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O Anticristo | Friedrich Nietzsche - Charlezine

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XLVIII<br />

www.mundocultural.com.br<br />

O <strong>Anticristo</strong> | <strong>Friedrich</strong> <strong>Nietzsche</strong><br />

www.mundocultural.com.br<br />

– Será que alguém já compreendeu claramente a célebre história que se<br />

encontra no início da Bíblia – a do pavor mortal de Deus ante a ciência? Ninguém, de<br />

fato, a compreendeu. Este livro de padres par excellence começa, como convém, com<br />

a grande dificuldade interior do padre: ele enfrenta um único grande perigo, ergo,<br />

“Deus” enfrenta um único grande perigo. –<br />

O velho Deus, todo “espírito”, todo grão-padre, todo perfeição, passeia pelo seu<br />

jardim: está entediado e tentando matar tempo. Contra o enfado até os Deuses lutam<br />

em vão(1). O que ele faz? Cria o homem – o homem é divertido... Mas então percebe<br />

que o homem também está entediado. A piedade de Deus para a única forma da<br />

aflição presente em todos os paraísos desconhece limites: então em seguida criou<br />

outros animais. Primeiro erro de Deus: para o homem esses animais não<br />

representavam diversão – ele buscava dominá-los; não queria ser um “animal”. –<br />

Então Deus criou a mulher. Com isso erradicou enfado – e muitas outras coisas<br />

também! A mulher foi o segundo erro de Deus. – “A mulher, por natureza, é uma<br />

serpente: Eva” – todo padre sabe disso; “da mulher vem todo o mal do mundo” – todo<br />

padre sabe disso também. Logo, igualmente cabe a ela a culpa pela ciência... Foi<br />

devido à mulher que o homem provou da árvore do conhecimento. – Que sucedeu? O<br />

velho Deus foi acometido por um pavor mortal. O próprio homem havia sido seu maior<br />

erro; criou para si um rival; a ciência torna os homens divinos – tudo se arruína para<br />

padres e deuses quando o homem torna-se científico! – Moral: a ciência é proibida per<br />

se; somente ela é proibida. A ciência é o primeiro dos pecados, o germe de todos os<br />

pecados, o pecado original. Toda a moral é apenas isto: “Tu não conhecerás” – o resto<br />

deduz-se disso. – O pavor de Deus, entretanto, não o impediu de ser astuto. Como se<br />

proteger contra a ciência? Por longo tempo esse foi o problema capital. Resposta:<br />

expulsando o homem do paraíso! A felicidade e a ociosidade evocam o pensar – e<br />

todos pensamentos são maus pensamentos! – O homem não deve pensar. – Então o<br />

“padre” inventa a angústia, a morte, os perigos mortais do parto, toda a espécie de<br />

misérias, a decrepitude e, acima de tudo, a enfermidade – nada senão armas para<br />

alimentar a guerra contra a ciência! Os problemas não permitem que o homem<br />

pense... Apesar disso – que terrível! – o edifício do conhecimento começa a elevar-se,<br />

invadindo os céus, obscurecendo os Deuses – que fazer? – O velho Deus inventa a<br />

guerra; separa os povos; faz com que se destruam uns aos outros (– os padres<br />

sempre necessitaram de guerras...). Guerra – entre outras coisas, um grande estorvo<br />

à ciência! – Inacreditável! O conhecimento, a emancipação do domínio sacerdotal<br />

prosperam apesar da guerra! – Então o velho Deus chega à sua resolução final: “O<br />

homem tornou-se científico – não existe outra solução: ele precisa ser afogado”...<br />

1 – Paráfrase de Schiller, “Contra a estupidez até os Deuses lutam em vão”. (H. L.<br />

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