Imagens e Simbolos - Luiz Fernando
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xamanismo. Mostrámos algures que o transe xamânico restabelece a<br />
situação de homem primordial: durante o seu transe, o xamã recupera a<br />
existência paradisíaca dos Primeiros Humanos, que não estavam<br />
separados de Deus. De fato as tradições falam-nos de um tempo mítico<br />
em que o homem comunicava diretamente com os deuses celestes;<br />
escalando uma montanha, uma árvore, uma liana, etc., os Primeiros<br />
Homens podiam subir realmente e sem esforço, ao Céu. Os deuses, por<br />
seu turno, desciam regularmente à terra para se misturarem com os<br />
Humanos. Em consequência de um acontecimento mítico qualquer<br />
(geralmente uma falta ritual), as comunicações entre o Céu e a Terra<br />
foram cortadas (a Árvore, a liana, foram cortadas, etc.), e o Deus retirouse<br />
para o fundo do Céu. (Em inúmeras tradições esta retirada do Deus<br />
celeste traduziu-se pela sua transformação posterior em deus otiosus.)<br />
Mas o xamã, por meio de uma técnica de cujo segredo é detentor,<br />
consegue restabelecer — provisoriamente e só para seu uso particular —<br />
as comunicações com o Céu e retomar o diálogo com o Deus. Por outras<br />
palavras, consegue abolir a história (todo o tempo que decorreu após a<br />
«queda», após a ruptura das comunicações diretas entre Céu e Terra);<br />
volta para trás, reintegra a condição paradisíaca primordial. Esta<br />
reintegração de um illud tempus mítico opera-se no êxtase: o êxtase<br />
xamânico pode ser considerado quer como condição, quer como<br />
consequência da recuperação da condição paradisíaca. Em qualquer dos<br />
casos é evidente que a experiência mística dos «primitivos» está<br />
dependente também da reintegração extática do «Paraíso» 8 .<br />
Não se trata de explicar a mística judaico-cristã pelo xamanismo,<br />
nem de identificar «elementos xamânicos» no cristianismo. Mas existe<br />
um ponto cuja importância não pode escapar a ninguém: a experiência<br />
8 Não se pode, bem entendido, reduzir a experiência extática do xamanismo a esse<br />
«regresso ao Paraíso»: uma quantidade de outros elementos se encontram<br />
nela. Tendo dedicado um livro tinteiro a este problema extremamente<br />
complexo, não pensamos ser necessário retomar uma vez mais a discussão.<br />
Notemos no entanto que a iniciação xamânica consiste numa experiência<br />
extática de morte e de ressurreição, experiência decisiva que se encontra em<br />
todas as místicas hístóricas, inclusivé a mística cristã.