Inspiração providencial - Acil
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Márcio Leijoto<br />
Especial para o Jornal da ACIL<br />
Um senhor com cabelos e bigode grisalhos,<br />
camisa vinho de mangas cumpridas<br />
arregaçadas nos ombros, calça jeans<br />
e um perfume perceptível mesmo não tão<br />
perto se aproxima e cumprimenta Mauro.<br />
Este senhor pede a Mauro que libere a<br />
entrada de uma moça sem carteira de<br />
identidade na boate, uma casa de música<br />
dançante destinada a um público mais<br />
adulto. Mauro Antonio Garcia está há<br />
sete anos administrando a Casa de Shows<br />
Albatroz, boa parte deste tempo com o<br />
sócio Pedro dos Santos, e todas as noites<br />
ouve inúmeros pedidos como este ou de<br />
clientes querendo um favor. Mauro sabe<br />
que alguns ele não pode atender, mas tem<br />
de ter muito jogo de cintura para não<br />
perder o cliente.<br />
Naquele momento, a casa estava ainda<br />
metade ocupada, uma banda tocava<br />
alguma música de forró e várias pessoas<br />
já haviam cumprimentado ou pedido um<br />
favor para o empresário. E ainda eram<br />
22h30 de uma sexta-feira. Normalmente,<br />
nestes dias, a casa fecha no final da<br />
madrugada. Mauro não permitiu a entrada<br />
da mulher, alegando que se o juizado<br />
de menores aparecesse lá, e ela fosse<br />
menor de idade, iria dar problemas para<br />
ele. O senhor ainda tentou argumentar,<br />
garantiu que ela tinha mais de 18, mas<br />
não adiantou. Mesmo assim, ele se despede<br />
de Mauro com um sorriso. “O segredo<br />
do sucesso de uma casa está em tratar<br />
todo mundo bem, dando atenção a todos”,<br />
diz Mauro.<br />
Esse caso é um dos mais leves, considerando<br />
todos os problemas enfrentados<br />
pelos empresários de bares, boates e casas<br />
noturnas que agitam a noite londrinense.<br />
Quanto mais cheio for o local, mais trabalho.<br />
“Você tem sempre de estar atento,<br />
JORNAL DA ACIL/Janeiro 2005<br />
VIDA NOTURNA<br />
Cores, sons, sabores nas noites londrinenses<br />
A magia que bares, restaurantes e boates exercem sobre seus freqüentadores tem origem complexa,<br />
que passa pela estrutura do local, boa música, atendimento e muito jogo de cintura dos empresários<br />
vendo se as pessoas estão satisfeitas, se o<br />
atendimento está sendo rápido, se a música<br />
e o ambiente estão agradando, se não<br />
está muito quente, se os funcionários<br />
estão sendo educados, impedir que haja<br />
confusão, verificar se não está faltando<br />
nada”, disse Carlos Eduardo Carvalho<br />
Grade, coordenador de marketing da boate<br />
Empório Guimarães. E se não for assim,<br />
um dado é bastante ilustrativo: segundo<br />
Carlos, desde que o Empório funciona, há<br />
oito anos, 34 boates abriram as portas e<br />
fecharam. Fruto da má administração,<br />
segundo os entrevistados.<br />
De acordo com o sindicato local dos<br />
proprietários de hotéis, restaurantes,<br />
bares e similares, Londrina tem 35 estabelecimentos<br />
para os notívagos – levando<br />
em conta aqueles com um público considerado<br />
grande. São 10 boates e casas de<br />
shows e o resto bares, freqüentados por<br />
pessoas de 15 a 40 anos. “É difícil agradar<br />
tanta gente diferente. Nunca dá para saber<br />
como vai ser a noite, por mais que o<br />
público seja quase o mesmo. É uma incerteza<br />
gostosa, mas muito trabalhosa”,<br />
conta William Amador Bueno de Moraes,<br />
que há 26 anos administra o tradicional<br />
bar e restaurante Vilão.<br />
E ainda tem o trabalho que o público<br />
não vê, realizado durante o dia. “É repor<br />
o estoque, comprar o que foi perdido,<br />
como copos, conversar com fornecedores,<br />
resolver pendengas, avaliar se os funcionários<br />
estão trabalhando bem, estar se<br />
atualizando, ver o que pode ser melhorado...<br />
enfim, trabalho para o dia inteiro”,<br />
diz Gilberto Camargo, sócio-proprietário<br />
da boate GLS Friends, aberta há 13 anos.<br />
Há muito trabalho durante o dia, com<br />
alguns absurdos. “Teve uma época que<br />
toda a semana tínhamos de refazer uma<br />
parede, porque no final da noite sempre<br />
apareciam buracos provocados por chutes<br />
e pancadas”, conta Carlos Grade, do<br />
Empório Guimarães.<br />
Manter um local funcionando para<br />
atender quem sai à noite não é fácil. O<br />
cliente que vai num lugar e acha que lá<br />
apenas trabalham os donos, os garçons,<br />
os caixas e o segurança, mas está errado.<br />
Existe toda uma estrutura invisível aos<br />
nossos olhos. Por exemplo, o Pátio São<br />
Miguel, uma espécie de confeitaria, lanchonete,<br />
loja de conveniência e local de<br />
venda de ingressos para a maioria dos<br />
eventos londrinenses, funciona 24 horas<br />
por dia, desde sua inauguração há 10<br />
anos (completados no dia 11 deste mês).<br />
Para manter tudo isso impecável, são<br />
cinco sócios administrando 95 funcionários.<br />
“Aqui nunca faltou nada. Você pode<br />
vir a hora que for, que vai encontrar o<br />
produto que quer”, diz Alexandre Alves.<br />
Se não tiver jeito<br />
para o negócio, o<br />
empresário pode se<br />
dar mal: em oito<br />
anos, 34 boates<br />
tiveram vida<br />
efêmera em Londrina<br />
“É uma estrutura enorme, envolvendo<br />
vários fatores, por isso não existem outros<br />
pátios em Londrina. Não é só abrir e<br />
pronto. É preciso uma bagagem e um<br />
capital que muitos não têm”, comenta. O<br />
pátio se tornou ponto de encontro de<br />
jovens um ano depois de inaugurado,<br />
pois era a única alternativa de “reabastecimento”<br />
para quem estava na “balada”.<br />
De acordo com os entrevistados, os<br />
locais preferidos pelos londrinenses à<br />
noite são bares. Como a Casa de Cachaça,<br />
inaugurada em 1991, pelos cunhados<br />
Osmaldo Bueno de Oliveira e João Francisco<br />
Brandão. “Nós trabalhávamos em<br />
outras áreas e um dia resolvemos abrir<br />
um bar. Encontramos essa casa para<br />
alugar, antes era uma escola de línguas e<br />
vimos aqui um ponto bom para começar”,<br />
disse Osmaldo, referindo-se ao ponto<br />
numa rua central da Cidade.<br />
Há cinco anos, eles resolveram abrir<br />
um outro bar, o Pau Brasil. “É preciso<br />
muito jogo de cintura. Mas o segredo para<br />
dar certo eu acredito que está na paciência,<br />
porque o retorno não é imediato e<br />
num conjunto de outros fatores: o estilo<br />
do bar, o atendimento, a cerveja bem<br />
gelada, a altura do som, a qualidade da<br />
música, a segurança. Hoje vivemos disso<br />
e não podemos descuidar de nada”, afirma.<br />
E existem boates, poucas, mas há.<br />
Tecno, pop-rock, aberta para bandas<br />
covers e de garagem, elitizadas, GLS, não<br />
importa o estilo, o tempo tem mostrado<br />
uma coisa: só estão sobrevivendo as que<br />
investem em infra-estrutura e as quais o<br />
proprietário procura dar atenção especial<br />
no atendimento. Os proprietários do Empório,<br />
Alexandre Guimarães, e da Friends,<br />
os sócios Gilberto Camargo e Miguel Palma,<br />
são donos dos prédios das boates e<br />
gastam bastante em infra-estrutura e<br />
novidades. “Você pode ver que nas boates<br />
que abrem e fecham normalmente os<br />
empresários alugam o prédio e por isso<br />
não querem gastar muito dinheiro na<br />
modificação do imóvel e, mais, querem<br />
um retorno imediato do dinheiro, o que<br />
não existe”, diz Gilberto, cuja boate ficou<br />
um ano no vermelho até se tornar uma<br />
referência do público GLS.<br />
“Contratamos os melhores profissionais,<br />
investimentos em equipamentos<br />
modernos, buscamos as músicas que estão<br />
tocando nas melhores boates da Europa<br />
e dos Estados Unidos, sempre promovemos<br />
festas, atualizamos a decoração,<br />
sempre tentando agradar o público.<br />
E temos conseguido”, completa. Carlos<br />
Grade informa também que Guimarães<br />
tem contratado profissionais de destaque<br />
nacional para trazer as novidades para o<br />
Empório.<br />
Mas esse é o segredo do sucesso? Ou<br />
tem mais? A reportagem ouviu 19 empresários<br />
de bares, boates e estabelecimentos<br />
que atendem os notívagos<br />
londrinenses. Num determinado momento<br />
da conversa, os entrevistados acabam<br />
repetindo muitas coisas, como o amor<br />
pelo negócio, o envolvimento deles com o<br />
local, as dificuldades enfrentadas por<br />
quem resolve trabalhar no ramo e os<br />
motivos pelos quais outros não dão certo.<br />
É preciso gostar da noite, ou pelo<br />
menos de lugares semelhantes ao qual o<br />
empresário resolve abrir? Se você perguntar<br />
isso para Alexandre Vieira, sócio<br />
de Alexandre Guimarães na boate Luz, ou<br />
para Edmar Matos, da casa noturna Acústico,<br />
ambos vão responder que sim. Os<br />
dois foram promotores de festas boêmias,<br />
shows e por um tempo trabalharam como<br />
promoters de boates. Até que resolveram<br />
abrir cada um o seu próprio negócio. “O<br />
que me ajudou bastante é que eu tenho<br />
uma boa base de trabalho na rua, no<br />
contato com o público, do tempo em que<br />
trabalhava para outros. Acho que tenho<br />
um pouco de prática em saber o que o<br />
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Continua na página 16