O Anticristo | Friedrich Nietzsche - Charlezine
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XVI<br />
www.mundocultural.com.br<br />
O <strong>Anticristo</strong> | <strong>Friedrich</strong> <strong>Nietzsche</strong><br />
www.mundocultural.com.br<br />
Uma crítica da concepção cristã de Deus conduz inevitavelmente à mesma<br />
conclusão. – Uma nação que ainda acredita em si mesma possui seu próprio Deus.<br />
Nele são honradas as condições que a possibilitam sobreviver, suas virtudes – projeta<br />
o prazer que possui em si mesma, seu sentimento de poder, em um ser ao qual pode<br />
agradecer por isso. Quem é rico lhe prodigaliza sua riqueza; uma nação orgulhosa<br />
precisa de um Deus ao qual pode oferecer sacrifícios... A religião, dentro desses<br />
limites, é uma forma de gratidão. O homem é grato por existir: para isso precisa de<br />
um Deus. – Tal Deus precisa ser tanto capaz de beneficiar quanto de prejudicar; deve<br />
ser capaz de representar um amigo ou um inimigo – é admirado tanto pelo bem<br />
quanto pelo mal que causa. Castrar esse Deus, contra toda a natureza, transformandoo<br />
em um Deus somente bondade, seria contrário à inclinação humana. A humanidade<br />
necessita igualmente de um Deus mau e de um Deus bom; não deve agradecer por<br />
sua própria existência à mera tolerância e à filantropia... Qual seria o valor de um<br />
Deus que desconhecesse o ódio, a vingança, a inveja, o desprezo, a astúcia, a<br />
violência? Que talvez nem sequer tenha experimentado os arrebatadores ardeurs(1) da<br />
vitória e da destruição? Ninguém entenderia tal Deus: por que alguém o desejaria? –<br />
Sem dúvida, quando uma nação está em declínio, quando sente que a crença em seu<br />
próprio futuro, sua esperança de liberdade estão se esvaindo, quando começa a<br />
enxergar a submissão como primeira necessidade e como medida de autopreservação,<br />
então precisa também modificar seu Deus. Ele então se torna hipócrita, tímido e<br />
recatado; aconselha a “paz na alma”, a ausência de ódio, a indulgência, o “amor” aos<br />
amigos e aos inimigos. Torna-se um moralizador por excelência; infiltra-se em toda<br />
virtude privada; transforma-se no Deus de todos os homens; torna-se um cidadão<br />
privado, um cosmopolita... Noutros tempos representava um povo, a força de um<br />
povo, tudo que em suas almas havia de agressivo e sequioso de poder; agora é<br />
simplesmente o bom Deus... Na verdade não há outra alternativa para os Deuses: ou<br />
são a vontade de poder – no caso de serem os Deuses de uma nação – ou a inaptidão<br />
para o poder – e neste caso precisam ser bons.<br />
1 – Ardores.