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O Anticristo | Friedrich Nietzsche - Charlezine

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LVII<br />

www.mundocultural.com.br<br />

O <strong>Anticristo</strong> | <strong>Friedrich</strong> <strong>Nietzsche</strong><br />

www.mundocultural.com.br<br />

Pega-se a irreligiosidade dos meios cristãos in flagranti simplesmente colocando<br />

os fins tencionados pelo cristianismo ao lado dos tencionados pelo código de Manu –<br />

pondo essas duas finalidades monstruosamente antitéticas sob uma forte luz. O crítico<br />

do cristianismo não pode evitar a necessidade de torná-lo desprezível. – O código de<br />

Manu tem a mesma origem que todo bom livro de leis: sumariza a prática, a<br />

sagacidade e a experimentação ética de longos séculos; chega às suas conclusões, e<br />

então não cria mais nada. O pré-requisito para uma codificação dessa espécie é<br />

reconhecer que os meios usados para estabelecer a autoridade de uma verdade<br />

adquirida dura e lentamente diferem fundamentalmente dos que seriam utilizados para<br />

demonstrá-la. Um livro de leis nunca relata a utilidade, as razões, a casuística de suas<br />

leis: com isso perderia o tom imperativo, o “tu deves”, no qual a obediência se<br />

fundamenta. O problema encontra-se exatamente aqui. – Em um certo ponto da<br />

evolução de um povo, sua classe mais judiciosa, ou seja, com melhor percepção do<br />

passado e do futuro, declara que as séries experiências usadas para determinar como<br />

todos devem viver – ou podem viver – chegaram ao fim. O objetivo agora é colher os<br />

frutos mais ricos possíveis desses dias de experimentação e experiências difíceis. Em<br />

conseqüência, o que se deve evitar acima de tudo é o prolongamento da<br />

experimentação – a continuação do estado no qual os valores são volúveis, sendo<br />

testados, escolhidos e criticados ad infinitum. Contra isso se levantam duas paredes:<br />

de um lado, a revelação, isto é, a assunção de que as razões subjacentes às leis não<br />

possuem origem humana, que não foram buscadas e encontradas por um lento<br />

processo e após muitos erros, mas que possuem uma origem divina, foram feitas<br />

completas, perfeitas, sem uma história, como um presente, um milagre...; do outro<br />

lado, a tradição, isto é, a afirmação de que as leis permaneceram inalteradas desde<br />

tempos imemoriais, e que seria um crime contra os antepassados colocá-las em<br />

dúvida. A autoridade da lei assenta-se sobre estas duas teses: Deus a deu e os<br />

antepassados a viveram. – A razão superior desse procedimento está na intenção de<br />

distrair a consciência, passo a passo, de suas preocupações sobre os modos corretos<br />

de viver (isto é, aqueles que foram provados por uma vasta e minuciosamente<br />

considerada experiência), para que o instinto atinja um automatismo perfeito – um<br />

pressuposto essencial a toda espécie de mestria, toda perfeição na arte da vida.<br />

Confeccionar um código como o de Manu significa oferecer a um povo a chance de ser<br />

mestre, de chegar à perfeição – de aspirar ao mais sublime na arte da vida. Para tal<br />

fim deve-se torná-lo inconsciente: esse é o objetivo de toda mentira sagrada. – A<br />

ordem das castas, a lei suma e dominante, é meramente uma ratificação de uma<br />

ordem natural, de uma lei natural de primeira ordem, sobre a qual nenhum arbítrio,<br />

nenhuma “idéia moderna” exerce qualquer influência. Em toda sociedade saudável há<br />

três tipos fisiológicos que gravitam à diferenciação, mas que se condicionam<br />

mutuamente; cada qual tem sua própria higiene, sua própria esfera de trabalho, seu<br />

próprio sentimento de perfeição e maestria. Não é manu, mas a natureza que separa<br />

em uma classe aqueles que preponderam intelectualmente, em outra aqueles que são<br />

notáveis pela força muscular e temperamento, e numa terceira aqueles que não se<br />

distinguem, que somente demonstram mediocridade – esta última representa a grande<br />

maioria, as duas primeiras são a elite. A casta superior – que denomino a dos<br />

pouquíssimos – tem, sendo a mais perfeita, privilégios correspondentes: representa a<br />

felicidade, a beleza e tudo de bom sobre a Terra. Apenas os homens mais intelectuais<br />

têm direito à beleza, ao belo; apenas entre eles a bondade não significa fraqueza.<br />

Pulchrum est paucorum hominum(1): ser bom é privilégio. Nada lhes é mais impróprio<br />

que a rudeza, o olhar pessimista, os olhos afinados com a fealdade – ou a indignação<br />

por causa do aspecto geral das coisas. A indignação é um privilégio dos chandala;

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