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LITERATURA LATINA I - Universidade Castelo Branco

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40<br />

depois sua progressiva transformação em criatura inquietante<br />

e detestável. O espetáculo é o da piedade,<br />

depois do horror, o nascimento do monstro.<br />

Medéia manipula o ritual das núpcias de Jasão e Creúsa,<br />

onde o primeiro coro dirá o caráter perfeitamente normal<br />

e normativo. O tempo de sua celebração coincide com<br />

aquele da tragédia, e são eles que desvendam a dolor.<br />

Formalmente, o canto imita a prece. Toda prece começa<br />

por palavras que devem assegurar a comunicação<br />

entre quem reza e os deuses destinatários. É por<br />

isto que, para atualizar suas divindades, quem ora diz<br />

seus nomes e suas características.<br />

MEDÉIA INVOCA UMA SÉRIE DE DIVINDADES<br />

Aquelas que foram associadas ao seu casamento<br />

com Jasão, que, por conseguinte, são garantias e aliadas<br />

de Medéia em sua vingança. Elas são o casamento<br />

passado de Medéia.<br />

MEDÉIA:<br />

Deuses do himeneu!<br />

E tu, Lucina, deusa do leito onde se engendra a raça!<br />

E tu, deusa que ensinaste a Tífis a arte de guiar o<br />

primeiro navio para conquistar os mares!<br />

E tu, Sol, que distribuis sobre a terra a luz do dia!<br />

E tu, ó tríplice Hécato, que dá às misteriosas cerimônias<br />

uma tríplice claridade!<br />

Ó vós todas, divindades por quem Jasão me jurou<br />

sua fidelidade!<br />

Depois ela invoca as divindades infernais, que estão<br />

em oposição aos deuses associados normalmente nos<br />

cantos do himeneu e que vão servir para inverter as<br />

núpcias presentes. Sua invocação realça a identidade<br />

singular de Medéia, do seu passado de maga. Há, pois,<br />

nessas duas listas de divindades invocadas, um dúplice<br />

jogo sobre a memória: divindades do casamento passado,<br />

divindades do passado de Medéia como maga.<br />

Vós todos, poderes que só Medéia tem o direito<br />

de invocar!<br />

Caos da noite eterna,<br />

reino de além-túmulo,<br />

fantasmas selvagens,<br />

soberanos do sombrio império<br />

e tu, sua esposa, raptada por um mais fiel amante!<br />

O fim da invocação relembra que esta invocação é<br />

um canto de dolor. A expressão ambígua “a voz da<br />

desgraça” quer dizer “expressão da desgraça” e “portadora<br />

de desgraça” marca a dúplice natureza da dolor:<br />

sofrimento e desejo de vingança.<br />

Ó deuses, eu vos imploro,<br />

escutai a voz da desgraça!<br />

Depois Medéia invoca as divindades do furor, as Fúrias,<br />

que, na mitologia grega, são também as deusas da<br />

Vingança. Assim a dolor incita um primeiro movimento<br />

rumo ao furor. Ela chama as Fúrias para que as tochas<br />

negras da vingança substituam as tochas nupciais e se<br />

tornem tochas de luto. Esta substituição é uma das formas<br />

que proporcionam a inversão das núpcias de Creúsa<br />

em antinúpcias de Medéia. Vê-se como se articulam<br />

estreitamente a ação e a estrutura, visto que as Fúrias<br />

pertencem a uma e outra. O vetor deste duplo jogo é<br />

constituído pelas tochas, que são o emblema das fúrias<br />

e, ao mesmo tempo, são os objetos rituais das núpcias e<br />

dos funerais. Dito de outro modo, são as tochas do himeneu<br />

que queimarão Creúsa e atearão fogo ao palácio:<br />

Vinde vós, deusas vingadoras do crime,<br />

vinde em meu socorro:<br />

os cabelos desarrumados, entrelaçados de serpentes,<br />

firme nas mãos sanguinolentas um negro archote,<br />

descabeladas, sinistras, como viestes no dia das minhas<br />

núpcias!<br />

MEDÉIA DÁ O CONTEÚDO DE SUA PRECE<br />

Vinde neste dia<br />

oferecer a morte à jovem nubente,<br />

oferecer a morte a seu pai,<br />

oferecer a morte à linhagem real!<br />

O conteúdo desta prece é paradoxal: ela inverte os<br />

votos habituais formulados por ocasião de um casamento.<br />

A morte é posta como o inverso das núpcias.<br />

A unidade de tempo, o dia, é comentado pelo acontecimento,<br />

as núpcias. Medéia retomará exatamente<br />

esta unidade de tempo para inserir a ação trágica: ela<br />

fará dele o seu dia. Esta inversão toma uma forma<br />

particular no que concerne a Jasão. Medéia quer que<br />

sua vingança faça dele, por sua vez, uma Medéia de<br />

hoje e um Jasão de outra época, visto que o argonauta<br />

chegou para ela suplicante, do estrangeiro, aterrorizado<br />

com a tarefa que devia cumprir.<br />

De agora em diante, ele não encontrará mais ninguém<br />

para o acolher e o ajudar. Ele se tornará errante<br />

e odiável. É exatamente o trajeto que ele cumprirá<br />

tornando-se uma furiosa vítima:<br />

E a mim, dai um outro mal, mais terrível que a morte,<br />

para que eu possa dá-lo ao meu esposo:<br />

que ele viva, errando pobre por cidades desconhecidas,<br />

desterrado, espantado, abominado, sem lar.<br />

Que ele me deseje como esposa,<br />

e encontre a porta fechada, hóspede já muito<br />

conhecido.<br />

E - não é possível pensar nada mais horrível - possa<br />

ele gerar filhos<br />

semelhantes ao pai, semelhantes à mãe.

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