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LITERATURA LATINA I - Universidade Castelo Branco

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suas razões. L. A. Constans enumera três delas: a primeira,<br />

de ordem literária ou estética, pretende que Enéias,<br />

da mesma forma que Ulisses, fique retido pelo amor de<br />

uma mulher – é o lado romanesco da epopéia; a segunda<br />

é de ordem histórica ou nacionalista, visto que a Eneida<br />

evocaria no espírito romano toda a história de Roma – alguma<br />

coisa anterior devia relacionar-se às guerras púnicas,<br />

fato que domina a história da fase republicana: Dido<br />

ao ser abandonada por Enéias lança-lhe imprecações antes<br />

do suicídio, ou seja, as guerras púnicas encontram uma<br />

explicação legendária e sobrenatural, pois elas são o cumprimento<br />

das imprecações de Dido; por fim, a terceira razão<br />

está relacionada com as circunstâncias da atualidade:<br />

a cidade que Enéias vê em construção não era uma cidade<br />

fenícia do século oitavo a.C., mas uma cidade nos moldes<br />

romanos, ou seja: no ano 44 a.C. César havia decidido<br />

ressuscitar Cartago, enviando veteranos para a colonia<br />

Iulia Carthago. Esta cidade seria a cidade em construção<br />

que Vergílio alusivamente descreve.<br />

Enéias vê-se em Cartago onde o detém um vasto<br />

templo que está sendo construído em homenagem a<br />

Juno, em meio a um bosque sagrado. Afrescos decorativos<br />

representam episódios da guerra de Tróia.<br />

O herói os contempla, comove-se ao extremo, vai às<br />

lágrimas e geme, em suspiros profundos arrancados<br />

do peito. Mais de uma vez o herói chora na Eneida.<br />

É a interpretação vergiliana do caráter do herói, do<br />

seu fundo psicológico, que, num momento de pausa<br />

e reflexão, mergulha no imo da alma humana para<br />

se compadecer. Há um elo sentimental entre Tróia,<br />

Enéias e Cartago. Mas esse mergulho é interrompido<br />

pelo que se pode então, de súbito, ver. Dido lhe aparece<br />

deslumbrante de beleza. Traz não só a majestade<br />

da rainha mas também um não sei o quê que a torna<br />

bem digna do filho de uma deusa. Mostra-se a construtora<br />

de uma cidade no momento em que ele sonha<br />

em fixar os penates num novo país.<br />

Vênus, por sua vez, no intuito de ajudar o filho angustiado,<br />

transforma-lhe a fatigada e a pálida face<br />

desfigurada pelo naufrágio na vislumbrante figura que<br />

lembra a estátua de um deus. À vista daquela beleza<br />

sobrenatural, a rainha Dido se comove e seu coração<br />

feminino se enternece de piedade só de pensar nos<br />

sofrimentos do herói.<br />

Obstipuit primo aspectu Sidonia Dido<br />

Casu deinde viri tanto... (I, 613-614)<br />

(A sidônia Dido ficou estupefata à primeira vista;<br />

depois pela tão grande desgraça de um varão...)<br />

Ele é belo, mas infeliz. Ela está pronta a amá-lo. Vênus<br />

põe Cupido em ação, que toma os traços de Ascânio,<br />

o qual serve para os aproximar. Desenrola-se<br />

o banquete e Dido já “bebia o amor em prolongados<br />

goles”. A pedido da rainha, Enéias toma a palavra e<br />

fará o relato que ocupará os livros II e III.<br />

A Eneida Após Vergílio<br />

A glória de Vergílio já dura vinte séculos. Já na Antigüidade,<br />

as escolas esboçavam a imagem de um<br />

Vergílio sábio universal e filósofo místico, cuja obra<br />

encerraria, sob os vôos da alegoria e do símbolo, todos<br />

os segredos do universo. Até mesmo os cristãos<br />

viram no autor da IV égloga (Bucólicas) um anunciador<br />

do nascimento de Cristo. Traçaremos, a seguir,<br />

alguns esboços sobre a Eneida, desde sua publicação<br />

até nossos dias.<br />

A Eneida mal começou a ser escrita e já se tornara<br />

célebre. Os poetas da época de Augusto, Ovídio, Propércio,<br />

Horácio, até mesmo o historiador Tito Lívio,<br />

foram influenciados pela Eneida. No primeiro século<br />

da nossa era, Sílio Itálico e Estácio esforçam-se por enriquecer<br />

a epopéia latina seguindo os traços do mestre.<br />

Os gramáticos e os retóricos comentam seus versos.<br />

Não se pode pensar, por outro lado, que todas as<br />

opiniões só foram favoráveis à Eneida. Houve alguns<br />

autores e críticos que resistiram a ela nos primeiros<br />

tempos. É o caso de Carvilius Pictor que escreveu<br />

Aenneosmastix para fustigá-la. Herennius revela<br />

seus erros, enquanto que Perellius Faustus e Otavius<br />

Avitus denunciam seus plágios. O grande crítico<br />

Asconius Pedianus, do primeiro século da nossa<br />

era, consagrou uma obra para combater os detratores<br />

de Vergílio (Contra obtrectatores Virgilii). Calígula<br />

pretendeu banir das bibliotecas públicas as obras e<br />

as imagens de Vergílio, porque, segundo ele, era uma<br />

obra de “nenhum gênio e de magro saber” (Suetônio,<br />

Calígula, 34). Outros gramáticos como Valério Probo<br />

e Anneus Cornutus comentaram largamente a Eneida.<br />

Posteriormente, o estudo de Vergílio tornou-se<br />

um dos meios indispensáveis para a educação liberal,<br />

mas mantinha ainda alguma polêmica.<br />

Através das escolas, a Eneida ganhava outros locais<br />

além dos muros de Roma. Difundiu-se nos círculos<br />

mundanos e nos meios populares. Também passou a<br />

servir de motivo de esnobismo: na alta sociedade dos<br />

tempos de Nero era de bom tom falar sobre o conhecimento<br />

da Eneida. Juvenal (Sátira, VI) nos fala de<br />

uma mulher tocada pela literatura que senta à “mesa,<br />

louva Vergílio, justifica Dido pronta para morrer, põe<br />

os poetas em paralelo, compara-os, suspendendo na<br />

balança Vergílio de um lado e Homero de outro”.<br />

Políbio, alforriado por Cláudio, havia empreendido a<br />

tradução de Homero para o latim e de Vergílio para o<br />

grego, no que fora elogiado por Sêneca.<br />

A Eneida também difundiu-se entre o povo. Os desocupados<br />

escreviam seus versos sobre as paredes das<br />

casas e sobre os monumentos públicos (pichações).<br />

A pantomima se amparava em seus heróis: Nero, no<br />

dia de sua morte, prometera imitar, dançando, um tre-<br />

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