JORNAL DA ACIL/Janeiro 2005 PAINEL PPAINEL AINEL JURÍDICO JURÍDICO Cláudia Rodrigues Especial para o Jornal da ACIL Cheques sustados: inadimplência ou fraude? Atualmente o comércio vem enfrentando um problema que está se tornando muito comum, a inadimplência. A falta de cumprimento das dívidas contraídas pelo consumidor têm se manifestado tanto através da emissão de cheques sem fundos como também pela falta de pagamento à prazo nos crediários. Entretanto, é com relação aos pagamentos feitos através de cheque que um problema maior vem se instaurando: a sustação dos cheques, prática que se tornou muito comum na esfera comercial e nos bancos. A sustação dessas cártulas muitas vezes é utilizada – e é uma tendência crescente – como um meio fraudulento para livrar o mal pagador da obrigação assumida, ou seja, do pagamento de seu débito. Através desse expediente, o devedor livra-se tanto do pagamento como da inclusão de seu nome nos bancos de dados de inadimplentes, isto é, além de não pagar a dívida, ainda não é incluído no Cadastro Emitentes de Cheques sem Fundos do Banco Central, uma vantagem, sem dúvida, já que hoje o comércio verifica a idoneidade do pagamento através de cheques nesse cadastro. A sustação de cheques só pode ser feita antes da compensação dos mesmos, por escrito e com a justificativa fundada em relevante razão de direito, dispõe a Lei dos Cheques e a Resolução 2747/2000. O que ocorre normalmente é um grande engano quanto às razões para se sustar um cheque. Fala-se e até mesmo adota-se esse procedimento, que um cheque pode ser sustado quando é roubado, furtado ou extraviado. Esses três motivos não ensejam a sustação de cheque, mas sim, o cancelamento do título por parte da Instituição Financeira, que deverá adotar o mesmo procedimento da sustação, ou seja, o pedido por escrito do correntista com a declaração do motivo. momento é exatamente esclarecer acerca da possibilidade da sustação de cheque, visto que sua utilização tem sido feita como forma do devedor não pagar sua dívida. Conforme foi dito acima, o pedido de sustação de cheque deve ser feito por escrito à Instituição Financeira, com a declaração do motivo em que se funda o pedido, sendo que este motivo deve configurar relevante razão de direito, não cabendo à Instituição Financeira julgar a relevância da razão invocada pelo emitente. E o que se entende por relevante razão de direito já que a Lei não traz um rol das hipóteses de se encaixam nessa expressão? A questão deve, sempre, ser analisada em vista ao caso concreto, pois só é possível analisar a relevância da razão de direito diante da realidade negocial apresentada. Uma hipótese muito comum e corriqueira é o conhecido de- sacordo comercial, isto é, aqueles casos onde fica caracterizado que uma das partes do negócio não cumpriu ou cumpriu defeituosa ou diversamente a obrigação por si assumida. Exemplo disso tem-se no caso da entrega do produto ao comprador fora do prazo ou das especificações do pedido. Aqui a sustação tem a finalidade de evitar maiores prejuízos ao comprador, pois a lei civil prevê expressamente que uma das partes não pode deixar de cumprir sua obrigação alegando que a outra deixou de cumprir a sua. Ou seja, imaginese o caso do comprador de determinada matéria prima que diante da entrega de mercadoria diversa da comprada, tem que pagar o preço, para só depois, através de ação judicial, discutir que o negócio não se concretizou nos termos do pactuado e só depois de ficar comprovado esse fato, poder pedir o valor que pagou de volta por ser indevido e, ainda, correndo o risco de mesmo tendo o direito a esse recebimento, o vendedor não ter numerário para saldar essa dívida. Então, pode-se dizer que a relevante razão de direito está configurada em todas as hipóteses em que há descumprimento contratual de qualquer natureza (empresarial ou prestação de serviços). Sustado o cheque, o favorecido ou portador tem o direito de conhecer a razão apontada pelo emitente como relevante para fundamentar esse pedido, para poder verificar se realmente é caso de sustação ou se a sustação está sendo usada como expediente fraudulento, apenas para inibir o pagamento. Assim, se solicitado, o banco sacado é obrigado a fornecer ao portador ou favorecido as informações acerca do motivo da sustação, não bastando, somente, como ocorre geralmen- O art. 171 do Código Penal prevê expressamente a figura criminosa da fraude no pagamento por meio de cheque sustado sem relevante razão jurídica 27 te, o carimbo no verso do cheque indicando a alínea da devolução. Embora os bancos geralmente se neguem a fornecer essas informações, alegando o dever de sigilo bancário, eles estão obrigados a fornecê-las se solicitado, nos termos da normatização da apresentação de informações por parte das instituições financeiras, regulamentada pelo Banco Central do Brasil (Circular 2.989 de 2000, art. 4 o , caput e inc. II). De posse do motivo declarado pelo emitente como apto a justificar a sustação, o favorecido ou portador poderá tomar as medidas cabíveis para o recebimento do valor do cheque sustado, pois se não estiver configurada a relevante razão jurídica, além da cobrança do valor, poderá valer-se da via criminal, para apurar a responsabilidade do emitente por fraude realizada através da injustificada sustação. O art. 171, do Código Penal, prevê expressamente a figura criminosa da fraude no pagamento por meio de cheque sustado sem relevante razão jurídica como uma modalidade de estelionato, prevendo uma pena de 1 a 5 anos para quem realizar esse delito. Em suma, a sustação de cheques nos dias atuais tem sido utilizada indiscriminadamente nas relações comerciais, como uma forma do mal pagador livrarse do pagamento da dívida e da inclusão do seu nome nos cadastros de inadimplentes, sem configurar a relevante razão jurídica, única hipótese legal para a sustação. Assim, o portador ou favorecido de cheque sustado, querendo, tem o direito de conhecer a razão declinada para a sustação, para que, diante da inexistência de causa a justificar a sustação, possa tomar as medidas cíveis para o recebimento da dívida e criminais para punição do estelionatário. Cláudia Rodrigues é doutoranda em Direito Comercial pela PUC/SP. Sócia da Pinheiro, Rodrigues & Advogados Associados em Londrina
28 JORNAL DA ACIL/Janeiro 2005