Dissertação MI Setembro 2011 - Cópia.pdf - RUN UNL
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Vidas Secas e Os Flagelados do Vento Leste: Veredas da seca e da fome<br />
Quando o filho mais velho tenta estabelecer comunicação, sinha Vitória ― soltou uma<br />
exclamação de aborrecimento, e, como o piralho insistisse, deu-lhe um cascudo‖ (p. 44).<br />
Os adultos parecem recear a palavra desvelada, há um mal-estar premente, irritam-se e são<br />
violentos, como reacção ao seu próprio fracasso na compreensão linguística. No seio da família, ensinam-<br />
se as crianças a calar, a não questionar, iniciando-as num mundo de submissão que se perpetua. Perguntar,<br />
compreender é proibido, desde o berço se infunde o respeito pela autoridade e pelo poder dos que sabem<br />
e podem falar. Esta atitude está bem representada no episódio já referido em que o filho mais velho não<br />
entende o sentido da palavra ― inferno‖ e interroga os adultos que o ignoram e castigam a insolência<br />
fisicamente. De notar que esta tentativa do menino de penetrar no mistério das palavras é considerada<br />
uma impertinência, e a sua condenação corresponde a uma atitude de passividade e resignação; a revelação<br />
do significado das palavras quebraria a barreira entre o opressor e o oprimido, por isso a insistência do<br />
menino é considerada um acto de subversão que a família repudia, pois, naturalmente, aceita que nunca<br />
poderá atingir o domínio da palavra e que todos aqueles que se sabem servir da língua, são seus potenciais<br />
inimigos.<br />
É pela linguagem que Fabiano toma consciência do seu lugar no mundo; ela é uma marca de<br />
classe, privilégio dos ricos, como confirma na interrogação: ― Para quê um pobre da laia dele usar<br />
conversa de gente rica?‖ (p.85); é através da linguagem que o patrão aplica a sua autoridade, impondo a<br />
submissão, por oposição ao silêncio dos dominados. Duas outras personagens se destacam pelo poder<br />
da linguagem: sinha Terta e seu Tomás da bolandeira. Este último representa também a riqueza, a<br />
propriedade, mas usa a linguagem com uma estranha cortesia, não de forma autoritária: ―Pedia.<br />
Esquisitice um homem remediado ser cortês. Até o povo censurava aquelas maneiras. Mas todos<br />
obedeciam a ele.‖ (p. 22).<br />
Fabiano admite o poder da linguagem, sabe que através dela poderia procurar trabalho noutro<br />
local ou enfrentar a autoridade gratuita dos soldados amarelos, reconhecendo que ― não podia arrumar o<br />
que tinha no interior. Ah! Se pudesse, atacaria os soldados amarelos que espancam criaturas inofensivas‖<br />
(p.32) e a sua consciência linguística leva-o a sentir-se fascinado pela maravilha da palavra, pelo poder que<br />
ela confere: ― Admirava as palavras compridas e difíceis da gente da cidade, tentava reproduzir algumas,<br />
em vão, mas sabia que elas eram inúteis e talvez perigosas‖ (p.19). Perigosas porque corrompem e<br />
provocam a ira dos poderosos, mas o seu domínio constituiria uma arma contra a opressão linguística<br />
condicionadora das demais formas de opressão. A negação do ensino a Fabiano privou-o do poder da<br />
palavra, o que o levou a responsabilizar o destino, a sorte, a natureza pela sua miséria e não os homens e<br />
as suas instituições.<br />
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