Fedra na tragédia de Eurípedes, Hipólito<br />
coroado, trata da história da esposa de Teseu que, na<br />
ausência deste, apaixonou-se perdidamente por seu<br />
enteado Hipólito. Repelida por este, filho do primeiro<br />
casamento de Teseu, Fedra suicidou-se, enforcandose,<br />
mas deixou uma mensagem mentirosa ao marido,<br />
acusando-lhe o filho de tentar violentá-la, o que irá<br />
provocar a morte do inocente Hipólito.<br />
Os personagens da peça são Fedra, Hipólito e Teseu, os<br />
quais passam para o mito. Fedra renova os amores selvagens<br />
da sua mãe Pasífae (esposa do rei Minos, a qual<br />
se apaixonara por um touro, dando à luz o minotauro),<br />
em seguimento à mesma dolor de Djanira ou Medéia.<br />
Fedra é uma mulher rejeitada, uma cretense exilada na<br />
Ática, para onde seu pai a enviara como refém:<br />
PHAEDRA<br />
O magna vasti Creta dominatrix freti<br />
cuius per omnes litus innumerae rates<br />
tenuere pontum, quidquid Assyria tenus<br />
tellure Nerea pervium rostris secas<br />
cur me in penates obsidem invisos datam<br />
hostique nuptam degere aetatem in malis<br />
lacrimisque cogis? Pefugus en coniux abest<br />
praestatque nuptae quam solet Thaeseus fidem.<br />
...<br />
FEDRA<br />
Ó Creta, soberana do mar vasto, cujos barcos inúmeros<br />
na costa<br />
cobrem as águas que Nereu franqueia às naus até<br />
ao litoral da Assíria,<br />
por que me deixas presa em mar odioso, esposa do<br />
inimigo,<br />
condenada por toda a vida a dor e ao pranto?<br />
Prófugo, Teseu me é fiel como já foi às outras.<br />
Com pretendente ousado, entrou nas trevas do ínvio<br />
lago do qual ninguém regressa.