Vidas Secas e Os Flagelados do Vento Leste: Veredas da seca e da fome Trata-se, pois, de um regionalismo universal e atemporal, podemos deslocar as personagens no espaço e no tempo, a substância permanece; é o Homem que luta pela vida trilhando as veredas da seca e da fome. Nas duas obras encontramos o Homem na busca da sua identidade, procurando o seu ser, numa aventura ontológica determinada pela terra, vínculo do carácter e do destino. Ambas se constituem como narrativas de busca: busca de água, de vida, de identidade. É universal a infinita miséria do homem que sobrevive nos limites da sua condição humana, universal a luta inglória de Sísifo a que nos condena a injustiça dos homens e da natureza, universal a solidão interior, a ignorância que limita o homem e o seu mundo, universal o conflito natura / cultura. Ambas as obras ultrapassam o problema local, não se confinando às circunstâncias sócio económicas específicas de cada região; muito mais do que a denúncia das condições de vida do nordestino ou do santo antonense subjugados pela natureza e pelos homens, estas obras alcançam o universal retratando a condição humana no que ela tem de mais absoluto e absurdo: a reacção perante a falta, a luta, a dialéctica entre a resignação e a esperança. É universal a capacidade de sonho e superação inerente ao ser humano, a projecção num futuro utópico face a um presente distópico. Universal a visão trágica do ser, retrato da última verdade do homem nos limites da capacidade de sobreviver e desejo de viver. Apesar de uma passividade exterior, aparente, sertanejos e ilhéus, como todos os homens que vivem uma experiência de humilhação e degradação, resistem, lutam, procurando realizar o humano, um mínimo de dignidade que os arranque da condição quase animal. A falta encontra-se na origem da necessidade de recorrer ao imaginário: é universal a necessidade do sonho, a necessidade de mentir e mentir-se. Do ponto de vista formal, a vaga notação temporal subdividida em períodos de seca e chuva, não demarcando claramente um tempo cronológico (em FVL apenas se referem os meses, mas em VS nem essa notação temos), bem como o facto de os filhos, em VS, não terem nome, concorrem para uma intenção universalista, por via de uma estratégia de indiferenciação. Universal a exploração do homem pelo homem reduzindo-o à condição de escravo, antes de mais pela ignorância que nega o poder da palavra e cerceia a capacidade de compreensão do mundo, levando-os a responsabilizar o destino, a sina pela sua miséria e não os homens e as suas instituições. Pelo exposto, podemos concluir que VS e FVL são obras regionalistas universalistas porquanto nos apresentam o Homem na sua essência, face ao drama da falta; muito para além dos condicionalismos 72
Vidas Secas e Os Flagelados do Vento Leste: Veredas da seca e da fome de um espaço – tempo específico, ambas as obras são o retrato da mísera condição humana em situações limite de injustiça perpetrada pela Natureza e pelos homens. 73