Dissertação MI Setembro 2011 - Cópia.pdf - RUN UNL
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Vidas Secas e Os Flagelados do Vento Leste: Veredas da seca e da fome<br />
mágico: o de conceder, pelo processo de nomeação, o ser das coisas; a palavra confere existência, forja o<br />
mundo, ― livres de nomes, as coisas ficavam distantes, misteriosas‖(p.72) , por isso possuir a palavra é,<br />
simbolicamente, possuir o mundo. Neste sentido, as orações e rezas realizam a cura e invocam a<br />
protecção celeste. Pela mesma razão, se evitam pensamentos negativos, potenciais actualizadores da<br />
desgraça: ―Diligenciou afastar a recordação temendo que ela virasse realidade‖ (p. 37), ou ―[…] imaginou<br />
que ela [a viagem] não se realizaria se ele não a provocasse com ideias ruins‖ (p. 95) repetindo-se que<br />
nada aconteceu, de forma a apagar a dor, como se o dizer que não aconteceu apagasse o acontecido ( cf.<br />
pp. 53-54). Este processo de transfiguração do real através da palavra surge, de novo, no final da obra,<br />
quando sinha Vitória sente necessidade de mentir a si mesma afirmando que ―a quentura medonha, as<br />
árvores transformadas em garranchos, a imobilidade e o silêncio não valiam nada‖ (p. 104). Negando o<br />
cenário estéril do sertão, sinha Vitória instaura uma outra ordem do real, refazendo-o. O uso de formas<br />
verbais no condicional (que apontamos no sub - capítulo 2.5 - A ordem social) constitui também uma<br />
forma de reverter a ordem das coisas através da palavra.<br />
2.4 Homem / Natureza/ Destino – a ordem natural<br />
As condições climáticas do Nordeste brasileiro condicionam o homem sertanejo, configurando<br />
uma injustiça gratuita a que se submete, mas contra a qual, ao mesmo tempo, luta, pela fuga. Fabiano,<br />
homem do sertão, vive na inteira dependência da terra e das chuvas. Se há água, há verdura, comida,<br />
gado, se a água falta e a seca se prolonga, a natureza e o gado desfalecem e chega a fome e a miséria.<br />
Desta forma se condiciona também o seu estado de espírito: na seca, o desespero e a revolta, na chuva,<br />
sente-se seguro, capaz de grandes feitos, abrigado por uma natureza protectora. Esta íntima conexão<br />
entre os retirantes e a seca estabelece-se desde logo no título da obra: a vida destes seres é seca como os<br />
―galhos pelados da catinga rala‖ (p. 9), ― o rio seco ― (p. 9), a planície avermelhada‖ (p.9), ―as plantas<br />
mortas‖ (p.12),‖ o bosque de catingueiras murchas‖ (p.12). A família vive em função da seca: fixam-se<br />
numa fazenda abandonada quando a terra renasce, mas prontos a partir logo que no céu apareçam sinais<br />
de um novo período de seca. A vida deixa de ser possível, o único caminho é a fuga, forma de resistir e<br />
sobreviver.<br />
A vida do nordestino é condicionada pelo ciclo da seca e a ele se resigna, seu destino fatal, e até<br />
durante o breve período das chuvas, a recordação da seca persegue a família de Fabiano, como a todo o<br />
nordestino:<br />
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