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Marco Filipe Carvalho Gonçalves.cdr - Universidade do Minho

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<strong>Marco</strong> <strong>Filipe</strong> <strong>Carvalho</strong> <strong>Gonçalves</strong> Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

<strong>Minho</strong> 2008<br />

U<br />

<strong>Universidade</strong> <strong>do</strong> <strong>Minho</strong><br />

Escola de Direito<br />

<strong>Marco</strong> <strong>Filipe</strong> <strong>Carvalho</strong> <strong>Gonçalves</strong><br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

Dezembro de 2008


<strong>Universidade</strong> <strong>do</strong> <strong>Minho</strong><br />

Escola de Direito<br />

<strong>Marco</strong> <strong>Filipe</strong> <strong>Carvalho</strong> <strong>Gonçalves</strong><br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

Tese de Mestra<strong>do</strong><br />

Mestra<strong>do</strong> em Direito Judiciário (Direitos Processuais e<br />

Organização Judiciária)<br />

Trabalho efectua<strong>do</strong> sob a orientação <strong>do</strong><br />

Professor Doutor Miguel Teixeira de Sousa<br />

Dezembro de 2008


É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO PARCIAL DESTA TESE APENAS PARA<br />

EFEITOS DE INVESTIFAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO<br />

INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE


Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

Ao Exmo. Senhor Professor Doutor Miguel Teixeira de Sousa, pelo seu<br />

apoio incondicional desde o primeiro momento em que foi defini<strong>do</strong> o objecto da<br />

presente dissertação de Mestra<strong>do</strong>, pela sua disponibilidade e dedicação<br />

permanentes e por toda a atenção e solicitude que sempre demonstrou na<br />

orientação da nossa investigação.<br />

iii


iv<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva


Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

EMBARGOS DE TERCEIRO NA ACÇÃO EXECUTIVA<br />

Com o presente estu<strong>do</strong> pretende-se analisar o tratamento processual <strong>do</strong>s embargos de<br />

terceiro no <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> direito processual civil, procuran<strong>do</strong>-se determinar essencialmente em que<br />

medida e de que forma é que o sistema jurídico tutela os interesses de terceiros que vejam o<br />

seu património ser ameaça<strong>do</strong> ou ofendi<strong>do</strong> em consequência de uma penhora em sede<br />

executiva. Deste mo<strong>do</strong>, e porque a meto<strong>do</strong>logia da investigação assim o aconselhou, optamos<br />

por cindir a presente investigação em duas partes.<br />

Na primeira parte, procuraremos delimitar a natureza e as finalidades <strong>do</strong>s embargos de<br />

terceiro através <strong>do</strong> seu confronto com figuras afins. Neste contexto, partin<strong>do</strong> da análise <strong>do</strong>s<br />

diversos meios de reacção à penhora — oposição por simples requerimento, oposição à penhora,<br />

acção de reivindicação e embargos de terceiro — concentraremos a nossa atenção na<br />

demarcação <strong>do</strong>s limites <strong>do</strong>s embargos de terceiro, bem como na análise <strong>do</strong> seu âmbito concreto<br />

de aplicação na tutela <strong>do</strong>s direitos subjectivos <strong>do</strong> terceiro em relação à execução.<br />

Feita essa primeira delimitação <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> deste incidente processual, centralizaremos<br />

o nosso estu<strong>do</strong> no âmbito objectivo <strong>do</strong>s embargos de terceiro. Com efeito, partin<strong>do</strong> <strong>do</strong> elemento<br />

literal — se a penhora, ou qualquer acto judicialmente ordena<strong>do</strong> de apreensão ou entrega de<br />

bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da<br />

diligência —, analisaremos, em primeiro lugar, quais as diferentes situações possessórias<br />

susceptíveis de tutela em sede de embargos de terceiro. De seguida, e partin<strong>do</strong> previamente da<br />

decomposição <strong>do</strong> conceito de “direito incompatível”, examinaremos quais os diferentes direitos<br />

de natureza substantiva que permitem o recurso aos embargos de terceiro face às<br />

consequências que para eles advêm da venda executiva.<br />

O objecto <strong>do</strong> nosso estu<strong>do</strong> implicou ainda a análise de algumas questões de natureza<br />

processual que se vêm colocan<strong>do</strong> em torno <strong>do</strong>s embargos de terceiro. Assim, na segunda parte<br />

da presente investigação, procuraremos analisar as regras processuais referentes ao exercício<br />

processual <strong>do</strong>s embargos de terceiro, porquanto a protecção substantiva desse direito,<br />

independentemente <strong>do</strong> seu âmbito material de realização, ficará irremediavelmente prejudicada<br />

se não for correctamente conduzida de acor<strong>do</strong> com o iter processual traça<strong>do</strong> pelo legisla<strong>do</strong>r.<br />

v


vi<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva


Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

OBJECTIONS BY THIRD PARTY IN THE EXECUTIVE ACTION<br />

As an introduction, the object of this study is to analyse the judicial treatment of<br />

objections by third party in the scope of the civil procedure by trying to determine essentially in<br />

what measure and in what way the judiciary defends the interests of third parties who have their<br />

assets threatened or damaged by reason of an attachment in executive venue.<br />

Thus, and as the metho<strong>do</strong>logy of the investigation so advised, we decided to split this<br />

investigation in two parts.<br />

In the first part we aim at defining the nature and scopes of objections by third party<br />

through the comparison with similar concepts. In this context, when analysing the several means<br />

of reaction to the attachment — dispute by simple request, objection to the attachment, claim<br />

petition and objections by third party — we focus our attention in the definition of the limits of<br />

objections by third party, as well as in the analysis of their specific scope of action in the<br />

guardianship of the subjective rights in matter of enforcement.<br />

After this first limiting of the contents of this judicial incident, we focus our study in the<br />

objective scope of the objections by third party. Indeed, beginning with the literal element — if the<br />

attachment or any judicially ordered action of seizure or handing over of assets shall harm the<br />

ownership or any right which may be incompatible with the accomplishment or the scope of the<br />

proceeding — we analyse in the first place which are the different judicial status liable to<br />

guardianship in objections by third party venue. Next, and after decomposing the concept<br />

«incompatible right» we examine which of the different rights of a substantive nature allow or not<br />

the appeal to objections by third party in view of the consequences they shall suffer with the<br />

executive sale.<br />

Our study also comprises the analysis of a few questions of judicial nature concerning<br />

objections by third party. Consequently, the second part of this investigation is dedicated to the<br />

analysis of the judicial rules regarding the judicial exercise of objections by third party since the<br />

substantive protection of that right, independently of its material scope of execution, shall be<br />

irremediably damaged if not correctly managed in accordance with the judicial iter outlined by<br />

the legislator.<br />

vii


viii<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva


Índice<br />

ÍNDICE<br />

ABREVIATURAS ..................................................................................................................... xvii<br />

INTRODUÇÃO......................................................................................................................... 21<br />

PARTE I — ÂMBITO SUBSTANTIVO DOS EMBARGOS DE TERCEIRO<br />

CAPÍTULO I — BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A EVOLUÇÃO DOS EMBARGOS DE TERCEIRO<br />

1. Os embargos de terceiro enquanto meio de tutela possessória........................................ 27<br />

2. A configuração <strong>do</strong>s embargos de terceiro enquanto incidente de intervenção de terceiros 30<br />

2.1. Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro........................................................ 30<br />

2.2. Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março................................................................. 34<br />

CAPÍTULO II — FUNDAMENTO E FINALIDADES DOS EMBARGOS DE TERCEIRO<br />

SECÇÃO I — FUNDAMENTO DOS EMBARGOS DE TERCEIRO<br />

1. A penhora enquanto garantia patrimonial <strong>do</strong> crédito ....................................................... 37<br />

2. A penhora de bens de terceiro........................................................................................ 43<br />

3. Efeitos da penhora ......................................................................................................... 46<br />

3.1. Inoponibilidade em relação à execução.................................................................... 46<br />

3.2. Direito de preferência a favor <strong>do</strong> exequente ............................................................. 50<br />

3.3. Transferência <strong>do</strong>s poderes de gozo sobre a coisa penhorada ................................... 50<br />

SECÇÃO II — FINALIDADES DOS EMBARGOS DE TERCEIRO<br />

1. Embargos de terceiro com finalidade repressiva.............................................................. 53<br />

2. Embargos de terceiro com finalidade preventiva.............................................................. 54<br />

CAPÍTULO III — MEIOS DE REACÇÃO À PENHORA: FIGURAS AFINS AOS EMBARGOS DE<br />

TERCEIRO<br />

1. Oposição por simples requerimento................................................................................ 57<br />

2. Oposição à penhora ....................................................................................................... 61<br />

3. Acção de reivindicação ................................................................................................... 64<br />

ix


x<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

CAPÍTULO IV — ÂMBITO OBJECTIVO DOS EMBARGOS DE TERCEIRO<br />

Razão de ordem ................................................................................................................. 71<br />

SECÇÃO I — POSSE<br />

1. Âmbito da posse ............................................................................................................ 77<br />

1.1. Noção..................................................................................................................... 77<br />

1.2. Exercício da posse através de um terceiro ............................................................... 79<br />

1.3. Efeitos da posse: a presunção da titularidade <strong>do</strong> direito ........................................... 80<br />

1.4. Manifestações da posse .......................................................................................... 82<br />

1.4.1. Direitos reais de gozo....................................................................................... 82<br />

1.4.2. Direito reais de garantia ................................................................................... 84<br />

1.4.3. Direitos reais de aquisição ............................................................................... 86<br />

1.4.4. Direitos pessoais de gozo................................................................................. 86<br />

2. Meios de defesa da posse .............................................................................................. 87<br />

2.1. Meios extrajudiciais................................................................................................. 87<br />

2.1.1. Acção directa................................................................................................... 87<br />

2.1.2. Legítima defesa ............................................................................................... 88<br />

2.2. Meios judiciais ........................................................................................................ 88<br />

2.2.1. Acção de prevenção da posse .......................................................................... 88<br />

2.2.2. Acção de manutenção ou de restituição da posse............................................. 89<br />

2.2.3. Restituição provisória da posse em caso de esbulho violento ............................ 90<br />

3. Modalidades da posse susceptíveis de tutela mediante embargos de terceiro .................. 91<br />

3.1. Posse titulada e posse não titulada.......................................................................... 91<br />

3.2. Posse efectiva ou material e posse jurídica ou legal ................................................. 92<br />

3.3. Posse causal e posse formal ................................................................................... 95<br />

3.4. Posse em nome próprio e posse em nome alheio.................................................... 97<br />

3.5. Posse e mera detenção........................................................................................... 98<br />

SECÇÃO II — DIREITO INCOMPATÍVEL COM A REALIZAÇÃO OU O ÂMBITO DA DILIGÊNCIA<br />

1. Delimitação <strong>do</strong> problema.............................................................................................. 105<br />

2. Delimitação conceptual da noção de “direito incompatível”........................................... 105<br />

2.1. Efeitos da venda executiva sobre a coisa vendida................................................... 106


Índice<br />

2.2. Noção de direito incompatível................................................................................ 112<br />

2.2.1. Incompatibilidade em resulta<strong>do</strong> da não caducidade <strong>do</strong> direito......................... 112<br />

2.2.2. Incompatibilidade por impedimento da venda executiva.................................. 113<br />

2.2.3. Incompatibilidade e interesse processual........................................................ 114<br />

3. Direitos reais de garantia.............................................................................................. 116<br />

3.1. Consignação de rendimentos ................................................................................ 119<br />

3.1.1. Regime jurídico.............................................................................................. 119<br />

3.1.2. Tutela da consignação de rendimentos em sede de embargos de terceiro....... 121<br />

3.2. Penhor.................................................................................................................. 124<br />

3.2.1. Regime jurídico.............................................................................................. 124<br />

3.2.2. Tutela <strong>do</strong> penhor em sede de embargos de terceiro........................................ 128<br />

3.3. Hipoteca ............................................................................................................... 132<br />

3.3.1. Regime jurídico.............................................................................................. 132<br />

3.3.2. Tutela da hipoteca em sede de embargos de terceiro ..................................... 134<br />

3.4. Privilégios creditórios............................................................................................. 136<br />

3.4.1. Regime jurídico.............................................................................................. 136<br />

3.4.2. Tutela <strong>do</strong>s privilégios creditórios em sede de embargos de terceiro................. 137<br />

3.5. Direito de retenção................................................................................................ 139<br />

3.5.1. Regime jurídico.............................................................................................. 139<br />

3.5.2. Tutela <strong>do</strong> direito de retenção em sede de embargos de terceiro...................... 141<br />

3.5.3. Direito de retenção no contrato-promessa celebra<strong>do</strong> com eficácia meramente<br />

obrigacional e com traditio da coisa.......................................................................... 145<br />

3.5.3.1. Regime jurídico....................................................................................... 145<br />

3.5.3.2. Tutela em sede de embargos de terceiro................................................. 148<br />

α) O promitente-compra<strong>do</strong>r actua enquanto possui<strong>do</strong>r precário ............................ 149<br />

ß) O promitente-compra<strong>do</strong>r actua enquanto um possui<strong>do</strong>r em nome próprio ........ 151<br />

γ) O promitente-compra<strong>do</strong>r recorre à execução específica <strong>do</strong> contrato-promessa .. 153<br />

3.6. Arresto.................................................................................................................. 155<br />

3.6.1. Regime jurídico.............................................................................................. 155<br />

3.6.2. Tutela <strong>do</strong> arresto em sede de embargos de terceiro........................................ 157<br />

4. Direitos reais de gozo ................................................................................................... 158<br />

4.1. Propriedade .......................................................................................................... 159<br />

xi


xii<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

4.1.1. Regime jurídico.............................................................................................. 159<br />

4.1.2. Tutela <strong>do</strong> direito de propriedade em sede de embargos de terceiro................. 161<br />

4.1.3. A situação particular da tutela da propriedade através de embargos de terceiro<br />

quanto a bens sujeitos a registo ............................................................................... 163<br />

α) compropriedade .................................................................................................. 172<br />

ß) reserva de propriedade ........................................................................................ 174<br />

ß.1) âmbito.............................................................................................................. 174<br />

ß.2) natureza jurídica ............................................................................................... 176<br />

ß.3) tutela da reserva de propriedade em sede de embargos de terceiro................... 178<br />

4.2. Usufruto................................................................................................................ 183<br />

4.2.1. Regime jurídico.............................................................................................. 183<br />

4.2.2. Tutela <strong>do</strong> direito de usufruto em sede de embargos de terceiro ...................... 184<br />

4.3. Uso e habitação .................................................................................................... 186<br />

4.3.1. Regime jurídico.............................................................................................. 186<br />

4.3.2. Tutela <strong>do</strong> direito de uso e habitação em sede de embargos de terceiro........... 187<br />

4.4. Superfície.............................................................................................................. 189<br />

4.4.1. Regime jurídico.............................................................................................. 189<br />

4.4.2. Tutela <strong>do</strong> direito de superfície em sede de embargos de terceiro .................... 190<br />

4.5. Servidão predial .................................................................................................... 191<br />

4.5.1. Regime jurídico.............................................................................................. 191<br />

4.5.2. Tutela da servidão predial em sede de embargos de terceiro .......................... 191<br />

4.6. Direito real de habitação periódica......................................................................... 193<br />

4.6.1. Regime jurídico.............................................................................................. 193<br />

4.6.2. Tutela <strong>do</strong> direito real de habitação periódica em sede de embargos de terceiro194<br />

5. Direitos reais de aquisição............................................................................................ 196<br />

5.1. Contrato-promessa com eficácia real..................................................................... 197<br />

5.1.1. Âmbito........................................................................................................... 197<br />

5.1.2. Tutela <strong>do</strong> contrato-promessa com eficácia real em sede executiva .................. 199<br />

5.2. Pacto de preferência com eficácia real................................................................... 203<br />

5.2.1. Âmbito........................................................................................................... 203<br />

5.2.2. O exercício <strong>do</strong> direito de preferência em sede executiva.................................. 205<br />

6. Direitos pessoais de gozo ............................................................................................. 206


Índice<br />

6.1. Locação................................................................................................................ 206<br />

6.1.1. Âmbito........................................................................................................... 206<br />

6.1.2. Tutela da locação em sede de embargos de terceiro....................................... 208<br />

α) Tese da não aplicação analógica <strong>do</strong> art. 824.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC ao contrato de<br />

arrendamento .......................................................................................................... 209<br />

ß) Tese da aplicação analógica <strong>do</strong> art. 824.º, n.º 2, <strong>do</strong> cc ao contrato de<br />

arrendamento .......................................................................................................... 211<br />

γ) Posição a<strong>do</strong>ptada................................................................................................. 213<br />

γ.1) Arrendamento posterior à constituição ou registo de arresto, penhora ou<br />

garantia ................................................................................................................... 215<br />

γ.2) Arrendamento anterior à constituição ou registo de arresto, penhora ou garantia 216<br />

γ.3) Arrendamento posterior à constituição ou registo de um direito real de garantia,<br />

mas anterior à constituição ou registo de arresto ou penhora.................................... 218<br />

6.1.3. A tutela <strong>do</strong> cônjuge <strong>do</strong> arrendatário................................................................ 221<br />

6.1.4. A tutela <strong>do</strong> sublocatário.................................................................................. 224<br />

6.2. Locação financeira ................................................................................................ 227<br />

6.2.1. Regime jurídico.............................................................................................. 227<br />

6.2.2. Tutela da locação financeira em sede de embargos de terceiro....................... 230<br />

6.3. Comodato............................................................................................................. 231<br />

6.3.1. Regime jurídico.............................................................................................. 231<br />

6.3.2. Tutela <strong>do</strong> comodatário em sede de embargos de terceiro ............................... 232<br />

6.4. Depósito ............................................................................................................... 236<br />

6.4.1. Regime jurídico.............................................................................................. 236<br />

6.4.2. Tutela <strong>do</strong> depositário em sede de embargos de terceiro.................................. 236<br />

6.5. Parceria pecuária.................................................................................................. 239<br />

6.5.1. Regime jurídico.............................................................................................. 239<br />

6.5.2. Tutela da parceria pecuária em sede de embargos de terceiro........................ 240<br />

7. Situações particulares .................................................................................................. 241<br />

7.1. Penhora de direitos de crédito sobre terceiros ....................................................... 241<br />

7.2. Penhora de títulos de crédito e de valores mobiliários ............................................ 243<br />

7.3. Penhora de depósitos bancários............................................................................ 244<br />

7.4. Penhora de direito a bens indivisos e de quotas em sociedade............................... 245<br />

xiii


xiv<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

7.5. Penhora de estabelecimento comercial.................................................................. 247<br />

7.5.1. Regime jurídico.............................................................................................. 247<br />

7.5.2. A situação particular da penhora de estabelecimento comercial instala<strong>do</strong> em<br />

centro comercial ...................................................................................................... 249<br />

7.5.3. Tutela <strong>do</strong> estabelecimento comercial em sede de embargos de terceiro.......... 252<br />

7.5.3.1. O estabelecimento comercial pertence a um terceiro............................... 252<br />

7.5.3.2. O estabelecimento comercial pertence ao executa<strong>do</strong>, mas encontra-se loca<strong>do</strong><br />

a um terceiro ....................................................................................................... 255<br />

SECÇÃO III — ACTOS QUE NÃO ADMITEM A DEDUÇÃO DE EMBARGOS DE TERCEIRO<br />

1. Apreensão de bens no âmbito de processo de insolvência ou de recuperação de<br />

empresa........................................................................................................................... 257<br />

2. Apreensão de bens no âmbito <strong>do</strong> processo criminal...................................................... 260<br />

SECÇAO IV — MEIOS CONSERVATÓRIOS DE GARANTIA PATRIMONIAL CONTRA EMBARGOS DE<br />

TERCEIRO COM FINALIDADE ILÍCITA<br />

1. Razão de ordem........................................................................................................... 263<br />

2. Declaração de nulidade ................................................................................................ 264<br />

3. Impugnação pauliana ................................................................................................... 265<br />

PARTE II — ÂMBITO ADJECTIVO DOS EMBARGOS DE TERCEIRO<br />

CAPÍTULO I — PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS<br />

SECÇÃO I — LEGITIMIDADE<br />

1. Legitimidade processual activa ..................................................................................... 271<br />

1.1. Âmbito.................................................................................................................. 271<br />

1.2. O princípio da legitimidade processual formal em sede executiva........................... 276<br />

1.3. Desvios ao princípio da legitimidade processual formal .......................................... 277<br />

1.3.1. Sucessão no direito ou na obrigação .............................................................. 278<br />

1.3.2. Execução de bens onera<strong>do</strong>s com garantia real ............................................... 279<br />

1.3.3. Execução contra o terceiro possui<strong>do</strong>r de bens pertencentes ao executa<strong>do</strong>....... 281<br />

1.3.4. Execução de sentença condenatória............................................................... 282<br />

2. Legitimidade processual <strong>do</strong> cônjuge ............................................................................. 282


Índice<br />

2.1. Situações em que é admissível a dedução de embargos de terceiro....................... 285<br />

2.2. Situações em que não é admissível a dedução de embargos de terceiro ................ 289<br />

3. Legitimidade processual passiva................................................................................... 290<br />

SECÇÃO II — COMPETÊNCIA<br />

1. Determinação da competência pela estrutura incidental <strong>do</strong>s embargos ......................... 293<br />

2. Competência <strong>do</strong>s tribunais de competência específica .................................................. 294<br />

3. Competência <strong>do</strong>s tribunais e juízos de competência especializada ................................ 297<br />

CAPÍTULO II — TRAMITAÇÃO DOS EMBARGOS DE TERCEIRO<br />

SECÇÃO I — FORMALISMOS DA ACÇÃO DE EMBARGOS DE TERCEIRO<br />

1. Formalidades da petição............................................................................................... 299<br />

2. Natureza da acção ....................................................................................................... 301<br />

3. Causa de pedir e pedi<strong>do</strong> nos embargos de terceiro ....................................................... 304<br />

3.1. A causa de pedir: considerações gerais ................................................................. 304<br />

3.2. A causa de pedir na ofensa da posse..................................................................... 305<br />

3.3. A causa de pedir na ofensa de um direito incompatível.......................................... 306<br />

3.4. Âmbito e limites <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> .................................................................................... 307<br />

4. Registo da acção.......................................................................................................... 309<br />

SECÇAO II — TEMPESTIVIDADE<br />

1. Embargos de terceiro com finalidade repressiva............................................................ 311<br />

1.1. Prazo para a dedução de embargos de terceiro ..................................................... 311<br />

1.2. Natureza <strong>do</strong> prazo................................................................................................. 314<br />

1.3. Intempestividade <strong>do</strong>s embargos: conhecimento oficioso ou dependente de<br />

arguição? ..................................................................................................................... 316<br />

1.4. Ónus da prova da verificação <strong>do</strong> prazo .................................................................. 319<br />

2. Embargos de terceiro com finalidade preventiva............................................................ 322<br />

SECÇÃO III — FASE INTRODUTÓRIA DOS EMBARGOS DE TERCEIRO<br />

1. Despacho de indeferimento liminar............................................................................... 325<br />

2. Despacho de aperfeiçoamento...................................................................................... 327<br />

3. Produção de prova ....................................................................................................... 329<br />

xv


xvi<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

4. Despacho de recebimento <strong>do</strong>s embargos...................................................................... 330<br />

4.1. Fundamentos para o recebimento ou rejeição <strong>do</strong>s embargos................................. 330<br />

4.2. A summaria cognitio pelo tribunal ......................................................................... 332<br />

4.3. Efeitos <strong>do</strong> recebimento <strong>do</strong>s embargos ................................................................... 334<br />

4.3.1. Suspensão <strong>do</strong> processo ................................................................................. 334<br />

4.3.2. Restituição provisória da posse ...................................................................... 335<br />

4.3.3. Caso julga<strong>do</strong> formal ....................................................................................... 336<br />

5. Despacho de rejeição <strong>do</strong>s embargos............................................................................. 337<br />

5.1. Fundamentos........................................................................................................ 337<br />

5.2. Efeitos da rejeição <strong>do</strong>s embargos .......................................................................... 338<br />

SECÇÃO IV — FASE CONTRADITÓRIA DOS EMBARGOS DE TERCEIRO<br />

1. Exercício <strong>do</strong> contraditório pelas partes primitivas .......................................................... 339<br />

2. Admissibilidade da intervenção de terceiros .................................................................. 341<br />

3. Inutilidade superveniente da lide................................................................................... 343<br />

4. A ampliação <strong>do</strong> objecto <strong>do</strong>s embargos de terceiro: a exceptio <strong>do</strong>minii ........................... 344<br />

4.1. Âmbito.................................................................................................................. 344<br />

4.2. A natureza reconvencional da exceptio <strong>do</strong>minii ...................................................... 346<br />

4.3. Admissibilidade e procedência............................................................................... 347<br />

4.4. Efeito cominatório: ficta confessio ou ficta litis contestatio? .................................... 348<br />

4.5. Despacho imediato de manutenção ou de restituição da posse.............................. 349<br />

5. Efeitos da sentença ...................................................................................................... 350<br />

CONCLUSÕES...................................................................................................................... 353


Ac. Acórdão<br />

Abreviaturas<br />

ABREVIATURAS<br />

ADSTA Acórdãos Doutrinais <strong>do</strong> Supremo Tribunal Administrativo<br />

BGB Bürgerliches Gesetzbuch<br />

BMJ Boletim <strong>do</strong> Ministério da Justiça<br />

CC Código Civil<br />

CC Es. Código Civil (España)<br />

CC Fr. Code Civil (versão consolidada em 06 de Agosto de 2008)<br />

CC It. Codice Civile<br />

CIRE Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas<br />

CJ Colectânea de Jurisprudência<br />

CJSTJ Colectânea de Jurisprudência <strong>do</strong> Supremo Tribunal de Justiça<br />

CPC Código de Processo Civil, com as alterações que lhe foram<br />

introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro<br />

CPC 1876 Código de Processo Civil de 1876<br />

CPC 1939 Código de Processo Civil de 1939<br />

CPC 1961 Código de Processo Civil de 1961, na versão anterior à reforma<br />

processual de 95/96<br />

CPC Fr. Code de Procédure Civile<br />

CPC It. Codice di Procedura Civile<br />

CPPT Código de Procedimento e de Processo Tributário<br />

CRP Constituição da República Portuguesa<br />

CSC It. Corte Suprema di Cassazione<br />

CVM Código <strong>do</strong>s Valores Mobiliários<br />

DL Decreto-Lei<br />

DR Diário da República<br />

LEC Ley de Enjuiciamiento Civil<br />

LOFTJ Lei de Organização e de Funcionamento <strong>do</strong>s Tribunais Judiciais<br />

xvii


xviii<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

PGR Procura<strong>do</strong>ria-Geral da República<br />

proc. processo<br />

RAU Regime <strong>do</strong> Arrendamento Urbano<br />

RLJ Revista de Legislação e de Jurisprudência<br />

SASTJ Sumários <strong>do</strong>s Acórdãos <strong>do</strong> Supremo Tribunal de Justiça<br />

STA Supremo Tribunal Administrativo<br />

STJ Supremo Tribunal de Justiça<br />

STJ Br. Superior Tribunal de Justiça (Brasil)<br />

TC Tribunal Constitucional<br />

TRC Tribunal da Relação de Coimbra<br />

TRG Tribunal da Relação de Guimarães<br />

TRE Tribunal da Relação de Évora<br />

TRL Tribunal da Relação de Lisboa<br />

TRP Tribunal da Relação <strong>do</strong> Porto<br />

TS Es. Tribunal Supremo de Espanha


Abreviaturas<br />

E mandamos, que vin<strong>do</strong> algua peffoa a embarguar algua coufa,<br />

em que se peça a execuçam, affi mouel, como de raiz, por dizer, que a<br />

dita cousa pertence a elle, e que nom foi ouui<strong>do</strong> fobre ella, e que por<br />

tanto nom deue feer entregue ao vence<strong>do</strong>r, ou aleguar outro qualquer<br />

embarguo a fe nom dar a fentença a execuçam, que em tal cafo a<br />

execuçam fe faça no condena<strong>do</strong>; e ten<strong>do</strong> a razam <strong>do</strong> embarguo, com<br />

que tal terceiro embarguante vem, tal que por Dereito lhe deua feer<br />

recebida, o vence<strong>do</strong>r dará fiança aa cousa de que affi fe pede a<br />

execuçam, e lhe ferá entregue; e non a dano fera pofta a dita coufa em<br />

que se assi fez a execuçam em poder de huu terceiro, atee finalmente fe<br />

detreminar fobre o dito embarguo.<br />

Livro III, Título LXXI, § 32 das Ordenações Manuelinas<br />

19


20<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva


Introdução<br />

INTRODUÇÃO<br />

Os embargos de terceiro, traduzin<strong>do</strong>-se numa perturbação ao normal desenvolvimento<br />

da acção executiva, justificam-se pela necessidade de tutela <strong>do</strong>s interesses de terceiros que<br />

vejam os seus direitos ameaça<strong>do</strong>s ou efectivamente atingi<strong>do</strong>s em consequência da penhora ou<br />

de uma diligência judicial de apreensão ou entrega de bens.<br />

Com efeito, ainda que o legisla<strong>do</strong>r procure garantir que apenas seja executa<strong>do</strong> o<br />

património <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r — único e principal garante da satisfação <strong>do</strong> crédito exequen<strong>do</strong> 1 —, a<br />

verdade é que seria impraticável averiguar, em cada caso em concreto, se o bem que<br />

aparentemente pertence ao executa<strong>do</strong>, nomeadamente por se encontrar na sua posse, integra<br />

efectivamente o seu património e se sobre ele incide algum direito de um terceiro não<br />

publicita<strong>do</strong> e que se venha a revelar incompatível com a realização das diligências executivas.<br />

Nesta medida, face à impraticabilidade dessa solução, e atenden<strong>do</strong> à necessidade de<br />

proteger os interesses <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r, o legisla<strong>do</strong>r viu-se obriga<strong>do</strong> a optar entre um sistema executivo<br />

em que a penhora só seria realizada perante uma certeza absoluta e inequívoca quanto à<br />

titularidade <strong>do</strong>s bens — sistema que permitiria ao executa<strong>do</strong> eximir-se facilmente à<br />

responsabilidade patrimonial da execução através <strong>do</strong> recurso a expedientes susceptíveis de<br />

originarem dúvidas e incertezas quanto à titularidade ou à existência de ónus sobre os bens — e<br />

um sistema basea<strong>do</strong> na presunção e aparência quanto à titularidade <strong>do</strong>s bens que integram o<br />

património <strong>do</strong> executa<strong>do</strong>, o qual, inevitavelmente, potencia a agressão injustificada <strong>do</strong> património<br />

de um terceiro que nada tem a ver com a execução ou de um direito de que este seja titular<br />

sobre um bem <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> que tenha si<strong>do</strong> concretamente apreendi<strong>do</strong>.<br />

Ora, face a esta alternativa, isto é, entre um sistema executivo ineficaz e permeável a<br />

constantes bloqueios e um sistema executivo tendencialmente ágil e célere, ainda que<br />

potencia<strong>do</strong>r da agressão de patrimónios alheios à execução, o legisla<strong>do</strong>r viu-se compeli<strong>do</strong> a<br />

optar pelo segun<strong>do</strong>.<br />

1 Nos termos <strong>do</strong> art. 601.º <strong>do</strong> CC, pelo cumprimento da obrigação respondem to<strong>do</strong>s os bens <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r<br />

susceptíveis de penhora, sem prejuízo <strong>do</strong>s regimes especialmente estabeleci<strong>do</strong>s em consequência da separação de<br />

patrimónios. Por outro la<strong>do</strong>, não sen<strong>do</strong> a obrigação voluntariamente cumprida, tem o cre<strong>do</strong>r o direito de exigir<br />

judicialmente o seu cumprimento e de executar o património <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r (art. 817.º <strong>do</strong> CC).<br />

21


22<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

Não o fez, contu<strong>do</strong>, sem que antes, consciente das insuficiências desse sistema<br />

adjectivo, se preocupasse em assegurar a tutela <strong>do</strong>s interesses de terceiros que não poderão, de<br />

forma alguma, ser prejudica<strong>do</strong>s por uma agressão patrimonial que se mostre subjectivamente<br />

ilegal. Nessa exacta medida, consagrou, por um la<strong>do</strong>, no art. 1285.º <strong>do</strong> CC 2 , que o possui<strong>do</strong>r<br />

cuja posse seja ofendida por penhora ou diligência judicialmente ordenada pode defender a sua<br />

posse mediante embargos de terceiro. Por outro la<strong>do</strong>, e porque a to<strong>do</strong> o direito, excepto quan<strong>do</strong><br />

a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a<br />

prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente (art. 2.º, n.º 2, <strong>do</strong> CPC), o<br />

legisla<strong>do</strong>r veio consagrar diversos meios de reacção à penhora objectiva ou subjectivamente<br />

ilegal, dispon<strong>do</strong> no art. 351.º <strong>do</strong> CPC que, se a penhora ou qualquer acto judicialmente<br />

ordena<strong>do</strong> de apreensão ou entrega de bens 3 , ofender a posse ou qualquer direito incompatível<br />

com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode<br />

o lesa<strong>do</strong> fazê-lo valer, deduzin<strong>do</strong> embargos de terceiro. Deste mo<strong>do</strong>, os embargos de terceiro<br />

constituem um meio processual concebi<strong>do</strong> para reagir ou evitar a realização de diligências que,<br />

por implicarem a apreensão ou entrega de bens, lesem ou possam vir a lesar a posse ou<br />

qualquer direito incompatível com essa actuação e cujo titular não seja parte na causa em que<br />

essa diligência tenha si<strong>do</strong> ordenada.<br />

Deste mo<strong>do</strong>, com a presente investigação pretende-se, desde logo, delimitar qual o<br />

âmbito objectivo <strong>do</strong>s embargos de terceiro, isto é, determinar quais as situações possessórias<br />

e/ou direitos subjectivos que permitem o recurso aos embargos de terceiro enquanto meio de<br />

reacção contra a penhora ilegal 4 . A este propósito impõe-se referir que, embora o seu âmbito não<br />

se esgote enquanto meio de oposição à penhora, o certo é que é nesta finalidade que o<br />

incidente 5 de oposição mediante embargos de terceiro encontra maior expressão. Com efeito,<br />

2 O Código Civil de 1867 dispunha no seu art. 484.º que “[O] possui<strong>do</strong>r tem o direito de ser manti<strong>do</strong> ou<br />

restituí<strong>do</strong> à sua posse, contra qualquer turbação ou esbulho”.<br />

3 Será o caso da providência cautelar de arresto ou de restituição provisória da posse (cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de<br />

21 de Fevereiro de 1991, proc. 0045152, in www.dgsi.pt).<br />

4 MENDES, João de Castro, Direito Processual Civil, vol. III, Edição da AAFDL, Lisboa, 1980; p. 121.<br />

5 A este respeito importa salientar que, embora a reforma processual civil de 95/96 tenha sistematiza<strong>do</strong> o<br />

incidente de embargos de terceiro enquanto subespécie da intervenção de terceiros na modalidade de oposição, os<br />

embargos de terceiro conservam a sua natureza de verdadeira acção judicial declarativa (cfr., neste senti<strong>do</strong>, COSTA,<br />

Salva<strong>do</strong>r da, Os Incidentes da Instância, 5.ª ed. actual., Almedina, 2008, p. 201), ainda que se encontre<br />

intrinsecamente dependente <strong>do</strong> processo executivo ou declarativo <strong>do</strong> qual tenha emana<strong>do</strong> a penhora ou a diligência


Introdução<br />

atenden<strong>do</strong> a que apenas estão sujeitos à execução os bens <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r susceptíveis de penhora<br />

que, nos termos da lei substantiva, respondam pela dívida exequenda (art. 821.º, n.º 1, CPC), os<br />

embargos de terceiro surgem com um <strong>do</strong>s principais meios de oposição a essa apreensão de<br />

bens sempre que estes se encontrem na posse ou ofendam um direito de um terceiro que se<br />

revele incompatível com essa diligência, a não ser que a própria execução tenha si<strong>do</strong> movida<br />

contra esse terceiro (art. 821.º, n.º 2, CPC).<br />

Por outro la<strong>do</strong>, procuraremos ainda orientar a nossa investigação para a análise<br />

processual <strong>do</strong>s embargos de terceiro. Neste ponto, concentraremos a nossa atenção na procura<br />

de um critério que permita a construção de um conceito unitário de legitimação processual<br />

activa e passiva em sede de embargos de terceiro.<br />

Por último, analisaremos criticamente as questões processuais responsáveis pela<br />

divergência <strong>do</strong>utrinal e jurisprudencial em torno desta figura processual que, ainda que<br />

sistematizada no âmbito da oposição mediante intervenção de terceiros, assume a natureza de<br />

uma acção judicial declarativa <strong>do</strong>tada de autonomia própria.<br />

de apreensão ou entrega de bens (Cfr. nesse senti<strong>do</strong> o Ac <strong>do</strong> TRC, de 1 de Abril de 2008, proc. 5166/06.3TBLRA-<br />

B.C1, in www.dgsi.pt. bem como o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 9 de Novembro de 1995, in BMJ, 451.º, p. 344. Cfr., também<br />

REIS, Alberto <strong>do</strong>s, Processos Especiais, vol. I (reimpressão), Coimbra Editora, Coimbra, 1982, p. 438; NETO, Abílio,<br />

Código de Processo Civil Anota<strong>do</strong>, 18.ª ed. actual., Ediforum, 2004, p. 473.<br />

23


24<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva


Introdução<br />

PARTE I<br />

ÂMBITO SUBSTANTIVO DOS EMBARGOS DE TERCEIRO<br />

25


26<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva


Breves considerações sobre a evolução <strong>do</strong>s embargos de terceiro<br />

CAPÍTULO I<br />

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A<br />

EVOLUÇÃO DOS EMBARGOS DE TERCEIRO<br />

Sumário: 1. Os embargos de terceiro enquanto meio de tutela<br />

possessória. 2. A configuração <strong>do</strong>s embargos de terceiro enquanto incidente<br />

de intervenção de terceiros. 2.1. Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de<br />

Dezembro. 2.2. Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março.<br />

1. OS EMBARGOS DE TERCEIRO ENQUANTO MEIO DE TUTELA POSSESSÓRIA<br />

O Código de Processo Civil de 1876 regulava os embargos de terceiro enquanto meio de<br />

tutela da posse 6 7 contra um acto judicial de penhora, arresto ou entrega judicial da coisa 8 , pelo<br />

6 Já na Novíssima Reforma Judiciária — diploma legislativo que entrou em vigor em 21 de Maio de 1841,<br />

em conformidade com a autorização concedida pela Carta de Lei de 28 de Novembro de 1840 — os embargos de<br />

terceiro assumiam a configuração de um meio de tutela possessória, dispon<strong>do</strong> o seu art. 635.º que “[O]s embargos<br />

de terceiro só têm logar, quan<strong>do</strong>, o que pretender deduzil-os, allegar e provar effectiva posse na cousa penhorada,<br />

ou na que se mandar entregar ao exequente, e não tiver si<strong>do</strong> ouvi<strong>do</strong>, nem convenci<strong>do</strong> na causa principal.”<br />

A dedução <strong>do</strong> incidente de embargos de terceiro implicava a suspensão da execução sobre os bens<br />

embarga<strong>do</strong>s, corren<strong>do</strong> por apenso em relação ao processo principal da execução (arts. 636.º e 637.º).<br />

Caso os embargos de terceiro fossem aceites pelo “Juiz da Execução”, era passa<strong>do</strong> um manda<strong>do</strong> de<br />

manutenção até à decisão final, caben<strong>do</strong> ao embargante o ónus de prestar uma fiança idónea quanto aos frutos <strong>do</strong>s<br />

bens embarga<strong>do</strong>s, e o processo era apresenta<strong>do</strong> ao exequente para contestar, poden<strong>do</strong> este, inclusive, requerer a<br />

intimação <strong>do</strong> embargante para responder à matéria da sua contestação com a cominação de, não o fazen<strong>do</strong>, ser-lhe<br />

dada ordem de prisão (art. 638.º). Do despacho de aceitação <strong>do</strong>s embargos de terceiro cabia recurso de agravo<br />

para o Juiz de Direito da Comarca (quan<strong>do</strong> o despacho fosse proferi<strong>do</strong> pelo Juiz Ordinário), ou para a Relação <strong>do</strong><br />

Distrito (quan<strong>do</strong> o despacho fosse proferi<strong>do</strong> pelo Juiz de Direito).<br />

No caso de os embargos de terceiro não serem recebi<strong>do</strong>s, o embargante era condena<strong>do</strong> em multa<br />

correspondente a cinco por cento <strong>do</strong> valor <strong>do</strong>s bens embarga<strong>do</strong>s, a qual revertia para a Fazenda Nacional, não<br />

poden<strong>do</strong> essa multa exceder o valor global de quinhentos mil réis (art. 639.º).<br />

Na eventualidade de o exequente, em consequência <strong>do</strong> recebimento <strong>do</strong>s embargos, optar por transferir a<br />

penhora por nomeação sua para outros bens <strong>do</strong> executa<strong>do</strong>, prescindin<strong>do</strong>, assim, <strong>do</strong>s bens objecto de embargos,<br />

verificava-se a extinção <strong>do</strong>s embargos de terceiro por inutilidade superveniente da lide (art. 638.º §. 4).<br />

27


28<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

que os embargos assumiam a configuração de um incidente <strong>do</strong> processo executivo 9 com vista a<br />

obter o levantamento da penhora ou da apreensão na execução efectuada 10. Na verdade,<br />

dispunha o art. 922.º o seguinte:<br />

“Pode deduzir embargos de terceiro quem alegar e provar posse na cousa penhorada,<br />

ou que se mandar entregar ao exequente, e não tiver si<strong>do</strong> ouvi<strong>do</strong> nem convenci<strong>do</strong> na acção nem<br />

representar quem foi condena<strong>do</strong> nela.<br />

§ único. Nas execuções que se fundarem em sentença pode embargar de terceiro<br />

aquele que, ten<strong>do</strong> posse nos bens penhora<strong>do</strong>s, não interveio no acto jurídico que se executa,<br />

nem representa quem nele interveio.”<br />

Deste mo<strong>do</strong>, se o possui<strong>do</strong>r, conservan<strong>do</strong> a posição de terceiro, fosse priva<strong>do</strong> da posse<br />

da coisa em execução para pagamento de quantia certa, entrega de coisa certa ou providência<br />

cautelar de arresto, podia deduzir embargos de terceiro com o propósito de se fazer restituir à<br />

sua posse.<br />

Posteriormente o âmbito material <strong>do</strong>s embargos de terceiro viria a ser alarga<strong>do</strong> ao<br />

arrolamento 11 e à posse judicial avulsa através da promulgação <strong>do</strong> Decreto de 15 de Setembro<br />

Da sentença final, assim como <strong>do</strong> despacho de rejeição <strong>do</strong>s embargos de terceiro, podiam as partes opor<br />

embargos funda<strong>do</strong>s em Direito ou prova<strong>do</strong>s por <strong>do</strong>cumentos, sempre que o valor da acção não excedesse a alçada<br />

<strong>do</strong> Juiz, ou interpor recurso de apelação, com subida nos próprios autos, para o Juiz de Direito (caso a decisão<br />

tivesse si<strong>do</strong> proferida pelo Juiz Ordinário), ou para o Tribunal da Relação, com efeito devolutivo e subida em<br />

separa<strong>do</strong>, na eventualidade da decisão ter si<strong>do</strong> proferida pelo Juiz de Direito (art. 640.º).<br />

7 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 17 de Outubro de 1902: “Só pode deduzir embargos de terceiro, quem alega e<br />

prova posse na cousa penhorada ” (GENTIL, Francisco, Dicionário <strong>do</strong> Supremo Tribunal de Justiça – Acórdãos de<br />

1867 a 1933, Lisboa, 1933, p. 465).<br />

8 Cfr. Ac. <strong>do</strong> STJ, de 9 de Março de 1893: “Os embargos de terceiro só teem logar no caso de execução<br />

sobre cousa penhorada ou mandada entregar ao exequente, e nos de arrolamento e posse judicial” (GENTIL,<br />

Francisco, Dicionário <strong>do</strong> Supremo Tribunal de Justiça, ob. cit., p. 458).<br />

p. 387.<br />

9 Cfr. REIS, José Alberto <strong>do</strong>s, Processos Especiais, vol. I, ob. cit., p. 399.<br />

10 CARDOSO, Eurico Lopes, Manual da Acção Executiva, 3.ª ed., reimpr., Almedina, Coimbra, 1992,<br />

11 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 10 de Maio de 1907: “Os embargos de terceiro são admissíveis em to<strong>do</strong>s os casos<br />

de posse, ou entrega de bens ordenada em processo de arrolamento ou em qualquer outro despacho proferi<strong>do</strong> de<br />

inventário.” (GENTIL, Francisco, Dicionário <strong>do</strong> Supremo Tribunal de Justiça, ob. cit., p. 464).


Breves considerações sobre a evolução <strong>do</strong>s embargos de terceiro<br />

de 1892, bem como à diligência executiva de despejo, com os Decretos n. os 21287 e 5411, de<br />

17 de Abril de 1919 12.<br />

O Código de Processo Civil de 1939 regulava o instituto jurídico <strong>do</strong>s embargos de<br />

terceiro no seu art. 1036.º, qualifican<strong>do</strong>-os como um processo especial de tutela da posse, com<br />

a particularidade de ser admissível a sua dedução relativamente a “qualquer outra diligência<br />

ordenada judicialmente” 13 14 . Com efeito, ao contrário <strong>do</strong> que sucedia no código de 1876, os<br />

embargos de terceiro passaram a ser concebi<strong>do</strong>s como uma acção autónoma. Por outro la<strong>do</strong>, o<br />

legisla<strong>do</strong>r passou também a admiti-los com uma dupla finalidade preventiva ou repressiva.<br />

No Código de Processo Civil de 1961 — diploma aprova<strong>do</strong> pelo Decreto-Lei n.º 44.129,<br />

de 28 de Dezembro de 1961 — o regime jurídico <strong>do</strong>s embargos de terceiro vinha regulamenta<strong>do</strong><br />

no art. 1037.º, o qual determinava o seguinte:<br />

“1. Quan<strong>do</strong> a penhora, o arresto, o arrolamento, a posse judicial, o despejo ou qualquer<br />

outra diligência ordenada judicialmente, que não seja apreensão de bens em processo de<br />

falência ou de insolvência, ofenda a posse de terceiro, pode o lesa<strong>do</strong> fazer-se restituir à sua<br />

posse por meio de embargos.<br />

12 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, RAMALHO, Maria <strong>do</strong> Rosário Palma, «Sobre o fundamento possessório <strong>do</strong>s<br />

embargos de terceiro deduzi<strong>do</strong>s pelo locatário, parceiro pensa<strong>do</strong>r, comodatário e depositário», in ROA, ano 51.º, vol.<br />

III, 1991, p. 651.<br />

1940, p. 720.<br />

13 Cfr. REIS, José Alberto <strong>do</strong>s, Código de Processo Civil Anota<strong>do</strong>, vol. I, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra,<br />

14 A este propósito importa salientar que os embargos de terceiro constituíam um meio exclusivo de defesa<br />

da posse relativamente a um acto ofensivo de natureza judicial (vide, nesse senti<strong>do</strong>, RODRIGUES, Manuel, A Posse,<br />

Almedina, Coimbra, 1981, p. 367). Com efeito, conforme salienta ANTUNES VARELA, o traço distintivo entre as<br />

acções possessórias e os embargos de terceiro residia na circunstância das primeiras serem destinadas a remover<br />

as ameaças ou perturbações da posse, provenientes de actos <strong>do</strong>s particulares ou da administração pública,<br />

enquanto os embargos de terceiro tinham como alvo directo as providências emanadas <strong>do</strong>s órgãos judiciais (cfr.<br />

VARELA, Antunes, «Parecer ao acórdão <strong>do</strong> Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Outubro de 1988», in ROA, ano<br />

53.º, Abril/Junho de 1993, p. 329).<br />

29


30<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

2. Considera-se terceiro aquele que não tenha intervin<strong>do</strong> no processo ou no acto jurídico<br />

de que emana a diligência judicial, nem represente quem foi condena<strong>do</strong> no processo ou quem<br />

no acto se obrigou.<br />

O próprio condena<strong>do</strong> ou obriga<strong>do</strong> pode deduzir embargos de terceiro quanto aos bens<br />

que, pelo título da sua aquisição ou pela qualidade em que os possuir, não devam ser atingi<strong>do</strong>s<br />

pela diligência ordenada.”<br />

Deste mo<strong>do</strong>, ao contrário <strong>do</strong> que se verifica no regime actual, os embargos de terceiro<br />

tinham por objecto exclusivo a defesa da posse que fosse ofendida em consequência de<br />

qualquer diligência judicialmente ordenada, maxime, a penhora, o arresto, o arrolamento, a<br />

posse judicial avulsa e o despejo, sen<strong>do</strong> certo que os embargos de terceiro não podiam ser<br />

deduzi<strong>do</strong>s enquanto meio de reacção contra a ofensa de um direito, mas tão-só da posse real e<br />

efectiva 15 . Assim, relativamente à sua finalidade, os embargos de terceiro distinguiam-se das<br />

restantes acções possessórias porquanto constituíam um meio de impugnação contra uma<br />

diligência ofensiva da posse de natureza judicial.<br />

Porém, o art. 1037.º <strong>do</strong> CPC 1961 veio excluir <strong>do</strong> âmbito <strong>do</strong>s embargos de terceiro a<br />

possibilidade de reacção contra a apreensão de bens em processo de falência ou de insolvência,<br />

da<strong>do</strong> que a lei tutelava esse meio de oposição em sede de restituição e separação de bens de<br />

terceiro (arts. 1237.º <strong>do</strong> CPC 1961 e 1200.º <strong>do</strong> CPC 1939) 16.<br />

2. A CONFIGURAÇÃO DOS EMBARGOS DE TERCEIRO ENQUANTO INCIDENTE DE<br />

INTERVENÇÃO DE TERCEIROS<br />

2.1. DECRETO-LEI N.º 329-A/95, DE 12 DE DEZEMBRO<br />

Desde a Novíssima Reforma Judiciária até à entrada em vigor <strong>do</strong> Decreto-Lei<br />

n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, os embargos de terceiro constituíam exclusivamente um<br />

15 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 28 de Maio de 1991, proc. 0039871, in www.dgsi.pt, segun<strong>do</strong> o qual “[O]s<br />

embargos de terceiro não são meio processual próprio para defesa de invoca<strong>do</strong> direito de propriedade ofendi<strong>do</strong> pela<br />

penhora”.<br />

16 Cfr. FREITAS, José Lebre de; PINTO, Rui; REDINHA, João, Código de Processo Civil Anota<strong>do</strong>, vol. 1.º,<br />

Coimbra Editora, 1999, p. 615.


Breves considerações sobre a evolução <strong>do</strong>s embargos de terceiro<br />

meio de tutela possessória face à ameaça ou agressão efectiva da posse exercida sobre a coisa<br />

por um terceiro. Contu<strong>do</strong>, com a eliminação das acções possessórias <strong>do</strong> elenco <strong>do</strong>s processos<br />

especiais, o Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, passou a sistematizar os embargos<br />

de terceiro no âmbito <strong>do</strong>s incidentes da instância, perspectivan<strong>do</strong>-o como uma “verdadeira<br />

subespécie da oposição espontânea, caracterizada por se inserir num processo que comporta<br />

diligências de natureza executiva (penhora ou qualquer outro acto de apreensão de bens)<br />

judicialmente ordenadas, opon<strong>do</strong> o terceiro embargante um direito próprio, incompatível com a<br />

subsistência <strong>do</strong>s efeitos de tais diligencias” 17 .<br />

Deste mo<strong>do</strong>, o legisla<strong>do</strong>r considerou que a principal especificidade <strong>do</strong>s embargos de<br />

terceiro residia, não numa particularidade da sua tramitação processual que justificasse, por si<br />

só, a sua sistematização no <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong>s processos especiais, mas sim no facto de o pedi<strong>do</strong><br />

deduzi<strong>do</strong> pelo embargante consubstanciar a intervenção de um terceiro num processo pendente<br />

com vista à defesa de um direito incompatível com um acto de agressão patrimonial ordena<strong>do</strong><br />

em função <strong>do</strong>s interesses de uma das partes principais da causa 18. Nessa exacta medida, os<br />

embargos de terceiro passaram a ser sistematiza<strong>do</strong>s, em termos processuais, como uma<br />

subespécie da oposição espontânea, em que o terceiro opõe às partes primitivas um direito<br />

incompatível com a posição jurídica daquelas. Na verdade, o incidente processual <strong>do</strong>s embargos<br />

de terceiro traduz-se na possibilidade de um terceiro intervir numa causa em que não é parte<br />

para aí fazer valer um direito próprio, que é total ou parcialmente incompatível com as<br />

pretensões das partes primitivas 19 , sen<strong>do</strong> certo que o principal objectivo <strong>do</strong> terceiro consiste em<br />

17 Preâmbulo <strong>do</strong> Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro.<br />

18 Vide, a este propósito, COSTA, Salva<strong>do</strong>r da, Os Incidentes da Instância, ob. cit., p. 201, segun<strong>do</strong> o qual<br />

“[A] estrutura <strong>do</strong>s embargos de terceiro é essencialmente caracterizada (…) por a pretensão <strong>do</strong> embargante se<br />

inserir num processo pendente entre outras partes e visar a efectivação de um direito incompatível com a<br />

subsistência <strong>do</strong>s efeitos de algum acto judicial de afectação ilegal de um direito patrimonial <strong>do</strong> embargante.”<br />

19 Embora os embargos de terceiro surjam sistematiza<strong>do</strong>s no <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong>s incidentes da instância, a<br />

verdade é que esta diferente qualificação, associada à revogação, enquanto processos especiais, das acções de<br />

prevenção, manutenção e restituição da posse, em nada altera a sua estrutura de verdadeira acção autónoma de<br />

natureza declarativa, sen<strong>do</strong> certo que não é pelo legisla<strong>do</strong>r os sistematizar enquanto incidente processual que os<br />

embargos ficam sujeitos ao regime processual <strong>do</strong>s incidentes da instância previsto nos arts. 303.º e 304.º <strong>do</strong> CPC,<br />

normas que contêm disposições gerais em matéria de tramitação processual. Aliás, a evidência da sua autonomia<br />

enquanto acção declarativa é reforçada pelo facto de os embargos de terceiro, uma vez recebi<strong>do</strong>s, seguirem os<br />

termos <strong>do</strong> processo ordinário ou sumário de declaração consoante o seu valor exceda ou não o valor da alçada <strong>do</strong><br />

tribunal da Relação, o qual se acha actualmente fixa<strong>do</strong> em € 30.000,00 (art. 24.º da LOFTJ).<br />

31


32<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

tutelar um direito que se revele incompatível com a subsistência <strong>do</strong>s efeitos de um acto judicial<br />

de afectação ilegal daquele mesmo direito 20.<br />

No entanto, impõe-se salientar que a inserção <strong>do</strong>s embargos de terceiro no âmbito <strong>do</strong><br />

incidente de oposição de terceiro não representou nem implicou a eliminação da sua função de<br />

tutela possessória, embora tenha contribuí<strong>do</strong> para ampliar significativamente o seu âmbito de<br />

actuação e de aplicação — que deixou de estar confina<strong>do</strong> apenas à tutela posse <strong>do</strong> embargante<br />

—, da<strong>do</strong> que os embargos passaram a poder ser utiliza<strong>do</strong>s enquanto meio de defesa de qualquer<br />

direito incompatível com a diligência judicialmente ordenada de penhora ou de apreensão de<br />

bens 21. Na verdade, com a reforma de 95/96 ,este incidente passou a poder ser deduzi<strong>do</strong>, não<br />

só para a defesa da posse, como também de qualquer direito incompatível com a subsistência<br />

de uma diligência de cariz executório, seja ela a penhora ou qualquer outra diligência<br />

judicialmente ordenada 22. Desta forma, deixou de impender sobre o lesa<strong>do</strong> o ónus de propositura<br />

de uma acção de reivindicação paralela, da<strong>do</strong> que o seu direito passou a ser aprecia<strong>do</strong> no<br />

próprio processo em que se verificou a diligência ofensiva, sen<strong>do</strong> certo que, em caso de<br />

procedência da oposição deduzida e atenta a impossibilidade de venda <strong>do</strong>s bens penhora<strong>do</strong>s,<br />

também deixava de ser necessária a propositura, em fase posterior, de uma acção de anulação<br />

da venda.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, a circunstância de a sentença proferida em sede de embargos de terceiro produzir efeitos<br />

de caso julga<strong>do</strong> material só contribui para acentuar a sua estrutura enquanto verdadeira acção de natureza<br />

declarativa, não sen<strong>do</strong> de descurar que nenhum outro incidente processual apresenta uma tramitação tão complexa<br />

quanto à que se encontra legalmente prevista para os embargos de terceiro.<br />

20 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 30 de Novembro de 2000, proc. 0074228, in www.dgsi.pt.<br />

21 Deste mo<strong>do</strong>, os embargos de terceiro deixaram de se poder basear exclusivamente na posse para se<br />

fundarem também na titularidade <strong>do</strong> direito de fun<strong>do</strong>, em conformidade com o que vinha sen<strong>do</strong> reivindica<strong>do</strong>. (Cfr.<br />

FREITAS, José Lebre de; PINTO, Rui; REDINHA, João, Código de Processo Civil Anota<strong>do</strong>, vol. 1.º, ob. cit., p. 614).<br />

22 Deste mo<strong>do</strong>, tal como salienta LOPES DO REGO, em virtude da ampliação <strong>do</strong> âmbito objectivo <strong>do</strong>s<br />

embargos de terceiro, “mesmo que se conclua que o terceiro-embargante não é, de um ponto de vista jurídico,<br />

‘possui<strong>do</strong>r’ <strong>do</strong>s bens judicialmente apreendi<strong>do</strong>s, nem por isso se poderá excluir liminarmente a sua legitimação<br />

para deduzir os embargos, dependen<strong>do</strong> a resposta a tal questão de saber se, na concreta colisão ou conflito de<br />

direitos em causa, o direito invoca<strong>do</strong> pelo terceiro embargante é susceptível de ser oposto e prevalecer sobre o<br />

direito acautela<strong>do</strong> através <strong>do</strong> acto de apreensão de bens – inviabilizan<strong>do</strong>-o na sua totalidade ou circunscreven<strong>do</strong>-o a<br />

certo âmbito ou extensão, que não poderá ser excedi<strong>do</strong>” (REGO, Lopes <strong>do</strong>, Comentários ao Código de Processo<br />

Civil, vol. I, 2.ª ed., Almedina, 2004, p. 325).


Breves considerações sobre a evolução <strong>do</strong>s embargos de terceiro<br />

Por outro la<strong>do</strong>, a ampliação <strong>do</strong>s fundamentos para a dedução de embargos de terceiro<br />

implicou que a tramitação processual subsequente passasse a seguir os termos <strong>do</strong> processo<br />

ordinário ou sumário de declaração em função <strong>do</strong> valor <strong>do</strong> incidente, circunstância que permitiu<br />

que a decisão final proferida no âmbito <strong>do</strong>s embargos de terceiro passasse a produzir o efeito de<br />

caso julga<strong>do</strong> material quanto à existência e à titularidade <strong>do</strong>s direitos invoca<strong>do</strong>s nesse<br />

incidente 23. O facto de os embargos de terceiro seguirem a tramitação própria <strong>do</strong> processo<br />

ordinário ou sumário de declaração, bem como o efeito de caso julga<strong>do</strong> produzi<strong>do</strong> pela sentença<br />

neles proferida, permite qualificá-los como uma verdadeira acção declarativa, com estrutura e<br />

autonomia próprias 24.<br />

No que concerne ao âmbito material <strong>do</strong>s embargos de terceiro, importa destacar que,<br />

com a alteração legislativa operada pela reforma de 95/96, deixou de ser admissível ao próprio<br />

executa<strong>do</strong> — quan<strong>do</strong> condena<strong>do</strong> em sentença declarativa ou obriga<strong>do</strong> em título executivo<br />

extrajudicial — deduzir embargos de terceiro 25 , sen<strong>do</strong> certo que o legisla<strong>do</strong>r lhe reservou,<br />

enquanto meio processual de tutela <strong>do</strong> seu direito, a faculdade de deduzir oposição à penhora<br />

(art. 863.º-A <strong>do</strong> CPC) 26 .<br />

Por último, impõe-se ainda salientar que, contrariamente ao que sucedia no <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong><br />

Código de Processo Civil de 1961, a reforma processual de 95/96 veio suprimir a regulação <strong>do</strong>s<br />

fundamentos para a rejeição <strong>do</strong>s embargos de terceiro 27 , já que se passou a considerar que tal<br />

regulação pertencia ao <strong>do</strong>mínio da lei civil e não ao da lei processual adjectiva 28.<br />

23 Daqui resulta que, embora sistematiza<strong>do</strong>s e qualifica<strong>do</strong>s enquanto um incidente da instância, os<br />

embargos de terceiro apresentam uma tramitação processual autónoma e própria (cfr. SOUSA, Miguel Teixeira de,<br />

«Apreciação de alguns aspectos da Revisão <strong>do</strong> Processo Civil - Projecto», in ROA, ano 55.º, vol. II, 1995, p. 383).<br />

24 Por esse motivo, LEBRE DE FREITAS considera que são “incorrectas, à luz <strong>do</strong>s conceitos forma<strong>do</strong>s na<br />

<strong>do</strong>utrina processual, a sua qualificação como incidente (art. 356.º), a referência «às partes primitivas» no art. 357.º<br />

e a expressão «no processo» <strong>do</strong> art. 351.º-1 (FREITAS, José Lebre de, «Revisão <strong>do</strong> processo civil», in ROA, ano 55.º,<br />

vol. II, 1995, p. 461).<br />

cit., p. 615.<br />

25 Tal como sucedia no art. 1037.º, n.º 2, parágrafo único, <strong>do</strong> CPC1961.<br />

26 Cfr. FREITAS, José Lebre de; PINTO, Rui; REDINHA, João, Código de Processo Civil Anota<strong>do</strong>, vol. 1.º, ob.<br />

27 Nos termos <strong>do</strong> art. 1041.º <strong>do</strong> CPC1961, a rejeição <strong>do</strong>s embargos de terceiro podia basear-se em qualquer<br />

motivo susceptível de comprometer o êxito <strong>do</strong>s embargos, e, designadamente, no facto de a posse <strong>do</strong> embargante<br />

se fundar em transmissão feita por aquele contra quem foi promovida a diligência judicial, se fosse manifesto, pela<br />

data em que o acto foi realiza<strong>do</strong> ou por quaisquer outras circunstâncias, que essa transmissão fora efectuada com o<br />

único propósito de o transmitente se subtrair à sua responsabilidade.<br />

33


34<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

2.2. DECRETO-LEI N.º 38/2003, DE 8 DE MARÇO<br />

A reforma da acção executiva, concretizada pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de<br />

Março, teve como principal objectivo a necessidade de se assegurar uma maior celeridade<br />

processual no que respeita à tramitação da acção executiva. Na verdade, conforme resulta<br />

preâmbulo deste diploma legal, “[O]s atrasos <strong>do</strong> processo de execução têm-se assim traduzi<strong>do</strong><br />

em verdadeira denegação de justiça, colocan<strong>do</strong> em crise o direito fundamental de acesso à<br />

justiça.”<br />

No que concerne às alterações legislativas mais significativas, destaca-se a<br />

desjurisdicionalização da acção executiva, da<strong>do</strong> que a reforma da acção executiva, “sem romper<br />

a sua ligação aos tribunais, atribuiu aos agentes de execução a iniciativa e a prática <strong>do</strong>s actos<br />

necessários à realização da função executiva, a fim de libertar o juiz das tarefas processuais que<br />

não envolvem uma tarefa jurisdicional e os funcionários judiciais de tarefas a praticar fora <strong>do</strong><br />

tribunal”.<br />

No seguimento desta linha orienta<strong>do</strong>ra, art. 351.º <strong>do</strong> CPC foi altera<strong>do</strong> devi<strong>do</strong> à<br />

necessidade de adaptação às competências entretanto atribuídas ao agente de execução para a<br />

realização da penhora de bens <strong>do</strong> executa<strong>do</strong>. Nessa exacta medida, a primeira parte <strong>do</strong> n.º 1 <strong>do</strong><br />

art. 351.º <strong>do</strong> CPC autonomizou a diligência da penhora relativamente aos actos judicialmente<br />

ordena<strong>do</strong>s de apreensão ou entrega de bens, sen<strong>do</strong> certo que essa alteração legislativa apenas<br />

foi aplicada relativamente aos processos instaura<strong>do</strong>s a partir de 15 de Setembro de 2003 (art.<br />

21.º, n.º 1, <strong>do</strong> Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março). De igual mo<strong>do</strong>, em sede de direito<br />

substantivo o art. 1285.º <strong>do</strong> CC passou a determinar a possibilidade de dedução de embargos<br />

de terceiro enquanto meio de tutela possessória contra a penhora ou diligência ordenada<br />

judicialmente.<br />

Acresce a isto que o art. 819.º <strong>do</strong> CC passou a consagrar expressamente a regra da<br />

inoponibilidade em relação à execução (e não apenas em ao relação exequente, como até então<br />

vinha suceden<strong>do</strong>), não só <strong>do</strong>s actos de alienação ou oneração <strong>do</strong>s bens penhora<strong>do</strong>s, como no<br />

que respeita expressamente ao arrendamento de bens penhora<strong>do</strong>s 29 . Nesta medida, a nova<br />

28 Cfr., a este propósito, COSTA, Salva<strong>do</strong>r da, Os Incidentes da Instância, ob. cit., p. 201, bem como o Ac.<br />

<strong>do</strong> STJ, de 1 de Fevereiro de 2001, in CJ, tomo I, 2001, p. 95.<br />

29 Cfr., quanto ao alcance da alteração legislativa <strong>do</strong> art. 819.º <strong>do</strong> CC, MENDES, Armin<strong>do</strong> Ribeiro,<br />

«Reclamação de créditos no processo executivo», in Themis, ano IV, n.º 7, 2003.


Breves considerações sobre a evolução <strong>do</strong>s embargos de terceiro<br />

redacção dada ao art. 819.º <strong>do</strong> CC, pon<strong>do</strong> termo a profundas divisões <strong>do</strong>utrinais e<br />

jurisprudenciais, veio determinar a aplicação <strong>do</strong> regime previsto no art. 824.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC ao<br />

arrendamento constituí<strong>do</strong> ou regista<strong>do</strong> após a penhora, com a consequente impossibilidade de o<br />

arrendatário poder deduzir embargos de terceiro 30 .<br />

Por outro la<strong>do</strong>, importa salientar a alteração <strong>do</strong> art. 831.º <strong>do</strong> CPC, o qual, sen<strong>do</strong> relativo<br />

à apreensão de bens em poder de terceiro, passou a consagrar a obrigatoriedade de averiguação<br />

em relação à identidade <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r pignoratício ou <strong>do</strong> retentor que exerça a sua posse sobre bens<br />

pertencentes ao executa<strong>do</strong> com vista à sua posterior citação para efeito de reclamação de<br />

créditos, circunstância que veio clarificar a impossibilidade destes cre<strong>do</strong>res, em regras, poderem<br />

fazer uso de embargos de terceiro com vista à tutela <strong>do</strong> seu direito de crédito.<br />

30 Cfr., a este propósito, GOMES, Manuel Januário, «Penhora de direitos de crédito – Breves notas», in<br />

Themis, ano V, n.º 9, 2004, pp. 115 e 116.<br />

35


36<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva


Fundamento <strong>do</strong>s embargos de terceiro<br />

CAPÍTULO II<br />

FUNDAMENTO E FINALIDADES DOS EMBARGOS DE TERCEIRO<br />

SECÇÃO I<br />

FUNDAMENTO DOS EMBARGOS DE TERCEIRO<br />

Sumário: 1. A penhora enquanto garantia patrimonial <strong>do</strong> crédito.<br />

2. A penhora de bens de terceiro. 3. Efeitos da penhora. 3.1. Inoponibilidade<br />

em relação à execução. 3.2. Direito de preferência a favor <strong>do</strong> exequente.<br />

3.3. Transferência <strong>do</strong>s poderes de gozo sobre a coisa penhorada.<br />

1. A PENHORA ENQUANTO GARANTIA PATRIMONIAL DO CRÉDITO<br />

Nos termos <strong>do</strong> art. 817.º <strong>do</strong> CC, em caso de inadimplemento da obrigação 31 , isto é, não<br />

sen<strong>do</strong> a obrigação voluntariamente cumprida 32 33 , tem o cre<strong>do</strong>r o direito de exigir judicialmente o<br />

31 Quanto à noção de “obrigação”, determina o art. 397.º <strong>do</strong> CC que a obrigação “é o vínculo jurídico por<br />

virtude <strong>do</strong> qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de uma prestação”. Nos termos <strong>do</strong> art. 398.º,<br />

n.º 2, <strong>do</strong> CC, essa obrigação não necessita de ter valor pecuniário, mas deve corresponder a um interesse <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r<br />

digno de protecção legal. Estan<strong>do</strong> em causa um direito de crédito, a obrigação caracteriza-se por assumir um<br />

carácter relativo e com eficácia inter partes (cfr., nesse senti<strong>do</strong>, COSTA, Mário Júlio de Almeida, Direito das<br />

Obrigações, 9.ª ed., Almedina, Coimbra, 2001, p. 79). No senti<strong>do</strong> de a obrigação se caracterizar pela “circunstância<br />

de determinada pessoa se encontrar adstrita a realizar uma específica conduta, positiva ou negativa, no interesse de<br />

outra, também determinada ou “determinável”, vide LEITÃO, Luís Menezes, Direito das Obrigações, vol. I, 3.ª ed.,<br />

Almedina, 2003, p. 15. Cfr., também, no mesmo senti<strong>do</strong>, VARELA, João de Matos Antunes, Das Obrigações em<br />

Geral, vol. I, 10.ª ed., Almedina, Coimbra, 2000, p. 154, segun<strong>do</strong> o qual a obrigação se traduz no direito a um<br />

comportamento pessoal <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r, ten<strong>do</strong> por objecto a acção ou a omissão a que o deve<strong>do</strong>r se encontra adstrito.<br />

32 Nos termos <strong>do</strong> art. 762.º <strong>do</strong> CC, o deve<strong>do</strong>r cumpre a obrigação quan<strong>do</strong> realiza a prestação a que está<br />

vincula<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> certo que a prestação pode ser efectuada tanto pelo deve<strong>do</strong>r como por terceiro, interessa<strong>do</strong> ou<br />

não no cumprimento da obrigação (art. 767.º, n.º 1, <strong>do</strong> CC).<br />

33 O não cumprimento, segun<strong>do</strong> ANTUNES VARELA, consiste na situação objectiva de não realização da<br />

prestação debitória e de insatisfação <strong>do</strong> interesse <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r, independentemente da causa de onde a falta procede<br />

(cfr. VARELA, João de Matos Antunes, Das Obrigações em Geral, vol. II, reimpr. da 7.ª ed., Almedina, Coimbra,<br />

2003, p. 60).<br />

37


38<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

seu cumprimento e de executar o património <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r 34 35 , sen<strong>do</strong> certo que o património <strong>do</strong><br />

deve<strong>do</strong>r constitui a garantia geral36 37 38 <strong>do</strong> cumprimento das suas obrigações (art. 601.º <strong>do</strong> CC) 39,<br />

34 A este propósito dispõe o art. 2910 <strong>do</strong> CC It., sob a epígrafe «Oggetto dell'esproprazione» que, “[I]l<br />

creditore, per conseguire quanto gli é <strong>do</strong>vuto, può fare espropriare i beni del debitore, secon<strong>do</strong> le regole stabilite dal<br />

codice di procedura civile”. Por sua vez, dispõe o art. 2191 <strong>do</strong> CC Fr., na redacção que lhe foi dada pela<br />

Or<strong>do</strong>nnance nº 2006-461 du 21 Avril 2006, que “[T]out créancier muni d'un titre exécutoire constatant une créance<br />

liquide et exigible peut procéder à une saisie immobilière dans les conditions fixées par le présent chapitre et par les<br />

dispositions qui ne lui sont pas contraires de la loi du 9 juillet 1991 portant réforme des procédures civiles<br />

d'exécution.<br />

35 Quanto à responsabilidade patrimonial <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r, refere ANGEL FERNANDEZ o seguinte: “Produci<strong>do</strong> el<br />

incumplimiento, el Derecho desconfia del deu<strong>do</strong>r —o, al menos, de su voluntad de pagar—, y vuelve los ojos a sua<br />

patrimonio, que sigue sien<strong>do</strong> la garantía última y más sólida de la satisfacción de sus acree<strong>do</strong>res (…). En la<br />

situación jurídica de responsabilidad —y esta es su nota característica — es el patrimonio del deu<strong>do</strong>r el que está<br />

someti<strong>do</strong> directa e inmediatamente —aunque com condiciones— a la actuación del Juez ejecutor” (cfr. ANGEL<br />

FERNANDEZ, Miguel, Derecho Procesal Civil III, Editorial Centro de Estúdios Ramon Areces, S.A., Madrid, 1996,<br />

p. 25).<br />

ob. cit., p. 420.<br />

36 Quanto à delimitação <strong>do</strong> âmbito deste conceito, vide VARELA, Antunes, Das Obrigações em Geral, vol. II,<br />

37 Trata-se, com efeito, de uma responsabilidade ilimitada, porquanto o cumprimento da obrigação é<br />

garanti<strong>do</strong> pela totalidade <strong>do</strong>s bens que integrem o seu património ao tempo da execução, responden<strong>do</strong> ainda os<br />

bens que tenham si<strong>do</strong> adquiri<strong>do</strong>s em momento posterior à constituição da obrigação (cfr., nesse senti<strong>do</strong>, COSTA,<br />

Mário Júlio de Almeida, Direito das Obrigações, ob. cit., p. 784).<br />

38 No direito italiano, o art. 2910. <strong>do</strong> CPC It. determina, quanto ao objecto da acção executiva, que “[I]l<br />

creditore, per conseguire quanto gli é <strong>do</strong>vuto, può fare espropriare i beni del debitore, secon<strong>do</strong> le regole stabilite dal<br />

codice di procedura civile”. Em conjugação com esta disposição legal, preceitua o art. 483. <strong>do</strong> CPC It. que “Il<br />

creditore puo' valersi cumulativamente dei diversi mezzi di espropriazione forzata previsti dalla legge, ma, su<br />

opposizione del debitore, il giudice dell'esecuzione, con ordinanza non impugnabile, può limitare l'espropriazione al<br />

mezzo che il creditore sceglie o, in mancanza, a quello che il giudice stesso determina. Por sua vez, quanto à<br />

garantia geral das obrigações, preceitua o art. 2740. <strong>do</strong> CC It. que “Il debitore risponde dell'adempimento delle<br />

obbligazioni con tutti i suoi beni presenti e futuri”.<br />

No âmbito <strong>do</strong> direito espanhol, vide o art. 1911. <strong>do</strong> Cc Es., o qual determina que “Del cumplimiento de las<br />

obligaciones responde el deu<strong>do</strong>r con to<strong>do</strong>s sus bienes, presentes y futuros.<br />

3939 Regra geral, to<strong>do</strong>s os bens <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r que integram o seu património respondem pelo cumprimento da<br />

obrigação, verifican<strong>do</strong>-se, deste mo<strong>do</strong>, que esse património constitui uma garantia geral que se torna efectiva<br />

através das diligências executivas (cfr. LIMA, Pires de; VARELA, Antunes, Código Civil Anota<strong>do</strong>, vol. I, 4.ª ed. rev. e<br />

actual., Coimbra Editora, Coimbra, 1987, p. 617). No entanto, a regra da garantia geral das obrigações quanto ao<br />

património <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r não tem natureza absoluta, da<strong>do</strong> que existem determina<strong>do</strong>s bens de deve<strong>do</strong>r que, ainda que


Fundamento <strong>do</strong>s embargos de terceiro<br />

sem prejuízo da possibilidade de constituição de garantias especiais <strong>do</strong> crédito sobre os bens <strong>do</strong><br />

deve<strong>do</strong>r ou de um terceiro 40. Na verdade, o cre<strong>do</strong>r pode recorrer à execução <strong>do</strong> património <strong>do</strong><br />

deve<strong>do</strong>r com vista a obter o cumprimento coercivo da sua obrigação 41 através da afectação<br />

jurídica desse património, o qual garante a realização coerciva da prestação ou da indemnização<br />

devida pelo incumprimento da obrigação. Contu<strong>do</strong>, uma vez que o cre<strong>do</strong>r não pode recorrer à<br />

força própria 42 43 para compelir o deve<strong>do</strong>r a cumprir voluntariamente a sua obrigação 44 ― nemo<br />

precise potest cogi ad factum ―, a ordem jurídica faculta-lhe a possibilidade de atingir o<br />

património <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r mediante o recurso aos tribunais através da instauração de uma acção<br />

integrem o seu património, são insusceptíveis de penhora. Na verdade, o legisla<strong>do</strong>r, ten<strong>do</strong> em conta a necessidade<br />

de ponderação entre a tutela absoluta <strong>do</strong>s interesses <strong>do</strong> exequente e a necessidade de protecção de interesses<br />

sociais, económicos e religiosos, optou pelos segun<strong>do</strong>s, ten<strong>do</strong> previsto a existência de bens absolutamente<br />

impenhoráveis, ou seja, insusceptíveis de penhora a qualquer título, nomeadamente quan<strong>do</strong> se trate de bens que se<br />

revelem imprescindíveis para a economia <strong>do</strong>méstica (art. 822.º <strong>do</strong> CPC), bem parcialmente penhoráveis, isto é,<br />

bens que só respondem pelo património <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> em situações particulares (art. 823.º <strong>do</strong> CPC), e bens<br />

parcialmente penhoráveis, ou seja, bens que só podem ser penhora<strong>do</strong>s de forma fraccionada ou parcelar (art. 824.º<br />

<strong>do</strong> CC).<br />

40 Cfr., a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 5 de Março de 1996, in BMJ, 455.º, p. 577: “A regra<br />

consagrada no art. 601.º, n.º 1, <strong>do</strong> Cód. Civil é de que constituem garantia comum <strong>do</strong>s cre<strong>do</strong>res to<strong>do</strong>s os bens <strong>do</strong><br />

deve<strong>do</strong>r que sejam exequíveis. Tal garantia só em casos excepcionais é que poderá ser afastada, haven<strong>do</strong>, por isso,<br />

que equacionar ponderadamente, em concreto, se devem prevalecer as motivações de ordem pública que<br />

determinaram a previsão da impreensibilidade relativa, ou antes o princípio da confiança e da boa-fé, postula<strong>do</strong> no<br />

princípio geral de que o património penhorável é a garantia <strong>do</strong> cumprimento da obrigação.”<br />

41 ANTUNES VARELA considera que, em rigor, a acção executiva não permite ao cre<strong>do</strong>r obter a soma<br />

necessária ao “cumprimento da obrigação”, mas sim à “indemnização <strong>do</strong>s danos que a falta de cumprimento lhe<br />

causou” (VARELA, Antunes, Das Obrigações em Geral, vol. II, ob. cit., p. 8).<br />

42 Trata-se, na verdade, <strong>do</strong> princípio da proibição da auto-defesa, o qual confere ao titular <strong>do</strong> direito<br />

ameaça<strong>do</strong> ou viola<strong>do</strong> a possibilidade de recorrer aos tribunais com vista a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou<br />

reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente (arts. 1.º e 2.º <strong>do</strong> CPC).<br />

43 A este propósito, refere CALAMANDREI que, embora o direito subjectivo represente a preferência dada<br />

pela lei ao interesse individual, isso não significa que quem esteja investi<strong>do</strong> nessa preferência possa empregar a<br />

força própria para fazer valer o seu direito (PIERO CALAMANDREI, Instituzioni di Diritto Processuale Civile, 2.ª ed.<br />

actual., CEDAM, Pádua, 1943, p. 222).<br />

44 Cfr., quanto ao conceito e à estrutura <strong>do</strong> direito de crédito, LEITÃO, Luís Menezes, Direito das<br />

Obrigações, vol. I, ob. cit., p. 69.<br />

39


40<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

executiva 45 , situação em que o tribunal se substitui ao deve<strong>do</strong>r (art. 4.º, n.º 3, <strong>do</strong> CPC) 46 47 . Trata-<br />

se, com efeito, de uma verdadeira acção creditória já que permite ao cre<strong>do</strong>r socorrer-se de um<br />

conjunto de providências destinadas a garantir a efectivação <strong>do</strong> seu direito de crédito 48 49. Na<br />

verdade, ao contrário <strong>do</strong> que sucede na acção declarativa, a qual visa, essencialmente, a<br />

45 Embora o recurso à acção executiva seja o meio normalmente utiliza<strong>do</strong> para a obtenção coactiva da<br />

satisfação <strong>do</strong> direito <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r, tal circunstância não impede o recurso à acção directa como meio de o cre<strong>do</strong>r obter<br />

o cumprimento da obrigação (art. 336.º <strong>do</strong> CC) — cfr., nesse senti<strong>do</strong>, LIMA, Pires de; VARELA, Antunes, Código Civil<br />

Anota<strong>do</strong>, vol. II, ob. cit., p. 89.<br />

46 Cfr. FREITAS, Lebre de, A Acção Executiva Depois da Reforma, 4.ª ed., Coimbra Editora, 2004, p. 16.<br />

47 À luz <strong>do</strong> art. 45.º, n.º 2, <strong>do</strong> CPC, a acção executiva, em resulta<strong>do</strong> da obrigação constante <strong>do</strong> título<br />

executivo (art. 46.º <strong>do</strong> CPC) pode assumir uma de três finalidades: pagamento de uma quantia certa, entrega de<br />

coisa certa e prestação de facto (positivo ou negativo).<br />

A acção executiva para pagamento de quantia certa (arts. 810.º a 922.º-C <strong>do</strong> CPC) pressupõe a existência<br />

de uma dívida pecuniária, pelo que o cre<strong>do</strong>r pretende obter coercivamente o cumprimento dessa obrigação à custa<br />

da execução <strong>do</strong> património <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r (art. 817.º <strong>do</strong> CC). Deste mo<strong>do</strong>, a penhora desempenha um papel<br />

fundamental nesta modalidade de acção executiva, porquanto, através da apreensão e posterior venda <strong>do</strong>s bens <strong>do</strong><br />

executa<strong>do</strong>, o exequente consegue obter a satisfação patrimonial <strong>do</strong> seu crédito.<br />

Por sua vez, na acção executiva para entrega de coisa certa (arts. 928.º a 931.º <strong>do</strong> CPC e 827.º <strong>do</strong> CC), o<br />

exequente, sen<strong>do</strong> titular <strong>do</strong> direito à entrega de uma coisa determinada — com base numa obrigação ou num direito<br />

real — que se encontra na posse <strong>do</strong> executa<strong>do</strong>, requer ao tribunal que este a apreenda coercivamente para que<br />

posteriormente a entrega lhe seja feita.<br />

Por último, na acção executiva para prestação de facto (arts. 933.º a 942.º <strong>do</strong> CPC), estan<strong>do</strong> em causa a<br />

violação de um dever de acção, isto é, a prestação de um facto positivo e sen<strong>do</strong> este fungível (art. 828.º <strong>do</strong> CC), o<br />

cre<strong>do</strong>r pode requerer, em execução, a sua prestação por outrem à custa <strong>do</strong>s bens <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r, ou, em<br />

contrapartida, estan<strong>do</strong> em causa a prestação de um facto infungível, o pagamento (através da apreensão e posterior<br />

venda <strong>do</strong>s bens <strong>do</strong> executa<strong>do</strong>) de uma indemnização pelo dano sofri<strong>do</strong> com o incumprimento. Por outro la<strong>do</strong>, se<br />

estiver em causa a violação de uma obrigação quan<strong>do</strong> esta tenha por objecto a prestação de um facto negativo (art.<br />

829.º, n.º 1, <strong>do</strong> CC), o exequente pode requerer a demolição da obra que tenha si<strong>do</strong> realizada (quan<strong>do</strong> o deve<strong>do</strong>r<br />

estava obriga<strong>do</strong> a não praticar algum facto e o tenha vin<strong>do</strong> a praticar), ou o pagamento de uma indemnização pelo<br />

prejuízo sofri<strong>do</strong> (art. 829.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC) ou de uma quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória a que<br />

o deve<strong>do</strong>r já tenha si<strong>do</strong> condena<strong>do</strong> (art. 941.º <strong>do</strong> CPC).<br />

48 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, COSTA, Mário Júlio de Almeida, Direito das Obrigações, ob. cit., p. 134.<br />

49 Quanto ao direito de crédito, MENEZES LEITÃO sustenta que este tem por objecto a prestação, negan<strong>do</strong><br />

a existência de qualquer direito <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r sobre o património <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r. Nesta medida, a obrigação não se traduz<br />

num direito sobre os bens <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r, sen<strong>do</strong> antes um “vínculo pessoal entre <strong>do</strong>is sujeitos, através <strong>do</strong> qual um<br />

deles pode exigir que o outro a<strong>do</strong>pte determina<strong>do</strong> comportamento em seu benefício” (cfr. LEITÃO, Luís Menezes,<br />

Direito das Obrigações, vol. I, ob. cit., p. 91).


Fundamento <strong>do</strong>s embargos de terceiro<br />

declaração de direitos, preexistentes ou a constituir, a acção executiva pressupõe a existência de<br />

um dever de realização de uma prestação, pelo que tem como desiderato a reparação efectiva<br />

de um direito viola<strong>do</strong>, visan<strong>do</strong>, consequentemente, a “reparação material coactiva <strong>do</strong> direito <strong>do</strong><br />

exequente” 50 .<br />

Assim, para se conseguir esse objectivo, a lei permite ao Esta<strong>do</strong> substituir-se ao deve<strong>do</strong>r<br />

na satisfação <strong>do</strong> direito de crédito, servin<strong>do</strong>-se, com efeito, <strong>do</strong>s meios necessário para a<br />

execução coactiva <strong>do</strong> património <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r, designadamente através da penhora <strong>do</strong>s bens que<br />

integram o seu património. De to<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong>, nem to<strong>do</strong>s os bens pertencentes ao deve<strong>do</strong>r podem<br />

ser penhora<strong>do</strong>s, da<strong>do</strong> que apenas estão sujeitos à execução os bens que sejam susceptíveis de<br />

penhora, e que, nos termos da lei substantiva, respondam pela dívida exequenda (art. 821.º <strong>do</strong><br />

CPC) 51 , preven<strong>do</strong> a lei processual a existência de situações de impenhorabilidade 52 e de<br />

separação de patrimónios 53.<br />

A penhora, enquanto elemento essencial <strong>do</strong> processo executivo e manifestação <strong>do</strong><br />

exercício <strong>do</strong> poder coercitivo <strong>do</strong> tribunal 54, traduz-se numa apreensão de bens, ou seja, num<br />

desapossamento de bens <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r, subtrain<strong>do</strong>-lhe à sua disponibilidade jurídica bens<br />

integrantes <strong>do</strong> seu património 55 . Nessa exacta medida, seguin<strong>do</strong> de perto LIEBMAN, “a penhora<br />

visa individualizar e apreender efectivamente os bens que se destinam aos fins da execução,<br />

preparan<strong>do</strong> o acto futuro de desapropriação” 56 , bem como “conservar os bens assim<br />

individualiza<strong>do</strong>s na situação em que se encontram, evitan<strong>do</strong> que sejam escondi<strong>do</strong>s, deteriora<strong>do</strong>s<br />

50 Cfr. FREITAS, Lebre de, A Acção Executiva Depois da Reforma, ob. cit., p. 9.<br />

51 Vide, a este propósito, o § 803 <strong>do</strong> ZPO, segun<strong>do</strong> o qual a execução coactiva sobre o património <strong>do</strong><br />

deve<strong>do</strong>r é realizada através da penhora <strong>do</strong>s seus bens.<br />

52 Cfr. os arts. 822.º <strong>do</strong> CPC (bens absolutamente impenhoráveis), 823.º <strong>do</strong> CPC (bens relativamente<br />

impenhoráveis) e 824.º <strong>do</strong> CPC (bens parcialmente penhoráveis). Vide, a este propósito, o § 811 <strong>do</strong> ZPO, o qual<br />

determina quais os bens insusceptíveis de penhora no direito alemão.<br />

53 No que concerne às dívidas próprias, comunicáveis ou comuns <strong>do</strong>s cônjuges, o legisla<strong>do</strong>r atende à<br />

existência de patrimónios distintos — próprio e comum — para os fazer responder de forma distinta consoante o<br />

regime de responsabilidade pela dívida.<br />

p. 163.<br />

54 Cfr. FREITAS, Lebre de, A Acção Executiva Depois da Reforma, ob. cit., p. 206.<br />

55 Cfr. FERREIRA, Fernan<strong>do</strong> Amâncio, Curso de Processo de Execução, 5.ª ed. rev. e actual., Almedina,<br />

56 Quanto à instrumentalidade da penhora e à sua função individualiza<strong>do</strong>ra, cfr. SOUSA, Miguel Teixeira de,<br />

Acção Executiva Singular, Lex, Lisboa, 1998, p. 197, segun<strong>do</strong> o qual “a penhora destina-se a individualizar os bens<br />

e direitos que respondem pelo cumprimento da obrigação pecuniária através da acção executiva.”<br />

41


42<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

ou aliena<strong>do</strong>s em prejuízo da execução” 57 . Trata-se, no fun<strong>do</strong>, de um acto que tem por finalidade<br />

principal a afectação de determina<strong>do</strong>s bens que integram o património <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r com vista à<br />

realização das finalidades da execução 58.<br />

Deste mo<strong>do</strong>, a penhora constitui o acto central <strong>do</strong> processo executivo porquanto tem por<br />

finalidade o cumprimento coactivo da obrigação através da oneração de bens que fazem parte<br />

integrante <strong>do</strong> património <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r 59, constituin<strong>do</strong> a favor <strong>do</strong> exequente o direito de ser pago<br />

com preferência em relação a qualquer outro cre<strong>do</strong>r que não tenha uma garantia real anterior<br />

(art. 822.º <strong>do</strong> CC) 60 . Para esse efeito, a penhora implica, em regra, a apreensão efectiva <strong>do</strong><br />

bem 61, assim como a limitação <strong>do</strong>s poderes de gozo <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> sobre o bem.<br />

57 LIEBMAN, Enrico Tullio, Processo de Execução, 2.ª ed., S. Paulo, 1963, p. 88.<br />

58 Neste senti<strong>do</strong>, cfr. ANGEL FERNANDEZ, Miguel, Derecho Procesal Civil III, ob. cit., p. 80<br />

59 A este propósito, o Tribunal Constitucional de Espanha, pela sentença 85/1991, de 22 de Abril, (apud<br />

ANGEL FERNANDEZ, Miguel, Derecho Procesal Civil III, ob. cit., p. 80), decidiu que “el embargo de los bienes del<br />

deu<strong>do</strong>r solo puede recaer sobre los que esta tenga realmente incorpora<strong>do</strong>s en su património en tal momento”<br />

60 Tal como salientam PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, não revestin<strong>do</strong> actualmente o processo<br />

executivo a configuração de uma execução universal, ao contrário <strong>do</strong> que se verifica, e.g., no processo de<br />

insolvência, e justo que o cre<strong>do</strong>r que se revelou mais diligente na execução <strong>do</strong> património <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r adquira pela<br />

penhora uma preferência de pagamento em relação aos demais cre<strong>do</strong>res, não deixan<strong>do</strong> de ser relevante a<br />

circunstância de a penhora obtida por um <strong>do</strong>s cre<strong>do</strong>res, ao determinar a inoponibilidade de qualquer acto de<br />

disposição, oneração ou arrendamento <strong>do</strong>s bens penhora<strong>do</strong>s, representar um benefício para os demais cre<strong>do</strong>res,<br />

que, assim, vêem o património <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r assegura<strong>do</strong> (LIMA, Pires de; VARELA, Antunes, Código Civil Anota<strong>do</strong>, vol.<br />

II, 4.ª ed. rev. e actual., Coimbra Editora, 1997, p. 95).<br />

61 Na verdade, nos termos <strong>do</strong> art. 840.º <strong>do</strong> CPC, estan<strong>do</strong> em causa a penhora de um bem imóvel, em<br />

regra o depositário deve tomar posse efectiva desse bem, salvo quan<strong>do</strong> se verifique alguma das situações previstas<br />

no art. 839.º, n. os 1 e 2, <strong>do</strong> CPC. De igual mo<strong>do</strong>, a penhora de bens móveis não sujeitos a registo é realizada com a<br />

apreensão efectiva <strong>do</strong>s bens e a sua imediata remoção para depósitos, assumin<strong>do</strong> o agente de execução que<br />

efectuou a diligência a qualidade de fiel depositário — art. 848.º <strong>do</strong> CPC (cfr., quanto às funções de fiel depositário<br />

no actual processo executivo, REGO, Carlos Lopes <strong>do</strong>, «As funções e o estatuto processual <strong>do</strong> agente de execução e<br />

seu reflexo no papel <strong>do</strong>s demais intervenientes no processo executivo», in Themis, ano V, n.º 9, 2004, p. 53). Por<br />

sua vez, estan<strong>do</strong> em causa a penhora de bens móveis sujeitos a registo ― maxime, o caso mais frequente <strong>do</strong>s<br />

veículos automóveis ―, o bem deve ser imobiliza<strong>do</strong> e os respectivos <strong>do</strong>cumentos apreendi<strong>do</strong>s, sem prejuízo de se<br />

verificar ainda a remoção <strong>do</strong> veículo automóvel quan<strong>do</strong> tal se afigure necessário ou, em caso de falta de oposição à<br />

penhora, quan<strong>do</strong> essa diligência se revele conveniente (art. 851.º, n.º 2, <strong>do</strong> CPC). De destacar ainda a situação<br />

particular da penhora de títulos de crédito, caso em que essa diligência se realiza com a apreensão efectiva <strong>do</strong> título<br />

(art. 857.º <strong>do</strong> CPC).


Fundamento <strong>do</strong>s embargos de terceiro<br />

Em primeira linha, cabe ao exequente a nomeação à penhora <strong>do</strong>s bens <strong>do</strong> executa<strong>do</strong><br />

que deverão responder pela dívida exequenda [art. 810.º, n.º 1, i) e n.º 5 <strong>do</strong> CPC]. Por outro<br />

la<strong>do</strong>, o solicita<strong>do</strong>r de execução, sem necessidade de autorização judicial, deve promover as<br />

diligências que se afigurem necessárias ou úteis à identificação ou localização de bens<br />

penhoráveis, designadamente através da consulta das bases de da<strong>do</strong>s da administração<br />

tributária, da segurança social, das conservatórias <strong>do</strong> registo predial, comercial e automóvel e de<br />

outros registos ou arquivos semelhantes.<br />

Todavia, pode suceder que as informações prestadas pelo exequente ou recolhidas nas<br />

bases de da<strong>do</strong>s pelo solicita<strong>do</strong>r de execução não apresentem uma correspondência com a<br />

realidade, designadamente pelo facto dessa informação ser errada ou desactualizada. Nessa<br />

exacta medida, o incidente de embargos de terceiro visa permitir a reacção contra a penhora ou<br />

uma diligência judicialmente ordenada de apreensão ou entrega de bens que ofenda a posse ou<br />

um direito incompatível de um terceiro relativamente à realização ou ao âmbito dessa diligência<br />

(art. 351.º <strong>do</strong> CPC), ou seja, constitui um meio de reacção contra um acto de natureza<br />

tendencialmente executiva que se traduza numa invasão ilegítima da esfera jurídico-patrimonial<br />

de um terceiro estranho ao processo, agredin<strong>do</strong> ou ameaçan<strong>do</strong> agredir o direito que o terceiro<br />

exerce sobre os bens que integram o seu património 62 . Deste mo<strong>do</strong>, os embargos de terceiro<br />

encontram o seu fundamento na desconformidade entre os bens ou direitos efectivamente<br />

atingi<strong>do</strong>s pela diligência executiva e as normas de responsabilidade patrimonial <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r<br />

previstas na lei substantiva (art. 601.º <strong>do</strong> CC).<br />

2. A PENHORA DE BENS DE TERCEIRO<br />

Em princípio, a penhora apenas pode recair sobre bens pertencentes ao deve<strong>do</strong>r e que<br />

se encontrem na sua posse (art. 821.º, n.º 1, <strong>do</strong> CPC). No entanto, pode suceder que a penhora<br />

No entanto, em certas circunstâncias a penhora não implica um desapossamento efectivo <strong>do</strong> bem<br />

penhora<strong>do</strong>. Tal verifica-se, e.g., no caso particular previsto no art. 839.º, n. os 1 e 2, <strong>do</strong> CPC quanto à penhora de<br />

bens imóveis em que deve ser nomea<strong>do</strong> como fiel depositário o próprio executa<strong>do</strong>, o arrendatário ou o retentor.<br />

Cfr., no âmbito <strong>do</strong> direito processual civil alemão, o § 866 <strong>do</strong> ZPO, segun<strong>do</strong> o qual a penhora de um bem imóvel é<br />

realizada por meio da sua inscrição no registo.<br />

62 FREDERICO CARPI; MICHELE TARUFFO, Commentario Breve al Codice di Procedura Civile, Cedam,<br />

Pádua, 2002, p. 1841.<br />

43


44<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

venha recair sobre bens que se encontrem na posse de um terceiro não deve<strong>do</strong>r 63 , quan<strong>do</strong> a lei<br />

assim o autorize de forma expressa. Para o efeito, é necessário que esses bens se encontrem<br />

vincula<strong>do</strong>s à garantia <strong>do</strong> crédito 64, isto é, sobre eles deve incidir algum direito real para garantia<br />

<strong>do</strong> crédito <strong>do</strong> exequente, e, por outro la<strong>do</strong>, é imprescindível que a execução tenha si<strong>do</strong> movida<br />

contra esse terceiro (art. 821.º, n.º 2, <strong>do</strong> CPC). Além disso, é ainda legalmente admissível a<br />

penhora de bens de terceiro quan<strong>do</strong> tenha si<strong>do</strong> julgada procedente uma acção de impugnação<br />

pauliana por se ter verifica<strong>do</strong> a prática de um acto de disposição de bens pelo deve<strong>do</strong>r a favor de<br />

um terceiro com o único propósito de defraudar os interesses <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r (art. 818.º <strong>do</strong> CC) 65 66 .<br />

Deste mo<strong>do</strong>, a regra principal quanto à execução <strong>do</strong> património em sede executiva é a<br />

de que nunca podem ser penhora<strong>do</strong>s bens que não pertençam ao executa<strong>do</strong>, seja este o<br />

deve<strong>do</strong>r principal, um deve<strong>do</strong>r subsidiário ou solidário ou um terceiro 67 . Na verdade, tal como<br />

salienta TEIXEIRA DE SOUSA, a responsabilidade patrimonial não pode ser efectivada sem a<br />

demanda <strong>do</strong> titular <strong>do</strong> património responsável na acção executiva 68 .<br />

63 Tal circunstância pode suceder, designadamente, quer quan<strong>do</strong> sobre o bem que se encontra na posse<br />

de um terceiro incide um direito real de garantia (art. 818.º, n.º 1, <strong>do</strong> CC), quer quan<strong>do</strong> o bem pertence<br />

efectivamente ao executa<strong>do</strong>, mas, por algum motivo, se encontra na posse efectiva de um terceiro, o qual pode ser<br />

o possui<strong>do</strong>r exclusivo ou um co-possui<strong>do</strong>r (ex. em regime de compropriedade ou no caso de cônjuges casa<strong>do</strong>s em<br />

regime de comunhão de bens) — vide, nesse senti<strong>do</strong>, SOUSA, Miguel Teixeira de, «A Penhora de bens na posse de<br />

terceiros», in ROA, ano 51.º, vol. I, 1991, pp. 71 e ss.<br />

64 Cfr. LIMA, Pires de; VARELA, Antunes, Código Civil Anota<strong>do</strong>, vol. II, ob. cit., p. 90: “Os bens de terceiro<br />

podem estar vincula<strong>do</strong>s à garantia <strong>do</strong> crédito, não só no caso de ter si<strong>do</strong> prestada uma fiança, como no de ter si<strong>do</strong><br />

constituída uma garantia real”. Quanto à constituição de uma garantia real sobre os bens <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r, cfr. os arts.<br />

657.º, n.º 2, 666.º e 686.º, n.º 1, to<strong>do</strong>s <strong>do</strong> CC. Quanto à prestação de fiança, vide o art. 627.º, n.º 1, <strong>do</strong> CC. Caso<br />

o cre<strong>do</strong>r pretenda agredir o património de um terceiro que se encontre onera<strong>do</strong> com garantia real para a tutela <strong>do</strong><br />

seu crédito, a acção executiva deve ser movida contra o terceiro (art. 56.º, n.º 2, <strong>do</strong> CPC), sob pena de ser<br />

admissível a dedução de embargos de terceiro em caso de penhora desses bens onera<strong>do</strong>s sem que o terceiro tenha<br />

si<strong>do</strong> demanda<strong>do</strong> para a execução.<br />

65 Nos termos <strong>do</strong> art. 616.º <strong>do</strong> CC, sen<strong>do</strong> julgada procedente a acção de impugnação pauliana (actio<br />

Pauliana), o cre<strong>do</strong>r tem o direito à restituição <strong>do</strong>s bens e de os executar no património <strong>do</strong> terceiro adquirente. Na<br />

verdade, a finalidade desta acção é a de assegurar a conservação da garantia patrimonial através da impugnação de<br />

qualquer alienato in fraudem creditorem (cfr. SOUSA, Miguel Teixeira de, Acção Executiva Singular, ob. cit., p. 225).<br />

66 Cfr., a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 21 de Novembro de 1979, in BMJ, 291.º, p. 429.<br />

67 Cfr. FREITAS, Lebre de, A Acção Executiva Depois da Reforma, ob. cit., p. 209.<br />

68 SOUSA, Miguel Teixeira de, Acção Executiva Singular, ob. cit., p. 222.


Fundamento <strong>do</strong>s embargos de terceiro<br />

Ainda que na diligência de penhora venha a constatar-se que os bens <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> se<br />

encontram na posse de um terceiro a qualquer título, esses bens devem ser apreendi<strong>do</strong>s, sem<br />

prejuízo, no entanto, <strong>do</strong>s direitos que o terceiro possa opor ao exequente (art. 831.º, n.º 2, <strong>do</strong><br />

CPC) 69 . Trata-se, na verdade, de um mecanismo de protecção <strong>do</strong>s interesses <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r<br />

exequente (favor creditoris), na medida em que permite a apreensão de bens que julgue<br />

pertencerem ao executa<strong>do</strong> — não poden<strong>do</strong> ser invocada uma situação de dúvida quanto à<br />

titularidade desses bens para se obstar à realização efectiva da penhora — relegan<strong>do</strong>-se para um<br />

momento posterior a possibilidade de o terceiro que tinha os bens na sua posse poder vir opor,<br />

designadamente, embargos de terceiro contra a ofensa patrimonial resultante da penhora <strong>do</strong>s<br />

bens 70 71. Nessa exacta medida, a lei processual faculta ao terceiro a possibilidade de fazer valer<br />

em momento posterior os seus direitos em consequência de uma agressão patrimonial<br />

resultante de um processo judicial pendente. Embora essa garantia constitua uma perturbação<br />

ao normal andamento <strong>do</strong> processo executivo, o legisla<strong>do</strong>r, por evidentes razões de justiça, não<br />

poderia deixar de a admitir. Ademais, estan<strong>do</strong> a penhora sujeita ao princípio da legalidade, é<br />

necessário que o processo executivo permita a tutela <strong>do</strong>s interesses de terceiros que venham a<br />

ser atingi<strong>do</strong>s por uma agressão patrimonial objectiva ou subjectivamente ilegal.<br />

Todavia, se o terceiro não reagir contra essa agressão patrimonial — ainda que invoque a<br />

ofensa da sua posse ou de um direito incompatível — essa inércia implicará que a alienação<br />

executiva <strong>do</strong>s bens pertencentes ao terceiro adquira eficácia plena, fican<strong>do</strong> prejudicada a<br />

69 De to<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong>, ainda que o executa<strong>do</strong>/deve<strong>do</strong>r tenha transmiti<strong>do</strong> os seus bens para terceiros com o<br />

único propósito de defraudar os seus cre<strong>do</strong>res, estes apenas podem afectar pela penhora esses mesmos bens se<br />

tiver si<strong>do</strong> deduzida com êxito uma acção de impugnação pauliana (cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 3 de Outubro de 1996,<br />

proc. 0632837, in www.dgsi.pt).<br />

70 Em oposição com a solução a<strong>do</strong>ptada no processo civil português, dispõe o art. 593., n. 2, da LEC, que<br />

“[C]uan<strong>do</strong>, por percepción directa o por manifestaciones dele ejecuta<strong>do</strong> e de otras personas, el tribunal tuviera<br />

raciones para entender que los bienes que se propone trabar pueden pertenecer a un tercero, ordenará mediante<br />

providencia que se le haga saber la inminencia de la traba. Si, en el plazo de cinco dias el tercero no compareciere<br />

o no diere razones, el tribunal dictara providencia mandan<strong>do</strong> trabar los bienes, a no ser que las partes, dentro del<br />

mismo plazo concedi<strong>do</strong> al tercero, hayan manifesta<strong>do</strong> al tribunal su conformidad em qie no se realice el embargo.<br />

Si ele tercero se opusiere razonadamente al embargo aportan<strong>do</strong>, en su caso, los <strong>do</strong>cumentos que justifiquen su<br />

derecho, el tribunal, oídas las partes, resolverá lo que proceda.”<br />

71 Paralelamente aos embargos de terceiro, a tercería de <strong>do</strong>mínio no sistema processual civil espanhol tem<br />

por objectivo impedir a venda executiva de bens que não pertencem ao deve<strong>do</strong>r (cfr. ANGEL FERNANDEZ, Miguel,<br />

Derecho Procesal Civil III, ob. cit., p. 372).<br />

45


46<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

possibilidade de impugnar no próprio processo a validade da venda executiva, sem prejuízo, no<br />

entanto, de se socorrer da acção de reivindicação.<br />

3. EFEITOS DA PENHORA<br />

Embora seja o acto principal <strong>do</strong> processo executivo, a penhora não se esgota em si<br />

mesma. Na verdade, <strong>do</strong> acto de penhora resultam três efeitos essenciais: inoponibilidade da<br />

actos de disposição, oneração ou arrendamento de bens penhora<strong>do</strong>s em relação à execução;<br />

constituição de um direito de preferência a favor <strong>do</strong> exequente; transferência <strong>do</strong>s poderes de<br />

gozo sobre a coisa penhorada para o tribunal.<br />

3.1. INOPONIBILIDADE EM RELAÇÃO À EXECUÇÃO<br />

Nos termos <strong>do</strong> art. 819.º <strong>do</strong> CC, sem prejuízo das regras <strong>do</strong> registo 72, são inoponíveis à<br />

execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento 73 <strong>do</strong>s bens penhora<strong>do</strong>s 74 75 76 . Visa-se<br />

72 Cfr. a sentença da CSC It., proc. 9740/1992, segun<strong>do</strong> a qual, estan<strong>do</strong> em causa a penhora de bens<br />

imóveis ou de bens móveis sujeitos a registo, não produzem efeito, em prejuízo <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r exequente e <strong>do</strong>s cre<strong>do</strong>res<br />

intervenientes na execução, os actos de alienação <strong>do</strong>s bens penhora<strong>do</strong>s se não se encontrarem regista<strong>do</strong>s antes da<br />

penhora. Deste mo<strong>do</strong>, nessa sentença foi decidi<strong>do</strong> que o adquirente de um bem imóvel, que registou o título de<br />

aquisição em momento anterior à inscrição <strong>do</strong> registo da penhora, tem legitimidade para deduzir oposição de<br />

terceiro de mo<strong>do</strong> a poder fazer valer o seu direito sobre o bem objecto da acção executiva.<br />

73 Vide, a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 25 de Novembro de 1975, in BMJ, 251.º, p. 163, no qual se<br />

decidiu que o arrendamento feito pelo executa<strong>do</strong> após a penhora está sujeito ao regime da ineficácia relativa<br />

estatuí<strong>do</strong> para os negócios de alienação e oneração de bens penhora<strong>do</strong>s. Por outro la<strong>do</strong>, importa referir ainda que,<br />

no regime anterior à reforma da acção executiva de 2003, esta disposição preceituava a inoponibilidade apenas em<br />

relação ao exequente e não relativamente à execução.<br />

74 A este propósito, determina o art. 2913. <strong>do</strong> CC It., sob a epígrafe (Inefficacia delle alienazioni del bene<br />

pignorato), que “[N]on hanno effetto in pregiudizio del creditore pignorante e dei creditori che intervengono<br />

nell'esecuzione gli atti di alienazione dei beni sottoposti a pignoramento, salvi gli effetti del possesso di buona fede<br />

per i mobili non iscritti in pubblici registri.”<br />

75 Em termos de direito compara<strong>do</strong>, o regime substantivo francês é mais penoso para o deve<strong>do</strong>r quanto<br />

aos efeitos da penhora de bens imóveis, da<strong>do</strong> que, tal como determina o art. 2198 <strong>do</strong> CC Fr., “[L]a saisie rend<br />

l'immeuble indisponible et restreint les droits de jouissance et d'administration du débiteur. Le bien ne peut être<br />

aliéné ni grevé de droits réels par le débiteur sous réserve des dispositions de l'article 2201". Quanto ao<br />

arrendamento de bens imóveis penhora<strong>do</strong>s, o regime da ineficácia <strong>do</strong> arrendamento constituí<strong>do</strong> em momento


Fundamento <strong>do</strong>s embargos de terceiro<br />

com semelhante normativo legal impedir a disposição ou oneração <strong>do</strong>s bens penhora<strong>do</strong>s através<br />

da prática de um acto de que resulte a diminuição das garantias <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r 77.<br />

Com efeito, embora a penhora determine a perda <strong>do</strong>s poderes de gozo sobre a coisa<br />

penhorada, o executa<strong>do</strong> conserva, no entanto, os poderes de disposição ou de oneração 78 . Tal<br />

circunstância resulta <strong>do</strong> facto de o legisla<strong>do</strong>r pretender assegurar que a coisa penhorada se<br />

conserve na esfera jurídica <strong>do</strong> executa<strong>do</strong>, procuran<strong>do</strong>, contu<strong>do</strong>, impedir que o bem onera<strong>do</strong> seja<br />

excluí<strong>do</strong> da venda executiva em virtude de um acto dispositivo <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r executa<strong>do</strong> 79 . Nessa<br />

exacta medida, embora o acto dispositivo subsequente à penhora seja váli<strong>do</strong> 80 , este acto,<br />

contu<strong>do</strong>, é ineficaz relativamente à execução 81 82 83, já que se lhe fosse conferida uma eficácia<br />

plena, a finalidade principal da penhora, isto é, a apreensão <strong>do</strong>s bens <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> com vista à<br />

posterior à penhora consagra<strong>do</strong> no art. 819.º <strong>do</strong> CC encontra o seu paralelo no art. 2199 <strong>do</strong> CC Fr., ao abrigo <strong>do</strong><br />

qual “[L]es baux consentis par le débiteur après la saisie sont, quelle que soit leur durée, inopposables au créancier<br />

poursuivant comme à l'acquéreur. La preuve de l'antériorité du bail peut être faite par tout moyen."<br />

76 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 11 de Março de 2003, proc. 443/03 - 6.ª secção, in www.dgsi.pt: “Qualquer acto<br />

de disposição ou oneração <strong>do</strong> estabelecimento comercial penhora<strong>do</strong>, designadamente o seu arrendamento, é<br />

ineficaz em relação à execução (art.º 819 <strong>do</strong> CC).”<br />

77 A este propósito, ALMEIDA COSTA sustenta que a penhora não constitui, em rigor, um direito real de<br />

garantia, mas tão só um acto processual que visa criar a indisponibilidade <strong>do</strong>s bens adstritos à execução (cfr.<br />

COSTA, Mário Júlio de Almeida, Direito das Obrigações, ob. cit., p. 919).<br />

78 Vide, a este propósito, FERREIRA, Fernan<strong>do</strong> Amâncio, Curso de Processo de Execução, ob. cit., p. 242.<br />

79 Cfr., a este propósito, PINTO, Rui, Penhora, Venda e Pagamento, Lex, Lisboa, 2003, p. 49.<br />

80 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 11 de Maio de 2000, proc. 357/2000 – 7.ª secção, in www.dgsi.pt.<br />

81 Trata-se, na verdade, de uma inoponibilidade relativa, da<strong>do</strong> que a alienação ou oneração <strong>do</strong>s bens<br />

penhora<strong>do</strong>s é tratada, em relação à execução, como se não se tivesse verifica<strong>do</strong>. Por outro la<strong>do</strong>, essa<br />

inoponibilidade relativa verifica-se apenas na exacta medida em que seja necessária à prossecução <strong>do</strong>s fins da<br />

execução (cfr., neste senti<strong>do</strong>, SOUSA, Miguel Teixeira de, Acção Executiva Singular, ob. cit., pp. 240 e 241).<br />

82 Ao contrário <strong>do</strong> que sucede no sistema processual português, no processo civil espanhol, se o bem<br />

penhora<strong>do</strong> tiver si<strong>do</strong> aliena<strong>do</strong> a um terceiro, esse acto de disposição <strong>do</strong> bem, ainda que váli<strong>do</strong>, é apenas ineficaz<br />

em relação ao exequente.<br />

83 Tal como salienta VAZ SERRA, a alienação <strong>do</strong>s bens penhora<strong>do</strong>s só deve considerar-se inadmissível<br />

enquanto ofender os interesses da execução, pelo que se revela suficiente a ineficácia da disposição <strong>do</strong>s bens<br />

penhora<strong>do</strong>s para se garantir o fim da execução (SERRA, Adriano Vaz, «Realização coactiva da prestação», in BMJ,<br />

73.º, p. 147).<br />

47


48<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

sua alienação coerciva, ficaria esvaziada de qualquer conteú<strong>do</strong> 84 85 86 . Deste mo<strong>do</strong>, os efeitos<br />

desse acto ficam “suspensos” até que se verifique um eventual levantamento da penhora que<br />

incide sobre o bem onera<strong>do</strong> ou aliena<strong>do</strong> 87 88, caso em que o acto de disposição ou de oneração<br />

adquire eficácia plena. Todavia, verifican<strong>do</strong>-se a venda executiva <strong>do</strong> bem penhora<strong>do</strong>, assiste-se à<br />

caducidade <strong>do</strong> direito <strong>do</strong> terceiro (art. 824.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC) 89, o qual, no entanto, é transferi<strong>do</strong><br />

para o produto da venda (art. 824.º, n.º 3, <strong>do</strong> CC).<br />

Tratan<strong>do</strong>-se de um bem imóvel ou de um bem móvel sujeito a registo, a ineficácia <strong>do</strong>s<br />

actos de disposição ou de alienação que sejam realiza<strong>do</strong>s em momento posterior à penhora fica<br />

90 dependente <strong>do</strong> registo da penhora em momento anterior ao registo da prática desses actos 91.<br />

84 Cfr. FREITAS, Lebre de, A Acção Executiva Depois da Reforma, ob. cit., p. 266. Vide, a este propósito, o<br />

Ac. <strong>do</strong> STJ, de 2 de Dezembro de 1975, in BMJ, 252.º, p. 123, no qual se decidiu que “a penhora de um prédio<br />

provoca a inoponibilidade ao processo executivo <strong>do</strong> arrendamento celebra<strong>do</strong> pelo executa<strong>do</strong>.”<br />

85 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 13 de Maio de 2003, proc. 0322275, in www.dgsi.pt, segun<strong>do</strong> o<br />

qual “Penhora<strong>do</strong> o quinhão <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> sobre um prédio em regime de compropriedade, a atribuição <strong>do</strong> direito de<br />

propriedade desse prédio a outro comproprietário, em acção de divisão de coisa comum, sem o acor<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

exequente, é inoponível a este, deven<strong>do</strong> prosseguir a execução sem alteração da penhora efectuada.”<br />

86 Nesta medida, tal como salientam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, deste princípio da<br />

inoponibilidade em relação à execução resulta que o deve<strong>do</strong>r pode alienar, onerar ou arrendar livremente os seus<br />

bens penhora<strong>do</strong>s, embora a execução prossiga os seus termos como se os bens pertencessem ao executa<strong>do</strong> e na<br />

situação jurídica reportada à data da penhora (LIMA, Pires de; VARELA, Antunes, Código Civil Anota<strong>do</strong>, vol. II, 4.ª ed.<br />

rev. e actual., Coimbra Editora, 1997, p. 91).<br />

87 Saliente-se que não é lícito ao terceiro invocar a sua boa-fé na aquisição, isto é, um desconhecimento<br />

desculpável de que o bem em causa se encontrava penhora<strong>do</strong>, porquanto no nosso ordenamento jurídico a posse<br />

não vale título (cfr. SOUSA, Miguel Teixeira de, Acção Executiva Singular, ob. cit., p. 243).<br />

88 Cfr., a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 15 de Dezembro de 1998, proc. 98A880, in www.dgsi.pt,<br />

segun<strong>do</strong> o qual “[O] executa<strong>do</strong> pode livremente alienar os bens penhora<strong>do</strong>s, embora a execução prossiga como se<br />

esses bens pertencessem ao executa<strong>do</strong>.”<br />

89 Quanto aos efeitos da venda executiva da coisa no direito italiano, vide o art. 2919. <strong>do</strong> CC It., segun<strong>do</strong> o<br />

qual “La vendita forzata trasferisce all'acquirente i diritti che sulla cosa spettavano a colui che ha subito<br />

l'espropriazione, salvi gli effetti del possesso di buona fede. Non sono però opponibili all'acquirente diritti acquistati<br />

da terzi sulla cosa, se i diritti stessi non hanno effetto in pregiudizio del creditore pignorante e dei creditori<br />

intervenuti nell'esecuzione.”<br />

www.dgsi.pt.<br />

90 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 2 de Novembro de 2004, proc. 2966/04 – 6.ª secção, in<br />

91 Vide, no mesmo senti<strong>do</strong>, o art. 2200.º <strong>do</strong> CC Fr., ao abrigo <strong>do</strong> qual “[L]es aliénations non publiées ou<br />

publiées postérieurement sont inopposables au créancier poursuivant comme à l'acquéreur dans les conditions


Fundamento <strong>do</strong>s embargos de terceiro<br />

Atenta a delimitação jurídica deste efeito, caso o terceiro adquirente ou cessionário <strong>do</strong><br />

bem ou direito penhora<strong>do</strong>s pretenda deduzir embargos de terceiro para a tutela <strong>do</strong> seu direito,<br />

tanto o exequente como os demais cre<strong>do</strong>res <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> podem invocar procedentemente a<br />

inoponibilidade relativa dessa disposição ou oneração em relação à execução 92 .<br />

Nessa exacta medida, atenta a ineficácia em relação à execução <strong>do</strong>s actos de<br />

disposição, oneração ou arrendamento <strong>do</strong>s bens penhora<strong>do</strong>s, carece de fundamento a dedução<br />

de embargos de terceiro contra a apreensão de bens em resulta<strong>do</strong> de um acto de penhora que<br />

ocorreu em momento anterior à alienação pelo executa<strong>do</strong> a um terceiro 93 94 . Por outro la<strong>do</strong>, não é<br />

também admissível a dedução de embargos de terceiro com fundamento na aquisição de um<br />

bem imóvel antes da realização da penhora se esse bem se encontrava já arresta<strong>do</strong> a favor <strong>do</strong><br />

cre<strong>do</strong>r exequente, da<strong>do</strong> que o registo <strong>do</strong> arresto, uma vez converti<strong>do</strong> em penhora, terá<br />

prevalência sobre o registo da aquisição a favor <strong>do</strong> terceiro embargante 95.<br />

No entanto, impõe-se salientar que este efeito não impede que, sobre os bens<br />

penhora<strong>do</strong>s, possa vir a recair uma nova penhora emergente de um outro processo executivo<br />

contra o mesmo executa<strong>do</strong> — sen<strong>do</strong> certo que o próprio executa<strong>do</strong> pode indicar voluntariamente<br />

à penhora esses mesmos (art. 833.º-B, n.º 4, <strong>do</strong> CPC) —, adquirin<strong>do</strong> essa penhora validade e<br />

eficácia plenas. Nesta medida, recain<strong>do</strong> uma nova penhora sobre um bem que se encontre já<br />

penhora<strong>do</strong>, se um terceiro tiver deduzi<strong>do</strong> embargos de terceiro contra a penhora inicial com<br />

fundamento na ofensa de um direito incompatível com essa diligência, deve deduzir nova petição<br />

de embargos de terceiro contra a penhora realizada em segun<strong>do</strong> lugar, da<strong>do</strong> que os embargos<br />

inicialmente deduzi<strong>do</strong>s não aproveitam à segunda penhora 96 .<br />

prévues à l'article 2201, sauf consignation d'une somme suffisante pour acquitter en principal, intérêts et frais, ce<br />

qui est dû aux créanciers inscrits ainsi qu'au créancier poursuivant ; la somme ainsi consignée leur est affectée<br />

spécialement.”<br />

92 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, SOUSA, Miguel Teixeira de, Acção Executiva Singular, ob. cit., p. 243, bem como<br />

COSTA, Salva<strong>do</strong>r da, Os Incidentes da Instância, ob. cit., p. 214.<br />

94 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 7 de Junho de 2001, proc. 1541/01 – 7.ª secção, segun<strong>do</strong> o qual a<br />

indisponibilidade absoluta <strong>do</strong>s bens penhora<strong>do</strong>s implica que, em embargos de terceiro, não há ofensa da posse se<br />

esta se fundar numa alienação posterior à penhora <strong>do</strong> bem objecto da posse.<br />

95 Ac. <strong>do</strong> STJ, de 15 de Dezembro de 1998, proc. 880/98 – 1.ª secção, in www.dgsi.pt.<br />

96 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, FREDERICO CARPI; MICHELE TARUFFO, Commentario Breve al Codice di<br />

Procedura Civile, ob. cit., p. 1841.<br />

49


50<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

3.2. DIREITO DE PREFERÊNCIA A FAVOR DO EXEQUENTE<br />

Ao abrigo <strong>do</strong> disposto no art. 822.º <strong>do</strong> CC, a penhora confere ao exequente um direito<br />

de preferência susceptível de ser invoca<strong>do</strong> relativamente a qualquer outro cre<strong>do</strong>r que não tenha<br />

um direito real de garantia regista<strong>do</strong> ou constituí<strong>do</strong> em momento anterior 97.<br />

Deste mo<strong>do</strong>, a partir <strong>do</strong> momento em que a penhora se encontre efectuada ― quer<br />

através da apresentação <strong>do</strong> registo na conservatória competente, no caso de imóveis ou móveis<br />

sujeitos a registo, quer pela elaboração <strong>do</strong> auto de penhora, no caso de móveis não sujeitos a<br />

registo ― o cre<strong>do</strong>r exequente adquire uma preferência legal sobre os demais cre<strong>do</strong>res que não<br />

tenham uma garantia anterior. Se o bem penhora<strong>do</strong> tiver si<strong>do</strong> previamente arresta<strong>do</strong>, a<br />

anterioridade da penhora reporta-se à data <strong>do</strong> arresto (art. 822.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC).<br />

Tal como salienta SALVADOR DA COSTA, a “preferência de pagamento atribuída ao acto<br />

de penhora é justificada pelo facto de a intervenção de cre<strong>do</strong>res na acção executiva ser limitada<br />

aos que disponham de garantia real sobre os bens penhora<strong>do</strong>s e de a penhora obtida por um<br />

<strong>do</strong>s cre<strong>do</strong>res ser susceptível de evitar a dissipação de bens a favor de outros” 98 . Assim, existin<strong>do</strong><br />

diversos cre<strong>do</strong>res reclamantes sobre um bem penhora<strong>do</strong> em sede executiva, a penhora confere<br />

ao cre<strong>do</strong>r exequente uma preferência no pagamento relativamente a outros cre<strong>do</strong>res titulares de<br />

direitos reais de garantia constituí<strong>do</strong>s em momento posterior ou relativamente a uma segunda<br />

penhora 99, pelo que os cre<strong>do</strong>res gradua<strong>do</strong>s em nível inferior ao cre<strong>do</strong>r exequente só obterão o<br />

pagamento <strong>do</strong> seu crédito depois de verifica<strong>do</strong> o pagamento <strong>do</strong> crédito exequen<strong>do</strong>.<br />

3.3. TRANSFERÊNCIA DOS PODERES DE GOZO SOBRE A COISA PENHORADA<br />

A penhora implica a perda <strong>do</strong> poder de gozo sobre a coisa penhorada pelo executa<strong>do</strong>,<br />

verifican<strong>do</strong>-se a sua transferência para o tribunal, o qual exercerá esse poder através de um<br />

depositário. Na verdade, com a apreensão efectiva <strong>do</strong> bem penhora<strong>do</strong> (art. 848.º <strong>do</strong> CPC)<br />

97 Cfr., a este propósito, o § 804 <strong>do</strong> ZPO relativamente ao direito de preferência adquiri<strong>do</strong> pelo cre<strong>do</strong>r em<br />

consequência da penhora <strong>do</strong>s bens <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r, bem como o art. 2741. <strong>do</strong> CC It., o qual consagra o princípio par<br />

conditio creditorum, a não ser que exista alguma causa legítima de preferência, ou seja, um privilégio, um penhor<br />

ou uma hipoteca.<br />

98 COSTA, Salva<strong>do</strong>r da, O Concurso de Cre<strong>do</strong>res, 3.ª ed., Almedina, 2005, p. 26.<br />

99 Cfr. SOUSA, Miguel Teixeira de, Acção Executiva Singular, ob. cit., p. 251.


Fundamento <strong>do</strong>s embargos de terceiro<br />

verifica-se a cessação da posse pelo executa<strong>do</strong> e o início de uma nova posse pelo tribunal,<br />

embora seja efectivamente exercida pelo fiel depositário 100.<br />

Assim, em consequência da penhora, o executa<strong>do</strong> vê afecta<strong>do</strong>, quer o seu poder de<br />

disposição da coisa, quer o poder de fruição que integra o direito de propriedade.<br />

100 Cfr. FREITAS, Lebre de, A Acção Executiva Depois da Reforma, ob. cit., p. 264. Vide, também, o<br />

ensinamento de AMÂNCIO FERREIRA: “Mesmo que o executa<strong>do</strong> fique depositário <strong>do</strong>s bens, o seu poder de fruição<br />

já não é o que lhe pertencia como proprietário, por ficar sujeito às limitações e responsabilidades impostas aos<br />

depositários (FERREIRA, Fernan<strong>do</strong> Amâncio, Curso de Processo de Execução, ob. cit., p. 246).<br />

51


52<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva


Finalidades <strong>do</strong>s embargos de terceiro<br />

SECÇÃO II<br />

FINALIDADES DOS EMBARGOS DE TERCEIRO<br />

Sumário: 1. Embargos de terceiro com finalidade repressiva.<br />

2. Embargos de terceiro com finalidade preventiva.<br />

Consideran<strong>do</strong> o momento em que os embargos de terceiro são deduzi<strong>do</strong>s, a sua<br />

finalidade pode ser repressiva ou preventiva. Na verdade, o Código de Processo Civil prevê,<br />

quanto à sua finalidade, <strong>do</strong>is tipos de embargos de terceiro, correspondentes, em termos gerais,<br />

às acções de manutenção e de restituição da posse 101.<br />

1. EMBARGOS DE TERCEIRO COM FINALIDADE REPRESSIVA<br />

Sempre que um terceiro pretenda opor-se à penhora ou a um acto judicial de apreensão<br />

ou entrega de bens 102 que tenha ofendi<strong>do</strong> a sua posse ou um direito incompatível com a<br />

realização ou o âmbito dessa diligência, os embargos de terceiro são deduzi<strong>do</strong>s com uma<br />

finalidade repressiva, uma vez que o terceiro embargante pretende ver regressar à sua posse o<br />

bem objecto da penhora ou da diligência judicialmente ordenada.<br />

Nessa perspectiva, determina o art. 353.º, n.º 2, <strong>do</strong> CPC que o embargante deduz a sua<br />

pretensão, mediante petição, nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efectuada<br />

ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, oferecen<strong>do</strong> logo as provas 103 .<br />

Assim, na sua vertente repressiva, os embargos de terceiro fundamentam-se numa<br />

posse ou num direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência para, a final, se<br />

101 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 5 de Fevereiro de 1991, proc. 079941, in www.dgsi.pt.<br />

102 O uso <strong>do</strong>s embargos de terceiro previsto no art. 351.º <strong>do</strong> CPC não se restringe às diligências de<br />

“apreensão ou entrega de bens”, poden<strong>do</strong> ter lugar quan<strong>do</strong> outras medidas judiciais sejam ofensivas da posse e<br />

propriedade ou de qualquer outro direito de terceiro (cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 23 de Outubro de 2001, proc. 0121032,<br />

in www.dgsi.pt).<br />

103 Para além <strong>do</strong> prazo peremptório de 30 dias para a dedução <strong>do</strong>s embargos de terceiro, este incidente<br />

encontra-se ainda temporalmente limita<strong>do</strong> pelo facto de só poder ser deduzi<strong>do</strong> até à venda judicial ou adjudicação<br />

<strong>do</strong> bem objecto <strong>do</strong>s embargos (art. 353.º, n.º 1, <strong>do</strong> CPC).<br />

53


54<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

arguir a sua ilegalidade e se requerer o levantamento da penhora, da apreensão ou da entrega<br />

de bens 104. Nesta perspectiva, importa ainda salientar que os embargos de terceiro de âmbito<br />

repressivo podem desempenhar a título acessório uma função cautelar, porquanto o embargante<br />

pode requerer a restituição provisória da posse 105 , ainda que o juiz a condicione à prestação de<br />

uma caução pelo requerente (art. 356.º CPC) 106.<br />

2. EMBARGOS DE TERCEIRO COM FINALIDADE PREVENTIVA<br />

Os embargos de terceiro podem também ser deduzi<strong>do</strong>s com uma finalidade preventiva.<br />

Tal circunstância verifica-se quan<strong>do</strong> este meio de oposição é deduzi<strong>do</strong> para impedir que o<br />

embargante seja esbulha<strong>do</strong> da sua posse ou veja o seu direito ofendi<strong>do</strong>, antes de realizada, mas<br />

depois de ordenada, a diligência de apreensão ou de entrega de bens que se revele ofensiva (art.<br />

359.º, n.º 1, CPC) 107 . Neste caso, a diligência não pode ser realizada sem que antes seja<br />

proferida uma decisão judicial na fase introdutória <strong>do</strong>s embargos, sen<strong>do</strong> certo que sua a<br />

admissão, ainda que provisória, implica que a diligência judicial fique suspensa até ao<br />

proferimento de uma decisão final 108 , embora o juiz possa determinar que o embargante preste<br />

caução (art. 359.º, n.º 2, CPC) 109 . Nesta exacta medida, os embargos de terceiro com finalidade<br />

104 “La tercería de <strong>do</strong>mínio tiene por finalidad principal, no ya la recuperación del bien, que de ordinario<br />

está poseí<strong>do</strong> por el propio tercerista, sino el levantamiento del embargo traba<strong>do</strong> sobre el mismo (...), sustrayen<strong>do</strong> de<br />

un procedimiento de apremio bienes no pertenecientes al patrimonio del apremia<strong>do</strong> por no ser aquellos los<br />

llama<strong>do</strong>s a responder de las deudas contraídas por el ejecuta<strong>do</strong> (sentença de 16 de Fevereiro de 1990, <strong>do</strong> Tribunal<br />

Supremo de Espanha). Por sua vez, por sentença de 10 de Maio de 2004, veio aquele tribunal determinar que “[L]a<br />

finalidad específica de la acción de tercería de <strong>do</strong>minio es obtener el alzamiento de un embargo que se ha<br />

constitui<strong>do</strong> sobre los bienes del tercerista en un proceso de ejecución que se sigue contra otra persona”.<br />

105 Essa restituição provisória da posse deve ser requerida pelo embargante, não poden<strong>do</strong> ser concedida<br />

oficiosamente pelo tribunal (cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 13 de Fevereiro de 2007, proc. 0007392, in www.dgsi.pt). Caso<br />

um terceiro se sinta prejudica<strong>do</strong> com a penhora de um bem em sede executiva e pretenda a restituição imediata<br />

desse bem, deve deduzir embargos de terceiro e aí requerer a sua restituição provisória (cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 31 de<br />

Outubro de 2002, proc. 0231439, in www.dgsi.pt).<br />

106 SOUSA, Miguel Teixeira de, Acção Executiva Singular, ob. cit., p. 301.<br />

107 Neste caso, os embargos de terceiro apresentam-se sob a fisionomia de uma acção possessória de<br />

prevenção (cfr. nesse senti<strong>do</strong> REIS, José Alberto <strong>do</strong>s, Processos Especiais, vol. I, ob. cit., p. 400).<br />

108 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 20 de Janeiro de 2000, in CJ, tomo I, 2000, p. 43.<br />

109 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 15 de Junho de 1998, in BMJ, 478.º, p. 453.


Finalidades <strong>do</strong>s embargos de terceiro<br />

preventiva, atenta a sua finalidade e configuração, devem ser deduzi<strong>do</strong>s entre a data em que foi<br />

proferida a decisão que permite a realização da diligência ofensiva da posse ou <strong>do</strong> direito<br />

incompatível e o momento em que essa decisão será executada, sen<strong>do</strong> certo que a dedução de<br />

embargos de terceiro a partir deste momento assumirá uma natureza repressiva 110 .<br />

110 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 17 de Abril de 2007, proc. 711/2007, in www.dgsi.pt.<br />

55


56<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva


Meios de reacção à penhora: Figuras afins aos embargos de terceiro<br />

1. OPOSIÇÃO POR SIMPLES REQUERIMENTO<br />

CAPÍTULO III<br />

MEIOS DE REACÇÃO À PENHORA:<br />

FIGURAS AFINS AOS EMBARGOS DE TERCEIRO<br />

Sumário: 1. Oposição por simples requerimento. 2. Oposição à<br />

penhora. 3. Acção de reivindicação.<br />

O art. 848.º <strong>do</strong> CPC determina, no seu n.º 1, que a penhora de coisas móveis não<br />

sujeitas a registo é realizada com a apreensão efectiva <strong>do</strong>s bens e a sua imediata remoção para<br />

depósitos. Nos termos <strong>do</strong> n.º 2 da aludida disposição legal, presume-se pertencerem ao<br />

executa<strong>do</strong> os bens móveis encontra<strong>do</strong>s em seu poder 111 112 113 , pelo que esta norma demonstra<br />

claramente a a<strong>do</strong>pção de um modelo executivo favor creditoris.<br />

De to<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong>, embora exista a presunção de que os bens encontra<strong>do</strong>s em poder <strong>do</strong><br />

executa<strong>do</strong> lhe pertencem, uma vez realizada a penhora essa presunção pode ser ilidida perante<br />

o juiz através da apresentação de prova <strong>do</strong>cumental inequívoca <strong>do</strong> direito de terceiro 114, sem<br />

prejuízo da possibilidade de recurso aos embargos de terceiro 115 .<br />

111 De acor<strong>do</strong> com LEBRE DE FREITAS, os bens móveis encontram-se em poder <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> este<br />

exerça sobre eles posse ou detenção, bem como nos casos em que esses bens se encontrem na sua esfera de<br />

controlo (FREITAS, Lebre de, A Acção Executiva Depois da Reforma, ob. cit., p. 276).<br />

112 De acor<strong>do</strong> com o § 808 <strong>do</strong> ZPO, a penhora de coisas corpóreas que se encontrem na posse <strong>do</strong><br />

executa<strong>do</strong> efectua-se de forma a que o oficial de justiça tome a posse efectiva delas, situação que implica um<br />

desapossamento por parte <strong>do</strong> executa<strong>do</strong>. No entanto, quan<strong>do</strong> estejam em causa outros bens que não sejam<br />

dinheiro, objectos preciosos ou títulos de valores, estes devem ficar na posse <strong>do</strong> executa<strong>do</strong>, a não ser que a não<br />

efectivação da apreensão coloque em perigo a satisfação <strong>do</strong> crédito exequen<strong>do</strong>. De to<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong>, ainda que as<br />

coisas fiquem na posse <strong>do</strong> executa<strong>do</strong>, deve ser assegurada a publicitação da realização da penhora, nomeadamente<br />

pela colocação de selos ou através de outro mo<strong>do</strong> que garanta essa publicidade.<br />

2003, p. 209.<br />

113 Cfr., a este propósito, SILVA, Paula Costa e, «As garantias <strong>do</strong> executa<strong>do</strong>», in Themis, ano IV, n.º 7,<br />

114 Nos termos <strong>do</strong> art. 621.º <strong>do</strong> CPC It, os bens que se encontrem em casa <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> ou no lugar onde<br />

este desenvolva a sua actividade profissional ou comercial presumem-se pertencerem-lhe, sen<strong>do</strong> certo que o<br />

57


58<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

Deste mo<strong>do</strong>, encontran<strong>do</strong>-se a coisa a penhorar em poder de executa<strong>do</strong>, existe uma<br />

presunção legal de que esse bem lhe pertence, presunção que resulta <strong>do</strong> regime jurídico<br />

previsto no art. 1268.º <strong>do</strong> CC.<br />

Todavia, quanto à legitimidade activa, essa presunção iuris tantum pode ser ilidida pelo<br />

próprio executa<strong>do</strong> ou por um terceiro 116 através de um incidente 117 acompanha<strong>do</strong> de prova<br />

terceiro não pode ilidir essa presunção através de prova testemunhal. Na verdade, essa restrição probatória visa<br />

impedir qualquer possibilidade de conluio entre o deve<strong>do</strong>r e o terceiro de forma a impedirem a realização <strong>do</strong> crédito<br />

exequen<strong>do</strong>. Chamada a pronunciar-se sobre a constitucionalidade desta norma, a Corte Constitucional Italiana<br />

decidiu que a norma em causa não viola o Princípio da Igualdade, já que, encontran<strong>do</strong> o seu fundamento na<br />

garantia de efectividade <strong>do</strong>s actos executivos, permite tutelar o direito de crédito contra eventuais formas de<br />

simulação fraudulenta (FREDERICO CARPI; MICHELE TARUFFO, Commentario Breve al Codice di Procedura Civile,<br />

ob. cit., p. 1859). Contu<strong>do</strong>, esta norma admite excepcionalmente a possibilidade de recurso à prova testemunhal<br />

sempre que a existência <strong>do</strong> direito <strong>do</strong> terceiro seja verosímil atenta a actividade profissional ou comercial exercida<br />

pelo terceiro ou pelo deve<strong>do</strong>r.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, importa salientar que, ao contrário <strong>do</strong> sistema processual português que vincula o meio<br />

probatório admissível à “prova <strong>do</strong>cumental inequívoca”, o sistema processual italiano parte <strong>do</strong> inverso, da<strong>do</strong> que<br />

apenas não admite a prova testemunhal, nada impedin<strong>do</strong> que o terceiro se possa servir de um outro meio de prova,<br />

como será o caso da prova através de presunção ou com base em acto notório.<br />

115 No seu regime anterior a lei previa a possibilidade de ser exerci<strong>do</strong> o direito de protesto no próprio acto<br />

da penhora (art. 832.º). Com efeito, em caso de dúvida quanto à propriedade <strong>do</strong>s bens encontra<strong>do</strong>s em posse <strong>do</strong><br />

executa<strong>do</strong>, o funcionário judicial não devia proceder à penhora <strong>do</strong>s bens, sen<strong>do</strong> certo que tal regime, como salienta<br />

LEBRE DE FREIRAS, era contrário ao regime legal previsto nos arts. 1251.º e 1268.º, ambos <strong>do</strong> CC, o qual só podia<br />

ser ilidi<strong>do</strong> mediante prova em contrário, não sen<strong>do</strong> suficiente o mero esta<strong>do</strong> de dúvida ou de incerteza (FREITAS,<br />

Lebre de, A Acção Executiva Depois da Reforma, ob. cit., p. 275). Caso o funcionário judicial ficasse convenci<strong>do</strong> de<br />

que os bens pertenciam efectivamente ao executa<strong>do</strong>, nesse caso devia proceder à penhora <strong>do</strong>s mesmos, sen<strong>do</strong><br />

certo que, em tal caso, o terceiro poderia sempre deduzir embargos contra a penhora. Em contrapartida, se o<br />

funcionário judicial entendesse que os bens não pertenciam efectivamente ao executa<strong>do</strong>, devia abster-se de os<br />

penhorar e mencionar esse facto no auto de diligência, o qual, por sua vez, era notifica<strong>do</strong> ao exequente para que<br />

este se pudesse pronunciar.<br />

Quanto ao senti<strong>do</strong> desta norma, LOPES CARDOSO entendia que o legisla<strong>do</strong>r pretendia evitar que o terceiro<br />

se visse força<strong>do</strong> a passar por incómo<strong>do</strong>s e despesas judiciais no caso de se mostrar evidente que os bens, não<br />

obstante se encontrarem em poder <strong>do</strong> executa<strong>do</strong>, não lhe pertenciam (CARDOSO, Eurico Lopes, Manual da Acção<br />

Executiva, ob. cit., p. 379).<br />

116 O direito de protesto apenas podia ser exerci<strong>do</strong> pelo próprio executa<strong>do</strong> ou por alguém em seu nome,<br />

fican<strong>do</strong> pois vedada essa possibilidade ao terceiro que se arrogasse proprietário ou titular de um direito real menor<br />

de gozo sobre os bens penhora<strong>do</strong>s (critican<strong>do</strong> essa solução legal vide MARQUES, J. P. Remédio, Curso de Processo<br />

Executivo à Face <strong>do</strong> Código Revisto, Almedina, 2000, p. 303). Na verdade, tal entendimento era sufraga<strong>do</strong>


Meios de reacção à penhora: Figuras afins aos embargos de terceiro<br />

<strong>do</strong>cumental inequívoca 118 de que esses bens pertencem a um terceiro 119 , isto é, a quem não seja<br />

parte na execução, ou de que o terceiro tem sobre eles um direito real menor de gozo 120.<br />

No que concerne ao âmbito material deste meio de reacção à penhora, o terceiro vê-se<br />

confronta<strong>do</strong> com um duplo thema probandum. Na verdade, se, por um la<strong>do</strong>, tem de provar que<br />

adquiriu os bens penhora<strong>do</strong>s em data anterior à da realização da penhora, por outro la<strong>do</strong>, o<br />

terceiro deve ainda justificar o motivo pelo qual esses bens se encontravam na posse <strong>do</strong><br />

executa<strong>do</strong> aquan<strong>do</strong> da diligência executiva 121 .<br />

maioritariamente pela <strong>do</strong>utrina (cfr., por to<strong>do</strong>s, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 9 de Julho de 1991, proc. 0032866, in<br />

www.dgsi.pt: “I - Os terceiros lesa<strong>do</strong>s pela penhora e diligência subsequentes só poderão defender os seus direitos<br />

pelos meios que a lei coloca ao seu dispor: os embargos de terceiro, como meio de defesa da sua posse (art. 1037<br />

e seguintes <strong>do</strong> CPC); a acção de reivindicação de propriedade como meio de defesa <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio ou da titularidade<br />

<strong>do</strong> imóvel. II - Assim terceiros não podem defender no processo executivo a sua propriedade mediante simples<br />

requerimento.”). Na <strong>do</strong>utrina actual esse entendimento é ainda sufraga<strong>do</strong> por RUI PINTO, segun<strong>do</strong> o qual a ilisão<br />

dessa presunção pode ser feita pelo executa<strong>do</strong> (ou por alguém em seu nome) perante o juiz de execução, mediante<br />

prova <strong>do</strong>cumental inequívoca <strong>do</strong> direito de terceiro. Quanto ao terceiro, este só poderá autonomamente embargar<br />

de terceiro, nos termos <strong>do</strong> art. 351.º <strong>do</strong> CPC, porquanto só nesse incidente processual poderão ser acautela<strong>do</strong>s os<br />

interesses legítimos <strong>do</strong> exequente e <strong>do</strong>s demais interessa<strong>do</strong>s na manutenção da penhora (PINTO, Rui, Penhora,<br />

Venda e Pagamento, ob. cit., p. 54). Em senti<strong>do</strong> contrário, vide SOUSA, Miguel Teixeira de, Acção Executiva<br />

Singular, ob. cit., p. 312, para quem, se o executa<strong>do</strong> se podia substituir ao terceiro, haveria também que se admitir<br />

a fortiori a possibilidade <strong>do</strong> próprio terceiro poder protestar contra a realização da penhora. Na jurisprudência tem<br />

si<strong>do</strong> pacífico o entendimento de que este meio de oposição pode ser deduzi<strong>do</strong> por um terceiro, quanto mais não<br />

seja pelo facto de tal faculdade evitar a prática de actos que acabam por retardar o andamento <strong>do</strong>s processos,<br />

como é o caso da dedução de embargos de terceiro (cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. TRP, de 5 de Dezembro de 1996,<br />

proc. 9631097, in www.dgsi.pt).<br />

117 Trata-se, na verdade, de um incidente de natureza declarativa enxerta<strong>do</strong> no processo executivo (cfr.,<br />

nesse senti<strong>do</strong>, MARQUES, J. P. Remédio, Curso de Processo Executivo à Face <strong>do</strong> Código Revisto, ob. cit., p. 302).<br />

118 ABÍLIO NETO insurge-se contra este conceito indetermina<strong>do</strong> de “prova <strong>do</strong>cumental inequívoca” atento o<br />

facto de se tratar de uma norma “impossível de definir com um mínimo de certeza” (Código de Processo Civil<br />

Anota<strong>do</strong>, ob. cit., p. 1176).<br />

119 Não possuin<strong>do</strong> o terceiro prova <strong>do</strong>cumental inequívoca de que lhe pertencem os bens atingi<strong>do</strong>s pela<br />

penhora, não lhe restará outra alternativa que não seja o recurso aos embargos de terceiro (REGO, Lopes <strong>do</strong>,<br />

Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, ob. cit., p. 80).<br />

120 FREITAS, Lebre de, A Acção Executiva Depois da Reforma, ob. cit., p. 276.<br />

121 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, FREDERICO CARPI; MICHELE TARUFFO, Commentario Breve al Codice di<br />

Procedura Civile, ob. cit., p. 1861.<br />

59


60<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

Acresce a isto que este meio processual não pode ser utiliza<strong>do</strong> para se pôr em crise a<br />

penhora que se venha a revelar objectivamente ilegal. Assim, se o agente de execução, ao invés<br />

de penhorar a expectativa de aquisição de um veículo automóvel adquiri<strong>do</strong> com reserva de<br />

propriedade a favor <strong>do</strong> alienante, penhorar desde logo o próprio veículo automóvel, nem por isso<br />

o executa<strong>do</strong> ou o terceiro poderão socorrer-se desta figura processual para, desta forma,<br />

impugnarem a validade desse acto 122.<br />

Quanto à oportunidade para a dedução da oposição por simples requerimento, impõe-se<br />

salientar que, enquanto no regime processual anterior à reforma da acção executiva o direito de<br />

protesto apenas podia ser exerci<strong>do</strong> perante o respectivo funcionário judicial e no próprio acto da<br />

penhora, isto é, enquanto essa diligência não terminasse (art. 832.º, n.º 2, <strong>do</strong> CPC) 123, já no<br />

regime processual actual permite-se que esse direito seja exerci<strong>do</strong> depois da realização da<br />

penhora e perante o juiz de execução (art. 848.º, n.º 2, <strong>do</strong> CPC). Mas nada obsta a que o<br />

executa<strong>do</strong> ou o próprio terceiro possa ilidir essa presunção no próprio acto da penhora perante o<br />

agente de execução, pelo que não restará outra alternativa ao terceiro que não seja a<br />

instauração de embargos de terceiro com fundamento na violação de um direito incompatível<br />

com a finalidade da penhora. Ao executa<strong>do</strong> fica ainda reservada a possibilidade de se socorrer<br />

da oposição à penhora, incidente a ser deduzi<strong>do</strong> no prazo de 10 ou 20 dias a contar,<br />

respectivamente, da notificação da penhora ou da citação para a dedução de oposição à<br />

execução e/ou à penhora no âmbito <strong>do</strong> processo executivo que contra ele tenha si<strong>do</strong> instaura<strong>do</strong><br />

(art. 863.º-A <strong>do</strong> CPC) 124 .<br />

No que concerne aos meios de prova admissíveis relativamente a este incidente<br />

processual, importa referir que, enquanto os embargos de terceiro permitem a apresentação das<br />

provas admitidas em geral no processo civil (art. 353.º, n.º 2, <strong>do</strong> CPC), já a oposição por<br />

simples requerimento vê o seu âmbito probatório especialmente restringi<strong>do</strong> porquanto apenas é<br />

admissível a apresentação de “prova <strong>do</strong>cumental inequívoca”. Quanto ao que se deva entender<br />

por semelhante conceito legal, RUI PINTO sustenta que “o carácter inequívoco só pode derivar<br />

122 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, PINTO, Rui, «A Execução e terceiros – Em especial na penhora e na venda», in<br />

Themis, ano V, n.º 9, 2004, p. 253.<br />

123 Cfr. MARQUES, J. P. Remédio, Curso de Processo Executivo à Face <strong>do</strong> Código Revisto, ob. cit., p. 303.<br />

124 Pense-se, e.g., no caso de execução movida contra um <strong>do</strong>s cônjuges casa<strong>do</strong> em separação de bens e<br />

em que o outro cônjuge apresenta prova <strong>do</strong>cumental inequívoca de que um determina<strong>do</strong> bem móvel existente na<br />

casa de morada de família lhe pertence.


Meios de reacção à penhora: Figuras afins aos embargos de terceiro<br />

de o <strong>do</strong>cumento apresenta<strong>do</strong> não ser impugna<strong>do</strong> ou contesta<strong>do</strong> pela parte” 125 , isto é,<br />

independentemente da natureza deste <strong>do</strong>cumento – autêntico, autentica<strong>do</strong> ou particular – o<br />

mesmo apresentará um carácter inequívoco em termos probatórios quanto ao direito <strong>do</strong> terceiro<br />

desde que não venha a ser impugna<strong>do</strong> pela parte contrária.<br />

Importa observar que ainda que o terceiro não lance mão desse direito de protesto<br />

aquan<strong>do</strong> <strong>do</strong> acto da penhora, nem por isso fica precludida a possibilidade de deduzir embargos<br />

de terceiro 126 . Na verdade, não se verifica qualquer relação de subsidiariedade entre a oposição<br />

por simples requerimento e o incidente de oposição por embargos de terceiro, sen<strong>do</strong> certo, no<br />

entanto, que o terceiro terá interesse em recorrer àquela primeira via, atento o seu carácter mais<br />

127 simples e célere, quan<strong>do</strong> disponha de prova <strong>do</strong>cumental inequívoca <strong>do</strong> seu direito 128.<br />

Em determinadas circunstâncias fica vedada ab initio ao terceiro a faculdade de recorrer<br />

à oposição por simples requerimento. Será o caso, v.g., em que o terceiro pretende reagir contra<br />

uma sentença de desocupação de um imóvel por ele ocupa<strong>do</strong> e a não entrega efectiva ao fiel<br />

depositário entretanto nomea<strong>do</strong>, caso em que deverá recorrer desde logo ao incidente de<br />

embargos de terceiro 129 .<br />

2. OPOSIÇÃO À PENHORA<br />

O incidente de oposição à penhora 130 vem regula<strong>do</strong> nos arts. 863.º-A e 863.º-B <strong>do</strong> CPC 131.<br />

Contrariamente ao que sucede no incidente de embargos de terceiro, o qual apenas confere<br />

125 PINTO, Rui, «A Execução e terceiros – Em especial na penhora e na venda», ob. cit., p. 255.<br />

126 Vide, a este propósito, REGO, Lopes <strong>do</strong>, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, ob. cit., p. 80.<br />

Cfr., no mesmo senti<strong>do</strong>, FREITAS, Lebre de, A Acção Executiva Depois da Reforma, ob. cit., p. 277.<br />

127 Vide, neste senti<strong>do</strong>, GOUVEIA, Mariana França, «Penhora e alienação de bens móveis na reforma da<br />

acção executiva», in Themis, ano IV, n.º 7, 2003, p. 178.<br />

128 Conforme salienta MARIANA FRANÇA GOUVEIA, embora seja certo que o terceiro pode recorrer a<br />

qualquer um destes meios em alternativa, não é menos verdade que a opção pelos embargos de terceiro apresenta<br />

vantagens inegáveis, nomeadamente no que concerne ao efeito de caso julga<strong>do</strong> que resulta desse incidente<br />

(GOUVEIA, Mariana França, «Penhora e alienação de bens móveis na reforma da acção executiva», in Themis, ano<br />

IV, n.º 7, p. 179).<br />

129 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 21 de Janeiro de 2003, proc. 0222487, in www.dgsi.pt.<br />

130 Contrariamente ao que sucede nos embargos de terceiro, em que se verifica uma verdadeira acção de<br />

natureza declarativa com autonomia processual, a oposição à penhora apenas configura um incidente de natureza<br />

processual, não se autonomizan<strong>do</strong> em relação à acção principal (vide, nesse senti<strong>do</strong>, FREITAS, José Lebre de,<br />

61


62<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

legitimidade processual activa a um terceiro, isto é, a quem não seja parte na causa, a oposição<br />

à penhora constitui um meio processual privativo <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> 132 (art. 863.º-A, proémio, <strong>do</strong> CPC)<br />

e <strong>do</strong> seu cônjuge, logo após a citação para a acção executiva [art. 864.º, n.º 3, a) e 864.º-A <strong>do</strong><br />

CPC].<br />

A oposição à penhora pode ser deduzida quan<strong>do</strong> tenham si<strong>do</strong> penhora<strong>do</strong>s bens<br />

pertencentes ao próprio executa<strong>do</strong> 133, isto é, quan<strong>do</strong> esteja em causa uma situação de<br />

impenhorabilidade objectiva, com os seguintes fundamentos:<br />

a) a penhora não podia recair sobre os bens concretamente apreendi<strong>do</strong>s (bens absoluta<br />

ou relativamente impenhoráveis) ou na extensão com que foi realizada (bens parcialmente<br />

impenhoráveis ou quan<strong>do</strong> a penhora tenha recaída sobre mais bens <strong>do</strong> que aqueles que seriam<br />

suficientes para garantir o pagamento da dívida exequenda e das demais despesas com a<br />

execução);<br />

b) a penhora incidiu imediatamente sobre bens que só responderiam pela dívida<br />

exequenda a título subsidiário 134;<br />

c) a penhora incidiu sobre bens que, não responden<strong>do</strong>, nos termos <strong>do</strong> direito<br />

substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter si<strong>do</strong> atingi<strong>do</strong>s por essa diligência 135 ;<br />

«Enxertos declarativos no processo executivo», in Estu<strong>do</strong>s sobre Direito Civil e Processo Civil, Coimbra Editora,<br />

2002, p. 651).<br />

131 No regime processual anterior à reforma de 95/96, o executa<strong>do</strong> podia deduzir embargos de terceiro ao<br />

abrigo <strong>do</strong> disposto no art. 1037.º, n.º 2, <strong>do</strong> CPC 1961. Na verdade, de acor<strong>do</strong> com esta disposição legal, o próprio<br />

condena<strong>do</strong> ou obriga<strong>do</strong> no acto podia deduzir embargos de terceiro quanto aos bens que, pelo título da sua<br />

aquisição ou pela qualidade em que os possuísse, não devessem ser atingi<strong>do</strong>s pela diligência ordenada.<br />

132 FREITAS, Lebre de, A Acção Executiva Depois da Reforma, ob. cit., p. 279.<br />

133 Trata-se, na verdade, de um incidente de reacção contra a impenhorabilidade objectiva, da<strong>do</strong> que os<br />

bens penhora<strong>do</strong>s pertencerão ao executa<strong>do</strong> (art. 863.º-A, <strong>do</strong> CPC) – cfr., nesse senti<strong>do</strong>, FREITAS, Lebre de, A Acção<br />

Executiva Depois da Reforma, ob. cit., p. 279.<br />

134 Está aqui em causa a impenhorabilidade subsidiária objectiva – isto é, de uma situação em que os bens<br />

próprios <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> só deviam ser atingi<strong>do</strong>s na falta ou insuficiência de outros bens –, da<strong>do</strong> que no caso da<br />

impenhorabilidade subsidiária subjectiva cabe ao deve<strong>do</strong>r subsidiário a tutela <strong>do</strong> seu direito através da invocação <strong>do</strong><br />

benefício da excussão prévia (cfr., nesse senti<strong>do</strong>, SOUSA, Miguel Teixeira de, Acção Executiva Singular, ob. cit.,<br />

p. 296).<br />

135 Será o caso das situações de indisponibilidade objectiva em resulta<strong>do</strong> de um regime de direito<br />

substantivo (cfr., a este propósito, FREITAS, Lebre de, A Acção Executiva Depois da Reforma, ob. cit., p. 280).


Meios de reacção à penhora: Figuras afins aos embargos de terceiro<br />

d) a penhora recaiu sobre os bens pertencentes a um património autónomo e separa<strong>do</strong>,<br />

distinto <strong>do</strong> património <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> 136.<br />

Em função da tramitação inicial da acção executiva, isto é, se tiver havi<strong>do</strong> ou não lugar a<br />

citação prévia <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> 137 , a oposição à penhora deve ser deduzida, respectivamente, no<br />

prazo de 10 ou de 20 dias a contar da notificação ou da citação <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> (art. 863.º-B, n.º<br />

1, <strong>do</strong> CPC) 138.<br />

Regra geral, ao contrário <strong>do</strong> que sucede nos embargos de terceiro, a oposição à penhora<br />

não suspende a execução, salvo se o executa<strong>do</strong> prestar caução, circunscreven<strong>do</strong>-se, neste caso,<br />

a suspensão aos bens em relação aos quais tenha si<strong>do</strong> deduzida a oposição 139, motivo pelo qual<br />

a execução poderá prosseguir sobre outros bens pertencentes ao executa<strong>do</strong> que não tenham<br />

si<strong>do</strong> penhora<strong>do</strong>s (art. 863.º-B, n.º 3, <strong>do</strong> CPC).<br />

Nos termos <strong>do</strong> disposto nos arts. 303.º e 304.º <strong>do</strong> CPC, o executa<strong>do</strong> deve apresentar<br />

imediatamente no seu requerimento de oposição à penhora os respectivos meios de prova. Não<br />

sen<strong>do</strong> liminarmente indeferida, o exequente pode contestar a oposição à execução, deven<strong>do</strong><br />

fazê-lo no prazo de 10 dias, ao abrigo <strong>do</strong> disposto no art. 303.º, n.º 2, <strong>do</strong> CPC.<br />

Se, em contrapartida, o executa<strong>do</strong> não deduzir qualquer oposição à penhora, então,<br />

nesse caso, deve ser aplica<strong>do</strong> o regime jurídico da revelia previsto nos arts. 483.º a 485.º <strong>do</strong><br />

CPC.<br />

Caso o tribunal venha a julgar procedente a oposição à penhora, deve determinar o seu<br />

levantamento sobre os bens por ela atingi<strong>do</strong>s, à luz <strong>do</strong> art. 863.º-B, n.º 4, <strong>do</strong> CPC.<br />

136 Tal circunstância verifica-se, nomeadamente, em caso de penhora de bens pertencentes a uma<br />

sociedade unipessoal por quotas em execução movida contra o respectivo sócio a título pessoal, caso em que o<br />

próprio executa<strong>do</strong> deve indicar, no próprio incidente de oposição à penhora, quais os bens que tenha em seu poder<br />

e que devem responder pela dívida exequenda. Veja-se, ainda, o caso da execução de uma dívida provida de<br />

garantia real, circunstância em que o património geral <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> só poderá responder depois da execução <strong>do</strong><br />

bem onera<strong>do</strong> com a garantia (art. 835.º <strong>do</strong> CPC).<br />

137 Não ten<strong>do</strong> havi<strong>do</strong> lugar a citação prévia <strong>do</strong> executa<strong>do</strong>, este deve cumular a oposição à execução com a<br />

oposição à penhora, atento o regime previsto no art. 813.º, n.º 2, <strong>do</strong> CPC.<br />

138 No regime anterior à reforma da acção executiva de 2003, a oposição à penhora surgia era<br />

processualmente caracterizada como um incidente da execução, determinan<strong>do</strong> o legisla<strong>do</strong>r que lhe fosse aplica<strong>do</strong>,<br />

quanto à sua tramitação, o regime previsto nos arts. 302.º a 304.º <strong>do</strong> CPC, sem prejuízo das regras especiais<br />

previstas no art. 863.º-B, n. os 2 e 4 <strong>do</strong> CPC.<br />

139 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 2 de Fevereiro de 1994, proc. 0072891, in www.dgsi.pt: “Recebi<strong>do</strong>s embargos de<br />

terceiro, só se suspendem os termos da execução em relação aos bens a que os embargos dizem respeito.”<br />

63


3. ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO<br />

64<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

Paralelamente à dedução de embargos, é lícito ao terceiro recorrer à acção de<br />

reivindicação com vista à defesa <strong>do</strong> seu direito de propriedade ou de outro direito real que<br />

compreenda a posse sobre a coisa penhorada 140. Com efeito, dispõe o art. 1311.º, n.º 1, <strong>do</strong> CC,<br />

que o proprietário ou o titular de outro direito real menor sobre o bem atingi<strong>do</strong> pela diligência<br />

(art. 1315.º, n.º 1, <strong>do</strong> CC) pode exigir judicialmente de qualquer possui<strong>do</strong>r ou detentor da coisa,<br />

ainda que se trate de um adquirente de boa-fé, sem prejuízo das regras de registo, o<br />

reconhecimento <strong>do</strong> seu direito de propriedade ou <strong>do</strong> direito real e a consequente restituição <strong>do</strong><br />

que lhe pertence. Na verdade, trata-se de uma acção cuja finalidade consiste fundamentalmente<br />

na protecção <strong>do</strong>s direitos reais cuja tipicidade inclui a posse da coisa 141 , traduzin<strong>do</strong>-se numa<br />

140 A este propósito, TEIXEIRA DE SOUSA sustenta que a acção de reivindicação constitui um meio<br />

alternativo relativamente aos embargos de terceiro, pelo que o terceiro pode socorrer-se indistintamente de qualquer<br />

um desses meios processuais para tutelar o seu direito (cfr., no mesmo senti<strong>do</strong>, FREITAS, Lebre de, A Acção<br />

Executiva Depois da Reforma, ob. cit., p. 301). Contu<strong>do</strong>, tal alternatividade já não se verificará em caso de<br />

caducidade <strong>do</strong> prazo para a dedução <strong>do</strong>s embargos de terceiro ou se os embargos vierem a ser rejeita<strong>do</strong>s na sua<br />

fase introdutória, bem como nos casos em que o terceiro tenha funda<strong>do</strong> os embargos exclusivamente na sua posse<br />

e não na titularidade <strong>do</strong> direito de fun<strong>do</strong> (cfr., nesse senti<strong>do</strong>, MARQUES, J. P. Remédio, Curso de Processo<br />

Executivo à Face <strong>do</strong> Código Revisto, ob. cit., p. 345, bem como o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 18 de Janeiro de 2007, proc,<br />

4580/06 – 2.ª secção, in www.dgsi.pt). Ademais impõe-se referir que o recurso indistinto a qualquer um desses<br />

meios não é indiferente, já que, enquanto nos embargos de terceiro o embargante consegue obstar ao<br />

prosseguimento da penhora e obter a restituição provisória da posse, da propositura da acção de reivindicação<br />

(antes da entrega <strong>do</strong>s bens móveis ou <strong>do</strong> levantamento <strong>do</strong> produto da venda) apenas resulta que os bens móveis<br />

não podem ser entregues ao compra<strong>do</strong>r senão mediante as cautelas estabelecidas no art. 1384.º, n.º 1, b) e c), <strong>do</strong><br />

CPC, e que o produto da venda só possa ser levanta<strong>do</strong> através da prestação de caução (arts. 910.º e 911.º <strong>do</strong> CPC)<br />

— cfr., nesse senti<strong>do</strong>, SOUSA, Miguel Teixeira de, Acção Executiva Singular, ob. cit., p. 318.<br />

Por outro la<strong>do</strong> importa salientar que, caso o terceiro proponha acção de reivindicação contra o executa<strong>do</strong><br />

e o exequente com base na titularidade <strong>do</strong> direito de propriedade ou de outro direito real menor, e estan<strong>do</strong> já<br />

pendente um incidente de embargos de terceiro com a mesma causa petendi, tal situação implica a verificação de<br />

uma excepção dilatória por litispendência (cfr., nesse senti<strong>do</strong>, MARQUES, J. P. Remédio, Curso de Processo<br />

Executivo à Face <strong>do</strong> Código Revisto, ob. cit., p. 345). Contu<strong>do</strong>, já não haverá lugar a litispendência caso se verifique<br />

uma cumulação entre os embargos de terceiro e a acção de reivindicação, sen<strong>do</strong> ambos funda<strong>do</strong>s na posse (vide, a<br />

este propósito, FREITAS, Lebre de, A Acção Executiva Depois da Reforma, ob. cit., p. 301).<br />

141 Cfr. ASCENSÃO, José Oliveira, «Acção de reivindicação», in ROA, ano 57.º, vol. II, 1997, p. 513.


Meios de reacção à penhora: Figuras afins aos embargos de terceiro<br />

exteriorização <strong>do</strong> direito de sequela 142 , sen<strong>do</strong> certo, por outro la<strong>do</strong>, que esta acção compreende<br />

<strong>do</strong>is pedi<strong>do</strong>s intercala<strong>do</strong>s mas distintos: o reconhecimento de um direito e o pedi<strong>do</strong> de entrega<br />

da coisa objecto desse direito 143.<br />

Em termos processuais, impõe-se referir que a acção de reivindicação segue os termos<br />

de uma acção declarativa comum, pelo que, em caso de procedência da acção e se o réu não<br />

cumprir ex voluntate a obrigação de entrega da coisa reivindicada, o autor ver-se-á obriga<strong>do</strong> a<br />

exigir a entrega da coisa pela via executiva. No que respeita ao tipo de acção, uma primeira<br />

leitura <strong>do</strong> art. 1311.º, n.º 1, <strong>do</strong> CC indicia que se tratará de uma acção declarativa de simples<br />

apreciação porquanto a acção de reivindicação tem por finalidade, a título principal, “o<br />

reconhecimento <strong>do</strong> seu direito de propriedade”, e, a título acessório, “a consequente restituição<br />

<strong>do</strong> que lhe pertence”. Porém, a finalidade principal <strong>do</strong> autor desta acção traduz-se na entrega da<br />

coisa que se encontra indevidamente na posse de um terceiro. Deste mo<strong>do</strong>, a acção de<br />

reivindicação configura, em termos processuais, uma verdadeira acção declarativa de<br />

condenação, uma vez que tem por finalidade exigir a prestação de uma coisa ou de um facto,<br />

pressupon<strong>do</strong> ou preven<strong>do</strong> a violação de um direito [art. 4.º, n.º 2, b), <strong>do</strong> CPC] 144 . Assim, ao autor<br />

caberá, desde logo, o ónus de alegar e provar a titularidade <strong>do</strong> seu direito sobre a coisa. Com<br />

efeito, a<strong>do</strong>ptan<strong>do</strong> o nosso sistema processual, em relação à causa de pedir, a teoria da<br />

substanciação, o facto aquisitivo da propriedade compõem a causa de pedir 145 , pelo que o autor<br />

deve alegar a propriedade sobre a coisa 146. Para além disso, deve ainda invocar a violação <strong>do</strong> seu<br />

142 Caracterizan<strong>do</strong> a sequela como “a manifestação dinâmica da inerência, nos termos da qual o titular <strong>do</strong><br />

direito real pode sempre, onde quer que a coisa se encontre, usar de meios jurídicos para reaver a coisa”, vide<br />

CORDEIRO, António Menezes, «Da Natureza <strong>do</strong> Direito <strong>do</strong> Locatário», in ROA, ano 40.º, vol. I, 1980, p. 78. Cfr.,<br />

também, LEITÃO, Luís Menezes, Direito das Obrigações, vol. I, ob. cit., p. 107, segun<strong>do</strong> o qual “[O] direito real<br />

persegue a coisa onde quer que ela se encontre e pode sempre ser exerci<strong>do</strong>.”<br />

143 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, CORDEIRO, A. Menezes, Direitos Reais, ob. cit., p. 591. No senti<strong>do</strong> da acção de<br />

reivindicação ter apenas por objecto coisas corpóreas, por só estas poderem ser objecto de direitos reais, vide<br />

ASCENSÃO, José Oliveira, «Acção de reivindicação», ob. cit., p. 514.<br />

144 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 24 de Abril de 1997, in CJ , tomo II, 1997, p. 128: “[O] pedi<strong>do</strong> de<br />

reconhecimento da qualidade de proprietário pode considerar-se implícito no pedi<strong>do</strong> de restituição <strong>do</strong> bem.”<br />

145 Contrariamente, se o nosso sistema processual tivesse a<strong>do</strong>pta<strong>do</strong> a teoria da individualização, bastaria<br />

ao autor invocar a propriedade, sem necessidade de fazer qualquer referência em relação à causa da sua aquisição.<br />

146 Cfr., a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 19 de Fevereiro de 1971, in BMJ, 204.º, p. 193, segun<strong>do</strong> o qual<br />

“[A] petição inicial em acção de reivindicação que não indique expressamente a causa de pedir não será inepta se<br />

os <strong>do</strong>cumentos autênticos que a acompanham mostrarem o facto jurídico de que adveio o invoca<strong>do</strong> direito real.” Se<br />

65


66<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

direito pelo réu, e pedir ao tribunal que, em função desse reconhecimento prévio e prejudicial,<br />

condene o réu na entrega da coisa reivindicada por violação <strong>do</strong> direito <strong>do</strong> autor 147 148 149. Na<br />

verdade, para o exercício e procedência da acção de reivindicação, torna-se necessário o<br />

preenchimento de um duplo requisito subjectivo: por um la<strong>do</strong>, o autor ser proprietário ou titular<br />

de outro direito real menor sobre a coisa reivindicada e o réu ser o seu detentor ilegítimo, e, por<br />

outro la<strong>do</strong>, verificar-se objectivamente a identidade da coisa que se reclama com a que é<br />

possuída pelo réu 150 .<br />

Relativamente à legitimidade processual passiva, a acção de reivindicação, em regra,<br />

deve ser proposta contra o possui<strong>do</strong>r ou o detentor actual da coisa reivindicada, da<strong>do</strong> que a<br />

causa de pedir assenta na detenção ou posse abusiva da coisa (art. 1311.º <strong>do</strong> CC) 151 152. Por<br />

a causa de pedir se basear na ofensa <strong>do</strong> direito de propriedade sobre a coisa, sobre o autor recai o ónus de provar<br />

o direito de propriedade sobre a coisa reivindicada, sen<strong>do</strong> necessário que, além da aquisição derivada, prove<br />

também a aquisição originária, isto é, que o direito já existia no transmitente (cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de<br />

06 de Julho de 1977, in CJ, tomo IV, 1977, p. 926). Vide, ainda, o Ac. <strong>do</strong> TRE, de 12 de Junho de 1986, in BMJ,<br />

360.º, p. 677, segun<strong>do</strong> o qual “[O] autor, em acção de reivindicação, terá sempre de alegar (e provar) uma forma<br />

de aquisição originária <strong>do</strong> direito de propriedade invoca<strong>do</strong>, para além <strong>do</strong> título translativo, a não ser que invoque (e<br />

prove) a inscrição <strong>do</strong> prédio, objecto da lide, a seu favor.<br />

147 Cfr. MACHADO, António Montalvão; PIMENTA, Paulo, O Novo Processo Civil , 10.ª ed., Almedina,<br />

p. 33. Cfr., no mesmo senti<strong>do</strong>, ASCENSÃO, José Oliveira, «Acção de reivindicação», in ROA, ob. cit., p. 520. Vide,<br />

na jurisprudência, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 15 de Maio de 1974, in BMJ, 237.º, p. 298: “O autor de uma acção de<br />

reivindicação não deve limitar-se a pedir a restituição da coisa, mas também, como antecedente desse, o<br />

reconhecimento <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio.”<br />

148 Na verdade, a causa de pedir na acção de reivindicação apresenta uma estrutura complexa, da<strong>do</strong> que<br />

compreende tanto o acto ou o facto jurídico de que resulta o direito de propriedade <strong>do</strong> autor, como a violação ilícita<br />

desse direito por parte <strong>do</strong> réu. Quanto à estrutura da causa de pedir na acção de reivindicação, vide o Ac. <strong>do</strong> TRL,<br />

de 14 de Julho de 1981, in BMJ, 315.º, p. 307.<br />

149 Ainda que os <strong>do</strong>is pedi<strong>do</strong>s que integram e caracterizam a acção de reivindicação consistirem no<br />

reconhecimento <strong>do</strong> direito de propriedade e na entrega da coisa reivindicada, nada impede que a estes pedi<strong>do</strong>s se<br />

acrescentem outros pedi<strong>do</strong>s acessórios, tais como, o pedi<strong>do</strong> de indemnização por danos causa<strong>do</strong>s pelo<br />

demanda<strong>do</strong>, na propriedade ou <strong>do</strong> valor que dela fez, e o pedi<strong>do</strong> de demolição de obra indevidamente feita na coisa<br />

reivindicada (cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 10 de Maio de 1988, in CJ, tomo III, 1988, p. 63).<br />

150 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 08 de Julho de 1982, in CJ, tomo IV, 1982, p. 202.<br />

151 Cfr., a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 20 de Março de 1973, in BMJ, 225.º, p. 196: “A acção de<br />

reivindicação só tem de ser proposta contra o possui<strong>do</strong>r ou o detentor actual da coisa e não também contra os<br />

anteriores.”


Meios de reacção à penhora: Figuras afins aos embargos de terceiro<br />

outro la<strong>do</strong>, para o reivindicante, é irrelevante a pessoa <strong>do</strong> detentor ou o motivo pelo qual a coisa<br />

reivindicada se encontra em seu poder 153. No entanto, se a coisa objecto da acção de<br />

reivindicação tiver si<strong>do</strong> penhorada como se pertencesse ao executa<strong>do</strong> e por nomeação <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r<br />

exequente, nesse caso a acção deve ser proposta, antes da venda executiva, contra o exequente<br />

e o executa<strong>do</strong>, verifican<strong>do</strong>-se, deste mo<strong>do</strong>, uma situação de litisconsórcio necessário natural<br />

porquanto só assim poderá a acção produzir o seu efeito útil normal (art. 28.º, n.º 2, <strong>do</strong> CPC) 154.<br />

Em contrapartida, se a acção de reivindicação for intentada depois de já se ter verifica<strong>do</strong> a venda<br />

judicial <strong>do</strong> bem penhora<strong>do</strong>, nesse caso a legitimidade passiva caberá apenas ao adquirente da<br />

coisa em sede executiva.<br />

Se a acção de reivindicação for julgada procedente, o tribunal deve ordenar a restituição<br />

da coisa ao autor reivindicante com base no reconhecimento <strong>do</strong> seu direito sobre a coisa.<br />

Porém, ainda que o tribunal reconheça a titularidade <strong>do</strong> direito real <strong>do</strong> reivindicante, poderá não<br />

determinar a restituição da coisa se o réu tiver sobre ela um direito de retenção 155 , ou se, por<br />

outro título, lhe for conferida a posse ou a retenção da coisa 156. De facto, na acção de<br />

reivindicação, é admissível ao réu contestar o dever de entrega, sem negar o direito de<br />

propriedade, com fundamento em qualquer relação obrigacional ou real que confira a posse ou a<br />

detenção da coisa 157 . Nessa medida, e.g., a acção de reivindicação deverá ser julgada<br />

improcedente se existir um contrato de arrendamento tácito, pelo facto de os réus se<br />

152 De to<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong>, nada impede que a acção de reivindicação possa ser intentada contra incertos,<br />

independentemente da força de caso julga<strong>do</strong> ou da exequibilidade da sentença que resultar dessa acção (cfr. o Ac.<br />

<strong>do</strong> TRL, de 1 de Março de 1983, in CJ, tomo II, 1983, p. 83).<br />

153 ASCENSÃO, José Oliveira, «Acção de reivindicação», ob. cit., p. 514.<br />

154 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 27 de Junho de 2000, in CJ, tomo III, 2000, p. 126, bem como<br />

MARQUES, J. P. Remédio, Curso de Processo Executivo à Face <strong>do</strong> Código Revisto, ob. cit., p. 345.<br />

155 “Ten<strong>do</strong> os Autores prometi<strong>do</strong> vender um andar dum prédio seu aos Réus, os quais, entretanto, pagaram<br />

integralmente o seu preço e passaram a ocupá-lo, improcede o pedi<strong>do</strong> de reivindicação, visto os demanda<strong>do</strong>s<br />

gozarem, da<strong>do</strong> o incumprimento <strong>do</strong> contrato, <strong>do</strong> direito de retenção.” (Ac. <strong>do</strong> TRC, de 8 de Outubro de 1983, in CJ,<br />

tomo V, 1983, p. 36). Cfr., ainda, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 21 de Novembro de 1985, in BMJ, 351.º, p. 332, segun<strong>do</strong> o<br />

qual “[T]en<strong>do</strong> si<strong>do</strong> celebra<strong>do</strong> um contrato-promessa de compra e venda de um andar, no qual ficou estabelecida a<br />

possibilidade de o promitente-compra<strong>do</strong>r fazer uso dele até à conclusão <strong>do</strong> contrato prometi<strong>do</strong>, ou ate à caducidade<br />

ou resolução <strong>do</strong> contrato-promessa, não pode o proprietário e promitente-vende<strong>do</strong>r vir a reivindicar a entrega <strong>do</strong><br />

andar, enquanto não se provar que houve incumprimento <strong>do</strong> contrato devi<strong>do</strong> a culpa <strong>do</strong> promitente-compra<strong>do</strong>r.”<br />

156 Vide, a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 27 de Março de 1974, in BMJ, 235.º, p. 356.<br />

157 Cfr., a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 04 de Julho de 1980, in BMJ, 299.º, p. 320.<br />

67


68<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

comportarem, com a aquiescência <strong>do</strong> autor, como verdadeiros arrendatários 158 . Por outro la<strong>do</strong>, o<br />

réu pode também peticionar, em sede reconvencional, o reconhecimento <strong>do</strong> seu direito de<br />

propriedade sobre a coisa e a consequente legitimidade quanto à posse da mesma, com<br />

fundamento, por exemplo, na aquisição originária por usucapião 159 .<br />

Ten<strong>do</strong> a coisa reivindicada si<strong>do</strong> objecto de uma diligência de penhora, a procedência da<br />

acção de reivindicação implica o levantamento da penhora e, sen<strong>do</strong> caso disso, a anulação da<br />

venda judicial da coisa, nos termos <strong>do</strong> disposto no art. 909.º, n.º 1, d), <strong>do</strong> CPC.<br />

Importa ainda salientar que, ao contrário <strong>do</strong>s embargos de terceiro, incidente que<br />

apenas pode ser deduzi<strong>do</strong> até à venda judicial ou adjudicação <strong>do</strong>s bens penhora<strong>do</strong>s 160, a acção<br />

de reivindicação, tratan<strong>do</strong>-se de uma acção verdadeiramente autónoma em relação ao processo<br />

executivo 161 , não se encontra sujeita a essa restrição temporal 162 , pelo que, caso venha a ser<br />

julgada procedente, daí resulta a restituição <strong>do</strong>s bens ao adjudicatário, ainda que já tenham si<strong>do</strong><br />

vendi<strong>do</strong>s ou adjudica<strong>do</strong>s 163 . Nesta medida, uma vez que a reforma de 95/96 veio admitir a<br />

possibilidade de tutela <strong>do</strong> direito de fun<strong>do</strong> em sede de embargos de terceiro, rapidamente a<br />

acção de reivindicação passou para um segun<strong>do</strong> plano, circunscreven<strong>do</strong>-se o recurso a esta<br />

providência as casos em que já não é possível a dedução de embargos de terceiro em virtude da<br />

158 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 26 de Outubro de 1977, in CJ, tomo V, 1977, p. 1199. Vide, a<br />

este propósito, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 18 de Dezembro de 1984, segun<strong>do</strong> o qual “[E]m acção de reivindicação pode<br />

conhecer-se da validade e subsistência <strong>do</strong> contrato de arrendamento invoca<strong>do</strong> pelos réus a legitimar a sua<br />

ocupação e como facto impeditivo <strong>do</strong> direito <strong>do</strong> proprietário de pedir a restituição. Em tal caso, a autora só poderá<br />

obter a restituição <strong>do</strong> arrenda<strong>do</strong> através da competente acção de despejo.”<br />

159 Cfr., quanto à admissibilidade de formulação de um pedi<strong>do</strong> reconvencional na acção de reivindicação, o<br />

Ac. <strong>do</strong> TRC, de 24 de Abril de 1997, in BMJ, 467.º, p. 637.<br />

160 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 21 de Maio de 1991, proc. 080694, in www.dgsi.pt: “Os embargos<br />

de terceiro nunca podem ser deduzi<strong>do</strong>s depois de os respectivos bens terem si<strong>do</strong> judicialmente vendi<strong>do</strong>s ou<br />

adjudica<strong>do</strong>s.”<br />

161 Cfr. FREITAS, Lebre de, A Acção Executiva Depois da Reforma, ob. cit., p. 300.<br />

162 “Para além de poder usar os embargos de terceiro para defender a sua posse, pode o proprietário de<br />

coisa penhorada reivindicá-la, independentemente de qualquer prazo.” (Ac. <strong>do</strong> TRC, de 31 de Março de 1987, in<br />

BMJ, 365.º, p. 699).<br />

163 Neste caso, o compra<strong>do</strong>r ou o adjudicatário apenas terá direito à restituição <strong>do</strong> preço que tiver pago –<br />

gozan<strong>do</strong> <strong>do</strong> direito de retenção sobre a coisa comprada enquanto não lhe for restituí<strong>do</strong> o preço, ao abrigo <strong>do</strong><br />

disposto no art. 910.º, n.º 2, <strong>do</strong> CPC – e a ser indemniza<strong>do</strong> pelas eventuais perdas e danos que tiver sofri<strong>do</strong> (vide, a<br />

este propósito, MARQUES, J. P. Remédio, Curso de Processo Executivo à Face <strong>do</strong> Código Revisto, ob. cit., p. 346).


Meios de reacção à penhora: Figuras afins aos embargos de terceiro<br />

verificação da venda executiva <strong>do</strong>s bens 164 ou de ter já decorri<strong>do</strong> o prazo legalmente previsto para<br />

a sua dedução 165.<br />

A título cautelar, enquanto não for proposta a acção de reivindicação, pode o terceiro<br />

optar por recorrer ao protesto pela reivindicação da coisa, antes que a venda seja efectuada,<br />

invocan<strong>do</strong>, para o efeito, a titularidade de um direito próprio incompatível com a transmissão 166<br />

167. Contu<strong>do</strong>, o recurso a essa providência encontra-se veda<strong>do</strong> ao próprio executa<strong>do</strong> 168, da<strong>do</strong> que<br />

o direito de protestar pela reivindicação da coisa penhorada pertence somente ao terceiro 169 .<br />

No que concerne aos efeitos da sentença da acção de reivindicação, esta tem apenas<br />

uma eficácia inter partes, isto é, o caso julga<strong>do</strong> não tem efeitos em relação a terceiros, pelo que<br />

nada impede que um terceiro em relação à acção faça uso de to<strong>do</strong>s os meios processualmente<br />

admissíveis quanto à invocação de um direito de propriedade ou de outro direito real menor em<br />

relação à coisa 170. Por esse motivo, se o autor demandar o detentor como possui<strong>do</strong>r em nome de<br />

outrem, deve também chamar à acção a pessoa em nome de quem o deman<strong>do</strong> possui, de<br />

forma a evitar a frustração da acção e a formação de caso julga<strong>do</strong> quanto a ele 171.<br />

164 Cfr. FREITAS, Lebre de, A Acção Executiva Depois da Reforma, ob. cit., p. 301, bem como CARDOSO,<br />

Eurico Lopes, Manual da Acção Executiva, ob. cit., p. 386.<br />

165 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 20 de Janeiro de 1998, proc. 9721213, in www.dgsi.pt: “A acção de reivindicação<br />

é o meio próprio, ao dispor <strong>do</strong> proprietário, para reagir contra aquele que, antes da arrematação, ofenda o direito de<br />

propriedade <strong>do</strong> reivindicante, com a promoção da venda, se na altura da penhora não pôde utilizar os embargos de<br />

terceiro, no prazo que a lei estipula.”<br />

166 No caso de recorrer ao protesto pela reivindicação, o seu autor deve intentar a acção de reivindicação<br />

no prazo de 30 dias, sob pena de se verificar a caducidade das garantias destinadas a assegurar a restituição <strong>do</strong>s<br />

bens e o embolso <strong>do</strong> preço. Deste mo<strong>do</strong>, o “protesto, lavra<strong>do</strong> nos termos <strong>do</strong> art. 910.º <strong>do</strong> Código de Processo Civil,<br />

tem a sua eficácia subordinada à instauração de acção de reivindicação no prazo de 30 dias” (cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de<br />

17 de Julho de 1980, in BMJ, 299.º, p. 416).<br />

167 “O protesto pela reivindicação da coisa vendida, quan<strong>do</strong> haja lugar a ele, é uma providência cautelar<br />

que não dispensa a acção respectiva” (Ac. <strong>do</strong> STJ, de 19 de Janeiro de 1973, in BMJ, 223.º, p. 170).<br />

168 Nessa exacta medida, também não poderá recorrer a esta providência cautelar o cônjuge <strong>do</strong> executa<strong>do</strong><br />

que tenha si<strong>do</strong> cita<strong>do</strong> nos termos e para os efeitos <strong>do</strong> disposto no art. 825.º <strong>do</strong> CPC (cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong><br />

TRP, de 11 de Maio de 1998, in BMJ, 477.º, p. 566, bem como o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 9 de Fevereiro de 1999, in CJ,<br />

tomo I, 1999, p. 91).<br />

169 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 20 de Fevereiro de 1992, in CJ, tomo I, 1992, p. 235).<br />

170 ASCENSÃO, José Oliveira, «Acção de reivindicação», ob. cit., p. 521.<br />

171 Idem, p. 530.<br />

69


70<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva


RAZÃO DE ORDEM<br />

Âmbito objectivo <strong>do</strong>s embargos de terceiro<br />

CAPÍTULO IV<br />

ÂMBITO OBJECTIVO DOS EMBARGOS DE TERCEIRO<br />

Os embargos de terceiro devem fundamentar-se na existência de uma penhora ou<br />

diligência judicial, que já tenha si<strong>do</strong> efectuada ou apenas ordenada, e que se revele ofensiva da<br />

posse ou de outro direito incompatível com a sua realização, para tanto não bastan<strong>do</strong>, de forma<br />

a caracterizar aquele fundamento, a possibilidade teórica, abstracta ou eventual de aquela<br />

diligência vir a efectivar-se 172.<br />

Com efeito, nos termos <strong>do</strong> art. 351.º <strong>do</strong> CPC, os embargos de terceiro têm por objecto a<br />

defesa da posse 173 ou de um direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência de<br />

penhora ou de qualquer acto judicialmente ordena<strong>do</strong> de apreensão ou entrega de bens 174 175 . Vale<br />

172 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 16 de Dezembro de 2004, proc. 0436633, in www.dgsi.pt.<br />

173 Quanto à concepção de posse como a exteriorização de um direito, vide, por to<strong>do</strong>s, ASCENSÃO, José de<br />

Oliveira, Direito Civil – Reais, 4.ª ed., Coimbra Editora, 1983, p. 69.<br />

174 “Sen<strong>do</strong> decretada a restituição provisória da posse que os terceiros considerem ofensiva <strong>do</strong> seu direito<br />

de propriedade, só por embargos de terceiro, e não por meio de providência cautelar autónoma, podem aqueles<br />

terceiros anular ou substituir os efeitos daquela” (cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 15 de Dezembro de 1993, proc.<br />

0065336, in www.dgsi.pt).<br />

175 No Código de Processo Civil Italiano, dispõe o art. 619., a respeito da opposizioni di terzi, que “il terzo<br />

che pretende avere la proprietà o altro diritto reale sui beni pignorati puo proporre opposizione com ricorso al giudice<br />

dell’esecuzione, prima che sai disposta la vendita o l’asegnazione dei beni.”<br />

Este instituto jurídico, ao invés da opposizioni di debitore, visa tutelar a posição de um terceiro que vê a<br />

sua esfera jurídico-patrimonial ser ilicitamente atingida por um acto de natureza executiva. Deste mo<strong>do</strong>, a dedução<br />

de embargos de terceiro tem por fundamento principal a violação <strong>do</strong> regime substantivo previsto no art. 2740 <strong>do</strong> CC<br />

It. ao abrigo <strong>do</strong> qual “[I]l debitore risponde dell'adempimento delle obbligazioni con tutti i suoi beni presenti e futuri.<br />

Le limitazioni della responsabilità non sono ammesse se non nei casi stabiliti dalla legge.”. Vale isto por dizer que o<br />

terceiro faz valer a sua propriedade sobre os bens contra a pretensão executiva <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r (cfr. SALVATORE SATTA;<br />

CARMINE PUNZI, Diritto Processuale Civile, Tredicesima Edizione, Cedam, 2000, p. 727).<br />

Ao contrário <strong>do</strong> regime previsto no processo civil português, o qual permite a tutela da posse ou de outro<br />

direito incompatível com a finalidade ou o âmbito da diligência, o sistema processual italiano apenas permite — pelo<br />

menos aparentemente — a tutela <strong>do</strong> direito de propriedade ou de outro direito real sobre o bem penhora<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong><br />

71


72<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

isto por dizer que os embargos de terceiro encontram o seu fundamento não só na ofensa da<br />

posse 176 de um terceiro sobre os bens penhora<strong>do</strong>s (tal como vinha suceden<strong>do</strong> exclusivamente até<br />

à reforma de 95/96), como também num direito de um terceiro que se revele incompatível com<br />

a finalidade da diligência 177 .<br />

certo, porém, que a <strong>do</strong>utrina tem vin<strong>do</strong> a entender ser também admissível a dedução de embargos de terceiro<br />

relativamente à defesa de direitos pessoais de gozo (cfr. ELIO FAZZALARI, Lezione di diritto processuale civile, vol. II,<br />

Pádua, Cedam, 1989, pp. 150 e 152).<br />

No processo civil espanhol, o regime jurídico <strong>do</strong>s embargos de terceiro (tercería de <strong>do</strong>mínio) vem regula<strong>do</strong><br />

nos arts. 595. e ss da LEC e visa permitir a reacção de um terceiro contra a penhora de um bem que lhe pertença<br />

no âmbito de um processo executivo em que não seja parte. Com efeito, através da tercería de <strong>do</strong>mínio, o terceiro<br />

deduz oposição a um acto concreto de penhora, pedin<strong>do</strong> que se levante a apreensão decretada sobre um bem<br />

determina<strong>do</strong>. Deste mo<strong>do</strong>, o terceiro tem que invocar que é proprietário <strong>do</strong> bem penhora<strong>do</strong>, ou que é titular de um<br />

direito que, por força de disposição legal, lhe permite opor-se à penhora ou à execução coactiva <strong>do</strong> bem penhora<strong>do</strong><br />

como pertencente ao executa<strong>do</strong>. Todavia, nos termos <strong>do</strong> art. 601. da LEC, a dedução de oposição de terceiro não<br />

visa a declaração da titularidade <strong>do</strong> direito, mas tão só o levantamento da penhora sobre o bem por ela<br />

indevidamente atingi<strong>do</strong>, ainda que para esse efeito possa ser necessário que o tribunal aprecie a titularidade <strong>do</strong><br />

bem, sem que, contu<strong>do</strong>, essa apreciação produza efeitos de caso julga<strong>do</strong> (cfr. MONTERO AROCA, Juan, El Nuevo<br />

Proceso Civil, Tirant lo blanch, Valência, 2001, p. 763).<br />

No âmbito <strong>do</strong> Zivilprozeβordnung (ZPO) dispõe o § 771 (Drittwidersprunchsklage) que, se um terceiro<br />

afirmar que lhe pertence um direito sobre o bem atingi<strong>do</strong> pela diligência executiva, poderá intentar uma oposição de<br />

terceiro contra a execução judicial desse bem junto <strong>do</strong> tribunal onde se encontre a decorrer a acção executiva.<br />

Quanto à natureza <strong>do</strong> direito <strong>do</strong> terceiro que seja impeditivo da alienação judicial, enquadram-se neste <strong>do</strong>mínio quer<br />

o direito de propriedade, quer outros direitos reais menores (CFR. MESQUITA, Miguel, Apreensão de Bens em<br />

Processo Executivo e Oposição de Terceiro, 2.ª ed. rev. e actual., Almedina, 2001, p. 98).<br />

176 A formulação legal a<strong>do</strong>ptada parece demonstrar que o legisla<strong>do</strong>r veio a<strong>do</strong>ptar uma concepção real da<br />

posse, no senti<strong>do</strong> de que esta terá por objecto a coisa e não o direito referente à coisa. Caso contrário, bastaria ao<br />

legisla<strong>do</strong>r referir-se tão só à ofensa de um direito, porquanto o mesmo já pressuporia o exercício da posse inerente a<br />

esse direito.<br />

No processo civil italiano, a oposição de terceiro (opposizioni di terzi) surge definida no art. 619 <strong>do</strong> CPC It.<br />

como o meio pelo qual o terceiro pretende fazer valer o seu direito de propriedade ou outro direito real sobre os<br />

bens penhora<strong>do</strong>s (cfr. SALVATORE SATTA; CARMINE PUNZI, Diritto Processuale Civile, ob. cit., p. 727).<br />

177 No art. 1037.º <strong>do</strong> CPC1961 o legisla<strong>do</strong>r enumerava a tipologia de diligências judiciais que permitiam a<br />

dedução de embargos de terceiro: penhora, arresto, arrolamento, posse judicial, despejo ou qualquer outra<br />

diligência judicial que não seja a apreensão de bens em processo de falência ou de insolvência.


Âmbito objectivo <strong>do</strong>s embargos de terceiro<br />

Na verdade, na sequência dessa reforma processual, os embargos de terceiro deixaram<br />

de ter como único e exclusivo fundamento a ofensa 178 da posse, passan<strong>do</strong> também a ser<br />

admiti<strong>do</strong>s para a defesa de qualquer direito que se revele ou venha a revelar incompatível com a<br />

realização ou o âmbito da diligência 179 . A reforma de 95/96 veio ainda permitir a dedução de<br />

embargos de terceiro a qualquer possui<strong>do</strong>r, seja em nome próprio ou em nome alheio, cuja<br />

180 posse seja incompatível com essa realização ou esse âmbito 181.<br />

Sen<strong>do</strong> caracteriza<strong>do</strong> por se inserir no âmbito de um processo que comporta diligências<br />

de natureza executiva (penhora ou acto judicialmente ordena<strong>do</strong> de apreensão ou entrega de<br />

bens) 182, o terceiro embargante, em sede de verdadeira oposição espontânea, invoca contra as<br />

partes primitivas da acção executiva um direito próprio e incompatível com a subsistência <strong>do</strong>s<br />

178 A “ofensa” tanto pode resultar de um acto puramente material, como de um acto de natureza jurídica<br />

(cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 7 de Maio de 1992, proc. 082172, in www.dgsi.pt).<br />

179 De to<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong>, a jurisprudência tem vin<strong>do</strong> a entender que, conjugan<strong>do</strong> os arts. 351.º <strong>do</strong> CPC e 1285.º<br />

<strong>do</strong> CC, a defesa da posse continua a constituir o fundamento nuclear para a dedução de embargos de terceiro, não<br />

obstante ser também admissível a utilização deste meio para a tutela de qualquer direito que se venha a revelar<br />

incompatível com a realização ou o âmbito da diligência (cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 6 de Junho de 2000, proc. 0000721,<br />

in www.dgsi.pt). Quanto à ampliação <strong>do</strong> âmbito objectivo <strong>do</strong>s embargos de terceiro vide, por to<strong>do</strong>s, o Ac. <strong>do</strong> TRP, de<br />

3 de Fevereiro de 1998, proc. 9721085, in www.dgsi.pt.<br />

180 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 19 de Setembro de 2002, proc. 2011/02-7, in SASTJ, 9/2002.<br />

181 A ultima ratio da tutela da posse em sede de embargos de terceiro reside na presunção da titularidade<br />

<strong>do</strong> direito de fun<strong>do</strong> sustentada pela posse da coisa (arts. 1251.º e 1268.º, n.º 1, <strong>do</strong> CC), sem prejuízo de a lei<br />

facultar semelhante tutela aos possui<strong>do</strong>res em nome alheio, como é o caso <strong>do</strong> locatário, <strong>do</strong> parceiro pensa<strong>do</strong>r, <strong>do</strong><br />

comodatário e <strong>do</strong> depositário, nos termos, respectivamente, <strong>do</strong>s arts. 1037.º, n.º 2, 1125.º, n.º 2, 1133.º, n.º 2 e<br />

1188.º, n.º 2, to<strong>do</strong>s <strong>do</strong> CC – Cfr. FREITAS, José Lebre de; PINTO, Rui; REDINHA, João, Código de Processo Civil<br />

Anota<strong>do</strong>, vol. 1.º, ob. cit., p. 615.<br />

182 Nessa exacta medida, não se afigura admissível, v.g., a dedução de embargos de terceiro contra uma<br />

acção executiva para prestação de facto, consistente na demolição de parte de um edifício, cujo título executivo é<br />

uma decisão judicial transitada em julga<strong>do</strong>, uma vez que, nesse caso, não está em causa qualquer acto de<br />

apreensão ou entrega de bens ou penhora, mas o cumprimento de uma decisão judicial transitada em julga<strong>do</strong> (cfr.,<br />

nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 17 de Fevereiro de 2004, proc. 8594/2003-7, in www.dgsi.pt, bem como o Ac. <strong>do</strong><br />

TRL, de 28 de Setembro de 2006, proc. 0634615, in www.dgsi.pt).<br />

73


74<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

efeitos normais dessas diligências 183 , impenden<strong>do</strong> sobre si o ónus da prova da lesão ou ofensa<br />

da posse ou <strong>do</strong> seu direito, ao abrigo <strong>do</strong> disposto no art. 342.º, n.º 1, <strong>do</strong> CC 184.<br />

No que concerne ao fundamento para a dedução <strong>do</strong>s embargos, o art. 824.º, n.º 2, <strong>do</strong><br />

CC, determina que os bens são transmiti<strong>do</strong>s livres <strong>do</strong>s direitos de garantia que os onerarem bem<br />

como <strong>do</strong>s demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora<br />

ou garantia, com excepção <strong>do</strong>s que, constituí<strong>do</strong>s em data anterior, produzam efeitos em relação<br />

a terceiros independentemente de registo 185 . Ora, a tutela concedida à posse <strong>do</strong> terceiro sobre o<br />

bem penhora<strong>do</strong> depende <strong>do</strong> destino dessa posse após a venda executiva da coisa penhorada,<br />

sen<strong>do</strong> certo que a defesa da posse, nomeadamente em sede de embargos de terceiro,<br />

pressupõe que esta se manterá após a venda executiva 186. De qualquer mo<strong>do</strong>, ainda que o direito<br />

se extinga com a venda executiva, nem por isso o legisla<strong>do</strong>r deixou de salvaguardar os direitos<br />

de terceiros. Na verdade, os direitos de terceiro que caducarem por força da venda executiva<br />

transferem-se para o produto da venda <strong>do</strong>s respectivos bens (art. 824.º, n.º 3, <strong>do</strong> CC) 187 .<br />

Os embargos de terceiro devem fundamentar-se na existência de uma penhora ou<br />

diligência judicial, que já tenha si<strong>do</strong> efectuada ou apenas ordenada, e que se revele ofensiva da<br />

posse ou de outro direito incompatível com a sua realização, para tanto não bastan<strong>do</strong>, de forma<br />

a caracterizar aquele fundamento, a possibilidade teórica, abstracta ou eventual de aquela<br />

diligência vir a efectivar-se 188 . A este propósito impõe-se referir que, constituin<strong>do</strong> os embargos um<br />

meio de reacção contra qualquer acto de apreensão ou de entrega de bens que ofenda a posse<br />

ou um direito de terceiro incompatível com essa diligência, não constitui fundamento para a<br />

183 REGO, Lopes <strong>do</strong>, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, ob. cit., p. 324.<br />

184 Cfr. quanto ao critério legal da repartição <strong>do</strong> ónus da prova, RANGEL, Rui Manuel de Freitas, O Ónus da<br />

Prova no Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2000, p. 133.<br />

185 OLIVEIRA ASCENSÃO que estes direitos se reportam exclusivamente aos direitos reais de garantia, quer<br />

atenden<strong>do</strong> à unidade <strong>do</strong> sistema, já que se se admitisse a subsistência de direitos reais de garantia não sujeitos a<br />

registo, desde que constituí<strong>do</strong>s anteriormente (ex. privilégio creditório), seria possível a transmissão de bens<br />

onera<strong>do</strong>s por direitos reais de garantia, quer por força <strong>do</strong> disposto no n.º 3, o qual preceitua que os direitos que<br />

caducarem nos termos <strong>do</strong> n.º 2 transferem-se para o produto da venda (ASCENSÃO, José Oliveira, «Locação de<br />

bens da<strong>do</strong>s em garantia – Natureza jurídica da locação», in ROA, n.º 45, vol. II, 1985, p. 353).<br />

186 SOUSA, Miguel Teixeira de, «A Penhora de bens na posse de terceiros», ob. cit., p. 79.<br />

187 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 25 de Novembro de 1999, in CJ, tomo III, 1999, p. 118: “Não há<br />

incompatibilidade, legitima<strong>do</strong>ra da dedução de embargos, entre o acto de penhora e a invocação de garantias reais,<br />

efectiváveis de pleno no âmbito da própria acção executiva.”<br />

188 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 16 de Dezembro de 2004, proc. 0436633, in www.dgsi.pt.


Âmbito objectivo <strong>do</strong>s embargos de terceiro<br />

dedução <strong>do</strong>s embargos o facto de se ter da<strong>do</strong> como prova<strong>do</strong> numa acção de simples apreciação<br />

que um determina<strong>do</strong> bem pertence a uma das partes 189.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, não constitui fundamento para a dedução de embargos de terceiro o<br />

conhecimento da diligência de venda executiva <strong>do</strong>s bens penhora<strong>do</strong>s, da<strong>do</strong> que não se trata de<br />

uma diligência de penhora nem de apreensão ou entrega de bens 190.<br />

189 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 09 de Maio de 2000, proc. 862/00, in www.dgsi.pt.<br />

190 Ac. <strong>do</strong> STJ, de 11 de Março de 2003, proc. 443/03 – 6.ª secção, in www.dgsi.pt.<br />

75


76<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva


1. ÂMBITO DA POSSE<br />

1.1. NOÇÃO<br />

Posse<br />

SECÇÃO I<br />

POSSE<br />

Sumário: 1. Âmbito da posse. 1.1. Noção. 1.2. Exercício da posse<br />

através de um terceiro. 1.3. Efeitos da posse: A presunção da titularidade <strong>do</strong><br />

direito. 1.4. Manifestações da posse. 1.4.1. Direitos reais de gozo.<br />

1.4.2. Direito reais de garantia. 1.4.3. Direitos reais de aquisição.<br />

1.4.4. Direitos pessoais de gozo. 2. Meios de defesa da posse. 2.1. Meios<br />

extrajudiciais. 2.1.1. Acção directa. 2.1.2. Legítima defesa. 2.2. Meios<br />

judiciais. 2.2.1. Acção de prevenção da posse. 2.2.2. Acção de manutenção<br />

ou de restituição da posse. 2.2.3. Restituição provisória da posse em caso de<br />

esbulho violento. 2. Modalidades da posse susceptíveis de tutela mediante<br />

embargos de terceiro. 2.1. Posse titulada e posse não titulada. 2.2. Posse<br />

efectiva ou material e posse jurídica ou legal. 2.3. Posse causal e posse<br />

formal. 2.4. Posse em nome próprio e posse em nome alheio. 2.5. Posse e<br />

mera detenção.<br />

A dedução <strong>do</strong> incidente processual de embargos de terceiro tem desde logo como<br />

fundamento principal a ofensa da posse 191 . Na verdade, <strong>do</strong>s arts. 351.º <strong>do</strong> CPC e 1285.º <strong>do</strong> CC<br />

resulta que a posse apresenta um carácter específico e autónomo enquanto fundamento para a<br />

dedução de embargos de terceiro relativamente aos direitos reais que se revelem incompatíveis<br />

com a realização ou o âmbito da diligência.<br />

191 Pelo contrário, no sistema processual civil espanhol, a tercería de <strong>do</strong>mínio não tem por objecto a<br />

recuperação da posse perdida — pelo que não assume, consequentemente, a natureza de uma acção reivindicatória<br />

—, da<strong>do</strong> que a sua finalidade última se traduz no levantamento da penhora judicial a fim de se evitar a venda<br />

executiva <strong>do</strong> bem. Assim, o embargante não precisa de ter perdi<strong>do</strong> a posse sobre o bem para poder recorrer a este<br />

incidente processual (cfr. ANGEL FERNANDEZ, Miguel, Derecho Procesal Civil III, ob. cit., p. 376).<br />

77


78<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

Partin<strong>do</strong> da qualificação jurídica da posse prevista no art. 1251.º <strong>do</strong> CC, esta traduz-se<br />

no poder que se manifesta quan<strong>do</strong> alguém actua por forma correspondente ao exercício <strong>do</strong><br />

direito de propriedade ou de outro direito real 192 193 194. Deste mo<strong>do</strong>, a posse consiste na<br />

“afectação material de uma coisa corpórea aos fins de pessoas individualmente consideradas” 195 .<br />

Com efeito, da noção de posse resulta que é possui<strong>do</strong>r quem exerce ou quem tem a<br />

possibilidade de exercer poderes de facto sobre uma coisa (corpus) 196 197, com intenção de ser<br />

proprietário (animus <strong>do</strong>minii), possui<strong>do</strong>r (animus possidendi) ou de ter a coisa para si (animus<br />

sibi habendi) 198 199 200 . A jurisprudência tem-se dividi<strong>do</strong> quanto a questão de saber se a posse<br />

192 Critican<strong>do</strong> a noção legal de posse, vide CORDEIRO, António Menezes, Direitos Reais, ob. cit., p. 341.<br />

193 O Código Civil de 1867 definia a posse no seu art. 474.º nos seguintes termos: “Diz-se posse a retenção<br />

ou fruição de qualquer cousa ou direito. § 1.º Os actos facultativos ou de mera tolerância não constituem posse. §<br />

2.º A posse conserva-se emquanto dura a retenção ou fruição da cousa ou direito, ou a possibilidade de a<br />

continuar.” (vide, a este propósito, FERREIRA, José Dias, Código Civil Portuguez, vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa,<br />

1870, p. 6).<br />

194 Partin<strong>do</strong> da mesma definição legal, vide o art. 1140 <strong>do</strong> CC It: “Il possesso è il potere sulla cosa che si<br />

manifesta in un'attività corrispondente all'esercizio della proprietà o di altro diritto reale.” Na legislação civil francesa,<br />

o art. 2225. <strong>do</strong> CC. Fr. define a posse como “la détention ou la jouissance d'une chose ou d'un droit que nous<br />

tenons ou que nous exerçons par nous-mêmes, ou par un autre qui la tient ou qui l'exerce en notre nom.”<br />

195 CORDEIRO, António Menezes, Direitos Reais, ob. cit., p. 602.<br />

196 A <strong>do</strong>utrina tem-se dividi<strong>do</strong> quanto à questão de saber se a posse terá por objecto coisas ou, ao invés, os<br />

direitos a que essas coisas se referem. A este propósito, OLIVEIRA ASCENSÃO considera que a posse tem por<br />

objecto uma coisa, porquanto não podem ser exerci<strong>do</strong>s poderes de facto sobre um direito (ASCENSÃO, José de<br />

Oliveira, Direito Civil – Reais, ob. cit., p. 71). Vide, no mesmo senti<strong>do</strong>, CORDEIRO, António Menezes, Direitos Reais,<br />

reprint, Lisboa, 1979, p. 341.<br />

197 Esse poder de facto não tem, necessariamente, que corresponder a um poder exerci<strong>do</strong> fisicamente<br />

sobre a coisa (vide, nesse senti<strong>do</strong>, MARQUES, J. P. Remédio, Curso de Processo Executivo à Face <strong>do</strong> Código<br />

Revisto, ob. cit., p. 314).<br />

198 Vide o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 16 de Julho de 1971, in BMJ, 209.º, 1971, p. 124: “Ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> corpus aparece-<br />

nos como elemento integra<strong>do</strong>r <strong>do</strong> facto possessório e, por certo, o mais importante, o animus sibi abendi, que se<br />

traduz na intenção de exercer em nome próprio o direito de propriedade e que, por isso, costuma designar-se por<br />

animus <strong>do</strong>mini.”<br />

199 Quanto à distinção entre a concepção objectivista (JHERING) e subjectivista (SAVIGNY) da posse, vide,<br />

por to<strong>do</strong>s, COSTA, Mário Júlio de Almeida, Noções Fundamentais de Direito Civil, ob. cit. p. 408.<br />

200 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 13 de Março de 1999, in BMJ¸485.º, p. 409, segun<strong>do</strong> o qual a<br />

posse “é o exercício de poderes de facto sobre uma coisa”. Cfr., também, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 29 de Novembro de<br />

2006, proc. 06A3808, in www.dgsi.pt: “A posse é um conceito normativo que integra uma conduta concreta -


Posse<br />

constitui um direito, o qual deverá ser enquadra<strong>do</strong> no <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong>s direitos reais, ou se, ao invés,<br />

ela integrará apenas matéria de facto 201.<br />

Assim, para que o terceiro possa ser reconheci<strong>do</strong> como possui<strong>do</strong>r para efeitos <strong>do</strong>s<br />

embargos de terceiro, deve invocar e provar os elementos constitutivos da sua posse, isto é, o<br />

exercício de poderes materiais sobre a coisa (corpus), bem como a intenção de se comportar<br />

como titular efectivo <strong>do</strong> direito real correspondente aos actos pratica<strong>do</strong>s (animus) 202, embora a<br />

titularidade desse direito seja presumida ao abrigo <strong>do</strong> disposto no art. 1268.º <strong>do</strong> Cc.<br />

No contexto <strong>do</strong>s embargos de terceiro, a tutela concedida à posse <strong>do</strong> terceiro sobre o<br />

bem penhora<strong>do</strong> depende <strong>do</strong> destino dessa posse após a venda executiva <strong>do</strong> bem, sen<strong>do</strong> certo<br />

que a tutela da posse através deste incidente processual pressupõe que esta se manterá após a<br />

venda executiva 203 .<br />

1.2. EXERCÍCIO DA POSSE ATRAVÉS DE UM TERCEIRO<br />

A noção legal de posse prevista no art. 1251.º <strong>do</strong> CC carece de ser conjugada com o<br />

disposto no art. 1252.º <strong>do</strong> CC a propósito <strong>do</strong> exercício da posse através de um intermediário.<br />

Com efeito, à luz da citada disposição legal, a posse pode ser exercida pessoalmente ou por<br />

intermédio de outrem, presumin<strong>do</strong>-se a posse naquele que exerce efectivamente um poder de<br />

facto sobre a coisa 204.<br />

A posse exercida por um terceiro sobre um bem penhora<strong>do</strong> ou judicialmente apreendi<strong>do</strong><br />

poderá ser ou não judicialmente relevante consoante o momento em que se tiver verifica<strong>do</strong> o<br />

detenção e fruição — ("corpus") e uma atitude <strong>do</strong> foro interno — convicção de <strong>do</strong>mínio; de exercer um direito próprio<br />

("animus"), não assimilada univocamente na linguagem comum, em termos de poder quesitar-se como facto.”<br />

201 Vide, quanto a esta divisão <strong>do</strong>utrinal, ALMEIDA, L. P Moitinho, Restituição de Posse e Ocupação de<br />

Imóveis, ob. cit., p. 19.<br />

www.dgsi.pt.<br />

202 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 4 de Outubro de 2007, proc. 2370/07 – 7.ª secção, in<br />

203 SOUSA, Miguel Teixeira de, «A Penhora de bens na posse de terceiros», ob. cit., p. 79.<br />

204 A este propósito determina o art. 1140 <strong>do</strong> CC It. que “[S]i può possedere direttamente o per mezzo di<br />

altra persona, che ha la detenzione della cosa.”<br />

79


80<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

início da posse sobre esse bem 205 . Com efeito, se essa posse tiver si<strong>do</strong> constituída e registada<br />

(quan<strong>do</strong> a natureza <strong>do</strong> bem assim o imponha) antes da constituição ou registo da penhora,<br />

arresto ou garantia, esse direito não poderá ser afecta<strong>do</strong> pela diligência judicial, circunstância<br />

que faculta ao terceiro possui<strong>do</strong>r o direito de defender a sua posse mediante o incidente de<br />

embargos de terceiro 206.<br />

Em contrapartida, ao abrigo <strong>do</strong> disposto no art. 819.º <strong>do</strong> CC, se a posse <strong>do</strong> terceiro tiver<br />

si<strong>do</strong> constituída ou registada em momento posterior à penhora, arresto ou garantia, o terceiro<br />

não poderá invocar procedentemente a ofensa da sua posse em sede de embargos de terceiro,<br />

já que este é inoponível à execução. Nessa exacta medida, se o embargante, à data da penhora,<br />

não era possui<strong>do</strong>r <strong>do</strong> bem, ten<strong>do</strong> em conta que a posse só começou a ser exercida em<br />

momento posterior a essa diligência, não lhe é lícito deduzir embargos de terceiro com<br />

fundamento na ofensa da sua posse porquanto tal acto de disposição é inoponível em relação à<br />

execução 207 .<br />

Tal distinção carece de grande relevância, da<strong>do</strong> que o art. 831.º <strong>do</strong> CPC dispõe que os<br />

bens <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> são apreendi<strong>do</strong>s ainda que, por qualquer título, se encontrem em poder de<br />

terceiro, sem prejuízo, porém, <strong>do</strong>s direitos que a este seja lícito opor ao exequente 208 .<br />

1.3. EFEITOS DA POSSE: A PRESUNÇÃO DA TITULARIDADE DO DIREITO<br />

No que concerne aos efeitos da posse e ten<strong>do</strong> em conta o âmbito <strong>do</strong> presente estu<strong>do</strong>,<br />

importa destacar o efeito da presunção da titularidade <strong>do</strong> direito correspondente (art. 1268.º <strong>do</strong><br />

205 Na vigência <strong>do</strong> Código Civil de 1867 sustentava-se que “quem possue em nome de outrem não pode<br />

usar de remédio algum jurídico para manter a sua posse” (cfr. FERREIRA, José Dias, Código Civil Portuguez, vol. II,<br />

p. 6).<br />

206 REIS, José Alberto <strong>do</strong>s, Processos Especiais, vol. I, ob. cit., p. 406.<br />

207 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ de 29 de Janeiro de 2008, proc. 4489/07 – 6.ª secção, in www.dgsi.pt.<br />

208 Já não poderá, contu<strong>do</strong>, o terceiro utilizar da faculdade de tutelar a sua posse através <strong>do</strong> incidente de<br />

embargos de terceiro no caso de o exequente nomear à penhora, não o próprio bem possuí<strong>do</strong> pelo terceiro, mas<br />

sim o direito à restituição desse bem na posse <strong>do</strong> terceiro, porquanto, nesse caso, o terceiro não perde o direito de<br />

gozo sobre o bem, sen<strong>do</strong> aplica<strong>do</strong> o regime da penhora de direitos (cfr. SOUSA, Miguel Teixeira de, «A Penhora de<br />

bens na posse de terceiros», ob. cit., p. 77).


Posse<br />

CC) 209 , salvo quan<strong>do</strong> exista a favor de outrem uma presunção da titularidade <strong>do</strong> direito fundada<br />

num registo anterior ao início da posse 210.<br />

Quanto ao fundamento para este efeito da posse, impõe-se realçar que o legisla<strong>do</strong>r foi<br />

sensível ao critério da publicidade da posse 211 , ou seja, se uma determinada situação possessória<br />

se mantém durante um certo perío<strong>do</strong> de tempo, deve presumir-se que o possui<strong>do</strong>r é titular <strong>do</strong><br />

direito real correspondente 212. Trata-se, na verdade, da expressão <strong>do</strong> princípio “en fait de<br />

meubles possession vaut titre”.<br />

Ora, o que justifica o direito de o possui<strong>do</strong>r, cuja posse tenha si<strong>do</strong> ofendida por penhora<br />

ou por diligência judicialmente ordenada de apreensão ou entrega de bens, de deduzir embargos<br />

de terceiro com vista à defesa dessa posse, é a presunção resultante <strong>do</strong> art. 1268.º <strong>do</strong> Cc, de<br />

ser o titular <strong>do</strong> direito correspondente à sua actuação 213 .<br />

Em resulta<strong>do</strong> dessa presunção 214, o possui<strong>do</strong>r fica dispensa<strong>do</strong> de fazer a prova da<br />

titularidade <strong>do</strong> direito respectivo, motivo pelo qual compete ao terceiro a impugnação com êxito<br />

dessa presunção 215. Deste mo<strong>do</strong>, se for penhora<strong>do</strong> em sede executiva um bem que se encontra<br />

na posse de um terceiro, este pode opor-se a essa diligência através de embargos de terceiro<br />

com fundamento na ofensa da sua posse, sen<strong>do</strong> certo que, para a lei, é suficiente a ofensa<br />

dessa posse, sem que o embargante se veja confronta<strong>do</strong> com a necessidade de invocar e/ou<br />

provar o seu direito de propriedade sobre a coisa 216 . Assim, para que os embargos possam ser<br />

209 Cfr., a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 9 de Outubro de 1979, in CJ, tomo IV, 1979, p. 1283, segun<strong>do</strong><br />

o qual “[E]m caso de dúvida, a lei faz presumir a posse naquele que exerce o poder de facto”.<br />

210 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, COSTA, Mário Júlio de Almeida, Noções Fundamentais de Direito Civil, p. 413.<br />

211 Trata-se, na verdade, de uma “publicidade espontânea”, a qual resulta fundamentalmente “<strong>do</strong> mero<br />

funcionamento social <strong>do</strong> direito real, nos termos em que os membros da sociedade tomam naturalmente<br />

conhecimento da situação jurídica em causa” (CORDEIRO, António Menezes, Direitos Reais, ob. cit., p. 264).<br />

212 Quanto ao fundamento “publicitário” da situação possessória, cfr. DUARTE, Rui Pinto, Curso de Direitos<br />

Reais, ob. cit., p. 281.<br />

213 Ac. <strong>do</strong> STJ, de 15 de Dezembro de 2008, proc. 1047/98 – 2.ª secção, in www.dgsi.pt.<br />

214 No senti<strong>do</strong> de se tratar de uma presunção iuris tantum, isto é, de uma presunção ilidível, cfr.<br />

CORDEIRO, António Menezes, Direitos Reais, ob. cit., 1979, p. 288.<br />

215 Deste mo<strong>do</strong>, numa acção de reivindicação intentada pelo proprietário contra o possui<strong>do</strong>r, o ónus da<br />

prova quanto à titularidade <strong>do</strong> direito de propriedade recai sobre o proprietário reivindicante (cfr., nesse senti<strong>do</strong>,<br />

FRAGA, Álvaro Moreira Carlos, Direitos Reais – Segun<strong>do</strong> as prelecções <strong>do</strong> Prof. Doutor C. A. da Mota Pinto ao 4.º<br />

Ano Jurídico de 1970-71, Almedina, Coimbra, 1971, p. 205).<br />

216 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, FRAGA, Álvaro Moreira Carlos, Direitos Reais…, ob. cit., p. 212.<br />

81


82<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

admiti<strong>do</strong>s, pelo menos na sua fase liminar, basta tão só ao embargante alegar a sua posse<br />

sobre os bens penhora<strong>do</strong>s, quer se trate de um possui<strong>do</strong>r causal ou formal, e<br />

independentemente de se encontrar a exercer poderes de facto sobre a coisa 217, embora, como é<br />

evidente, o terceiro possui<strong>do</strong>r fique vulnerável à discussão <strong>do</strong> direito de fun<strong>do</strong> em sede de<br />

embargos de terceiro caso venha a ser suscitada pelos embarga<strong>do</strong>s a exceptio <strong>do</strong>minii.<br />

Deste mo<strong>do</strong>, a invocação pelo terceiro da sua qualidade de possui<strong>do</strong>r e da ofensa da sua<br />

posse justifica, por si só, a admissibilidade da dedução de embargos de terceiro, uma vez que o<br />

art. 1268.º <strong>do</strong> CC estabelece a presunção de que o terceiro embargante é o titular <strong>do</strong> direito<br />

correspondente à sua actuação 218. Aliás, o legisla<strong>do</strong>r foi sensível à especial dificuldade em sede<br />

probatória quanto à demonstração da existência de uma posse em nome próprio que não seja<br />

coincidente com a presunção da titularidade de direito (probatio diabolica), pelo que, em termos<br />

probatórios, o embargante está dispensa<strong>do</strong> de fazer prova de que possui com a intenção de agir<br />

como se fosse titular <strong>do</strong> direito real correspondente. Ora, nesse caso, não invocan<strong>do</strong> o<br />

embarga<strong>do</strong> a exceptio <strong>do</strong>minii em sede de contestação aos embargos, a penhora deverá ser<br />

levantada por força da presunção da titularidade <strong>do</strong> direito a favor <strong>do</strong> embargante. No entanto,<br />

importa salientar que nem toda a posse é susceptível de fundamentar a dedução de embargos<br />

de terceiro. Na verdade, só é relevante a posse que permita presumir a existência <strong>do</strong> direito de<br />

propriedade a favor <strong>do</strong> embargante 219 .<br />

1.4. MANIFESTAÇÕES DA POSSE<br />

1.4.1. DIREITOS REAIS DE GOZO<br />

Tal como refere MANUEL RODRIGUES, a posse traduz-se num “poder directo e imediato<br />

sobre as coisas e o seu titular tem a faculdade de exigir de to<strong>do</strong>s os indivíduos uma abstenção<br />

217 MARQUES, J. P. Remédio, Curso de Processo Executivo à Face <strong>do</strong> Código Revisto, ob. cit., p. 314.<br />

218 Cfr., quanto à legitimação <strong>do</strong> terceiro para os embargos em função da presunção da titularidade <strong>do</strong><br />

direito pela sua posse, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 15 de Dezembro de 1998, proc. 1047/98 – 2.ª secção, in www.dgsi.pt.<br />

219 Ac. <strong>do</strong> STJ, de 15 de Dezembro de 1998, proc. 1047/98 – 2.ª secção, in www.dgsi.pt: “A posse <strong>do</strong><br />

embargante não é susceptível de justificar a procedência <strong>do</strong>s embargos de terceiro no caso de este, logo na petição<br />

de embargos, ao justificar a aquisição da posse, alegar que o direito de propriedade da coisa penhorada é <strong>do</strong><br />

executa<strong>do</strong>, justifican<strong>do</strong> isto mesmo com junção de pertinente certidão <strong>do</strong> registo predial.”


Posse<br />

que lhe permita exercer os elementos constitutivos <strong>do</strong> direito que exterioriza.” 220<br />

Atenta a configuração subjectivista da posse no Código Civil (art. 1251.º <strong>do</strong> CC) 221, o<br />

principal direito em que esta se exterioriza é o direito de propriedade, porquanto a posse traduz-<br />

se no poder que se manifesta quan<strong>do</strong> alguém actua por forma correspondente ao exercício<br />

desse direito 222. A posse manifesta-se de igual forma na compropriedade, a qual permite a<br />

existência de uma situação de composse sobre a coisa ou direito 223. Nessa exacta medida, os<br />

limites da posse de cada um <strong>do</strong>s comproprietários são determina<strong>do</strong>s em função <strong>do</strong> âmbito da<br />

posse <strong>do</strong>s demais, pertencen<strong>do</strong> a cada um deles uma quota ideal ou jurídica sobre a coisa, mas<br />

não uma parte especificada da coisa 224.<br />

Todavia, a posse não esgota a sua manifestação no direito de propriedade, porquanto o<br />

art. 1251.º, in fine, <strong>do</strong> CC prevê a manifestação da posse na actuação correspondente ao<br />

exercício de outro direito real. Além <strong>do</strong> mais, a posse exercida pelo proprietário da coisa não<br />

exclui por si só a possibilidade desta poder ser onerada por outros direitos reais de gozo,<br />

fican<strong>do</strong>, nesse caso, os respectivos titulares com uma parcela da posse em termos exactamente<br />

proporcionais ao âmbito <strong>do</strong>s direitos respectivos. Nessa medida, pela sua aproximação ao<br />

âmbito <strong>do</strong> direito de propriedade, importa salientar o âmbito da posse no <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> direito de<br />

usufruto<br />

Na verdade, de acor<strong>do</strong> com o disposto no art. 1446.º <strong>do</strong> CC, o usufrutuário tem o direito<br />

de usar, fruir e administrar a coisa ou o direito, isto é, a lei faculta-lhe o ius utendi e o ius<br />

fruendi. No entanto, este direito encontra-se limita<strong>do</strong> de forma significativa, porquanto o seu<br />

exercício deve ser nortea<strong>do</strong> pelo critério da actuação <strong>do</strong> bonus pater familiae. Embora o<br />

usufrutuário seja titular <strong>do</strong> direito de uso e de fruição da coisa, carece, porém, <strong>do</strong> direito de a<br />

transformar (ius abutendi). Com efeito, tal como resulta <strong>do</strong> art. 1450.º <strong>do</strong> CC, o usufrutuário tem<br />

220 RODRIGUES, Manuel, A Posse, Estu<strong>do</strong> de Direito Civil Português, ob. cit., p. 39.<br />

221 Quanto à configuração da posse como um direito real, vide RODRIGUES, Manuel, A Posse, Estu<strong>do</strong> de<br />

Direito Civil Português, 3.ª ed., Lisboa, 1980, p. 38.<br />

222 Relativamente à qualificação jurídica da posse enquanto direito real de gozo, vide CORDEIRO, A.<br />

Menezes, Direitos Reais, ob. cit., pp. 615 e 616.<br />

223 Nesta perspectiva, a compropriedade traduz-se no exercício de “direitos da mesma natureza em<br />

simultâneo sobre a mesma coisa ou direito, <strong>do</strong>minan<strong>do</strong>-o completamente.” (RODRIGUES, Manuel, A Posse, Estu<strong>do</strong><br />

de Direito Civil Português, ob. cit., p. 14).<br />

224 Quanto às diversas teorias sobre a natureza da compropriedade, vide RODRIGUES, Manuel, A Posse,<br />

Estu<strong>do</strong> de Direito Civil Português, ob. cit., p. 142.<br />

83


84<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

o direito de fazer na coisa usufruída as benfeitorias úteis e voluntárias que bem lhe parecer,<br />

contanto que não altere a sua forma ou substância, nem o seu destino económico. Deste mo<strong>do</strong>,<br />

o direito de usufruto implica que o respectivo beneficiário exerça a sua posse sobre a coisa,<br />

sen<strong>do</strong> certo que o Código Civil faculta os meios necessários à tutela possessória deste direito.<br />

Atento o âmbito material deste direito, o usufrutuário é possui<strong>do</strong>r em nome próprio <strong>do</strong><br />

usufruto e possui<strong>do</strong>r em nome alheio da propriedade 225.<br />

Também no direito de servidão se verifica o exercício da posse. Na verdade, pelo direito<br />

de servidão constitui-se um poder a favor <strong>do</strong> prédio <strong>do</strong>minante sobre o prédio serviente, isto é,<br />

permite-se o exercício de poderes materiais sobre uma coisa alheia.<br />

1.4.2. DIREITO REAIS DE GARANTIA<br />

Nos termos <strong>do</strong> art. 601.º <strong>do</strong> CC, o património <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r constitui a garantia quanto ao<br />

cumprimento da sua obrigação, sen<strong>do</strong> certo que são susceptíveis de execução coerciva to<strong>do</strong>s os<br />

bens <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r que, nos termos da lei substantiva, respondam pela dívida exequenda, a não<br />

ser que a lei processual imponha limitações a essa agressão patrimonial (arts. 822.º a 824.º <strong>do</strong><br />

CC).<br />

Ten<strong>do</strong> em vista uma maior segurança quanto ao cumprimento das suas obrigações, o<br />

cre<strong>do</strong>r pode socorrer-se <strong>do</strong>s direitos reais de garantia, os quais lhe atribuem, designadamente, o<br />

“direito de adquirir sobre o valor de um ou mais objectos que façam parte <strong>do</strong> património <strong>do</strong><br />

deve<strong>do</strong>r, a faculdade de se fazer pagar <strong>do</strong> seu crédito, de preferência a qualquer outro cre<strong>do</strong>r.<br />

Ter esta faculdade é ter um direito real de garantia.” 226 Ora, de entre estes direitos, alguns deles<br />

não implicam a posse efectiva da coisa ou <strong>do</strong> direito para que possam operar na sua máxima<br />

eficácia. Tal é o caso da hipoteca e <strong>do</strong> privilégio creditório, já que, em ambos os casos, o direito<br />

225 Nessa exacta medida, de acor<strong>do</strong> com MANUEL RODRIGUES, “porque é possui<strong>do</strong>r em nome próprio <strong>do</strong><br />

usufruto ele pode defender a sua posse de usufrutuário contra qualquer que o esbulha ou turba, mesmo contra o<br />

proprietário; mas porque é possui<strong>do</strong>r em nome alheio da propriedade, ele nem pode invocar a sua posse contra o<br />

proprietário quan<strong>do</strong> o usufruto termina, nem adquirir por prescrição o objecto que possui, salvo se em um e outro<br />

caso houver inverti<strong>do</strong> o título por que possui.” (RODRIGUES, Manuel, A Posse, Estu<strong>do</strong> de Direito Civil Português, ob.<br />

cit., pp. 146 e 147)<br />

226 Cfr. RODRIGUES, Manuel, A Posse, Estu<strong>do</strong> de Direito Civil Português, ob. cit., p. 158.


Posse<br />

se acha validamente constituí<strong>do</strong> e tutela<strong>do</strong> sem que seja necessário o exercício efectivo da posse<br />

pelo respectivo cre<strong>do</strong>r 227.<br />

Por sua vez, a maioria <strong>do</strong>s direitos reais de garantia implicam o exercício da posse sobre<br />

a coisa pelo respectivo titular, sob pena da garantia não se constituir de forma válida e plena. É o<br />

que se verifica, nomeadamente, no caso da consignação de rendimentos, <strong>do</strong> penhor, <strong>do</strong> direito<br />

de retenção, da penhora e <strong>do</strong> arresto, situação em que se estabelece uma relação processual de<br />

natureza possessória entre o cre<strong>do</strong>r e a coisa onerada em garantia de cumprimento.<br />

Na verdade, a consignação de rendimentos pode implicar que o cre<strong>do</strong>r se torne detentor<br />

da coisa no seu próprio interesse. Com efeito, ao abrigo <strong>do</strong> disposto no art. 661.º, n.º 1, <strong>do</strong> CC,<br />

é possível estipular, quanto à posse <strong>do</strong>s bens, que estes passem para o poder <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r, o qual<br />

fica, na parte aplicável, equipara<strong>do</strong> ao locatário, sem bem que com a faculdade de poder locar o<br />

bem sobre o qual incide a consignação [art. 661.º, n.º 1, b), <strong>do</strong> CC].<br />

No que concerne ao penhor, a constituição deste direito implica, em regra, a entrega da<br />

coisa ao respectivo cre<strong>do</strong>r — embora, como verá infra, a coisa possa permanecer na posse <strong>do</strong><br />

respectivo deve<strong>do</strong>r ou possa ser entregue a um terceiro — pelo que, ven<strong>do</strong>-se o deve<strong>do</strong>r<br />

desapossa<strong>do</strong> da coisa, adquire o cre<strong>do</strong>r a qualidade de detentor da coisa pignoratícia. Nessa<br />

exacta medida, o cre<strong>do</strong>r pignoratício passa a poder fazer uso, em relação, à coisa empenhada,<br />

das acções destinadas à defesa da posse, ainda que seja contra o próprio <strong>do</strong>no [art. 670.º, a),<br />

<strong>do</strong> CC] 228.<br />

Do mesmo mo<strong>do</strong>, também o titular <strong>do</strong> direito de retenção tem a faculdade de exercer<br />

um poder directo e imediato sobre a coisa enquanto garantia para o pagamento de um crédito<br />

resultante de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causa<strong>do</strong>s (art. 754.º <strong>do</strong> CC).<br />

Com efeito, o retentor exerce uma mera detenção sobre a coisa enquanto não for pago pelo seu<br />

crédito (corpus), embora passe a assumir a qualidade de verdadeiro possui<strong>do</strong>r a partir <strong>do</strong><br />

227 Na verdade, recain<strong>do</strong> a hipoteca sobre bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, este direito real de<br />

garantia fica plenamente protegi<strong>do</strong> através da inscrição <strong>do</strong> direito no registo, sen<strong>do</strong> certo que, neste caso, o registo<br />

tem natureza constitutiva atenden<strong>do</strong> à obrigatoriedade desse acto.<br />

228 A este propósito, dispunha o Código Civil de 1867, no seu art. 860.º, n.º 2, que “o cre<strong>do</strong>r adquire pelo<br />

penhor o direito de usar de to<strong>do</strong>s os meios conservatórios da sua posse, até de requerer procedimento criminal<br />

contra quem lhe furtar a coisa empenhada, ainda que seja o próprio <strong>do</strong>no.”<br />

85


86<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

momento em que se veja obriga<strong>do</strong> a realizar despesas com vista à conservação e manutenção<br />

da coisa 229.<br />

Por último, tanto no caso <strong>do</strong> arresto como da penhora, recain<strong>do</strong> estas diligências de<br />

natureza judicial sobre bens móveis <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> ou <strong>do</strong> requeri<strong>do</strong>, tal circunstância implica a<br />

apreensão efectiva <strong>do</strong>s bens objecto da diligência, fican<strong>do</strong> os mesmo deposita<strong>do</strong>s à ordem e sob<br />

a responsabilidade de um fiel depositário 230.<br />

1.4.3. DIREITOS REAIS DE AQUISIÇÃO<br />

Os direitos reais de aquisição atribuem ao respectivo titular a faculdade de adquirir ou<br />

constituir um direito real sobre uma coisa. Deste mo<strong>do</strong>, o titular desse direito que tenha entra<strong>do</strong><br />

na posse da coisa exerce um poder de facto directo e autónomo, sem a necessidade de<br />

intervenção ou de cooperação pela contraparte 231 .<br />

1.4.4. DIREITOS PESSOAIS DE GOZO<br />

Sen<strong>do</strong> os direitos pessoais de gozo susceptíveis de posse, merecem especial destaque<br />

pelo seu carácter controverso, as situações possessórias correspondentes à locação, à parceria<br />

pecuária, ao comodato e ao depósito.<br />

Na verdade, tal como se verá infra, o legisla<strong>do</strong>r atribui expressamente ao locatário (art.<br />

1037.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC, ao parceiro pensa<strong>do</strong>r (art. 1125.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC), ao comodatário (art.<br />

1133.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC) e ao depositário (art. 1188.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC) o direito de poder utilizar os<br />

meios faculta<strong>do</strong>s ao possui<strong>do</strong>r para defender a sua posse quan<strong>do</strong> se verifique uma privação no<br />

uso da coisa ou uma perturbação quanto ao exercício <strong>do</strong> seu direito 232 .<br />

229 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, RODRIGUES, Manuel, A Posse, Estu<strong>do</strong> de Direito Civil Português, ob. cit., p. 163.<br />

230 A este respeito, tal como refere MANUEL RODRIGUES, “[C]om o desapossamento surge uma nova<br />

posse ao la<strong>do</strong> da posse <strong>do</strong> proprietário em favor daquele que o depositário representa a [sic] que subsiste enquanto<br />

a penhora ou o arresto subsistirem.” (A Posse, Estu<strong>do</strong> de Direito Civil Português, ob. cit., p. 165).<br />

231 Cfr. MESQUITA, Manuel Henrique, Obrigações e Ónus Reais, Almedina, Coimbra, 1990, p. 78.<br />

232 A este propósito, MENEZES LEITÃO destaca o facto de os direitos pessoais de gozo apresentarem<br />

diversas características que os aproximam aos direitos de crédito, nomeadamente pelo facto de a lei permitir o<br />

recurso a acções possessórias contra terceiros que privem o titular <strong>do</strong> direito pessoal de gozo da coisa ou o<br />

perturbem no exercício <strong>do</strong> seu direito. Por outro la<strong>do</strong>, essa qualificação resulta da circunstância <strong>do</strong> respectivo titular


2. MEIOS DE DEFESA DA POSSE<br />

Posse<br />

O Código Civil regula os meios de defesa da posse 233, isto é, da afectação material da<br />

coisa 234 , nos artigos 1276.º a 1286.º, sen<strong>do</strong> certo que ao abrigo <strong>do</strong> disposto no art. 1277.º <strong>do</strong><br />

CC o possui<strong>do</strong>r que for perturba<strong>do</strong> ou esbulha<strong>do</strong> pode manter-se ou restituir-se por sua própria<br />

força e autoridade, isto é, por meios extrajudiciais, ou recorrer ao tribunal para que este lhe<br />

mantenha ou restitua a posse.<br />

2.1. MEIOS EXTRAJUDICIAIS<br />

2.1.1. ACÇÃO DIRECTA<br />

Nos termos <strong>do</strong> art. 336.º ex vi art. 1277.º, ambos <strong>do</strong> CC, é lícito o recurso à força com o<br />

fim de realizar ou assegurar o próprio direito, quan<strong>do</strong> a acção directa for indispensável, pela<br />

impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais, para evitar a inutilização<br />

prática desse direito, contanto que o agente não exceda o que for necessário para evitar o<br />

prejuízo. Trata-se, com efeito, de uma excepção ao princípio da tutela pública <strong>do</strong>s direitos<br />

subjectivos e que se justifica pela necessidade de evitar a inutilização da protecção <strong>do</strong> direito 235 .<br />

Essa acção directa tanto pode traduzir-se na apropriação, destruição ou deterioração de<br />

uma coisa, como na eliminação da resistência irregularmente oposta ao exercício <strong>do</strong> direito, ou<br />

noutro acto análogo.<br />

Deste mo<strong>do</strong>, o legisla<strong>do</strong>r assegura ao possui<strong>do</strong>r o recurso à acção directa para a tutela<br />

da sua posse sempre que a urgência dessa tutela não seja compatível com o recurso, em tempo<br />

útil, aos tribunais judiciais. De to<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong>, uma vez que essa tutela tem natureza subsidiária<br />

relativamente ao recurso à força pública, a validade de actuação <strong>do</strong> particular, pressuposta a<br />

adquirir o direito a uma prestação <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r (cfr. LEITÃO, Luís Menezes, Direito das Obrigações, vol. I, ob. cit.,<br />

p. 110).<br />

233 Quanto aos fundamentos para a defesa da posse — protecção da paz pública, valor da continuidade e<br />

protecção da confiança, vide DUARTE, Rui Pinto, Curso de Direitos Reais, ob. cit., p. 269.<br />

234 CORDEIRO, António Menezes, Direitos Reais, ob. cit., p. 579.<br />

235 Cfr., a este propósito, SOUSA, Miguel Teixeira de, Sobre a Teoria <strong>do</strong> Processo Declarativo, Coimbra<br />

Editora, Lisboa, 1980, pp. 61 e 62.<br />

87


88<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

ín<strong>do</strong>le excepcional <strong>do</strong> recurso à acção directa, implica a apreciação jurisdicional <strong>do</strong>s respectivos<br />

requisitos 236.<br />

2.1.2. LEGÍTIMA DEFESA<br />

Ao abrigo <strong>do</strong> disposto no art. 337.º <strong>do</strong> CC, considera-se justifica<strong>do</strong> o acto destina<strong>do</strong> a<br />

afastar qualquer agressão actual e contrária à lei contra a pessoa ou património <strong>do</strong> agente ou de<br />

terceiro, desde que não seja possível fazê-lo pelos meios normais e o prejuízo causa<strong>do</strong> pelo acto<br />

não seja manifestamente superior ao que pode resultar da agressão.<br />

2.2. MEIOS JUDICIAIS<br />

Para além da possibilidade de defesa da posse em sede de embargos de terceiro — que<br />

também permite actualmente a tutela da propriedade ou de outro direito que se revele<br />

incompatível com a realização ou a finalidade da diligência —, a lei prevê ainda a existência de<br />

outros mecanismos judiciais para a tutela da posse, a saber: a acção de prevenção da posse, a<br />

acção de manutenção ou de restituição da posse e a providência cautelar de restituição<br />

provisória da posse.<br />

2.2.1. ACÇÃO DE PREVENÇÃO DA POSSE<br />

De acor<strong>do</strong> com o art. 1276.º <strong>do</strong> CC, se o possui<strong>do</strong>r tiver justo receio de ser perturba<strong>do</strong><br />

ou esbulha<strong>do</strong> por outrem, será o autor da ameaça, a requerimento <strong>do</strong> ameaça<strong>do</strong>, intima<strong>do</strong> para<br />

se abster de lhe fazer agravo, sob pena de multa e responsabilidade pelo prejuízo que causar.<br />

Trata-se, com efeito, de uma acção judicial que tem como principal objectivo a<br />

manutenção da posse (retinendae possessionis) quan<strong>do</strong> exista algum funda<strong>do</strong> receio de que<br />

possa vir a ocorrer uma perturbação ou esbulho da posse 237 .<br />

236 Idem, p. 62.<br />

237 Quanto aos requisitos para se poder recorrer a uma acção de prevenção da posse, é necessário, por um<br />

la<strong>do</strong>, que a posse não tenha si<strong>do</strong> lesada, e, por outro, que exista um funda<strong>do</strong> receio pelo possui<strong>do</strong>r de vir a ser<br />

perturba<strong>do</strong> ou esbulha<strong>do</strong> na sua posse (cfr. CORDEIRO, A. Menezes, Direitos Reais, ob. cit., p. 583).


Posse<br />

Deste mo<strong>do</strong>, para que o possui<strong>do</strong>r possa recorrer a este meio processual torna-se<br />

necessário que, por um la<strong>do</strong>, a sua posse não tenha ainda si<strong>do</strong> lesada, e ainda que tenham<br />

ocorri<strong>do</strong> factos de que seja legítimo inferir estar o possui<strong>do</strong>r sob ameaça séria de ser perturba<strong>do</strong><br />

ou esbulha<strong>do</strong> 238 .<br />

2.2.2. ACÇÃO DE MANUTENÇÃO OU DE RESTITUIÇÃO DA POSSE<br />

Este meio de defesa judicial visa reagir contra um acto de perturbação ou de esbulho<br />

efectivo da posse, isto é, tem como objectivo a manutenção ou a restituição da posse perdida<br />

(recuperandae possessionis). Através desta acção, o possui<strong>do</strong>r pretende ver mantida (em caso<br />

de perturbação) ou restituída (em caso de esbulho) a sua posse enquanto não ficar definida a<br />

questão da titularidade <strong>do</strong> direito 239. Deste mo<strong>do</strong>, a diferença entre a acção de manutenção e a<br />

de restituição (recuperandae possessionis) reside no facto de, na primeira, não chegar a haver<br />

um desapossamento efectivo, ao contrário <strong>do</strong> que se verifica na segunda.<br />

Quanto aos requisitos para que possa ser intentada uma acção de restituição da posse,<br />

torna-se necessário que exista uma posse sobre a coisa e que esta tenha si<strong>do</strong> esbulhada 240 .<br />

Todavia o legisla<strong>do</strong>r estabelece uma limitação quanto ao recurso a esta acção porquanto se a<br />

posse <strong>do</strong> autor não tiver mais que um ano, este só pode ser restituí<strong>do</strong> ou manti<strong>do</strong> na sua posse<br />

contra quem não tiver melhor posse, sen<strong>do</strong> certo que a melhor posse é aquela que é titulada, na<br />

falta de título, a mais antiga e, em caso de igual antiguidade, a posse actual. Trata-se, na<br />

verdade, de uma forma encontrada para impedir que as defesas possessórias funcionem a favor<br />

<strong>do</strong> esbulha<strong>do</strong>r e contra o esbulha<strong>do</strong> 241.<br />

O pedi<strong>do</strong> <strong>do</strong> autor no senti<strong>do</strong> de ver mantida ou restituída a sua posse não é vinculativo<br />

para o tribunal. Na verdade, nos termos <strong>do</strong> art. 661.º, n.º 3, <strong>do</strong> CPC, se tiver si<strong>do</strong> requerida a<br />

manutenção em lugar da restituição da posse, ou esta em vez daquela, o juiz deve conhecer <strong>do</strong><br />

pedi<strong>do</strong> correspondente à situação realmente verificada.<br />

238 Cfr. CORDEIRO, António Menezes, A Posse: Perspectivas Dogmáticas Actuais, Almedina, 1997, p. 145.<br />

239 Vide, quanto ao regime da acção de manutenção ou de reintegração da posse no <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> código civil<br />

italiano, o regime previsto nos arts. 1168 (Azione di reintegrazione) e 1170 (Azione di manutenzione) <strong>do</strong> CC It.<br />

240 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, ALMEIDA, L. P Moitinho, Restituição de Posse e Ocupação de Imóveis, 5.ª ed.,<br />

Coimbra Editora, 2002, p. 19.<br />

241 Cfr. CORDEIRO, António Menezes, A Posse: Perspectivas Dogmáticas Actuais, ob. cit., p. 147.<br />

89


90<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

Quanto à legitimidade processual para a acção de manutenção ou de restituição da<br />

posse, têm legitimidade activa quer o esbulha<strong>do</strong>, quer os seus herdeiros (art. 1281.º, n.º 2, <strong>do</strong><br />

CC), deven<strong>do</strong>, por sua vez, a acção ser intentada não só contra o esbulha<strong>do</strong>r ou os seus<br />

herdeiros, como também contra quem esteja na posse da coisa e tenha conhecimento <strong>do</strong><br />

esbulho 242.<br />

2.2.3. RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DA POSSE EM CASO DE ESBULHO VIOLENTO<br />

Dispõe o art. 1279.º <strong>do</strong> CC que o possui<strong>do</strong>r que for esbulha<strong>do</strong> com violência 243 tem o<br />

direito de ser restituí<strong>do</strong> provisoriamente à sua posse, sem audiência <strong>do</strong> esbulha<strong>do</strong>r. Em termos<br />

adjectivos, uma vez que a to<strong>do</strong> o direito corresponde a acção adequada destinada a fazê-lo valer<br />

em juízo, esta norma é concretizada pela providência cautelar de restituição provisória da posse<br />

prevista nos arts. 393.º e 394.º <strong>do</strong> CPC, providência essa que tem por objectivo permitir que o<br />

possui<strong>do</strong>r seja restituí<strong>do</strong> provisoriamente à sua posse quan<strong>do</strong> dela tenha si<strong>do</strong> priva<strong>do</strong> por um<br />

esbulho violento, deven<strong>do</strong>, para esse efeito, alegar os factos que constituem a posse, o esbulho<br />

e a violência 244 . Nesse caso, se o juiz, uma vez produzida a prova, concluir que o requerente<br />

tinha efectivamente a posse e que foi dela esbulha<strong>do</strong> com violência, deve ordenar a restituição<br />

provisória da posse sem a audição prévia <strong>do</strong> esbulha<strong>do</strong>r. Trata-se, a verdade, de uma excepção<br />

relativamente ao princípio <strong>do</strong> contraditório previsto no art. 3.º <strong>do</strong> CPC, mas que se justifica<br />

plenamente atenta a necessidade de se garantir o efeito útil dessa diligência,<br />

De to<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong>, ainda que o esbulho não revista carácter violento, nada obsta a que o<br />

possui<strong>do</strong>r possa recorrer à tutela cautelar a fim de ser restituí<strong>do</strong> à sua posse, sen<strong>do</strong> certo que<br />

nessa circunstância deve intentar uma providência cautelar comum (arts. 381.º e 395.º <strong>do</strong><br />

CPC).<br />

242 No senti<strong>do</strong> da legitimidade processual passiva pertencer ao esbulha<strong>do</strong>r, vide o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 07 de<br />

Maio de 1985, in BMJ, 347.º, p. 331.<br />

243 Nos termos <strong>do</strong> disposto no art. 1261.º <strong>do</strong> CC, considera-se violenta a posse quan<strong>do</strong>, para obtê-la, o<br />

possui<strong>do</strong>r usou de coacção física ou coacção moral.<br />

244 Quanto aos pressupostos necessários para o recurso à providência cautelar de restituição provisória da<br />

posse — posse, esbulho e violência —, vide o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 13 de Novembro de 1984, in BMJ, 341.º, p. 401.


Posse<br />

3. MODALIDADES DA POSSE SUSCEPTÍVEIS DE TUTELA MEDIANTE EMBARGOS DE TERCEIRO<br />

3.1. POSSE TITULADA E POSSE NÃO TITULADA<br />

A posse diz-se titulada quan<strong>do</strong> se funda em qualquer mo<strong>do</strong> legítimo de adquirir,<br />

independentemente, quer <strong>do</strong> direito <strong>do</strong> transmitente, quer da validade substancial <strong>do</strong> negócio<br />

jurídico (art. 1259.º <strong>do</strong> CC). Nesta medida, o conceito de posse titulada integra <strong>do</strong>is requisitos<br />

essenciais: a legitimação da posse através da existência de um título de aquisição <strong>do</strong> direito em<br />

termos <strong>do</strong> qual se possui (requisito positivo); sen<strong>do</strong> esse título de aquisição um negócio jurídico,<br />

a inexistência de vícios formais nesse mesmo negócio, isto é, a não verificação, no titulus<br />

adquirendi negocial, de formalidades ad substantiam (requisito negativo) 245 246 .<br />

A este propósito, refere MENEZES CORDEIRO que o título equivale a um acto jurídico<br />

aquisitivo, abstractamente idóneo, mas que, em concreto, pode ser inváli<strong>do</strong>, desde que a<br />

invalidade não seja formal. Importa, todavia, referir que o título não se presume, deven<strong>do</strong> a sua<br />

existência ser provada por aquele que o invoca (art. 1259.º, n. os 1 e 2, <strong>do</strong> CC).<br />

Ten<strong>do</strong> em conta que a lei faz depender a posse titulada da validade substancial <strong>do</strong><br />

negócio jurídico, pode ser fundamento de posse titulada a venda a non <strong>do</strong>mino, desde que<br />

formalmente válida, se lhe seguirem actos materiais correspondentes ao exercício <strong>do</strong> direito e<br />

pratica<strong>do</strong>s com animus possidendi 247.<br />

Em contrapartida, a posse diz-se não titulada quan<strong>do</strong> não seja fundada em qualquer<br />

mo<strong>do</strong> legítimo de adquirir, ou quan<strong>do</strong> o negócio jurídico, abstractamente idóneo para operar a<br />

transferência <strong>do</strong> direito, esteja inquina<strong>do</strong> por um vício formal. Nesta exacta medida, será não<br />

titulada a posse de alguém que detém uma coisa porque simplesmente se apossou dela 248 , ou a<br />

posse fundada num contrato-promessa de compra e venda (já que não se trata, em si mesmo e<br />

em abstracto, de um mo<strong>do</strong> legítimo de transmitir e de adquirir o direito de propriedade,<br />

porquanto <strong>do</strong> mesmo apenas resulta a obrigação de efectuar o contrato prometi<strong>do</strong>) ou num<br />

245 CARVALHO, Orlan<strong>do</strong> de, «Introdução à posse», ob. cit., p. 265.<br />

246 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 9 de Outubro de 2003, proc. 03B1415, in www.dgsi.pt.<br />

247 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 16 de Março de 1999, proc. 99B082, in www.dgsi.pt.<br />

248 ASCENSÃO, José de Oliveira, Direito Civil – Reais, ob. cit., p. 101.<br />

91


92<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

contrato de compra e venda celebra<strong>do</strong> verbalmente da<strong>do</strong> que a compra e venda de imóveis é<br />

249 um contrato formal 250.<br />

Sen<strong>do</strong> a posse titulada, importa distinguir as situações em que o terceiro é possui<strong>do</strong>r de<br />

um bem penhora<strong>do</strong> em sede executiva ou em que o terceiro é possui<strong>do</strong>r de um bem onera<strong>do</strong><br />

com uma garantia real constituída antes da acção executiva ser intentada em juízo.<br />

No primeiro caso, isto é, nas situações em que o terceiro é possui<strong>do</strong>r de um bem<br />

penhora<strong>do</strong> em sede executiva e sobre o qual não incide qualquer ónus ou encargo, o possui<strong>do</strong>r<br />

só poderá embargar de terceiro se essa posse não puder ser extinta a qualquer momento pelo<br />

titular <strong>do</strong> direito de fun<strong>do</strong> 251.<br />

Não sen<strong>do</strong> a posse titulada, o terceiro possui<strong>do</strong>r de um bem penhora<strong>do</strong> ou atingi<strong>do</strong> por<br />

um acto judicialmente ordena<strong>do</strong> de apreensão ou entrega de bens não pode, em regra, defender<br />

a sua posse através <strong>do</strong> incidente de embargos de terceiro, da<strong>do</strong> que carece de legitimidade<br />

substantiva para esse efeito 252 . Por este motivo, o cônjuge casa<strong>do</strong> em regime de separação de<br />

bens e possui<strong>do</strong>r de um bem próprio pertencente ao outro cônjuge (executa<strong>do</strong> ou requeri<strong>do</strong> da<br />

diligência judicial) não pode defender a sua posse sobre esse bem em sede de embargos de<br />

terceiro.<br />

3.2. POSSE EFECTIVA OU MATERIAL E POSSE JURÍDICA OU LEGAL<br />

Em termos amplos, ao abrigo <strong>do</strong> critério da actuação <strong>do</strong> sujeito sobre o bem, entende-se<br />

por posse efectiva ou material a que decorre de exercício efectivo de poderes materiais sobre a<br />

249 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 9 de Outubro de 2003, proc. 03B1415, in www.dgsi.pt.<br />

250 Ainda que o promitente-compra<strong>do</strong>r obtenha a entrega da coisa antes da celebração <strong>do</strong> negócio<br />

translativo, nesse caso apenas adquire o corpus possessório, mas não assume o animus possidendi, fican<strong>do</strong>,<br />

assim, numa situação de mero detentor ou de possui<strong>do</strong>r precário (Ac. <strong>do</strong> STJ, de 20 de Março de 2001, proc.<br />

00A4063, in www.dgsi.pt).<br />

251 SOUSA, Miguel Teixeira de, «A Penhora de bens na posse de terceiros», ob. cit., p. 78.<br />

252 Cfr., em senti<strong>do</strong> contrário, FREITAS, José Lebre de, «A penhora de bens na posse de terceiros», in<br />

Estu<strong>do</strong>s sobre Direito Civil e Processo Civil, Coimbra Editora, 2002, pp. 619 e 620, segun<strong>do</strong> o qual “no âmbito da<br />

defesa da posse, o título é apenas um factor de prevalência em caso de concorrências de posses (art. 1278-3 CC)<br />

pelo que também o possui<strong>do</strong>r não titula<strong>do</strong> pode embargar de terceiro.”


Posse<br />

coisa 253 , enquanto a posse jurídica ou legal resulta de uma determinação legal, sem necessidade<br />

de qualquer actuação física e efectiva sobre a coisa possuída 254.<br />

A jurisprudência divide-se quanto à questão de saber se os embargos de terceiro só<br />

podem ser deduzi<strong>do</strong>s com fundamento em posse efectiva material ou se será suficiente uma<br />

posse meramente jurídica 255. Com efeito, no regime <strong>do</strong>s embargos de terceiro anterior à reforma<br />

de 95/96, entendia-se que, por estar em causa um meio processual de defesa exclusiva da<br />

posse, o terceiro devia invocar e provar que tinha a posse efectiva da coisa atingida pela<br />

diligencia judicia, e que essa posse era anterior à diligência 256 . Deste mo<strong>do</strong>, de acor<strong>do</strong> com esta<br />

orientação jurisprudencial, só a posse real e efectiva tinha a eficácia necessária para ser<br />

protegida por embargos de terceiro 257, pelo que, ao proprietário <strong>do</strong>s bens que não tivesse a<br />

respectiva posse, não era permiti<strong>do</strong> embargar, apenas lhe sen<strong>do</strong> lícito recorrer à acção de<br />

253 A posse efectiva exige o exercício <strong>do</strong> poder de facto sobre a coisa, o qual pressupõe uma relação<br />

material com a coisa, não bastan<strong>do</strong> um contacto fugaz e precário (cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 11 de Dezembro de 1997,<br />

proc. 9731166, in www.dgsi.pt).<br />

254 Vide, e.g., o regime previsto no art. 1255.º <strong>do</strong> CC, ao abrigo <strong>do</strong> qual, por morte <strong>do</strong> possui<strong>do</strong>r, a posse<br />

continua nos seus sucessores desde o momento da morte, independentemente da apreensão material da coisa.<br />

255 O art. 635.º da Novíssima Reforma Judiciária só permitia a dedução de embargos de terceiro para a<br />

defesa da posse efectiva. Na verdade, esta norma determinava que “[O]s embargos de terceiro só têm lugar,<br />

quan<strong>do</strong> o que pretender deduzi-los alegar e provar efectiva posse na coisa penhorada, ou na que se mandar<br />

entregar ao exequente, e não tiver si<strong>do</strong> ouvi<strong>do</strong>, nem convenci<strong>do</strong> na causa principal.”<br />

Por sua vez, no Código de Processo Civil de 1876 era discutível se bastava a posse jurídica ou civil, ou se<br />

seria exigível uma posse real e efectiva ― sen<strong>do</strong> certo que o art. 922.º <strong>do</strong> Código de Processo Civil de 1876<br />

suprimiu a referência à posse “efectiva”. ALBERTO DOS REIS sustentava, quanto a esta questão, que só<br />

aparentemente existia uma dissociação entre a posse jurídica e a posse efectiva, já que, na realidade, as duas<br />

espécies coincidem, isto é, o fundamento seria sempre a posse efectiva, embora pudesse suceder que, por virtude<br />

da lei, essa posse efectiva aproveitasse a pessoa diferente daquela que a exerceu ou exerce (REIS, José Alberto <strong>do</strong>s,<br />

Processos Especiais, vol. I, ob. cit., p. 404 a 406).<br />

256 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRE, de 16 de Março de 1989, in BMJ, 385.º, p. 627, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 27 de Janeiro de<br />

1993, proc. 082800, in www.dgsi.pt., o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 15 de Abril de 1993, proc. 9350013, in www.dgsi.pt, o Ac.<br />

<strong>do</strong> TRP, de 4 de Julho de 1995, proc. 9420911, in www.dgsi.pt e o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 29 de Fevereiro de 1996, proc.<br />

0101252, in www.dgsi.pt.<br />

257 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRE, de 14 de Dezembro de 1989, in BMJ, 392.º, p. 530: “A posse necessária para<br />

justificar embargos de terceiro é a posse real e efectiva, não bastan<strong>do</strong> apenas a posse jurídica ou cível, nem a<br />

invocação de um contrato de arrendamento que o embargante diz ter si<strong>do</strong> celebra<strong>do</strong> com simulação”. Vide, no<br />

mesmo senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRE, de 28 de Abril de 1992, in BMJ, 416.º, 738.º<br />

93


94<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

reivindicação 258 . Assim, sen<strong>do</strong> exigida a posse efectiva para a dedução de embargos de terceiro,<br />

o promitente-compra<strong>do</strong>r, por exemplo, que tivesse obti<strong>do</strong> a entrega da coisa, era considera<strong>do</strong><br />

como um mero detentor ou possui<strong>do</strong>r precário, motivo pelo qual, não ten<strong>do</strong> a posse efectiva da<br />

coisa, não podia deduzir embargos de terceiro 259 .<br />

Contu<strong>do</strong>, ainda na vigência <strong>do</strong> regime anterior à reforma de 95/96, alguma<br />

jurisprudência sustentava, nomeadamente com base no regime legal previsto no art. 1252.º <strong>do</strong><br />

CC 260 , que a posse jurídica era tão relevante como a posse material para a dedução de embargos<br />

de terceiro 261 . Assim passou a defender-se a tese de que nos embargos de terceiro o fundamento<br />

de direito, em regra, é a posse efectiva da coisa, embora, em certos casos, ela possa aproveitar<br />

a pessoa diferente daquela que a exerceu ou exerce, como nos casos de depósito, locação,<br />

comodato, herança e aquisição 262 .<br />

Com a reforma processual de 95/96, o legisla<strong>do</strong>r passou a determinar que os embargos<br />

de terceiro permitem tutelar “a posse ou um direito incompatível”, deixan<strong>do</strong>, pois, de fazer<br />

qualquer exigência quanto à efectividade da posse. Deste mo<strong>do</strong>, a jurisprudência passou a<br />

considerar que, à luz da actual redacção <strong>do</strong> art. 351.º <strong>do</strong> CPC, são equiparadas a posse efectiva<br />

e a posse meramente jurídica para efeitos de embargos de terceiro 263 . Com efeito, só<br />

258 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 16 de Junho de 1987, in CJ, tomo III, 1987, p. 39, bem como o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 5<br />

de Maio de 1997, proc. 9750414, in www.dgsi.pt: “Não ten<strong>do</strong> os embargantes alega<strong>do</strong> factos concretos que<br />

revelem a posse real e efectiva sobre os bens, há insuficiência da causa de pedir que leva à ineptidão da petição<br />

inicial e à absolvição da instância. O que importa para o êxito da providência é concluir-se pela posse real e efectiva<br />

e não pela simples posse jurídica ou civil que dimana da qualidade de proprietário <strong>do</strong>s bens.”<br />

259 Cfr. o Ac <strong>do</strong> TRP, de 20 de Dezembro de 1988, in BMJ, 382.º, p. 532, e o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 13 de Janeiro<br />

de 2000, proc. 9950777, in www.dgsi.pt.<br />

260 De acor<strong>do</strong> com esta disposição legal, a posse tanto pode ser exercida pessoalmente, como por<br />

intermédio de outrem.<br />

261 Vide, entre outros, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 24 de Junho de 1982, in BMJ, 318.º, p. 394, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 1 de<br />

Abril de 1992, in BMJ, 416.º, p. 690, e o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 9 de Maio de 1995, in CJ, tomo III, 1995, p. 33.<br />

262 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 16 de Janeiro de 1997, proc. 9631401, in www.dgsi.pt.<br />

263 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 7 de Fevereiro de 1995, proc. 086299, in www.dgsi.pt. Vide, também, o Ac. <strong>do</strong><br />

TRC, de 9 de Maio de 1995, in CJ, tomo III, 1995, p. 22: “Para efeitos de embargos de terceiro é relevante tanto a<br />

posse material como a jurídica.” Vide, em senti<strong>do</strong> contrário, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 23 de Abril de 1998, proc. 62/98 –<br />

1.ª secção, in www.dgsi.pt: “Os embargos de terceiro contra arresto ou penhora pressupõem a posse real, efectiva e<br />

actual <strong>do</strong> embargante sobre os respectivos bens (art.º 1037, <strong>do</strong> CPC). O contrato-promessa de compra e venda não<br />

é susceptível, só por si, de conferir aquela posse ao promitente-compra<strong>do</strong>r (arts. 1263 e seguintes, <strong>do</strong> CC).”


Posse<br />

aparentemente existe uma dissociação entre a posse efectiva e a posse jurídica, da<strong>do</strong> que, na<br />

realidade, as duas posses coincidem, pelo que a dedução de embargos de terceiro tanto se pode<br />

fundamentar na posse efectiva como na posse jurídica 264.<br />

Na verdade, atenden<strong>do</strong> à concepção actual da posse prevista no art. 351.º <strong>do</strong> CPC, não<br />

se afigura que o legisla<strong>do</strong>r tenha pretendi<strong>do</strong> vedar ao possui<strong>do</strong>r jurídico ou legal a possibilidade<br />

de deduzir embargos de terceiro contra uma penhora ou um acto judicialmente ordena<strong>do</strong> de<br />

apreensão ou de entrega de bens, motivo pelo qual os embargos de terceiro podem ser<br />

deduzi<strong>do</strong>s, quer com fundamento na ofensa da posse efectiva, quer com base na ofensa da<br />

posse jurídica 265. Nesta exacta medida, o alienante que tenha reserva<strong>do</strong> a propriedade da coisa<br />

até ao seu integral pagamento pode deduzir embargos de terceiro contra a penhora da coisa em<br />

execução movida contra o adquirente, da<strong>do</strong> que, embora não tenha a posse efectiva, detém, no<br />

entanto, a posse jurídica da mesma até à realização integral <strong>do</strong> preço.<br />

3.3. POSSE CAUSAL E POSSE FORMAL<br />

Ten<strong>do</strong> em conta o critério da relação jurídica estabelecida entre o titular <strong>do</strong> direito real<br />

sobre o bem e o exercício <strong>do</strong>s poderes materiais correspondentes ao título, a posse diz causal<br />

(ius possidendi) quan<strong>do</strong> é o próprio titular <strong>do</strong> direito que exerce sobre a coisa os poderes<br />

materiais correspondentes à sua posse. O mesmo é dizer que, na posse causal, existe uma<br />

coincidência entre a exteriorização e a titularidade substantiva <strong>do</strong> direito 266 , ou seja, um<br />

verdadeiro ius possidendi porquanto o possui<strong>do</strong>r, além da posse, detém ainda o direito<br />

264 Vide o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 12 de Outubro de 1992, proc. 9240205, in www.dgsi.pt., bem como o Ac. <strong>do</strong><br />

TRP, de 10 de Março de 1994, proc. 9340815, in www.dgsi.pt, e o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 5 de Dezembro de 1996, in<br />

BMJ, 462.º, p. 490: “Não só a posse material mas também a posse jurídica releva para efeitos de embargos de<br />

terceiro (…) A posse pode ser exercida pessoalmente ou por intermédio de outrem.” Em senti<strong>do</strong> contrário, cfr. o Ac.<br />

<strong>do</strong> STJ, de 5 de Dezembro de 2000, proc. 3361/00 – 6.ª secção, in www.dgsi.pt. “A posse necessária para<br />

justificar embargos de terceiro é a posse real e efectiva, não bastan<strong>do</strong> a mera posse jurídica ou civil.”<br />

265 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, FERREIRA, Durval, Posse e Usucapião, Almedina, 2002, p. 388. Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ,<br />

de 14 de Maio de 2002, proc. 1125/02 – 6.ª secção, in www.dgsi.pt: “A posse susceptível de fundamentar os<br />

embargos de terceiro, no regime anterior à reforma de 1995/96, é a posse real e efectiva, e não a simples posse<br />

jurídica ou civil.”<br />

266 ASCENSÃO, José de Oliveira, Direito Civil – Reais, ob. cit., p. 82.<br />

95


96<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

substantivo correspondente a essa posse (por exemplo, a posse exercida pelo proprietário nos<br />

exactos termos <strong>do</strong> seu direito).<br />

Por sua vez, a posse diz-se formal (ius possessionis) quan<strong>do</strong> a pessoa que exerce sobre<br />

a coisa os poderes materiais correspondentes à sua posse não é titular <strong>do</strong> direito real<br />

correspondente sobre essa coisa 267 268. Com efeito, neste caso verifica-se uma dissociação entre a<br />

afectação jurídica e a afectação material da coisa 269. Significa isto que, ainda que não seja titular<br />

de qualquer direito sobre a coisa, o possui<strong>do</strong>r comporta-se materialmente como se o fosse,<br />

exercen<strong>do</strong> sobre a coisa os poderes <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> respectivo 270 .<br />

A jurisprudência tem vin<strong>do</strong> a entender que, para efeitos de embargos de terceiro, são<br />

equiparadas a posse causal e a posse formal 271. De acor<strong>do</strong> com a posição sustentada por<br />

REMÉDIO MARQUES, só o possui<strong>do</strong>r causal, isto é, o titular <strong>do</strong> direito de fun<strong>do</strong>, o possui<strong>do</strong>r<br />

formal em nome próprio e o possui<strong>do</strong>r formal em nome alheio (desde que nesse caso a coisa<br />

penhorada ou apreendida pertença a um outro terceiro que não seja parte na causa) 272 , poderá<br />

deduzir embargos de terceiro, ainda que fiquem eventualmente sujeitos à invocação procedente<br />

da exceptio <strong>do</strong>minii 273 .<br />

Se o possui<strong>do</strong>r formal em nome alheio avisar o possui<strong>do</strong>r em nome próprio da penhora<br />

que incidiu sobre o bem (tal como lhe impõe o disposto nos arts. 1038.º, al. h), 1135.º, al. g),<br />

1187.º, b) e 1188.º, n.º 1, to<strong>do</strong>s <strong>do</strong> CC) e se este não deduzir embargos de terceiro perante tal<br />

ofensa, o detentor tem legitimidade para deduzir embargos de terceiro para defender a sua<br />

posse sobre a coisa, sen<strong>do</strong> certo que, caso venha a ser invocada pelas partes primitivas a<br />

267 RAMALHO, Maria <strong>do</strong> Rosário Palma, «Sobre o fundamento possessório <strong>do</strong>s embargos de terceiro<br />

deduzi<strong>do</strong>s pelo locatário, parceiro pensa<strong>do</strong>r, comodatário e depositário», ob. cit., p. 656.<br />

268 Pode verificar-se a coexistência da posse causal e da posse formal no <strong>do</strong>mínio da mesma relação<br />

jurídica estabelecida entre o titular <strong>do</strong> direito e a coisa. Nesta exacta medida, e.g., o usufrutuário será possui<strong>do</strong>r<br />

formal, em nome alheio, relativamente ao proprietário, e possui<strong>do</strong>r causal em nome próprio, em resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> seu<br />

direito de usufruto.<br />

269 Cfr., a este propósito, CORDEIRO, A. Menezes, Direitos Reais, ob. cit., p. 602.<br />

270 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 15 de Janeiro de 1991, proc. 079089, in www.dgsi.pt.<br />

271 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 7 de Fevereiro de 1995, proc. 086299, in www.dgsi.pt.<br />

272 Isto é, aquele que exerce poderes de facto sem intenção de agir como beneficiário (art. 1253.º <strong>do</strong> CC).<br />

273 MARQUES, J. P. Remédio, Curso de Processo Executivo à Face <strong>do</strong> Código Revisto, ob. cit., p. 316. Vide,<br />

no mesmo senti<strong>do</strong>, MESQUITA, Miguel, Apreensão de Bens em Processo Executivo e Oposição de Terceiro, ob. cit.,<br />

p. 110, segun<strong>do</strong> o qual o possui<strong>do</strong>r causal pode deduzir embargos de terceiro, embora fique sujeito à sua<br />

improcedência em caso de invocação da exceptio <strong>do</strong>minii.


Posse<br />

exceptio <strong>do</strong>minii, o possui<strong>do</strong>r em nome próprio deve ser chama<strong>do</strong> à causa através de um<br />

incidente de intervenção principal provocada (art. 325.º <strong>do</strong> CPC) sob pena da decisão que vier a<br />

ser proferida não o vincular em sede de caso julga<strong>do</strong> 274.<br />

3.4. POSSE EM NOME PRÓPRIO E POSSE EM NOME ALHEIO<br />

A posse diz-se em nome próprio quan<strong>do</strong> o possui<strong>do</strong>r que exerce a sua posse sobre a<br />

coisa se baseia num direito real próprio ou ainda nos casos em que, ainda que o bem seja<br />

deti<strong>do</strong> de forma abusiva atento o facto de não deter qualquer direito sobre ele, o possui<strong>do</strong>r actua<br />

como se tivesse tal direito, não o reconhecen<strong>do</strong>, consequentemente, a mais ninguém 275. É o caso<br />

paradigmático da posse <strong>do</strong> proprietário sobre o bem objecto desse direito de propriedade.<br />

Em contrapartida, a posse diz-se em nome alheio quan<strong>do</strong> a pessoa que exerce os<br />

poderes materiais sobre a coisa reconhece que o direito real correspondente pertence a outrem,<br />

pelo que possui em nome dele. Trata-se, assim, de um possui<strong>do</strong>r in nomine alieno. Enquadram-<br />

se nas situações de posse em nome alheio os casos <strong>do</strong> comodatário, <strong>do</strong> depositário, <strong>do</strong> locatário<br />

e <strong>do</strong> parceiro pensa<strong>do</strong>r 276 . Por tal motivo, nas situações em que o possui<strong>do</strong>r em nome alheio<br />

pretenda deduzir embargos de terceiro contra uma diligência ofensiva da sua posse, deve<br />

assentar a sua causa de pedir não só nessa posse como também no respectivo direito<br />

incompatível em que se sustenta essa posse.<br />

Embora, em regra, apenas seja apenas susceptível de permitir a dedução de embargos<br />

de terceiro a posse exercida em nome próprio (a qual permite presumir a titularidade <strong>do</strong><br />

respectivo direito de fun<strong>do</strong>), a verdade é que a posse exercida em nome de outrem pode<br />

também facultar a dedução de embargos de terceiro em situações excepcionais, desde que o<br />

titular <strong>do</strong> direito real não seja executa<strong>do</strong>, e que a posse se fundamente em direito pessoal de<br />

274 MARQUES, J. P. Remédio, Curso de Processo Executivo à Face <strong>do</strong> Código Revisto, ob. cit., p. 316.<br />

RAMALHO, Maria <strong>do</strong> Rosário Palma, «Sobre o fundamento possessório <strong>do</strong>s embargos de terceiro<br />

deduzi<strong>do</strong>s pelo locatário, parceiro pensa<strong>do</strong>r, comodatário e depositário», ob. cit., p. 657.<br />

276 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 22 de Outubro de 1991, in BMJ, 410.º, p. 703, <strong>do</strong> qual resulta que o locatário, o<br />

comodatário, o depositário e o parceiro pensa<strong>do</strong>r são possui<strong>do</strong>res em nome alheio porquanto não exercem sobre a<br />

coisa poderes a título de direito real, mas com base num direito pessoal de gozo. Vide, no mesmo senti<strong>do</strong>, COSTA,<br />

Salva<strong>do</strong>r da, Os Incidentes da Instância, ob. cit., p. 206.<br />

97


98<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

gozo ou de aquisição 277 . Será o caso, nomeadamente, <strong>do</strong> locatário (art. 1037.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC), <strong>do</strong><br />

parceiro pensa<strong>do</strong>r (art. 1125.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC), <strong>do</strong> comodatário (art. 1133.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC) e <strong>do</strong><br />

depositário (art. 1188.º <strong>do</strong> CC).<br />

A jurisprudência tem vin<strong>do</strong> a a<strong>do</strong>ptar uma interpretação ampla quanto à qualidade da<br />

posse susceptível de permitir a dedução de embargos de terceiro, sustentan<strong>do</strong>-se que no regime<br />

actual resultante da reforma de 95/96, é admissível o recurso ao incidente de embargos de<br />

terceiro por to<strong>do</strong> o possui<strong>do</strong>r, seja ele em nome próprio ou em nome alheio 278 . Na verdade, uma<br />

vez que o art. 351.º, n.º 1, <strong>do</strong> CPC veio determinar que os embargos de terceiro podem ser<br />

deduzi<strong>do</strong>s, quer pelo possui<strong>do</strong>r, quer pelo titular de um direito incompatível com a realização ou<br />

o âmbito da diligência, os embargos de terceiro, em determinadas situações específicas, podem<br />

ser deduzi<strong>do</strong>s pelo possui<strong>do</strong>r em nome próprio ou em nome alheio 279 .<br />

3.5. POSSE E MERA DETENÇÃO<br />

O legisla<strong>do</strong>r procurou distinguir substantivamente a posse da simples detenção, ten<strong>do</strong><br />

como principal objectivo a identificação das situações que, por configurarem uma posse precária<br />

277 Cfr. FREITAS, José Lebre de; PINTO, Rui; REDINHA, João, Código de Processo Civil Anota<strong>do</strong>, vol. 1.º,<br />

pp. 616 e 617. Vide, no mesmo senti<strong>do</strong>, CARDOSO, Eurico Lopes, Manual da Acção Executiva, pp. 384 e 385. Em<br />

senti<strong>do</strong> contrário, SALVADOR DA COSTA, segun<strong>do</strong> o qual não é admissível a dedução de embargos de terceiro<br />

quan<strong>do</strong> este seja um mero possui<strong>do</strong>r precário ou detentor, pelo que só o possui<strong>do</strong>r em nome próprio, que tenha a<br />

posição de terceiro, poderá deduzir embargos de terceiro contra as diligências que ofendam a sua posse (COSTA,<br />

Salva<strong>do</strong>r da, Os Incidentes da Instância, ob. cit., p. 207). No mesmo senti<strong>do</strong> CASTRO MENDES sufraga a tese de<br />

que o possui<strong>do</strong>r em nome alheio não poderá deduzir embargos de terceiro in nomine alieno, isto é, para defender a<br />

posse em nome próprio daquele em cujo nome possui, porquanto a lei civil apenas lhe impõe o dever de avisar o<br />

possui<strong>do</strong>r em nome próprio relativamente a qualquer acto de perturbação da posse (MENDES, João de Castro,<br />

Direito Processual Civil, ob. cit., p. 132). Colocan<strong>do</strong> entraves a essa possibilidade, vide CASTRO, Anselmo de, A<br />

Acção Executiva Singular, Comum e Especial¸3.ª ed., Coimbra Editora, 1977, p. 350.<br />

www.dgsi.pt.<br />

1995, p. 462.<br />

278 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 21 de Novembro de 2006, proc. 3740/06 – 6.ª secção, in<br />

279 Cfr., a este propósito, FREITAS, José Lebre de, «Revisão <strong>do</strong> processo civil», in ROA, ano 55.º, vol. II,


Posse<br />

ou uma mera detenção, ficam excluídas da tutela possessória em sede de embargos de<br />

280 terceiro 281.<br />

Com efeito, nos termos <strong>do</strong> art. 1253.º <strong>do</strong> CC são havi<strong>do</strong>s como possui<strong>do</strong>res precários<br />

ou meros detentores:<br />

a) os que exerçam o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários <strong>do</strong> direito 282;<br />

283 284<br />

b) os que simplesmente se aproveitam da tolerância <strong>do</strong> titular <strong>do</strong> direito<br />

c) os representantes ou mandatários <strong>do</strong> possui<strong>do</strong>r e, de um mo<strong>do</strong> geral, to<strong>do</strong>s os que<br />

possuem em nome de outrem 285 .<br />

Verifica-se, assim, que o detentor, ainda que exerça um poder de facto sobre a coisa<br />

(corpus), fá-lo, contu<strong>do</strong>, sem qualquer animus possidendi, mas tão-só com um animus detinendi,<br />

ou seja, com a consciência de que sobre a coisa existe um direito prevalecente de um terceiro 286<br />

280 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 29 de Outubro de 1986, in BMJ, 356.º, p. 584, segun<strong>do</strong> o qual a essência da<br />

distinção entre posse e detenção radica mais no elemento objectivo (conduta ut <strong>do</strong>minus) <strong>do</strong> que no elemento<br />

subjectivo (animus <strong>do</strong>minii).<br />

281 Quanto à distinção entre posse precária e mera detenção, vide ALMEIDA, L. P Moitinho, Restituição de<br />

Posse e Ocupação de Imóveis, ob. cit., p. 59, segun<strong>do</strong> o qual “a simples detenção confunde-se, praticamente, com<br />

a mera posse, porquanto não é titulada, enquanto a posse precária é sempre titulada.”<br />

282 Encontram-se abrangidas por esta disposição legal as situações de posse em nome alheio e em que o<br />

poder de facto exerci<strong>do</strong> pelo beneficiário não reveste a aparência <strong>do</strong> exercício <strong>do</strong> direito (LIMA, Pires de; VARELA,<br />

Antunes, Código Civil Anota<strong>do</strong>, vol. III, 2.ª ed. rev. e actual., Coimbra Editora, Coimbra, 1987, pp. 9 e 10).<br />

283 Tratam-se, na verdade, de actos de desfrute de coisa alheia em virtude da condescendência <strong>do</strong> titular <strong>do</strong><br />

direito e que são pratica<strong>do</strong>s normalmente no âmbito de uma relação de vizinhança e ten<strong>do</strong> em vista um<br />

relacionamento pacífico e cortês (cfr. ASCENSÃO, José de Oliveira, Direito Civil – Reais, ob. cit., p. 95).<br />

284 No âmbito <strong>do</strong> Código Civil de 1867, o art. 474.º determinava que os actos facultativos ou de mera<br />

tolerância não constituíam posse (cfr. FERREIRA, José Dias, Código Civil Portuguez, vol. II, ob. cit., p. 6).<br />

285 Encontram-se abrangidas por esta previsão legal as situações em que a posse é exercida por uma<br />

pessoa, mas que é juridicamente imputável a outra (cfr. CORDEIRO, António Menezes, Direitos Reais, ob. cit., p.<br />

400).<br />

286 Cfr. MESQUITA, Miguel, Apreensão de Bens em Processo Executivo e Oposição de Terceiro, ob. cit., p.<br />

50. Com efeito, tal como refere OLIVEIRA ASCENSÃO, há mera detenção sempre que exista corpus, mas se verifica<br />

uma situação que denuncia a existência de animus, tal como sucede quan<strong>do</strong> existe uma intenção declarada de<br />

desvalorização da actuação <strong>do</strong> sujeito sobre a coisa (ASCENSÃO, José de Oliveira, Direito Civil – Reais, ob. cit.,<br />

p. 95).<br />

99


100<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

287 . Nessa exacta medida, o animus constitui o elemento diferencia<strong>do</strong>r entre as situações de<br />

posse e as de mera detenção, sen<strong>do</strong> certo, além <strong>do</strong> mais, que é em função <strong>do</strong> animus que se<br />

verifica a delimitação <strong>do</strong> direito possuí<strong>do</strong> 288.<br />

Ora, sen<strong>do</strong> o principal fundamento <strong>do</strong>s embargos de terceiro a ofensa ou a ameaça de<br />

ofensa da posse, enquanto direito real, de um terceiro que não é parte na causa, e ten<strong>do</strong> em<br />

conta a configuração jurídica da posse precária ou mera detenção, em regra não é admissível a<br />

dedução de embargos de terceiro quan<strong>do</strong> este assuma a posição de possui<strong>do</strong>r precário ou de<br />

mero detentor 289 290 . Na verdade, ao abrigo <strong>do</strong> art. 831.º <strong>do</strong> CPC, os bens <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> são<br />

apreendi<strong>do</strong>s ainda que, por qualquer título, se encontrem em poder de terceiro, sem prejuízo,<br />

porém, <strong>do</strong>s direitos a que este seja lícito opor ao exequente. Deste mo<strong>do</strong>, embora a lei<br />

reconheça a possibilidade de o terceiro poder opor-se à penhora quan<strong>do</strong> a mesma seja ofensiva<br />

da sua posse ou de um direito de fun<strong>do</strong> incompatível com tal diligência, a situação de mera<br />

detenção <strong>do</strong> bem penhora<strong>do</strong> não poderá consubstanciar um impedimento à realização da<br />

penhora, nem tão pouco poderá fundamentar uma oposição a esse acto 291.<br />

De to<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong>, uma vez que o detentor exerce um poder de facto sobre a coisa,<br />

situação que lhe confere a presunção da titularidade <strong>do</strong> direito correspondente (art. 1268.º <strong>do</strong><br />

Cc), o detentor está dispensa<strong>do</strong> de fazer a prova de que possui a coisa com a intenção de agir<br />

como se fosse o titular <strong>do</strong> direito real correspondente. Assim, sen<strong>do</strong> deduzi<strong>do</strong>s embargos de<br />

terceiro pelo mero detentor com fundamento na ofensa da sua posse, cabe ao embarga<strong>do</strong><br />

287 De acor<strong>do</strong> com MANUEL RODRIGUES, “[A] posse é a exterioridade de um direito real que se define por<br />

<strong>do</strong>is elementos: — o corpus elemento material; e o animus, intenção de exercer um determina<strong>do</strong> direito real, como<br />

se fora o seu titular. Toda e qualquer outra relação material é detenção” (RODRIGUES, Manuel, A Posse, Estu<strong>do</strong> de<br />

Direito Civil Português, ob. cit., p. 10).<br />

288 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 3 de Dezembro de 1998, proc. 1121/98 – 1.ª secção, in www.dgsi.pt.<br />

289 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 29 de Junho de 1995, in BMJ, 448.º, p. 314.<br />

290 A este propósito, TEIXEIRA DE SOUSA sustenta que, estan<strong>do</strong> em causa uma situação de mera detenção<br />

ou de posse precária – situação que consubstancia uma posse formal porquanto se encontra desligada de qualquer<br />

outro direito real –, esta não é susceptível de fundamentar a dedução <strong>do</strong> incidente processual de embargos de<br />

terceiro (SOUSA, Miguel Teixeira de, Acção Executiva Singular, ob. cit., p. 312).<br />

291 Nessa exacta medida, tal como sustenta LOPES DO REGO, a mera titularidade de um direito pessoal de<br />

gozo, fundan<strong>do</strong> em comodato ou depósito, não será oponível ao cre<strong>do</strong>r exequente, não inviabilizan<strong>do</strong> a penhora<br />

integral <strong>do</strong>s bens (REGO, Lopes <strong>do</strong>, Comentários <strong>do</strong> Código de Processo Civil, vol. II, 2.ª ed., Almedina, 2004,<br />

p. 61).


Posse<br />

provar que os actos integra<strong>do</strong>res <strong>do</strong> corpus <strong>do</strong> embargante não são revela<strong>do</strong>res da posse,<br />

configuran<strong>do</strong>, ao invés, actos delimita<strong>do</strong>res de uma simples tolerância ou mera detenção 292.<br />

Embora, em regra, a posse precária não permita a dedução de embargos de terceiro,<br />

uma vez que este incidente pode ser deduzi<strong>do</strong> com fundamento num direito incompatível com a<br />

realização ou o âmbito da diligência, verificam-se determinadas situações excepcionais em que<br />

um possui<strong>do</strong>r precário ou um mero detentor pode embargar de terceiro. Tal é o caso,<br />

nomeadamente, <strong>do</strong> comodatário (art. 1133.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC), <strong>do</strong> parceiro pensa<strong>do</strong>r (art. 1125.º,<br />

n.º 2, <strong>do</strong> CC), <strong>do</strong> depositário (art. 1188.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC), <strong>do</strong> locatário (art. 1037.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC) 293<br />

294, e <strong>do</strong> promitente-compra<strong>do</strong>r 295, sen<strong>do</strong> certo, no entanto, que em todas essas situações a lei só<br />

permite a tutela em sede de embargos de terceiro se a posse <strong>do</strong> detentor for anterior à diligência<br />

judicial contra a qual pretende reagir, já que é irrelevante a posse constituída em momento<br />

posterior 296 (art. 819.º <strong>do</strong> Cc).<br />

www.dgsi.pt.<br />

292 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 3 de Dezembro de 1998, proc. 1121/98 – 1.ª secção, in<br />

293 RAMALHO, Maria <strong>do</strong> Rosário Palma, «Sobre o fundamento possessório <strong>do</strong>s embargos de terceiro<br />

deduzi<strong>do</strong>s pelo locatário, parceiro pensa<strong>do</strong>r, comodatário e depositário», p. 651. Vide, no mesmo senti<strong>do</strong>, CASTRO,<br />

Anselmo de, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, ob. cit., p. 349.<br />

294 Cfr., quanto à precariedade da posse <strong>do</strong> arrendatário, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 9 de Outubro de 2006, proc.<br />

2868/06 – 1.ª secção, in www.dgsi.pt.<br />

295 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 23 de Janeiro de 1996, in BMJ, 453.º, p. 554: “I - Os embargos de terceiro<br />

podem, em certos casos, ser utiliza<strong>do</strong>s para defender situações que configuram mera detenção. II - Assim, a<br />

promitente compra<strong>do</strong>ra de um apartamento pode usar tais embargos se por força de contrato promessa de compra<br />

e venda de 10 de Janeiro de 1985 e com total consentimento <strong>do</strong> promitente vende<strong>do</strong>r passou a habitar o<br />

apartamento em Abril de 1985, aí fican<strong>do</strong> a residir até hoje”. Vide, em senti<strong>do</strong> contrário, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 28 de<br />

Novembro de 1975, proc. 065884, in www.dgsi.pt, segun<strong>do</strong> o qual “[A] posse precária, exercida em nome alheio,<br />

assente num contrato-promessa de compra e venda, não constitui fundamento para embargos de terceiro, os quais<br />

se destinam a defender a posse real e efectiva.”<br />

296 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 28 de Outubro de 1992, proc. 003190, in www.dgsi.pt.<br />

101


102<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

SECÇÃO II<br />

DIREITO INCOMPATÍVEL COM A REALIZAÇÃO OU O ÂMBITO DA DILIGÊNCIA<br />

Sumário: 1. Delimitação <strong>do</strong> problema. 2. Delimitação conceptual da<br />

noção de “direito incompatível”. 2.1. Efeitos da venda executiva sobre a coisa<br />

vendida. 2.2. Noção de direito incompatível. 2.2.1. Incompatibilidade em<br />

resulta<strong>do</strong> da não caducidade <strong>do</strong> direito. 2.2.2. Incompatibilidade por<br />

impedimento da venda executiva. 2.2.3. Incompatibilidade e interesse<br />

processual. 3. Direitos reais de garantia. 3.1. Consignação de rendimentos.<br />

3.1.1. Regime jurídico. 3.1.2. Tutela da consignação de rendimentos em<br />

sede de embargos de terceiro. 3.2. Penhor. 3.2.1. Regime jurídico. 3.2.2.<br />

Tutela <strong>do</strong> penhor em sede de embargos de terceiro. 3.3. Hipoteca. 3.3.1.<br />

Regime jurídico. 3.3.2. Tutela da hipoteca em sede de embargos de terceiro.<br />

3.4. Privilégios creditórios. 3.4.1. Regime jurídico. 3.4.2. Tutela <strong>do</strong>s<br />

privilégios creditórios em sede de embargos de terceiro. 3.5. Direito de<br />

retenção. 3.5.1. Regime jurídico. 3.5.2. Tutela <strong>do</strong> direito de retenção em<br />

sede de embargos de terceiro. 3.5.3. Direito de retenção no contrato-<br />

promessa celebra<strong>do</strong> com eficácia meramente obrigacional e com traditio da<br />

coisa. 3.5.3.1. Regime jurídico. 3.5.3.2. Tutela em sede de embargos de<br />

terceiro. 3.6. Arresto. 3.6.1. Regime jurídico. 3.6.2. Tutela <strong>do</strong> arresto em<br />

sede de embargos de terceiro. 4. Direitos reais de gozo. 4.1. Propriedade.<br />

4.1.1. Regime jurídico. 4.1.2. Tutela <strong>do</strong> direito de propriedade em sede de<br />

embargos de terceiro. 4.1.3. A situação particular da tutela da propriedade<br />

através de embargos de terceiro quanto a bens sujeitos a registo. α)<br />

Compropriedade. β) Reserva de propriedade. β.1) Âmbito. β.2) Natureza<br />

jurídica. β.3) A tutela da reserva de propriedade em sede de embargos de<br />

terceiro. 4.2. Usufruto. 4.2.1. Regime jurídico. 4.2.2. Tutela <strong>do</strong> direito de<br />

usufruto em sede de embargos de terceiro. 4.3. Uso e habitação. 4.3.1.<br />

Regime jurídico. 4.3.2. Tutela <strong>do</strong> direito de uso e habitação em sede de<br />

embargos de terceiro. 4.4. Superfície. 4.4.1. Regime jurídico. 4.4.2. Tutela<br />

<strong>do</strong> direito de superfície em sede de embargos de terceiro. 4.5. Servidão<br />

predial. 4.5.1. Regime jurídico. 4.5.2. Tutela da servidão predial em sede de<br />

embargos de terceiro. 4.6. Direito real de habitação periódica. 4.6.1. Regime<br />

jurídico. 4.6.2. Tutela <strong>do</strong> direito real de habitação periódica em sede de<br />

embargos de terceiro. 5. Direitos reais de aquisição. 5.1. Contrato-promessa<br />

103


104<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

com eficácia real. 5.1.1. Âmbito. 5.1.2. A tutela <strong>do</strong> contrato-promessa com<br />

eficácia real em sede executiva. 5.2. Pacto de preferência com eficácia real.<br />

5.2.1. Âmbito. 5.2.2. O exercício <strong>do</strong> direito de preferência em sede executiva.<br />

6. Direitos pessoais de gozo. 6.1. Locação. 6.1.1. Âmbito. 6.1.2. Tutela da<br />

locação em sede de embargos de terceiro. 6.1.3. A tutela <strong>do</strong> cônjuge <strong>do</strong><br />

arrendatário. 6.1.4. A tutela <strong>do</strong> sublocatário. 6.2. Locação financeira. 6.2.1.<br />

Regime jurídico. 6.2.2. Tutela da locação financeira em sede de embargos de<br />

terceiro. 6.3. Comodato. 6.3.1. Regime jurídico. 6.3.2. A tutela <strong>do</strong><br />

comodatário em sede de embargos de terceiro. 6.4. Depósito. 6.4.1. Regime<br />

jurídico. 6.4.2. A tutela <strong>do</strong> depositário em sede de embargos de terceiro. 6.5.<br />

Parceria pecuária. 6.5.1. Regime jurídico. 6.5.2. Tutela da parceria pecuária<br />

em sede de embargos de terceiro. 7. Situações particulares. 7.1. Penhora de<br />

direitos de crédito sobre terceiros. 7.2. Penhora de títulos de crédito e de<br />

valores mobiliários. 7.3. Penhora de depósitos bancários. 7.4. Penhora de<br />

direito a bens indivisos e de quotas em sociedade. 7.5. Penhora de<br />

estabelecimento comercial. 7.5.1. Regime jurídico. 7.5.2. A situação<br />

particular da penhora de estabelecimento comercial instala<strong>do</strong> em centro<br />

comercial. 7.5.3. Tutela <strong>do</strong> estabelecimento comercial em sede de embargos<br />

de terceiro. 7.5.3.1. O estabelecimento comercial pertence a um terceiro.<br />

7.5.3.2. O estabelecimento comercial pertence ao executa<strong>do</strong>, mas encontra-<br />

se arrenda<strong>do</strong> a um terceiro.


1. DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA<br />

Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

Embora os embargos de terceiro possam ser deduzi<strong>do</strong>s unicamente com fundamento na<br />

ofensa da posse, a verdade é que, com a reforma de 95/96, passou também a poder sustentar-<br />

se a causa de pedir deste incidente processual na ofensa de um direito incompatível com a<br />

realização ou o âmbito da diligência.<br />

Contu<strong>do</strong>, o legisla<strong>do</strong>r não definiu o que se deve entender por “direito incompatível com a<br />

realização ou o âmbito da diligência”. É precisamente por tal circunstância que a questão<br />

principal que se coloca quanto à delimitação <strong>do</strong> âmbito objectivo <strong>do</strong>s embargos de terceiro se<br />

traduz em saber como se deve interpretar tal conceito, tanto mais quanto é certo que a sua<br />

delimitação conceptual determina a maior ou menor amplitude quanto ao âmbito material <strong>do</strong>s<br />

embargos de terceiro, maxime no que concerne à delimitação <strong>do</strong>s direitos que são susceptíveis<br />

de ser protegi<strong>do</strong>s através deste meio processual.<br />

2. DELIMITAÇÃO CONCEPTUAL DA NOÇÃO DE “DIREITO INCOMPATÍVEL”<br />

Atenta a actual configuração jurídica <strong>do</strong>s embargos de terceiro, a legitimação para a<br />

dedução deste incidente resulta da titularidade de um direito que, em virtude da sua natureza<br />

jurídico-material, não poderá ser validamente atingi<strong>do</strong> pelo acto de penhora ou de apreensão<br />

judicial de bens. O mesmo é dizer que a admissibilidade e eventual procedência <strong>do</strong>s embargos<br />

de terceiro dependem de uma relação de hierarquização ou de prevalência de direitos em<br />

colisão, a qual será resolvida em função <strong>do</strong> regime material substantivo dessas normas 297.<br />

Uma vez que a diligência de penhora tem como última ratio a venda executiva <strong>do</strong>s bens<br />

penhora<strong>do</strong>s com vista à satisfação integral <strong>do</strong> crédito exequen<strong>do</strong>, a procura de uma definição<br />

para a expressão “direito incompatível” implica uma análise prévia <strong>do</strong> regime jurídico <strong>do</strong>s efeitos<br />

da venda executiva previsto no art. 824.º <strong>do</strong> CC.<br />

297 REGO, Lopes <strong>do</strong>, Comentários <strong>do</strong> Código de Processo Civil, vol. I, ob. cit., p. 325.<br />

105


106<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

2.1. EFEITOS DA VENDA EXECUTIVA SOBRE A COISA VENDIDA<br />

O art. 824.º <strong>do</strong> CC, conjuga<strong>do</strong> com o art. 888.º <strong>do</strong> CPC, regula os efeitos da venda<br />

executiva em relação à caducidade <strong>do</strong>s direitos reais de garantia e <strong>do</strong>s demais direitos reais que<br />

incidam sobre a coisa alienada 298.<br />

298 O art. 824.º <strong>do</strong> CC encontra na sua origem a Lei Hipotecária de 1 de Julho de 1863, a qual, a respeito<br />

da execução hipotecária, preceituava no seu art. 169.º, o seguinte:<br />

“Os ónus que tiverem si<strong>do</strong> regista<strong>do</strong>s em data posterior à da transmissão não acompanham o prédio.<br />

§ único. Os mesmos ónus regista<strong>do</strong>s em número posterior ao da hypotheca, somente acompanham o<br />

prédio e determinam a deducção de que tracta o artigo antecedente, quan<strong>do</strong> depois de pagos to<strong>do</strong>s os créditos<br />

hypothecarios anteriores, houver excedente no valor <strong>do</strong> prédio; e n’este caso determinam a deducção até á<br />

concorrência d’esse valor.”<br />

Por sua vez, o art. 1021.º <strong>do</strong> CC de 1867 determinava o seguinte: “A arrematação, adjudicação ou<br />

transmissão de algum predio, por qualquer mo<strong>do</strong> feita, não prejudica os privilégios imobiliarios especiaes, que a<br />

esse tempo se achem constituí<strong>do</strong>s sobre fructos, rendas ou moveis <strong>do</strong> predio arremata<strong>do</strong>, adjuica<strong>do</strong> ou<br />

transmiti<strong>do</strong>.”<br />

O art. 1022.º <strong>do</strong> mesmo diploma legal preceituava que “[O]s ónus reaes, com registo anterior ao da<br />

hipotheca de que resultou a expropriação, ou ao da transmissao mencionada no artigo antecedente, acompanham o<br />

predio aliena<strong>do</strong>, e <strong>do</strong> seu valor é deduzida a importância <strong>do</strong>s ónus referi<strong>do</strong>s.”<br />

O art. 1023.º dispunha o seguinte:<br />

“Os ónus reaes, com registo posterior ao da hypotheca ou da transmissão, não acompanham o predio.<br />

§ único. Exceptuam-se da disposição d’este artigo os onus reaes constituí<strong>do</strong>s antes da promulgação d’este<br />

codigo, que forem regista<strong>do</strong>s dentro <strong>do</strong> prazo de um anno, conta<strong>do</strong> desde a mesma promulgação.<br />

No âmbito da lei adjectiva, o Código de Processo Civil de 1876 veio estipular no seu art. 856.º que “[O]s<br />

bens serão arremata<strong>do</strong>s livres <strong>do</strong>s onus reaes que não tiverem registo anterior ao de qualquer penhora, arresto ou<br />

hypoteca, salvos contu<strong>do</strong> os onus reaes que, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong>s em data anterior, subsistirem sem registo.”<br />

O art. 949.º <strong>do</strong> CC de 1867, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto n.º 19.126, de 16 de Dezembro<br />

de 1930, passou a determinar que, constituíam onus reaes, a hipoteca, a penhora e o arresto sobre bens<br />

imobiliários ou créditos hipotecários, o penhor em créditos hipotecários, o <strong>do</strong>te, o arrendamento por mais de um<br />

ano, haven<strong>do</strong> adiantamento de renda, ou por mais de quatro, não o haven<strong>do</strong>, a consignação de rendimentos para<br />

pagamento de quantia determinada ou por determina<strong>do</strong> número de anos e a adjudicação de rendimentos.<br />

Por sua vez, o Código de Processo Civil de 1939 veio dispor sobre esta matéria no art. 907.º, preceito que<br />

apresentava a seguinte redacção:<br />

“1. Os bens são transmiti<strong>do</strong>s livres <strong>do</strong>s direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer<br />

arresto, penhora ou hipoteca, salvos os que, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong>s em data anterior, produzam efeito em relação a<br />

terceiros independentemente de registo.


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

Com efeito, dispõe o art. 824.º, n.º 1, <strong>do</strong> CC, que a venda em execução transfere para o<br />

299 300 adquirente os direitos <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> sobre a coisa vendida 301.<br />

Por sua vez, determina o n.º 2 da referida disposição legal que “os bens são<br />

transmiti<strong>do</strong>s livres <strong>do</strong>s direitos de garantia que os onerarem, bem como <strong>do</strong>s demais direitos<br />

2. Em seguida ao pagamento <strong>do</strong> preço e da sisa são manda<strong>do</strong>s cancelar os registos <strong>do</strong>s direitos reais que<br />

devam caducar, assim como os registos de quaisquer direitos reais de garantia, transferin<strong>do</strong>-se para o produto da<br />

venda os direitos <strong>do</strong>s respectivos cre<strong>do</strong>res.”<br />

Face a esta formulação legal, ALBERTO DOS REIS defendia que caducavam com a venda executiva, não<br />

só os direitos reais de garantia (a hipoteca, a penhora, o arresto, o penhor, a consignação e a adjudicação de<br />

rendimentos), como também os direitos reais de gozo (direito de <strong>do</strong>mínio), os direitos que constituem as<br />

propriedades imperfeitas (usufruto, uso e habitação, enfiteuse e subenfiteuse, censo, quinhão, compáscuo,<br />

servidões) a mera posse e os ónus reais, ou seja, o <strong>do</strong>te e o arrendamento, desde que tivessem si<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong>s ou<br />

regista<strong>do</strong>s posteriormente a qualquer arresto, penhora ou hipoteca (REIS, José Aberto <strong>do</strong>s, Processo de Execução,<br />

vol. 2.º, 3.ª ed. (reimpr.), Coimbra Editora, Coimbra, 1985, p. 399).<br />

299 Determina, a este respeito, o art. 2919. (1.ª parte) <strong>do</strong> CC It., que “[L]a vendita forzata trasferisce<br />

all'acquirente i diritti che sulla cosa spettavano a colui che ha subito l'espropriazione, salvi gli effetti del possesso di<br />

buona fede.”<br />

300 Cfr., a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 21 de Março de 2003, proc. 03A4098, in www.dgsi.pt: “A<br />

transferência para o adquirente <strong>do</strong>s direitos <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> sobre a coisa vendida nos termos <strong>do</strong> art. 824º, n.º 1, <strong>do</strong><br />

C.Civil, é uma aquisição derivada, tal como sucede na venda voluntária, a que se aplica o disposto no art. 1057º <strong>do</strong><br />

mesmo Código.”<br />

301 A jurisprudência tem-se dividi<strong>do</strong> quanto à qualificação jurídica da natureza da venda executiva. Com<br />

efeito, por um la<strong>do</strong> tem si<strong>do</strong> sustenta<strong>do</strong> que a venda executiva constitui um contrato de direito público, da<strong>do</strong> que se<br />

trata de uma venda judicial no âmbito <strong>do</strong>s poderes públicos atribuí<strong>do</strong>s aos tribunais. Ainda que essa venda seja<br />

efectuada pelo solicita<strong>do</strong>r de execução, ele fá-lo, contu<strong>do</strong>, imbuí<strong>do</strong> de funções de natureza pública, já que a venda<br />

constitui uma das etapas <strong>do</strong> iter executivo que tem no seu início a apreensão de bens <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r com vista à sua<br />

execução forçada (cfr., a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 6 de Março de 2007, proc. 85047/2006-7, in<br />

www.dgsi.pt).<br />

Em senti<strong>do</strong> contrário, tem vin<strong>do</strong> a ser sufraga<strong>do</strong> maioritamente o entendimento de que a venda executiva<br />

deve ser qualificada como um contrato de natureza mista, uma vez que, ainda que se trate de um contrato de<br />

direito público, a venda executiva produz os mesmos efeitos que o contrato de compra e venda de natureza privada,<br />

sen<strong>do</strong>-lhe aplicável, a título subsidiário, o regime previsto no art. 879.º <strong>do</strong> CC (Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 1 de Março de<br />

2007, proc. 4768/06 – 1.ª secção, in www.dgsi.pt). Cfr., quanto à aplicação subsidiária das normas <strong>do</strong> contrato de<br />

compra e venda de natureza privada à venda executiva, designadamente no que respeita à obrigação de pagamento<br />

<strong>do</strong> preço e à ineficácia da venda, LIMA, Pires de; VARELA, Antunes, Código Civil Anota<strong>do</strong>, vol. II, ob. cit., pp. 96<br />

e 97.<br />

107


108<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia 302 , com<br />

excepção <strong>do</strong> que, constituí<strong>do</strong>s em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros<br />

independentemente de registo” 303. O efeito extintivo previsto no art. 824.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC, e que<br />

constitui a principal diferença entre a venda negocial e a executiva, visa não só favorecer a<br />

alienação de bens em sede executiva relativamente ao exequente e ao executa<strong>do</strong> ― o primeiro<br />

porque consegue obter mais facilmente o pagamento da quantia exequenda, e o segun<strong>do</strong> porque<br />

consegue amortizar a dívida com um menor número de bens necessários para esse efeito ―,<br />

como também garantir que o terceiro não seja confronta<strong>do</strong> com um ónus que diminua a<br />

utilidade económica da coisa adquirida em sede executiva 304. De to<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong>, o legisla<strong>do</strong>r<br />

protege os titulares <strong>do</strong>s direitos que caducarem por efeito dessa venda, da<strong>do</strong> que esses direitos<br />

“transferem-se para o produto da venda <strong>do</strong>s respectivos bens” (n.º 3), ou seja, o titular desse<br />

direito irá receber o respectivo crédito através <strong>do</strong> produto da venda executiva, ten<strong>do</strong> em<br />

consideração, naturalmente, a ordem de graduação <strong>do</strong>s créditos <strong>do</strong>s respectivos cre<strong>do</strong>res.<br />

α) “Os bens são transmiti<strong>do</strong>s livres <strong>do</strong>s direitos reais de garantia que os onerarem…”<br />

Atenta a formulação legal <strong>do</strong> art. 824.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC, verifica-se que a venda executiva,<br />

além <strong>do</strong>s efeitos previstos no art. 879.º <strong>do</strong> CC — transferência da propriedade, obrigação de<br />

entrega da coisa e obrigação de pagamento <strong>do</strong> preço — produz desde logo um efeito extintivo<br />

quanto aos direitos reais 305 de garantia que onerarem o bem (quer tenham si<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong>s em<br />

momento anterior ou posterior à penhora) 306 .<br />

302 Em caso de registo provisório <strong>do</strong> direito, a conversão desse registo provisório em registo definitivo<br />

retroage à data daquele e prevalece sobre os registos realiza<strong>do</strong>s posteriormente à data da inscrição provisória (cfr.,<br />

nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 29 de Novembro de 2006, proc. 3808/06 – 1.ª secção, in www.dgsi.pt).<br />

303 No mesmo senti<strong>do</strong>, determina o art. 2213 <strong>do</strong> CC Fr. que “[L]a consignation du prix et le paiement des<br />

frais de la vente purgent de plein droit l'immeuble de toute hypothèque et de tout privilège du chef du débiteur.”<br />

304 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 23 de Setembro de 2008, proc. 465-A/2002.C1, in www.dgsi.pt.<br />

Vide, na <strong>do</strong>utrina, COSTA, Salva<strong>do</strong>r da, O Concurso de Cre<strong>do</strong>res, 3.ª ed., Almedina, 2005, p. 7.<br />

305 O direito real traduz-se numa “relação jurídica entre o titular e a coisa, subordinan<strong>do</strong> esta directa e<br />

imediatamente ao poder ou <strong>do</strong>mínio daquele” (cfr. MESQUITA, Manuel Henrique, Obrigações e Ónus Reais,<br />

Almedina, Coimbra, 1990, p. 99).<br />

306 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 6 de Fevereiro de 2001, proc. 3581-2000, in www.dgsi.pt: “os<br />

direitos de garantia caducam to<strong>do</strong>s após a venda judicial.” Em senti<strong>do</strong> contrário, ANSELMO DE CASTRO sustenta


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

Na verdade, os titulares de direitos reais de garantia sobre os bens penhora<strong>do</strong>s, deten<strong>do</strong><br />

tão só um direito de crédito sobre o executa<strong>do</strong>, conseguem obter a satisfação <strong>do</strong> seu crédito<br />

através <strong>do</strong> concurso de cre<strong>do</strong>res em sede executiva 307. Nessa exacta medida, determina o art.<br />

864.º <strong>do</strong> CPC que o solicita<strong>do</strong>r de execução deve citar os cre<strong>do</strong>res que sejam titulares de direito<br />

real de garantia, regista<strong>do</strong> ou conheci<strong>do</strong> 308, para reclamarem o pagamento <strong>do</strong>s seus créditos 309,<br />

que o art. 824.º <strong>do</strong> CC só abrange os direitos reais de garantia que tenham si<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong>s antes da penhora<br />

porquanto os direitos reais de garantia constituí<strong>do</strong>s em momento posterior “caem sob o princípio da ineficácia<br />

relativa ten<strong>do</strong>-se, por isso, pura e simplesmente como inexistentes em relação à execução, salvo no caso de<br />

penhora posterior nos mesmos bens por outra execução” (cfr. CASTRO, Anselmo de, A Acção Executiva Singular,<br />

Comum e Especial, ob. cit., p. 228). Cfr., no mesmo senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 25 de Novembro de 1999, in CJ ,<br />

tomo III, 1999, p. 118. Tal entendimento não se afigura o mais correcto. Na verdade, poden<strong>do</strong> recair sobre o<br />

mesmo bem mais <strong>do</strong> que uma penhora, é evidente que a venda executiva desse bem implica a caducidade das<br />

penhoras registadas em momento posterior, sem que, contu<strong>do</strong>, os respectivos cre<strong>do</strong>res exequentes se vejam<br />

impedi<strong>do</strong>s de reclamar os respectivos créditos no âmbito <strong>do</strong> processo executivo onde foi efectuada a venda.<br />

307 Cfr., a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 4 de Março de 2008, proc. 948/05.6TBCBR, in www.dgsi.pt: “I<br />

– O concurso de cre<strong>do</strong>res, rectius a fase concursal <strong>do</strong> processo executivo singular, está liga<strong>do</strong>(a) à circunstância de<br />

a venda executiva libertar os bens transmiti<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s direitos de garantia que os onerarem [artigo 824º, nº 2 <strong>do</strong><br />

Código Civil (CC)]. II - Neste específico concurso, respeitante a uma execução singular, contrariamente ao que<br />

sucede com o processo de insolvência, não está em causa uma “execução universal” <strong>do</strong> património de um deve<strong>do</strong>r,<br />

mas a liquidação de bens concretos desse património, em função de um crédito específico, sen<strong>do</strong> que só a<br />

circunstância de esses bens serem transmiti<strong>do</strong>s, nessa execução, livres <strong>do</strong>s direitos de garantia que os onerarem,<br />

justifica a consideração de outros créditos, para além <strong>do</strong> <strong>do</strong> exequente.”<br />

308 Será o caso <strong>do</strong> titular de um direito de retenção sobre a coisa penhorada que se tenha torna<strong>do</strong><br />

conheci<strong>do</strong> pelo solicita<strong>do</strong>r de execução nos termos <strong>do</strong> art. 831.º <strong>do</strong> CPC, o qual deve ser cita<strong>do</strong> para reclamar o seu<br />

crédito em sede executiva, sob pena de, não o fazen<strong>do</strong>, se verificar a extinção <strong>do</strong> seu direito por força da venda.<br />

Cfr., a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 9 de Fevereiro de 1999, in www.dgsi.pt, segun<strong>do</strong> o qual “[O] artº 824º, nº 2<br />

<strong>do</strong> Código civil, estabelece que os bens (cuja venda tenha si<strong>do</strong> efectuada em execusão) são transmiti<strong>do</strong>s livres de<br />

direitos de garantias que os oneram. Ora, sen<strong>do</strong> o direito de retenção um direito real de garantia, caduca quan<strong>do</strong> a<br />

coisa sobre que incide é vendida em execução. Este direito de retenção não pode ser engloba<strong>do</strong> "nos demais<br />

direitos reais" a que alude a última parte da mesma disposição, precisamente porque é um direito real de garantia.”<br />

309 Atento o senti<strong>do</strong> da formulação legal, o solicita<strong>do</strong>r de execução deve citar os cre<strong>do</strong>res que constam da<br />

certidão de ónus e encargos referente ao bem penhora<strong>do</strong> (e a que se refere o art. 838.º, n.º 2, <strong>do</strong> CPC), bem como<br />

os cre<strong>do</strong>res que se tenham torna<strong>do</strong> conheci<strong>do</strong>s no processo, quer em consequência <strong>do</strong> regime previsto no art.<br />

831.º, n.º 2, <strong>do</strong> CPC — ou seja, cre<strong>do</strong>r titular de um direito de retenção ou de penhor sobre o bem penhora<strong>do</strong> e que<br />

se tenha torna<strong>do</strong> conheci<strong>do</strong> <strong>do</strong> agente de execução aquan<strong>do</strong> da diligência de penhora e apreensão efectiva da coisa<br />

—, quer em virtude da indicação realizada pelo próprio executa<strong>do</strong> ao abrigo <strong>do</strong> n.º 6 da mesma disposição legal.<br />

109


110<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

sen<strong>do</strong> certo que só os cre<strong>do</strong>res que sejam titulares de garantia real sobre os bens penhora<strong>do</strong>s<br />

podem reclamar, pelo produto destes, o pagamento <strong>do</strong>s respectivos créditos (art. 865.º <strong>do</strong><br />

CPC) 310 311. Com efeito, a citação de cre<strong>do</strong>res <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> que sejam titulares de direitos reais<br />

de garantia sobre bens penhora<strong>do</strong>s em sede executiva visa garantir, fundamentalmente, o<br />

cumprimento <strong>do</strong> disposto no art. 822.º <strong>do</strong> CC — disposição que consagra o princípio geral<br />

segun<strong>do</strong> o qual o exequente adquire pela penhora o direito de ser pago com preferência em<br />

relação a qualquer outro cre<strong>do</strong>r que não tenha garantia real anterior — pelo que a citação <strong>do</strong>s<br />

cre<strong>do</strong>res permitirá graduar os diferentes créditos assegura<strong>do</strong>s pelos direitos reais de garantia a<br />

eles inerentes de acor<strong>do</strong> com as diferentes ordens de preferência estabelecidas na lei.<br />

Assim, o titular <strong>do</strong> direito de retenção sobre o bem penhora<strong>do</strong> que tiver caduca<strong>do</strong> por<br />

força da venda executiva não pode opor-se à entrega <strong>do</strong> bem ao respectivo adquirente já que o<br />

seu direito se extinguiu por força da venda 312.<br />

Nos termos <strong>do</strong> disposto no art. 888.º <strong>do</strong> CPC, após o pagamento <strong>do</strong> preço e <strong>do</strong> imposto<br />

devi<strong>do</strong> pela transmissão, o agente de execução promove o cancelamento <strong>do</strong>s registos <strong>do</strong>s<br />

De to<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong>, os cre<strong>do</strong>res <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> que sejam titulares de um direito real de garantia, mas que<br />

não tenham si<strong>do</strong> cita<strong>do</strong>s para reclamar os respectivos créditos — seja porque o respectivo direito não se encontra<br />

regista<strong>do</strong> e, consequentemente, não consta da certidão de ónus e encargos referente ao bem penhora<strong>do</strong>, seja<br />

porque não são conheci<strong>do</strong>s <strong>do</strong> processo (nas condições em que o poderiam vir a ser e que se encontram previstas<br />

no art. 831.º <strong>do</strong> CPC) — têm sempre a possibilidade de virem ao processo reclamar espontaneamente os<br />

respectivos créditos ao abrigo <strong>do</strong> disposto no art. 865.º, n.º 3, <strong>do</strong> CPC.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, importa salientar que, ao contrário <strong>do</strong> que se verificava no regime processual anterior à<br />

reforma da acção executiva concretizada pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, deixaram de ser cita<strong>do</strong>s<br />

editalmente os cre<strong>do</strong>res <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> que fossem desconheci<strong>do</strong>s.<br />

310 “Daí que o legisla<strong>do</strong>r processual se tenha preocupa<strong>do</strong>, antes de mais, em chamar ao processo to<strong>do</strong>s os<br />

cre<strong>do</strong>res beneficiários de direitos reais sobre os bens que nele foram penhora<strong>do</strong>s, para que possam fazer valer<br />

atempadamente os seus direitos, da<strong>do</strong> o facto de a venda deles só ser possível uma vez e de para o seu produto<br />

serem transferi<strong>do</strong>s to<strong>do</strong>s os direitos reais” (cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 4 de Outubro de 2005, proc. 1595/05, in<br />

www.dgsi.pt).<br />

311 Refere ANTUNES VARELA, a propósito da caducidade <strong>do</strong>s direitos reais de garantia, que “[O]s direitos<br />

reais de garantia que recaíam sobre os bens vendi<strong>do</strong>s, como o compra<strong>do</strong>r já realizou, em benefício <strong>do</strong>s cre<strong>do</strong>res,<br />

através <strong>do</strong> preço pago, o valor que estes legitimamente podiam esperar deles, deixam de onerar esses bens (que<br />

ficam livres deles, e transferem-se para o produto da sua venda.” (VARELA, Antunes, Das Obrigações em Geral, vol.<br />

II, ob. cit., pp. 154 e 155).<br />

312 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 21 de Fevereiro de 2000, proc. 0005318, in www.dgsi.pt.


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

direitos reais que caducam nos termos <strong>do</strong> art. 824.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC e não sejam de cancelamento<br />

oficioso pela conservatória.<br />

ß) “…bem como <strong>do</strong>s demais direitos reais 313 que não tenham registo anterior ao de<br />

qualquer arresto, penhora ou garantia…”<br />

Estan<strong>do</strong> em causa um direito real de gozo sobre um bem penhora<strong>do</strong> ao executa<strong>do</strong>,<br />

importa verificar se esse direito é oponível ao terceiro adquirente <strong>do</strong> bem em sede executiva.<br />

Com efeito, se o direito real de gozo tiver si<strong>do</strong> regista<strong>do</strong> ou constituí<strong>do</strong> depois <strong>do</strong> registo<br />

ou constituição <strong>do</strong> arresto, da penhora ou da garantia, então tal direito caducará com a venda<br />

executiva, sen<strong>do</strong> certo que os actos de alienação, oneração ou arrendamento de bens<br />

penhora<strong>do</strong>s são inoponíveis em relação à execução (art. 819.º <strong>do</strong> CC).<br />

Em contrapartida, se o direito tiver si<strong>do</strong> regista<strong>do</strong> ou constituí<strong>do</strong> em data anterior ao<br />

registo ou constituição <strong>do</strong> arresto, penhora ou garantia, então tal direito não se extingue com a<br />

venda executiva, circunstância que permitirá ao seu titular deduzir embargos de terceiro contra a<br />

penhora <strong>do</strong> bem sobre o qual incida esse direito 314 . Assim, se o executa<strong>do</strong>, e.g., tiver constituí<strong>do</strong><br />

e regista<strong>do</strong> um direito de usufruto sobre o imóvel que veio a ser penhora<strong>do</strong> em data posterior a<br />

esse registo, então este direito não caduca com a venda executiva 315 .<br />

313 Quanto à contraposição entre os direitos reais e os direitos de crédito, vide LEITÃO, Luís Menezes,<br />

Direito das Obrigações, vol. I, ob. cit., p. 98. Na verdade, conforme salienta MENEZES LEITÃO, enquanto os direitos<br />

de crédito possuem as características da mediação <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r, da relatividade, de uma oponibilidade a terceiros<br />

limitada, ausência de inerência e não hierarquização entre si, por sua vez, os direitos reais caracterizam-se por<br />

serem direitos imediatos, absolutos, plenamente oponíveis a terceiros, inerentes a uma coisa, <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s de sequela e<br />

hierarquizáveis entre si.<br />

314 A este propósito impõe-se referir que a <strong>do</strong>utrina e a jurisprudência têm-se dividi<strong>do</strong> quanto à questão de<br />

saber se o contrato de arrendamento constituí<strong>do</strong> depois <strong>do</strong> proprietário <strong>do</strong> imóvel o ter hipoteca<strong>do</strong> voluntariamente<br />

a favor de um cre<strong>do</strong>r, deve ser incluí<strong>do</strong> na expressão “direitos reais” e, consequentemente, ser engloba<strong>do</strong> no<br />

conjunto <strong>do</strong>s direitos que se extinguem com a venda executiva. Esta problemática, pela sua complexidade, será<br />

abordada infra em sede de apreciação da susceptibilidade <strong>do</strong> arrendamento poder ser tutela<strong>do</strong> em sede de<br />

embargos de terceiro.<br />

315 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, COSTA, Salva<strong>do</strong>r da, O Concurso de Cre<strong>do</strong>res, 3.ª ed., Almedina, 2005, p. 233.<br />

111


112<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

γ) “… com excepção <strong>do</strong>s que, constituí<strong>do</strong>s em data anterior, produzam efeitos em<br />

relação a terceiros independentemente de registo.”<br />

Com efeito, estan<strong>do</strong> em causa direitos reais de gozo que tenham si<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong>s em<br />

data anterior à penhora, arresto ou garantia, e se tais direitos produzirem efeitos em relação a<br />

terceiros independentemente de registo, então estes direitos não caducam com a venda<br />

316 executiva 317.<br />

Na verdade, este segmento normativo refere-se aos direitos que produzem efeitos em<br />

relação a terceiros, ainda que não tenham si<strong>do</strong> regista<strong>do</strong>s, e que se encontram previstos,<br />

nomeadamente, no art. 5.º, n.º 2, <strong>do</strong> CRPred. Nesta medida, embora, em regra, os factos<br />

sujeitos a registo só produzam efeitos contra terceiros depois da data <strong>do</strong> respectivo registo,<br />

exceptuam-se desta regra a aquisição, fundada na usucapião, <strong>do</strong>s direitos referi<strong>do</strong>s no art. 2.º,<br />

n.º 1, a), <strong>do</strong> CRPred., as servidões aparentes e os factos relativos a bens indetermina<strong>do</strong>s,<br />

enquanto estes não forem devidamente especifica<strong>do</strong>s e determina<strong>do</strong>s.<br />

Deste mo<strong>do</strong>, independentemente da data da sua constituição ou registo, uma vez que<br />

estes direitos produzem efeitos em relação a terceiros independentemente de registo, a não<br />

observação desta formalidade não implica a extinção destes direitos por mera força da venda<br />

executiva.<br />

2.2. NOÇÃO DE DIREITO INCOMPATÍVEL<br />

2.2.1. INCOMPATIBILIDADE EM RESULTADO DA NÃO CADUCIDADE DO DIREITO<br />

Quanto ao critério que deve ser segui<strong>do</strong> para a delimitação deste conceito, TEIXEIRA DE<br />

SOUSA defende que se deve entender por direitos incompatíveis “aqueles que impedem que os<br />

bens penhora<strong>do</strong>s possam ser incluí<strong>do</strong>s naqueles que, por pertencerem ao património <strong>do</strong><br />

executa<strong>do</strong>, devem responder pela dívida exequenda”. Nessa exacta medida, serão incompatíveis<br />

316 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 6 de Fevereiro de 2001, proc. 3581-2000, in www.dgsi.pt.<br />

317 Será o caso, nomeadamente, <strong>do</strong> direito de usufruto que tiver si<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong> sobre bens móveis, antes<br />

<strong>do</strong> arresto, penhora ou garantia, da<strong>do</strong> que esse usufruto, não estan<strong>do</strong> sujeito a registo, produz efeitos em relação a<br />

terceiros cujo direito incompatível com o usufruto tenha si<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong> em momento posterior (cfr., nesse senti<strong>do</strong>,<br />

LIMA, Pires de; VARELA, Antunes, Código Civil Anota<strong>do</strong>, vol. II, 4.ª ed. rev. e actual., Coimbra Editora, 1997, p. 97).


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

com a finalidade da diligência “os direitos de terceiros sobre bens penhora<strong>do</strong>s que não se<br />

318 devam extinguir com a sua venda executiva” 319.<br />

Vale isto por dizer que, se o direito <strong>do</strong> terceiro se extingue com a venda executiva, o<br />

interesse <strong>do</strong> exequente deve prevalecer sobre o interesse <strong>do</strong> terceiro. Por sua vez, se o direito <strong>do</strong><br />

terceiro subsiste após a venda executiva, então o direito <strong>do</strong> terceiro prevalece sobre o direito <strong>do</strong><br />

cre<strong>do</strong>r, sen<strong>do</strong> admissível a dedução de embargos de terceiro 320.<br />

Propon<strong>do</strong> semelhante critério, REMÉDIO MARQUES sustenta que o direito diz-se<br />

incompatível quan<strong>do</strong> seja oponível e prevalente sobre a coisa penhorada, isto é, quan<strong>do</strong> esse<br />

direito deva subsistir após a venda executiva, atenta a formulação <strong>do</strong> art. 824.º <strong>do</strong> CC. Assim, o<br />

direito será incompatível quan<strong>do</strong>, face ao âmbito e extensão da penhora, esse direito não<br />

caduque com a venda 321 .<br />

2.2.2. INCOMPATIBILIDADE POR IMPEDIMENTO DA VENDA EXECUTIVA<br />

Em senti<strong>do</strong> contrário, LEBRE DE FREITAS sustenta que o conceito de “direito<br />

incompatível com a realização ou o âmbito da diligência” deve ser apura<strong>do</strong> em conformidade<br />

com a finalidade da diligência. Nessa exacta medida, ten<strong>do</strong> em conta que na acção executiva<br />

para pagamento de quantia certa a penhora visa a venda executiva <strong>do</strong> património <strong>do</strong> executa<strong>do</strong>,<br />

um direito de terceiro será incompatível com a penhora quan<strong>do</strong> seja susceptível de impedir a<br />

efectivação da venda <strong>do</strong> bem sobre o qual incide esse direito 322 .<br />

Por sua vez, DURVAL FERREIRA sufraga o entendimento de que o direito será<br />

incompatível quan<strong>do</strong> “o respeito pela sua existência ou exercício (a faculdade de deter ou<br />

continuar deten<strong>do</strong>), na sua devida extensão normativa, é inconciliável com a realização da<br />

diligência ou com o âmbito ou o mo<strong>do</strong> directo da sua realização” 323 .<br />

318 SOUSA, Miguel Teixeira de, Acção Executiva Singular, ob. cit., p. 303.<br />

319 Do mesmo mo<strong>do</strong>, se o terceiro pretender deduzir embargos de terceiro com base na ofensa de uma<br />

posse que assente num direito que caduque com a venda executiva, essa posse não será susceptível de tutela<br />

através desses embargos.<br />

320 SOUSA, Miguel Teixeira de, «A Penhora de bens na posse de terceiros», ob. cit., p. 80.<br />

321 MARQUES, J. P. Remédio, Curso de Processo Executivo à Face <strong>do</strong> Código Revisto, ob. cit., p. 320.<br />

322 Cfr. FREITAS, José Lebre de, «Enxertos declarativos no processo executivo», in Estu<strong>do</strong>s sobre Direito<br />

Civil e Processo Civil, Coimbra Editora, 2002, p. 646.<br />

323 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, FERREIRA, Durval, Posse e Usucapião, ob. cit., p. 398.<br />

113


114<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

2.2.3. INCOMPATIBILIDADE E INTERESSE PROCESSUAL<br />

Atenta a finalidade e o âmbito de protecção <strong>do</strong>s embargos de terceiro, um direito será<br />

incompatível quan<strong>do</strong>, confronta<strong>do</strong> com o âmbito ou a finalidade da diligência, se revele<br />

suficientemente adequa<strong>do</strong> para impedir a realização efectiva da função visada por essa<br />

diligência 324 325. A incompatibilidade <strong>do</strong> direito deverá ser aferida ten<strong>do</strong> em conta a função e a<br />

finalidade concreta que se pretende obter com a diligência ou o acto judicial 326 , pelo que, quan<strong>do</strong><br />

esteja em causa a penhora de um bem, um direito será incompatível com essa diligência se<br />

327 esse direito prevalecer ou não dever caducar com a venda executiva 328.<br />

Assim, não permitem, em regra, a dedução de embargos de terceiro, além <strong>do</strong>s direitos<br />

reais de garantia (constituí<strong>do</strong>s em fase anterior ou posterior à penhora), to<strong>do</strong>s os direitos reais<br />

de gozo que tenham si<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong>s (ou regista<strong>do</strong>s) após o arresto, penhora ou a garantia,<br />

salvo quan<strong>do</strong> estejam em causa direitos reais que, mesmo que não tenham si<strong>do</strong> regista<strong>do</strong>s em<br />

fase anterior, produzam efeitos contra terceiros independentemente <strong>do</strong> seu registo 329.<br />

Além disso, uma vez que a sua finalidade se traduz na defesa da posse ou de um direito<br />

incompatível com a diligência, em regra não será admissível a dedução de embargos quan<strong>do</strong> o<br />

324 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 30 de Novembro de 2006, proc. 4244/06, in www.dgsi.pt, segun<strong>do</strong> o qual “o<br />

direito de terceiro envolvente da posse, da propriedade ou de outra relação jurídica idónea, impeditivo da venda <strong>do</strong><br />

objecto no processo de execução, é incompatível com o acto de penhora.”<br />

325 A este propósito, o § 771 <strong>do</strong> ZPO determina que podem recorrer à Widerspruchsklage os terceiros que<br />

sejam titulares de um direito impeditivo da venda.<br />

326 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 9 de Maio de 2000, proc. 862/00, in www.dgsi.pt.<br />

327 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 28 de Março de 2007, proc. 208-A/2002C1, in www.dgsi.pt. Atenta a noção de<br />

“direito incompatível”, se um terceiro invocar um direito de crédito por benfeitorias sobre um bem penhora<strong>do</strong>, tal<br />

direito não se revela incompatível com a finalidade ou o âmbito da penhora e subsequente venda executiva<br />

porquanto o terceiro tem a faculdade de reclamar o seu crédito e de ser ressarci<strong>do</strong> através <strong>do</strong> produto da venda.<br />

328 Cfr., a este propósito, a sentença da CSC It., proc. 1444/1964, segun<strong>do</strong> a qual, só a titularidade <strong>do</strong><br />

direito de propriedade ou de outro direito real sobre o bem penhora<strong>do</strong> concede ao respectivo titular o poder jurídico<br />

de intentar uma oposição de terceiro com vista a obter a tutela <strong>do</strong> seu direito.<br />

329 Nos termos <strong>do</strong> art. 691. <strong>do</strong> CPC It., a oposição de terceiro à execução pode fundamentar-se no direito<br />

de propriedade ou em outro direito real sobre os bens penhora<strong>do</strong>s. A <strong>do</strong>utrina italiana tem procura<strong>do</strong> determinar<br />

quais os direitos que permite o recurso à oposição de terceiro, destacan<strong>do</strong>-se, entre outros, o direito de propriedade<br />

plena (aqui se incluin<strong>do</strong> a compropriedade e a comunhão), a nua propriedade, o usufruto, o penhor e o direito de<br />

superfície.


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

terceiro seja titular de um direito de crédito 330 , bem como quan<strong>do</strong> se trate de um direito real de<br />

aquisição, da<strong>do</strong> que este, à semelhança <strong>do</strong> que se verifica com os direitos reais de garantia,<br />

encontra a sua satisfação no esquema da execução 331.<br />

No entanto, pode suceder que, ainda que o terceiro tenha fundamento legal e<br />

legitimidade para deduzir embargos de terceiro, careça, no entanto, de interesse processual em<br />

agir.Com efeito, uma vez que a penhora implica, em última instância, a afectação <strong>do</strong> património<br />

<strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r com vista à sua venda executiva, existem determina<strong>do</strong>s direitos que, não obstante<br />

não caducarem com a venda executiva, poderão não justificar o recurso aos embargos de<br />

terceiro. O caso paradigmático prende-se com a tutela <strong>do</strong> direito <strong>do</strong> arrendatário de um imóvel<br />

penhora<strong>do</strong> ao executa<strong>do</strong> que tenha si<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong> em momento anterior a essa penhora.<br />

Nesse caso em concreto, ao abrigo <strong>do</strong> princípio emptio non tollit locatio (art. 1057.º, n.º 1, <strong>do</strong><br />

CC), o direito <strong>do</strong> arrendatário deve acompanhar o destino da coisa, não caducan<strong>do</strong>,<br />

consequentemente, com a venda executiva. Ora, ainda que esse direito não se extinga com a<br />

execução, mesmo assim o arrendatário não terá interesse processual em deduzir embargos de<br />

terceiro contra a penhora <strong>do</strong> imóvel arrenda<strong>do</strong> se o tribunal reconhecer a sua posição jurídica 332<br />

e ressalvar nos anúncios de venda executiva a oneração <strong>do</strong> imóvel com esse arrendamento 333 , ou<br />

se o terceiro adquirente que desconhecia esse ónus se conformar e reconhecer a situação<br />

jurídica <strong>do</strong> arrendatário e não peticionar, consequentemente, a entrega da coisa em sede<br />

executiva. Nessa exacta medida, o arrendatário, sen<strong>do</strong> titular de um direito que não caduca com<br />

a venda executiva, só terá interesse em deduzir embargos de terceiro com vista ao<br />

330 Cfr. COSTA, Salva<strong>do</strong>r da, Os Incidentes da Instância, ob. cit., p. 205. Vide, no mesmo senti<strong>do</strong>,<br />

SALVATORE SATTA; CARMINE PUNZI, Diritto Processuale Civile, ob. cit., p. 728, segun<strong>do</strong> o qual os direitos de<br />

crédito não podem fundamentar a oposição de terceiro porquanto serão satisfeitos com a venda executiva <strong>do</strong>s<br />

património <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r.<br />

331 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 28 de Março de 2007, proc. 208-A/2002C1, in www.dgsi.pt.<br />

332 Designadamente através da constituição <strong>do</strong> arrendatário como fiel depositário <strong>do</strong> bem arrenda<strong>do</strong> [art.<br />

839.º, n.º 1, b), <strong>do</strong> CPC].<br />

333 Os terceiros interessa<strong>do</strong>s na aquisição <strong>do</strong> imóvel poderão ter conhecimento da sua oneração com um<br />

arrendamento a favor de um terceiro, quer pela menção desse facto nos anúncios e editais de venda (art. 890.º <strong>do</strong><br />

CPC) — sen<strong>do</strong> certo que a falta de menção desse ónus nos anúncios de venda permite ao terceiro adquirente<br />

requerer a anulação da venda nos termos <strong>do</strong> art. 908.º <strong>do</strong> CPC —, quer através da obrigação de o arrendatário que<br />

tenha si<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong> fiel depositário <strong>do</strong> imóvel mostrar o bem a potenciais interessa<strong>do</strong>s, caso em que o terceiro<br />

que se proponha a adquirir o imóvel poderá tomar conhecimento da existência de um arrendamento sobre esse<br />

bem (art. 891.º <strong>do</strong> CPC).<br />

115


116<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

reconhecimento <strong>do</strong> seu direito de gozo caso o tribunal pretenda alienar a coisa como se esta não<br />

se encontrasse onerada com qualquer ónus ou encargo 334.<br />

Deste mo<strong>do</strong>, o critério da incompatibilidade <strong>do</strong> direito com a realização ou o âmbito da<br />

diligência deve ser conjuga<strong>do</strong> com o interesse processual <strong>do</strong> terceiro quanto ao reconhecimento<br />

<strong>do</strong> seu direito, ou seja, um terceiro pode ter fundamento legal para embargar de terceiro, mas<br />

carecer de interesse processual em agir. Vale isto por dizer que um terceiro, ainda que reúna as<br />

condições necessárias para deduzir embargos, só tem interesse processual em fazê-lo quan<strong>do</strong><br />

seja titular de um direito que, por ser incompatível com a realização ou o âmbito da diligência,<br />

não se extinga com a venda e se afigure imprescindível impor o reconhecimento da existência <strong>do</strong><br />

seu direito em sede executiva.<br />

3. DIREITOS REAIS DE GARANTIA<br />

Os direitos reais de garantia têm por finalidade assegurar o cumprimento de uma<br />

prestação 335 . A particularidade destes direitos traduz-se no facto de incidirem sobre o valor ou os<br />

rendimentos de bens certos e determina<strong>do</strong>s, pertencentes ao deve<strong>do</strong>r ou a um terceiro,<br />

adquirin<strong>do</strong> o cre<strong>do</strong>r o direito de ser pago pelo valor de tais bens ou rendimentos com preferência<br />

sobre os demais cre<strong>do</strong>res comuns 336 . Deste mo<strong>do</strong>, os direitos reais de garantia permitem aos<br />

respectivos titulares obter o cumprimento de uma obrigação através da afectação <strong>do</strong>s bens <strong>do</strong><br />

deve<strong>do</strong>r 337 338 . Note-se, contu<strong>do</strong>, que o direito real de garantia também pode afectar o património<br />

de um terceiro, o qual assume uma obrigação pessoal ou real pelo pagamento da dívida, sen<strong>do</strong><br />

334 Cfr., a este propósito, CARMINE PUNZI, La tutela del terzo nel processo esecutivo, Guiffrè, Milão, 1971,<br />

p. 81, segun<strong>do</strong> o qual o interesse em agir em sede de oposição de terceiro relaciona-se com o dano resultante da<br />

actuação executiva, ou seja, um dano actual e potencia<strong>do</strong>r da transmissão da propriedade <strong>do</strong> bem <strong>do</strong> terceiro.<br />

335 ASCENSÃO, José de Oliveira, Direito Civil – Reais, ob. cit., p. 180.<br />

336 COSTA, Mário Júlio de Almeida, Noções Fundamentais de Direito Civil, ob. cit., p. 230.<br />

337 Quanto ao especial reforço concedi<strong>do</strong> pelos direitos reais de garantia com vista a atingir um direito de<br />

crédito, vide CORDEIRO, António Menezes, Direitos Reais, ob. cit., p. 407.<br />

338 Assim, a particularidade <strong>do</strong>s direitos reais de garantia traduz-se no facto de atribuírem ao respectivo<br />

titular, não o direito de praticar actos de uso e de fruição sobre a res, mas, ao invés, o direito de realizar, de forma<br />

directa ou indirecta, à custa da disposição da coisa, um valor necessário para a satisfação <strong>do</strong> crédito <strong>do</strong> titular <strong>do</strong><br />

direito (cfr. neste senti<strong>do</strong>, MESQUITA, Manuel Henrique, Obrigações e Ónus Reais, Almedina, Coimbra, 1990,<br />

p. 76).


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

certo que, em tal circunstância, o exequente deve mover a execução contra o terceiro se<br />

pretender fazer valer essa garantia para o pagamento coercivo da obrigação. Portanto, os direitos<br />

reais de garantia são aqueles que se destinam a assegurar a garantia <strong>do</strong>s direitos de crédito<br />

através da afectação de bens pertencentes ao deve<strong>do</strong>r ou a um terceiro 339 .<br />

Nos termos <strong>do</strong> art. 824.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC, os bens penhora<strong>do</strong>s são transmiti<strong>do</strong>s livres <strong>do</strong>s<br />

direitos reais de garantia que os onerarem, os quais são transferi<strong>do</strong>s para o produto da venda<br />

<strong>do</strong>s respectivos bens. Este regime jurídico encontra o seu fundamento na circunstância de recair<br />

sobre o terceiro titular de um direito real de garantia 340 o ónus de reclamar o seu direito na fase<br />

executiva da reclamação de créditos (art. 864.º <strong>do</strong> CPC) 341. Na verdade, o facto de incidir um ou<br />

mais direitos reais de garantia sobre o bem penhora<strong>do</strong> não impede a sua venda executiva, a<br />

qual será efectuada livre de quaisquer ónus garantísticos, da<strong>do</strong> que os direitos reais de garantia<br />

caducam com a venda <strong>do</strong> bem, transferin<strong>do</strong>-se para o produto obti<strong>do</strong> com essa venda 342. Abre-<br />

se, então, um concurso entre os diversos cre<strong>do</strong>res <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> que sejam titulares de direitos<br />

reais de garantia sobre bens que integram o património <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r, e, em caso de insuficiência<br />

patrimonial, os cre<strong>do</strong>res têm o direito de ser pagos proporcionalmente pelo preço <strong>do</strong>s bens <strong>do</strong><br />

deve<strong>do</strong>r — princípio par conditio creditorum (art. 604.º, n.º 1, <strong>do</strong> CC) 343 .<br />

Assim, o direito real de garantia que incida sobre um bem penhora<strong>do</strong> não é, em regra,<br />

um direito incompatível com essa diligência porquanto “a penhora não é afectada pela garantia<br />

339 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, MARTINEZ, Pedro Romano; PONTE, Pedro Fuzeta da, Garantias <strong>do</strong> Cumprimento,<br />

2.ª ed., Almedina, Coimbra, 1997, p. 97.<br />

340 Contrariamente ao que sucedia no regime processual anterior à reforma da acção executiva de 2003,<br />

segun<strong>do</strong> o qual eram cita<strong>do</strong>s para a execução não só os cre<strong>do</strong>res com garantia real sobre os bens penhora<strong>do</strong>s,<br />

como também os cre<strong>do</strong>res desconheci<strong>do</strong>s [cfr. art. 864.º, n.º 1, c), <strong>do</strong> CPC 1961], circunstância que determinava que<br />

a acção executiva se configurasse como uma execução de carácter universal, actualmente apenas devem ser<br />

cita<strong>do</strong>s os cre<strong>do</strong>res que sejam titulares de direitos reais de garantia, regista<strong>do</strong>s ou conheci<strong>do</strong>s, sobre os bens<br />

penhora<strong>do</strong>s na execução, bem como as entidades referidas nas leis fiscais e o Instituto da Segurança Social, I.P.<br />

341 Quanto às finalidades da fase de reclamação de créditos na acção executiva, vide SANTOS, Elsa<br />

Sequeira, «Reclamação, verificação e graduação de créditos», in Themis, ano V, n.º 9, 2004, p. 89.<br />

342 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 8 de Março de 2006, proc. 112/06, in www.dgsi.pt.<br />

343 No que concerne ao regime actual <strong>do</strong> concurso de cre<strong>do</strong>res, SALVADOR DA COSTA salienta o facto de<br />

que esse âmbito é “mais limita<strong>do</strong> <strong>do</strong> que o referi<strong>do</strong> naquela disposição (art. 604.º <strong>do</strong> CC), visto que só a titularidade<br />

de uma causa legítima de preferência de pagamento constitui pressuposto necessário da intervenção concursal.”<br />

(COSTA, Salva<strong>do</strong>r da, O Concurso de Cre<strong>do</strong>res, 3.ª ed., Almedina, 2005, p. 7).<br />

117


118<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

invocada pelo cre<strong>do</strong>r reclamante e continua a justificar a eventual venda <strong>do</strong> bem” 344 345 . Na<br />

verdade, destinan<strong>do</strong>-se o direito real de garantia a acautelar a satisfação de um direito de crédito<br />

sobre o deve<strong>do</strong>r, esse direito não contende com a execução, penhora e venda <strong>do</strong> bem onera<strong>do</strong><br />

com a garantia, verifican<strong>do</strong>-se, ao invés, uma compatibilidade com as finalidades da acção<br />

executiva 346.<br />

Deste mo<strong>do</strong>, se for penhora<strong>do</strong> um bem sobre o qual um terceiro tenha um direito real<br />

de garantia, em regra não lhe é lícito deduzir embargos de terceiro para defender esse direito, já<br />

que o mesmo não é incompatível com a finalidade dessa diligência 347 . Isto pela simples razão de<br />

que o direito real de garantia eventualmente invoca<strong>do</strong> em sede executiva visa apenas realizar à<br />

custa da venda <strong>do</strong> bem penhora<strong>do</strong> o valor <strong>do</strong> crédito garanti<strong>do</strong> por tal direito 348. Vale isto por<br />

dizer que os embargos de terceiro não são um meio processual adequa<strong>do</strong> para que o cre<strong>do</strong>r<br />

possa fazer valer o seu direito de crédito sobre o deve<strong>do</strong>r executa<strong>do</strong> 349.<br />

Entre os principais direitos reais de garantia destacam-se a consignação de rendimentos<br />

(art. 656.º e ss <strong>do</strong> CC), o penhor (art. 666.º e ss <strong>do</strong> CC), a hipoteca (art. 686.º e ss <strong>do</strong> CC), os<br />

privilégios creditórios (art. 733.º e ss <strong>do</strong> CC) e o direito de retenção (art. 754.º e ss <strong>do</strong> CC),<br />

sen<strong>do</strong> certo que estes direitos constituem causas legítimas de preferência em sede de concurso<br />

344 SOUSA, Miguel Teixeira de, Acção Executiva Singular, ob. cit., p. 303.<br />

345 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 23 de Setembro de 2008, proc. 465-A/2002.C1, segun<strong>do</strong> o qual<br />

“a justificação da intervenção na execução, singular ou colectiva, de cre<strong>do</strong>res que são titulares de garantias reais<br />

sobre os bens penhora<strong>do</strong>s ou apreendi<strong>do</strong>s, encontra-se na extinção destas garantias através de venda executiva<br />

(artº 824º, nº 2, <strong>do</strong> C. Civ.)”. Com efeito, tratan<strong>do</strong>-se de um direito (real) que caduca com a venda executiva, o<br />

cre<strong>do</strong>r tem o ónus de reclamar o seu crédito no competente processo executivo, sob pena de ver prejudicada a<br />

garantia <strong>do</strong> seu crédito em virtude <strong>do</strong> disposto no art. 824.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC.<br />

346 No senti<strong>do</strong> de os direitos reais de garantia não permitirem o recurso à oposição de terceiro por apenas<br />

visarem assegurar um direito de crédito sobre o deve<strong>do</strong>r, cfr. SALVATORE SATTA; CARMINE PUNZI, Diritto<br />

Processuale Civile, ob. cit., p. 728.<br />

347 Deste mo<strong>do</strong>, se o cre<strong>do</strong>r titular de um direito real de garantia deduzir embargos de terceiro como forma<br />

de reacção contra a penhora e com fundamento na violação <strong>do</strong> seu direito, deve o tribunal indeferir liminarmente a<br />

petição de embargos por falta de preenchimento <strong>do</strong>s pressupostos previstos no art. 351.º <strong>do</strong> CPC, em conjugação<br />

com o regime previsto no art. 824.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC (cfr., neste senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 26 de Setembro de 1996, in<br />

CJ, tomo IV, 1996, p. 201.<br />

www.dgsi.pt.<br />

348 MARQUES, J. P. Remédio, Curso de Processo Executivo à Face <strong>do</strong> Código Revisto, pp. 321 e 322.<br />

349 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 17 de Janeiro de 2008, proc. 4239/07 – 7.ª secção, in


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

de cre<strong>do</strong>res, sem prejuízo da consagração legal de outras causas legítimas de preferência, tal<br />

como sucede, e.g., com a penhora (art. 604.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC). Por causa legítima de preferência<br />

deve entender-se o direito que assiste ao cre<strong>do</strong>r de ser pago antes <strong>do</strong>s restantes cre<strong>do</strong>res<br />

debitoris, relativamente ao valor de algum ou de to<strong>do</strong>s os bens <strong>do</strong> seu património 350 .<br />

3.1. CONSIGNAÇÃO DE RENDIMENTOS 351<br />

3.1.1. REGIME JURÍDICO<br />

Ao abrigo <strong>do</strong> disposto no art. 656.º <strong>do</strong> CC, o cumprimento da obrigação, ainda que<br />

condicional ou futura, pode ser garanti<strong>do</strong> mediante a consignação <strong>do</strong>s rendimentos de certos<br />

bens imóveis 352, ou de certos bens móveis sujeitos a registo.<br />

Deste mo<strong>do</strong>, a consignação de rendimentos constitui um direito real de garantia 353 que<br />

permite ao cre<strong>do</strong>r titular desse direito obter gradualmente o pagamento <strong>do</strong> seu crédito através<br />

da exploração <strong>do</strong>s frutos produzi<strong>do</strong>s pelo bem onera<strong>do</strong>. Todavia, ao contrário <strong>do</strong> que se verifica<br />

no penhor e na hipoteca, a consignação de rendimentos não permite ao respectivo cre<strong>do</strong>r<br />

promover a venda executiva <strong>do</strong> bem onera<strong>do</strong> em caso de incumprimento da obrigação,<br />

assistin<strong>do</strong>-lhe, ao invés, o direito de receber em sede de adjudicação os rendimentos produzi<strong>do</strong>s<br />

pela coisa.<br />

A consignação de rendimentos pode ser voluntária — se é constituída pelo próprio<br />

deve<strong>do</strong>r ou por um terceiro, quer através de um negócio inter vivos, quer por meio de<br />

350 VARELA, Antunes, Das Obrigações em Geral, vol. II, ob. cit., p. 431.<br />

351 Historicamente a consignação de rendimentos era designada pela expressão grega anticrese (a qual<br />

significa “contrafruição”). Só após o Código Civil de 1867 passou a ser designada no nosso direito por consignação<br />

de rendimentos. No entanto, essa designação continua ainda a ser utilizada, por exemplo, no direito civil francês<br />

(art. 2387 <strong>do</strong> CC Fr.).<br />

352 Vide, no mesmo senti<strong>do</strong>, o art. 2189 <strong>do</strong> CC Fr.: “Le créancier perçoit les fruits de l'immeuble affecté en<br />

garantie à charge de les imputer sur les intérêts, s'il en est dû, et subsidiairement sur le capital de la dette.”<br />

353 Ainda que a considere como sen<strong>do</strong> um direito real de garantia, MENEZES CORDEIRO sustenta que a<br />

consignação de rendimentos, em termos estruturais, configura um verdadeiro direito real de gozo (cfr. CORDEIRO,<br />

A. Menezes, Direitos Reais, ob. cit., p. 768).<br />

119


120<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

testamento 354 — ou judicial — se resultar de uma decisão proferida pelo tribunal (art. 658.º <strong>do</strong><br />

CC). No que concerne à consignação de rendimentos de natureza judicial, o art. 879.º <strong>do</strong> CPC<br />

permite ao exequente requerer ao agente de execução que lhe sejam consigna<strong>do</strong>s os<br />

rendimentos de bens imóveis ou móveis sujeitos a registo com vista ao pagamento <strong>do</strong> seu<br />

crédito 355 356, sen<strong>do</strong> certo que esta via constitui um “meio alternativo à venda <strong>do</strong>s bens na acção<br />

executiva, evitan<strong>do</strong> o risco de alienação por um valor muito inferior ao real” 357.<br />

De acor<strong>do</strong> com o art. 661.º, n.º 1, <strong>do</strong> CC, é possível estipular, quanto à posse <strong>do</strong>s bens,<br />

três modalidades de consignação de rendimentos:<br />

a) que os bens continuem em poder <strong>do</strong> concedente, caso em que o cre<strong>do</strong>r tem o direito<br />

de exigir <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r a prestação anual de contas, se não houver de receber em cada perío<strong>do</strong><br />

uma importância fixa [arts. 661.º, n.º 1, a) e 662.º, n.º 1, ambos <strong>do</strong> CC] 358 ; ou<br />

b) que os bens passem para o poder <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r, o qual fica, na parte aplicável,<br />

equipara<strong>do</strong> ao locatário, se bem que com a faculdade de poder locar o bem sobre o qual incide<br />

a consignação [art. 661.º, n.º 1, b), <strong>do</strong> CC]. Nesse caso, o concedente tem o direito de exigir <strong>do</strong><br />

cre<strong>do</strong>r a prestação anual de contas quanto aos rendimentos daí resultantes; ou<br />

c) que os bens passem para o poder de um terceiro, por título de locação ou por outro,<br />

caben<strong>do</strong> nesse caso ao cre<strong>do</strong>r o direito de receber os respectivos frutos [art. 661.º, n.º 1, c), <strong>do</strong><br />

CC].<br />

354 Versan<strong>do</strong> sobre bens imóveis, a consignação de rendimentos deve ser formalizada através de escritura<br />

pública, sen<strong>do</strong> suficiente a sua redução a escrito quan<strong>do</strong> esteja em causa a consignação de rendimentos sobre<br />

bens móveis (art. 660.º <strong>do</strong> CPC). Por outro la<strong>do</strong>, importa referir que a consignação está sujeita a registo, salvo nos<br />

casos em que tenha por objecto os rendimentos de títulos de crédito nominativos.<br />

355 Ainda que seja uma figura processual pouco utilizada, a consignação de rendimentos apresenta<br />

inúmeras vantagens para o cre<strong>do</strong>r, maxime no que concerne ao facto de poder ser gradualmente ressarci<strong>do</strong> <strong>do</strong> seu<br />

crédito sem ter que recorrer à venda executiva <strong>do</strong> bem onera<strong>do</strong> com essa garantia (cfr. MARTINEZ, Pedro Romano;<br />

PONTE, Pedro Fuzeta da, Garantias <strong>do</strong> Cumprimento, ob. cit., p. 48).<br />

356 No regime processual civil espanhol, a consignação de rendimentos de natureza judicial (administración<br />

forzosa) implica a entrega de alguns ou to<strong>do</strong>s os bens penhora<strong>do</strong>s ao cre<strong>do</strong>r exequente a fim de que este possa ser<br />

gradualmente ressarci<strong>do</strong> <strong>do</strong> seu crédito através <strong>do</strong>s frutos que venham a ser produzi<strong>do</strong>s por esses bens (cfr. ANGEL<br />

FERNANDEZ, Miguel, Derecho Procesal Civil III, ob. cit., p. 80).<br />

357 Cfr. COSTA, Salva<strong>do</strong>r da, O Concurso de Cre<strong>do</strong>res, 3.ª ed., Almedina, 2005, p. 31.<br />

358 No direito civil francês, a consignação de rendimentos implica um desapossamento efectivo por parte <strong>do</strong><br />

deve<strong>do</strong>r (art. 2387 <strong>do</strong> CC Fr.). O cre<strong>do</strong>r tem a faculdade de poder arrendar o bem imóvel sobre o qual incida a sua<br />

garantia a um terceiro ou ao próprio deve<strong>do</strong>r (art. 2390 <strong>do</strong> CC Fr.).


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

No que concerne à cessação da consignação de rendimentos, importa referir que o art.<br />

664.º <strong>do</strong> CC prevê a sua extinção em virtude <strong>do</strong> decurso <strong>do</strong> prazo estipula<strong>do</strong>, pela extinção da<br />

obrigação a que serve de garantia, pelo perecimento <strong>do</strong> bem que produz os rendimentos<br />

consigna<strong>do</strong>s ou pela renúncia <strong>do</strong> respectivo cre<strong>do</strong>r 359 .<br />

TERCEIRO<br />

3.1.2. TUTELA DA CONSIGNAÇÃO DE RENDIMENTOS EM SEDE DE EMBARGOS DE<br />

Sen<strong>do</strong> penhora<strong>do</strong> um bem onera<strong>do</strong> com uma garantia real de consignação de<br />

rendimentos em execução movida contra o respectivo proprietário, coloca-se a questão de saber<br />

se o cre<strong>do</strong>r ou o terceiro podem deduzir embargos de terceiros com fundamento na titularidade<br />

de um direito incompatível com essa diligência.<br />

Que o bem pode ser onera<strong>do</strong> com uma penhora, parece não haver qualquer<br />

controvérsia, da<strong>do</strong> que estão sujeitos à execução to<strong>do</strong>s os bens que integrem o património <strong>do</strong><br />

deve<strong>do</strong>r executa<strong>do</strong>, ainda que estes se encontrem na posse de um terceiro.<br />

Questão diversa, porém, é a de saber se, em caso de penhora <strong>do</strong> bem, a sua venda<br />

judicial extingue o direito real de consignação de rendimentos que sobre ele incide (art. 824.º,<br />

n.º 2, <strong>do</strong> CPC) — caso em que não se admitirá a dedução de embargos de terceiro porquanto<br />

esse direito não se revela incompatível com a diligência —, ou se esse direito, por não incidir<br />

sobre o bem, mas tão só sobre os rendimentos por ele produzi<strong>do</strong>s, subsiste à venda executiva,<br />

sen<strong>do</strong>, pois, incompatível com essa diligência, caso em que o terceiro estará legitima<strong>do</strong> para<br />

poder deduzir embargos de terceiro.<br />

Quanto à primeira posição, o art. 824.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC, é claro: “os bens são transmiti<strong>do</strong>s<br />

livres <strong>do</strong>s direitos reais de garantia que os onerarem”. Nessa exacta medida, ainda que a<br />

consignação de rendimentos se encontre registada a favor <strong>do</strong> terceiro, o certo é que nos termos<br />

<strong>do</strong> disposto no art. 888.º <strong>do</strong> CPC, “após o pagamento <strong>do</strong> preço e <strong>do</strong> imposto devi<strong>do</strong> pela<br />

transmissão, o agente de execução promove o cancelamento <strong>do</strong>s registos <strong>do</strong>s direitos reais que<br />

caducam nos termos <strong>do</strong> n.º 2 <strong>do</strong> artigo 824.º <strong>do</strong> Código Civil e não sejam de cancelamento<br />

oficioso pela conservatória”. Deste mo<strong>do</strong>, extinguin<strong>do</strong>-se o direito real de consignação de<br />

359 Cfr., a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 4 de Julho de 1991, in CJ, tomo IV, 1991, p. 162.<br />

121


122<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

rendimentos com a venda executiva, o cre<strong>do</strong>r deve ser pago, com preferência aos demais<br />

360 cre<strong>do</strong>res comuns, através <strong>do</strong> produto da venda <strong>do</strong> bem aliena<strong>do</strong> (art. 824.º, n.º 3, <strong>do</strong> CPC) 361.<br />

Quanto à segunda posição, sustenta-se que, na consignação de rendimentos, o cre<strong>do</strong>r<br />

apenas adquire em relação aos demais cre<strong>do</strong>res um direito de preferência sobre os rendimentos<br />

consigna<strong>do</strong>s e não sobre os bens que os produzem, isto é, a consignação não incide<br />

directamente sobre o bem, mas sim sobre os rendimentos que por ele são produzi<strong>do</strong>s. Nessa<br />

exacta medida, em caso de alienação — ainda que judicial — <strong>do</strong>s bens sobre os quais incide o<br />

direito real de consignação de rendimentos, este direito <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r, desde que devidamente<br />

regista<strong>do</strong>, mantém-se sobre os bens aliena<strong>do</strong>s, poden<strong>do</strong> ser oposto ao terceiro adquirente nos<br />

termos gerais e à caducidade <strong>do</strong>s direitos reais na execução (art. 824.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC) 362. Deste<br />

mo<strong>do</strong>, de acor<strong>do</strong> com esta posição, sen<strong>do</strong> penhora<strong>do</strong> um bem pertencente ao executa<strong>do</strong>, mas<br />

que se encontre onera<strong>do</strong> com um direito real de consignação de rendimentos a favor de terceiro,<br />

tal direito não se extingue com a venda executiva, deven<strong>do</strong> antes subsistir até que se verifique o<br />

ressarcimento integral <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r garanti<strong>do</strong>.<br />

Face a esta divisão, coloca-se o problema de saber qual das duas posições deve ser<br />

seguida. A primeira posição sai particularmente reforçada em consequência da aplicação<br />

analógica <strong>do</strong> regime previsto nos arts. 879.º e ss <strong>do</strong> CPC. Na verdade, determina esta<br />

disposição legal que o exequente pode requerer, que enquanto os bens (imóveis ou móveis<br />

sujeitos a registo) que tenham si<strong>do</strong> penhora<strong>do</strong>s não sejam judicialmente vendi<strong>do</strong>s, lhe sejam<br />

consigna<strong>do</strong>s os respectivos rendimentos em pagamento <strong>do</strong> seu crédito. Assim, se A, em<br />

execução movida contra B, penhorar um bem imóvel que se encontre arrenda<strong>do</strong> a C, pode<br />

requerer a consignação judicial <strong>do</strong> rendimento desse imóvel para pagamento <strong>do</strong> seu crédito<br />

exequen<strong>do</strong>, passan<strong>do</strong> as rendas a ser recebidas pelo consignatário — uma vez liquidadas as<br />

custas de execução, porquanto saem precípuas — até que esteja embolsa<strong>do</strong> da importância <strong>do</strong><br />

360 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, COSTA, Salva<strong>do</strong>r da, O Concurso de Cre<strong>do</strong>res, 3.ª ed., Almedina, 2005, p. 29;<br />

SERRA, Adriano Paes da Silva Vaz, «Consignação de rendimentos», in BMJ, 65.º, p. 263.<br />

361 A este propósito RUI PINTO DUARTE coloca alguns entraves quanto à questão de saber se a<br />

consignação de rendimentos se extingue com a venda executiva, por força <strong>do</strong> art. 824.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC. Com efeito,<br />

este autor sustenta que, embora o direito aos rendimentos pelo titular da consignação seja oponível a terceiros, é,<br />

no entanto, duvi<strong>do</strong>so que esse direito subsista em virtude da venda executiva <strong>do</strong> bem onera<strong>do</strong> (DUARTE, Rui Pinto,<br />

Curso de Direitos Reais, ob. cit., p. 228).<br />

p. 233.<br />

362 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, COSTA, Mário Júlio de Almeida, Noções Fundamentais de Direito Civil, ob. cit.,


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

seu crédito (art. 880.º, n.º 3, <strong>do</strong> CPC). Ora, se esse bem consigna<strong>do</strong> a favor <strong>do</strong> exequente vier a<br />

ser vendi<strong>do</strong> ou adjudica<strong>do</strong> em outra acção executiva movida contra o mesmo executa<strong>do</strong>,<br />

determina o legisla<strong>do</strong>r que o bem é vendi<strong>do</strong> livre <strong>do</strong> ónus de consignação, motivo pelo qual o<br />

exequente consignatário deve ser pago <strong>do</strong> sal<strong>do</strong> <strong>do</strong> seu crédito pelo produto da venda ou<br />

adjudicação, com prioridade da penhora a cujo registo a consignação foi averbada (art. 881.º,<br />

n.º 2, <strong>do</strong> CPC).<br />

Assim, atenta a lógica da unidade de sistema e devi<strong>do</strong> à necessidade de articulação<br />

entre o regime adjectivo e o substantivo, não nos parece que a segunda posição — isto é, a de<br />

que a consignação de rendimentos não se extingue com a venda executiva — possa ser<br />

defensável 363. É certo que a consignação de rendimentos tem um regime particularmente<br />

específico. Na verdade, esta incide sobre os rendimentos e não sobre a coisa, pelo que atribui ao<br />

cre<strong>do</strong>r o direito de se pagar através <strong>do</strong>s respectivos rendimentos e não pela venda judicial <strong>do</strong><br />

bem 364 . De to<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong>, importa salientar que o art. 824.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC pretende assegurar que<br />

os bens sejam vendi<strong>do</strong>s livres <strong>do</strong>s ónus e encargos que os onerarem. Nessa exacta medida, se a<br />

consignação de rendimentos subsistisse após a venda executiva, seria particularmente<br />

dificultada a venda judicial <strong>do</strong> bem penhora<strong>do</strong>, da<strong>do</strong> que o terceiro adquirente veria diminuí<strong>do</strong>s<br />

os seus direitos de gozo sobre a coisa. Ademais, importa salientar que o legisla<strong>do</strong>r, preven<strong>do</strong> a<br />

caducidade deste direito em sede de venda executiva, veio regulamentar expressamente a ordem<br />

de graduação <strong>do</strong> direito de consignação de rendimentos relativamente aos demais direitos reais<br />

de garantia que com ele concorram em sede de concurso de cre<strong>do</strong>res (cfr., e.g., o art. 751.º <strong>do</strong><br />

CC).<br />

Quid iuris, porém, se o bem penhora<strong>do</strong> ou atingi<strong>do</strong> pela diligência judicial se encontrar<br />

na posse <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r titular <strong>do</strong> direito real de consignação de rendimentos, ao abrigo <strong>do</strong> disposto<br />

no art. 661º, n.º 1, b), <strong>do</strong> CC? Poderá tal circunstância legitimar a dedução de embargos de<br />

terceiro?<br />

363 MIGUEL MESQUITA entende que a aplicação analógica <strong>do</strong> art. 881.º, n.º 3, <strong>do</strong> CPC não será um<br />

argumento decisivo para a resolução deste diferen<strong>do</strong> <strong>do</strong>utrinal quanto à questão de saber se a consignação de<br />

rendimentos permite ou não a dedução de embargos de terceiro porquanto o exequente consignatário vê o seu<br />

crédito garanti<strong>do</strong> pela penhora que incidiu sobre o bem (MESQUITA, Miguel, Apreensão de Bens em Processo<br />

Executivo e Oposição de Terceiro, ob. cit., p. 209).<br />

p. 207.<br />

364 Cfr. MESQUITA, Miguel, Apreensão de Bens em Processo Executivo e Oposição de Terceiro, ob. cit.,<br />

123


124<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

Esta questão encontra a sua resposta no regime previsto no art. 831.º <strong>do</strong> CPC. Com<br />

efeito, de acor<strong>do</strong> com esta disposição legal, os bens <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> são apreendi<strong>do</strong>s ainda que,<br />

por qualquer título, se encontrem em poder de terceiro, embora esta apreensão não faça<br />

precludir os direitos que terceiro possa legitimamente opor ao exequente. Acresce ainda que, <strong>do</strong><br />

n.º 2 dessa disposição legal resulta que, no acto de apreensão, o agente de execução deve<br />

verificar se o terceiro tem os bens em seu poder por via de penhor ou de direito de retenção (já<br />

que se trata de direitos que não constam <strong>do</strong> registo, embora possam ser conheci<strong>do</strong>s 365 ) e, em<br />

caso afirmativo, deve proceder imediatamente à sua citação para reclamar o seu crédito. Na<br />

verdade, devem ser cita<strong>do</strong>s para reclamar os seus créditos os cre<strong>do</strong>res que constam da certidão<br />

<strong>do</strong>s ónus (referente ao bem penhora<strong>do</strong>) remetida nos termos <strong>do</strong> art. 838.º, n.º 2, <strong>do</strong> CPC, bem<br />

como os cre<strong>do</strong>res que sejam conheci<strong>do</strong>s no processo, nomeadamente em consequência da<br />

indagação efectuada pelo agente de execução aquan<strong>do</strong> <strong>do</strong> acto de penhora, ao abrigo <strong>do</strong> regime<br />

previsto no art. 831.º <strong>do</strong> CPC 366 . Ora, uma vez que a consignação de rendimentos incide sobre<br />

os rendimentos produzi<strong>do</strong>s por bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, caso tal ónus tenha<br />

si<strong>do</strong> observa<strong>do</strong>, no momento da apreensão o agente de execução poderá confirmar se o cre<strong>do</strong>r<br />

que se encontra na posse <strong>do</strong>s bens é o mesmo que consta <strong>do</strong> registo para efeito de citação com<br />

vista à reclamação <strong>do</strong> seu crédito nos termos previstos no art. 864.º <strong>do</strong> CPC.<br />

Deste mo<strong>do</strong>, o cre<strong>do</strong>r que for titular de uma consignação de rendimentos não pode<br />

deduzir embargos de terceiro porque deve reclamar o respectivo crédito na acção executiva em<br />

que tenha si<strong>do</strong> penhora<strong>do</strong> o bem objecto da consignação 367 .<br />

3.2. PENHOR<br />

3.2.1. REGIME JURÍDICO<br />

À luz <strong>do</strong> art. 666.º <strong>do</strong> CC, o penhor confere ao respectivo cre<strong>do</strong>r o direito à satisfação <strong>do</strong><br />

365 Cfr. REGO, Lopes <strong>do</strong>, Comentários <strong>do</strong> Código de Processo Civil, vol. I, ob. cit., p. 62.<br />

366 Idem, p. 105.<br />

367 Ainda que o cre<strong>do</strong>r titular da consignação de rendimentos pretendesse opor-se ao arresto <strong>do</strong> bem sobre<br />

o qual incide a sua garantia, nunca o poderia fazer através de um simples requerimento dirigi<strong>do</strong> à providência<br />

cautelar de arresto, sen<strong>do</strong> os embargos de terceiro o meio processual adequa<strong>do</strong> para esse efeito (cfr., nesse<br />

senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 16 de Outubro de 2006, proc. 0655543, in www.dgsi.pt.


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

seu crédito, bem como <strong>do</strong>s juros, se os houver, com preferência sobre os demais cre<strong>do</strong>res 368 ,<br />

pelo valor de certa coisa móvel 369, ou pelo valor de créditos ou outros direitos não susceptíveis de<br />

hipoteca, pertencentes ao deve<strong>do</strong>r ou a terceiro 370 371. Deste mo<strong>do</strong>, o penhor, implican<strong>do</strong> a<br />

afectação jurídica da coisa com vista à satisfação de um determina<strong>do</strong> direito de crédito. constitui<br />

um direito real de garantia que tanto pode incidir sobre coisas móveis 372, como sobre direitos,<br />

desde que estes tenham por objecto coisas móveis e sejam susceptíveis de transmissão (art.<br />

680.º <strong>do</strong> CC) 373 .<br />

Ao abrigo <strong>do</strong> disposto no art. 667.º, n.º 1, <strong>do</strong> CC, só tem legitimidade para dar bens em<br />

penhor quem os puder alienar. Na verdade, o objecto empenha<strong>do</strong> fica sujeito à execução no<br />

368 Quanto à prevalência <strong>do</strong>s direitos reais sobre os direitos de crédito, cfr. LEITÃO, Luís Menezes, Direito<br />

das Obrigações, vol. I, ob. cit., p. 107. Na verdade, não existin<strong>do</strong> causas legítimas de preferência, os direitos de<br />

crédito encontram-se numa posição equivalente em relação ao património <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r, pelo que to<strong>do</strong>s os cre<strong>do</strong>res<br />

têm o direito de ser pagos proporcionalmente pelo preço <strong>do</strong>s bens <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r, quan<strong>do</strong> ele não chegue para integral<br />

satisfação <strong>do</strong> débito (art. 604.º, n.º 1, <strong>do</strong> CC). Todavia, se o direito de crédito for acompanha<strong>do</strong> por um direito real<br />

de garantia, maxime, consignação de rendimentos, penhor, hipoteca, privilégio creditório ou direito de retenção, tal<br />

circunstância implica que esse direito de crédito seja pago com preferência sobre os demais cre<strong>do</strong>res.<br />

369 Quanto à susceptibilidade de o penhor poder incidir sobre um estabelecimento comercial, ainda que se<br />

trate de uma universalidade, vide MARTINEZ, Pedro Romano; PONTE, Pedro Fuzeta da, Garantias <strong>do</strong> Cumprimento,<br />

ob. cit., p. 169. Cfr., no mesmo senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRE, de 18 de Junho de 1991, in CJ, tomo III, 1991, p. 308, o<br />

qual se pronunciou favoravelmente quanto à possibilidade de constituição de um penhor sobre um estabelecimento<br />

comercial.<br />

370 No âmbito <strong>do</strong> direito francês, o penhor surge qualifica<strong>do</strong> como o contrato pelo qual o deve<strong>do</strong>r outorga<br />

ao cre<strong>do</strong>r o direito de se fazer pagar com preferência sobre os demais cre<strong>do</strong>res em relação a um bem móvel ou a<br />

um conjunto de bens móveis corpóreos, presentes ou futuros (art. 2333 <strong>do</strong> CC Fr.).<br />

371 O Código Civil Italiano determina no seu art. 2784. que o penhor, quanto à sua finalidade, “è costituito a<br />

garanzia dell'obbligazione dal debitore o da un terzo per il debitore”. Ademais, como forma de garantia dessa<br />

obrigação, determina essa disposição legal que podem ser da<strong>do</strong>s em penhor “i beni mobili, le universalità di mobili,<br />

i crediti e altri diritti aventi per oggetto beni mobili.”<br />

372 Quanto à distinção entre “coisas móveis” e “coisas imóveis”, vide o regime previsto nos arts. 204.º e<br />

205.º <strong>do</strong> CC. Em princípio, tal como refere ALMEIDA COSTA, todas as coisas móveis podem constituir objecto de<br />

penhor, sejam elas fungíveis ou não fungíveis, consumíveis ou não consumíveis (cfr. COSTA, Mário Júlio de Almeida,<br />

Direito das Obrigações, ob. cit., p. 860).<br />

373 Segun<strong>do</strong> MENEZES CORDEIRO, a coisa objecto de penhor deve ser certa ou determinada, não pode ser<br />

susceptível de hipoteca e tem de ser apta ao comércio priva<strong>do</strong> (cfr. CORDEIRO, A. Menezes, Direitos Reais, ob. cit.,<br />

p. 626. CORDEIRO, A. Menezes, Direitos Reais, ob. cit., p. 749).<br />

125


126<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

caso de se verificar o inadimplemento da dívida por ele garantida 374 375 .<br />

Em regra, o penhor só produz os seus efeitos pela entrega da coisa empenhada ou de<br />

um <strong>do</strong>cumento que confira a exclusiva disponibilidade dela, ao cre<strong>do</strong>r pignoratício ou a um<br />

terceiro (art. 669.º, n.º 1, <strong>do</strong> CC) 376 377 . No entanto, a entrega da coisa, ainda que permita ao<br />

cre<strong>do</strong>r o exercício de um poder directo e imediato sobre a mesma, “nem sempre constitui o<br />

instrumento através <strong>do</strong> qual o titular obtém a satisfação <strong>do</strong> seu interesse, desempenhan<strong>do</strong><br />

apenas, em relação à finalidade precípua <strong>do</strong> direito, uma função acessória ou instrumental.” 378<br />

Na verdade, a entrega da coisa permite a publicitação da existência de uma garantia real sobre a<br />

coisa, bem como <strong>do</strong> direito <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r pignoratício, situação que permite acautelar os interesses<br />

de terceiros em relação ao deve<strong>do</strong>r ou quanto à afectação jurídica da coisa onerada com o<br />

penhor 379 . Assim, sen<strong>do</strong> penhorada uma coisa móvel não sujeita a registo e sobre a qual incida<br />

um crédito <strong>do</strong> respectivo cre<strong>do</strong>r pignoratício, o agente de execução deve averiguar se esse bem<br />

se encontra livre de ónus e encargos, e, por outro la<strong>do</strong>, verificar se esse terceiro é titular de<br />

algum direito de penhor ou de retenção, a fim de o citar para reclamar o seu crédito 380 (art.<br />

831.º, n.º 2, <strong>do</strong> CPC).<br />

374 COSTA, Mário Júlio de Almeida, Noções Fundamentais de Direito Civil, ob. cit., p. 239.<br />

375 A este respeito, o Código Civil Francês sanciona com o vício da nulidade a entrega em penhor de uma<br />

coisa alheia, poden<strong>do</strong> o deve<strong>do</strong>r ser responsabiliza<strong>do</strong> no pagamento de uma indemnização pelos danos sofri<strong>do</strong>s,<br />

desde que o cre<strong>do</strong>r não conhecesse que a coisa pertencia a um terceiro (art. 2335 <strong>do</strong> CC Fr.).<br />

376 Cfr., a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 13 de Maio de 1986,in CJ, tomo III, 1986, p. 46, segun<strong>do</strong> o<br />

qual, não ten<strong>do</strong> o deve<strong>do</strong>r si<strong>do</strong> desapossa<strong>do</strong> de duas máquinas dadas em penhor, e uma vez que a situação não se<br />

incluía nas excepções <strong>do</strong> penhor mercantil, não se chegara a constituir um contrato de penhor.<br />

377 Vide, no mesmo senti<strong>do</strong>, o art. 2786.º <strong>do</strong> CC. It., segun<strong>do</strong> o qual “[I]l pegno si costituisce con la<br />

consegna al creditore della cosa o del <strong>do</strong>cumento che conferisce l'esclusiva disponibilità della cosa. La cosa o il<br />

<strong>do</strong>cumento possono essere anche consegnati a un terzo designato dalle parti o possono essere posti in custodia di<br />

entrambe, in mo<strong>do</strong> che il costituente sia nell'impossibilità di disporne senza la cooperazione del creditore.”<br />

378 MESQUITA, Manuel Henrique, Obrigações e Ónus Reais, Almedina, Coimbra, 1990, p. 48.<br />

379 Cfr., neste senti<strong>do</strong>, VARELA, Antunes, Das Obrigações em Geral, vol. II, ob. cit., p. 532.<br />

380 Sobre a inadmissibilidade <strong>do</strong> solicita<strong>do</strong>r de execução poder duvidar da existência <strong>do</strong> direito invoca<strong>do</strong><br />

pelo terceiro ou de recusar a anotação <strong>do</strong> respectivo <strong>do</strong>micílio para posterior citação, vide GONÇALVES, Gabriel<br />

Órfão, «Temas da Acção Executiva», in Themis, ano V, n.º 9, 2004, p. 271.


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

No entanto, em determinadas situações é possível a constituição de um penhor sem<br />

desapossamento <strong>do</strong> bem empenha<strong>do</strong>, tal como sucede, nomeadamente, no penhor mercantil ou<br />

no penhor para garantia de créditos bancários 381.<br />

Importa referir que, assim como o penhor implica o desapossamento e a entrega da<br />

coisa empenhada, <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong> a restituição da coisa empenhada ao deve<strong>do</strong>r constitui uma<br />

das causas legalmente previstas para a extinção <strong>do</strong> penhor (art. 677.º <strong>do</strong> CC).<br />

Nos termos <strong>do</strong> art. 670.º, a), <strong>do</strong> CC, o cre<strong>do</strong>r pignoratício tem o direito de usar as<br />

acções destinadas à defesa da posse em relação à coisa empenhada, ainda que seja contra o<br />

próprio <strong>do</strong>no 382. No entanto, impõe-se salientar que a constituição <strong>do</strong> direito de penhor sobre um<br />

bem não impede que sobre ele venha a recair uma penhora, embora o cre<strong>do</strong>r pignoratício<br />

beneficie da preferência de pagamento em consequência da constituição prévia <strong>do</strong> direito de<br />

penhor.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, o cre<strong>do</strong>r pignoratício goza ainda da faculdade de executar a coisa dada<br />

em penhor uma vez vencida a obrigação que lhe serve de base (art. 675.º <strong>do</strong> CC), sen<strong>do</strong> certo<br />

que essa execução pode revestir natureza judicial ou extrajudicial, sem prejuízo das partes<br />

convencionarem a adjudicação da coisa ao cre<strong>do</strong>r pignoratício, desde que seja previamente<br />

efectuada uma avaliação judicial da coisa empenhada (art. 675.º, n.º 1, <strong>do</strong> CC) 383 .<br />

Relativamente às suas obrigações, destacam-se o dever de guardar e administrar a coisa<br />

tal como o faria um proprietário diligente [art. 671.º, n.º 1, a), <strong>do</strong> CC], o de não usar a coisa sem<br />

o respectivo consentimento <strong>do</strong> autor <strong>do</strong> penhor, salvo se esse uso se revelar indispensável à<br />

conservação da coisa [art. 671.º, n.º 1, b), <strong>do</strong> CC], e o dever de restituir a coisa empenhada<br />

uma vez verificada a extinção <strong>do</strong> penhor [art. 671.º, n.º 1, c), <strong>do</strong> CC].<br />

No que concerne aos mo<strong>do</strong>s de extinção <strong>do</strong> penhor, dispõe o art. 677.º <strong>do</strong> CC que este<br />

direito real de garantia se extingue pela entrega da coisa empenhada ou <strong>do</strong> <strong>do</strong>cumento que<br />

confira a exclusiva disponibilidade dela ― caso em que se verifica a perda da publicidade<br />

381 Cfr., neste senti<strong>do</strong>, MARTINEZ, Pedro Romano; PONTE, Pedro Fuzeta da, Garantias <strong>do</strong> Cumprimento,<br />

ob. cit., pp. 175 e 176.<br />

382 De to<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong>, o cre<strong>do</strong>r pignoratício não é um possui<strong>do</strong>r em nome próprio relativamente à coisa<br />

empenhada (art. 1253.º <strong>do</strong> CC) – cfr., nesse senti<strong>do</strong>, COSTA, Mário Júlio de Almeida, Direito das Obrigações, ob.<br />

cit., p. 865.<br />

e ss.<br />

383 Quanto à execução forçosa da coisa empenhada no <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> Código Civil Italiano, vide os arts. 2796.<br />

127


128<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

constitutiva ―, pela extinção da dívida garantida, pelo perecimento da coisa empenhada ou pela<br />

renúncia <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r.<br />

3.2.2. TUTELA DO PENHOR EM SEDE DE EMBARGOS DE TERCEIRO<br />

A questão de saber se o cre<strong>do</strong>r pignoratício pode fazer uso <strong>do</strong>s embargos de terceiro<br />

não é consensual. Com efeito, atenta a formulação legal <strong>do</strong> art. 351.º <strong>do</strong> CPC, importa desde<br />

logo determinar se o penhor confere ao cre<strong>do</strong>r pignoratício a posse da coisa sobre a qual incide<br />

tal direito. Na verdade, conforme resulta <strong>do</strong> art. 669.º, n.º 1, <strong>do</strong> CC, o penhor de coisas só<br />

produz os seus efeitos pela entrega da coisa empenhada ou de <strong>do</strong>cumento que confira a<br />

exclusiva disponibilidade dela, ao cre<strong>do</strong>r ou a terceiro 384. Todavia, ao abrigo <strong>do</strong> n.º 2 da citada<br />

disposição legal, essa entrega pode consistir na simples atribuição da composse ao cre<strong>do</strong>r, se<br />

essa atribuição privar o autor <strong>do</strong> penhor da possibilidade de dispor materialmente da coisa.<br />

Nessa medida a lei confere ao cre<strong>do</strong>r a posse sobre a coisa empenhada 385 , sen<strong>do</strong> que a<br />

titularidade deste direito real de garantia implica que o respectivo titular tenha posse sobre a<br />

coisa objecto <strong>do</strong> direito 386 .<br />

Ora, <strong>do</strong> art. 670.º, a), <strong>do</strong> CC decorre que, em consequência <strong>do</strong> penhor, o cre<strong>do</strong>r<br />

pignoratício adquire o direito de usar, em relação à coisa empenhada, das acções destinadas à<br />

defesa da posse, ainda que seja contra o próprio <strong>do</strong>no.<br />

384 Tal como salientam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, com a entrega da coisa empenhada visa-se<br />

garantir a publicidade da relação pignoratícia (LIMA, Pires de; VARELA, Antunes, Código Civil Anota<strong>do</strong>, vol. I, ob. cit.,<br />

p. 691).<br />

p. 48.<br />

385 Cfr. MESQUITA, Miguel, Apreensão de Bens em Processo Executivo e Oposição de Terceiro, ob. cit.,<br />

386 De acor<strong>do</strong> com ALMEIDA COSTA, a constituição <strong>do</strong> penhor só se verifica com a entrega efectiva da<br />

coisa, sen<strong>do</strong> que esse acto é condição bastante para que o penhor tenha eficácia em relação às partes e a<br />

terceiros. Deste mo<strong>do</strong>, até que se verifique a entrega da coisa empenhada haverá, quanto muito, um simples<br />

contrato-promessa de penhor (COSTA, Mário Júlio de Almeida, Noções Fundamentais de Direito Civil, ob. cit., p.<br />

241). Vide, no mesmo senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 17 de Fevereiro de 1992, proc. 9110836, in www.dgsi.pt, segun<strong>do</strong><br />

o qual “[N]ão estan<strong>do</strong> o caso abrangi<strong>do</strong> pelo regime especial (a que se referem os artigos 668 <strong>do</strong> Código Civil e<br />

398, parágrafo único, <strong>do</strong> Código Comercial) em que se dispensa a entrega da coisa empenhada ao cre<strong>do</strong>r<br />

pignoratício, o penhor (incluin<strong>do</strong> o penhor mercantil) só produz efeitos por essa entrega ou pela entrega, ao cre<strong>do</strong>r<br />

ou a terceiro, de <strong>do</strong>cumento que confira àquele (cre<strong>do</strong>r) a exclusiva disponibilidade da coisa (artigo 669, número 1,<br />

<strong>do</strong> Código Civil).”


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

Assim, importa considerar se deste normativo resulta para o cre<strong>do</strong>r a admissibilidade da<br />

dedução de embargos de terceiro face à penhora ou a um acto judicial que venha atingir a coisa<br />

empenhada e sobre a qual incide o seu direito real de garantia.<br />

A <strong>do</strong>utrina diverge quanto a esta questão. Por um la<strong>do</strong>, sustenta-se que o cre<strong>do</strong>r<br />

pignoratício possui um direito próprio, independente <strong>do</strong> direito <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r. Como tal, poderá<br />

defender a sua fruição pelos meios possessórios, entre os quais se incluem os embargos de<br />

terceiro 387 . Deste mo<strong>do</strong>, o cre<strong>do</strong>r pignoratício, além de possuir em nome <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r, possui<br />

também em nome próprio, já que tem o direito de reter a coisa empenhada enquanto não for<br />

388 pago <strong>do</strong> seu crédito 389.<br />

Numa variante intermédia desta tese veio a admitir-se que, embora o cre<strong>do</strong>r pignoratício<br />

possa embargar de terceiro contra a penhora <strong>do</strong> bem empenha<strong>do</strong>, todavia esses embargos não<br />

serão admiti<strong>do</strong>s se a coisa não tiver si<strong>do</strong> entregue efectivamente ao cre<strong>do</strong>r, conservan<strong>do</strong>-se em<br />

posse <strong>do</strong> proprietário deve<strong>do</strong>r [e em violação <strong>do</strong> preceitua<strong>do</strong> no art. 670.º, a), <strong>do</strong> CC] 390 .<br />

387 Vide, em senti<strong>do</strong> contrário, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 13 de Fevereiro de 1966, in BMJ, 154.º, p. 322, bem como<br />

o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 24 de Janeiro de 1984, proc. 071345, in www.dgsi.pt: “O cre<strong>do</strong>r pignoratício não pode deduzir<br />

embargos de terceiro à penhora, da coisa empenhada em garantia <strong>do</strong> seu crédito, efectuada em execução movida<br />

por outro cre<strong>do</strong>r <strong>do</strong> mesmo deve<strong>do</strong>r que a dera àquele em penhor, uma vez que não pode dizer-se que tal penhora<br />

ofenda a posse <strong>do</strong> seu direito.”<br />

388 REIS, José Alberto <strong>do</strong>s, Processos Especiais, vol. I, ob. cit., pp. 418 e 419. Em senti<strong>do</strong> contrário, vide o<br />

Ac. <strong>do</strong> TRE, de 7 de Dezembro de 1995, in BMJ, 452.º, p. 508: “O cre<strong>do</strong>r pignoratício não é possui<strong>do</strong>r em nome<br />

próprio da coisa empenhada. Daí que, não ten<strong>do</strong> havi<strong>do</strong> acor<strong>do</strong> relativamente ao exercício por parte <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r<br />

pignoratício de quaisquer direitos sociais, a constituição <strong>do</strong> penhor não ultrapassa a função de mera garantia.” Vide,<br />

numa posição moderada, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 23 de Abril de 1979, in CJ, tomo II, 1979, p. 672, segun<strong>do</strong> o qual “[E]m<br />

relação ao direito de propriedade sobre a coisa, o cre<strong>do</strong>r pignoratício é possui<strong>do</strong>r em nome alheio e, quanto ao<br />

próprio direito de penhor, é possui<strong>do</strong>r em nome próprio.”<br />

389 Contra a concepção <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r pignoratício ser um possui<strong>do</strong>r em nome próprio, tratan<strong>do</strong>-se apenas de<br />

um mero detentor, cfr. MARTINEZ, Pedro Romano; PONTE, Pedro Fuzeta da, Garantias <strong>do</strong> Cumprimento, ob. cit., p.<br />

171, e PIRES, Miguel Lucas, Dos Privilégios Creditórios: Regime Jurídico e sua Influência no Concurso de Cre<strong>do</strong>res,<br />

ob. cit., p. 147).<br />

390 Cfr. o Ac. STJ, de 28 de Janeiro de 1983, proc. 000408, in www.dgsi.pt, segun<strong>do</strong> o qual “[O] cre<strong>do</strong>r<br />

pignoratício não pode deduzir embargos de terceiro contra o arresto <strong>do</strong>s bens da<strong>do</strong>s de penhor deixa<strong>do</strong>s em poder<br />

<strong>do</strong> proprietário contra o qual o arresto é dirigi<strong>do</strong>.”, bem como o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 17 de Fevereiro de 1992, proc.<br />

9110836, in www.dgsi.pt: “(…) II - O artigo 670, alínea a), <strong>do</strong> Código Civil (aplicável ao penhor mercantil - artigo 3,<br />

<strong>do</strong> Código Comercial) pressupõe que houve entrega real ou material <strong>do</strong> objecto <strong>do</strong> penhor ao cre<strong>do</strong>r pignoratício. III<br />

129


130<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

Por último, em total oposição a esta corrente <strong>do</strong>utrinal, defende-se que ao cre<strong>do</strong>r<br />

pignoratício se encontra vedada a possibilidade de defender a sua posse mediante embargos de<br />

terceiro 391. Com efeito, uma vez que a sua posse sobre o bem resulta <strong>do</strong> próprio direito real de<br />

garantia, o cre<strong>do</strong>r pignoratício deve reclamar o respectivo crédito na execução pendente, não<br />

poden<strong>do</strong>, consequentemente, embargar de terceiro com fundamento em tal direito porquanto o<br />

mesmo caduca com a venda executiva 392.<br />

Atenta a configuração deste direito real de garantia, deve ser seguida a tese de que, em<br />

regra, o penhor não confere ao cre<strong>do</strong>r pignoratício o direito de embargar de terceiro. Na verdade,<br />

uma vez que a entrega <strong>do</strong> bem ao cre<strong>do</strong>r visa apenas a constituição de uma garantia real sobre<br />

o bem como garantia <strong>do</strong> pagamento <strong>do</strong> crédito, nada impede que possa vir a incidir sobre o<br />

mesmo bem uma penhora movida por outro cre<strong>do</strong>r <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r 393 . Na verdade, o penhor não<br />

confere ao cre<strong>do</strong>r pignoratício o direito à execução exclusiva da coisa empenhada, porquanto<br />

esta continua a pertencer ao património <strong>do</strong> autor <strong>do</strong> penhor, responden<strong>do</strong>, consequentemente,<br />

pelas suas dívidas (art. 817.º <strong>do</strong> CC) 394.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> a acção executiva movida contra o respectivo proprietário da coisa<br />

empenhada, o cre<strong>do</strong>r pignoratício não pode embargar contra o arresto ou a penhora bem, da<strong>do</strong><br />

- Assim, continuan<strong>do</strong> a coisa dada em penhor a ser detida pelo deve<strong>do</strong>r, o cre<strong>do</strong>r pignoratício não pode deduzir<br />

embargos de terceiro contra o arrolamento que abranja a coisa empenhada.”<br />

391 De acor<strong>do</strong> com o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 5 de Janeiro de 1951, in RLJ, 84.º, p. 204, o cre<strong>do</strong>r pignoratício, não<br />

obstante a lei lhe reconhecer o direito de usar <strong>do</strong>s meios conservatórios da sua posse, não pode intentar acções<br />

possessórias em seu nome, mas pode intentá-las contra terceiros em nome <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r. Seguin<strong>do</strong> ainda a mesma<br />

linha de orientação, o Supremo Tribunal de Justiça sustentou que o cre<strong>do</strong>r pignoratício não pode deduzir embargos<br />

de terceiro, da<strong>do</strong> que a sua posse sobre a coisa empenhada não é em nome próprio (Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 18 de<br />

Fevereiro de 1966, in BMJ, 154.º, p. 322). Nessa exacta medida, o cre<strong>do</strong>r pignoratício não pode deduzir embargos<br />

de terceiro contra o arresto <strong>do</strong>s bens da<strong>do</strong>s em penhor e deixa<strong>do</strong>s em poder <strong>do</strong> proprietário contra quem o arresto é<br />

deduzi<strong>do</strong> (cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 28 de Janeiro de 1983, in BMJ, 323.º, p. 310).<br />

Por outro la<strong>do</strong>, o cre<strong>do</strong>r pignoratício não pode também deduzir embargos de terceiro face ao arrolamento<br />

<strong>do</strong>s bens empenha<strong>do</strong>s, já que o seu direito não é ofendi<strong>do</strong> em consequência dessa providência cautelar (Cfr. o Ac.<br />

<strong>do</strong> TRP, de 17 de Fevereiro de 1992, in BMJ, 414.º, p. 636).<br />

392 SOUSA, Miguel Teixeira de, «A Penhora de bens na posse de terceiros», ob. cit., p. 84. Cfr. o Ac. <strong>do</strong><br />

STJ, de 26 de Janeiro de 1983, in CJ, 1983, p. 291, ao abrigo <strong>do</strong> qual os embargos de terceiro deduzi<strong>do</strong>s pelo<br />

cre<strong>do</strong>r pignoratício devem improceder porquanto o penhor não é prejudica<strong>do</strong> pela penhora.<br />

393 Cfr., a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 2 de Junho de 1980, in CJ, tomo III, 1980, p. 249.<br />

394 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. STJ, de 14 de Janeiro de 1993, proc. 083081, in www.dgsi.pt.


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

que, relativamente ao proprietário executa<strong>do</strong>, o cre<strong>do</strong>r pignoratício é tão só um possui<strong>do</strong>r<br />

precário, fican<strong>do</strong>, como tal, exposto à invocação da exceptio <strong>do</strong>minii 395.<br />

Ademais, a invocação da posse da coisa com base no direito real de penhor que sobre<br />

ela incida não impede a penhora e consequente apreensão efectiva da coisa, já que, conforme<br />

resulta <strong>do</strong> disposto no art. 831.º, n.º 2, <strong>do</strong> CPC, “no acto de apreensão indaga-se se o terceiro<br />

tem os bens em seu poder por via de penhor ou de direito de retenção e, em caso afirmativo,<br />

anota-se o respectivo <strong>do</strong>micílio para efeitos de posterior citação” (com vista à reclamação <strong>do</strong><br />

respectivo crédito, nos termos e para os efeitos <strong>do</strong> disposto no art. 864.º <strong>do</strong> CPC).<br />

Deste mo<strong>do</strong>, embora o cre<strong>do</strong>r pignoratício não possa embargar de terceiro contra a<br />

penhora — nem com base na titularidade <strong>do</strong> direito real de garantia, nem com fundamento na<br />

ofensa da posse associada ao seu direito —, este conserva a sua garantia sobre a coisa<br />

penhorada consubstanciada no seu direito de preferência sobre o produto da liquidação <strong>do</strong><br />

bem 396 , poden<strong>do</strong>, consequentemente, pagar-se pelo produto da execução com a preferência<br />

sobre os demais cre<strong>do</strong>res derivada <strong>do</strong> seu direito de penhor.<br />

Assim, o cre<strong>do</strong>r pignoratício não pode recorrer aos embargos de terceiro a fim de reagir<br />

contra a penhora de um bem sobre o qual incide o seu direito real de garantia, porquanto o<br />

sistema processual permite-lhe fazer valer o seu crédito em sede de venda executiva da coisa<br />

empenhada 397 398 .<br />

No entanto, embora, regra geral, não seja lícito ao cre<strong>do</strong>r pignoratício deduzir embargos<br />

de terceiro como meio de defesa <strong>do</strong> seu direito real de garantia, existem determinadas situações<br />

em que tal mecanismo legal se afigura admissível. Será o caso, por exemplo, em que a penhora<br />

da coisa empenhada tenha também incidi<strong>do</strong> sobre os frutos que não tenham si<strong>do</strong><br />

expressamente excluí<strong>do</strong>s 399 , bem como quan<strong>do</strong> tenha si<strong>do</strong> penhorada a coisa empenhada em<br />

execução movida contra quem não é o seu proprietário, nem é o cre<strong>do</strong>r pignoratício 400 .<br />

395 Cfr. COSTA, Salva<strong>do</strong>r da, O Concurso de Cre<strong>do</strong>res, 3.ª ed., Almedina, 2005, p. 45.<br />

396 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRE, de 26 de Janeiro de 1983, in BMJ, 325.º, p. 618.<br />

397 No mesmo senti<strong>do</strong>, cfr. MARTINEZ, Pedro Romano; PONTE, Pedro Fuzeta da, Garantias <strong>do</strong><br />

Cumprimento, ob. cit., p. 172.<br />

398 No senti<strong>do</strong> de não ser possível ao deve<strong>do</strong>r opor ao cre<strong>do</strong>r pignoratício a exceptio excessionis realis, vide<br />

o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 16 de Maio de 1978, in CJ, tomo III, 1978, p. 847 e MARTINEZ, Pedro Romano; PONTE, Pedro<br />

Fuzeta da, Garantias <strong>do</strong> Cumprimento, ob. cit., pp. 172 e 173.<br />

ob. cit., p. 333.<br />

399 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, MARQUES, J. P. Remédio, Curso de Processo Executivo à Face <strong>do</strong> Código Revisto,<br />

131


132<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

Por outro la<strong>do</strong>, importa acrescentar que, estan<strong>do</strong> em causa uma acção executiva para<br />

entrega de coisa certa, o penhor será incompatível com essa diligência, determinan<strong>do</strong>,<br />

consequentemente, a possibilidade de dedução de embargos de terceiro, já que em tal<br />

circunstância este direito real de garantia pressupõe a posse efectiva da coisa 401 .<br />

3.3. HIPOTECA<br />

3.3.1. REGIME JURÍDICO<br />

Nos termos <strong>do</strong> art. 686.º, n.º 1, <strong>do</strong> CC, a hipoteca (conventio pignoris) confere ao cre<strong>do</strong>r<br />

o direito de ser pago pelo valor de certas coisas 402 imóveis, ou equiparadas (automóveis, navios e<br />

aeronaves) 403, pertencentes ao deve<strong>do</strong>r ou a um terceiro, com preferência sobre os demais<br />

cre<strong>do</strong>res que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo, poden<strong>do</strong> a obrigação<br />

404 garantida ser futura ou condicional (art. 686.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC) 405.<br />

400 MENDES, João de Castro, Direito Processual Civil, vol. III, ob. cit., p. 135.<br />

401 Cfr. FREITAS, José Lebre de; PINTO, Rui; REDINHA, João, Código de Processo Civil Anota<strong>do</strong>, vol. 1.º,<br />

ob. cit., p. 616. Em senti<strong>do</strong> contrário vide a posição de CASTRO MENDES, segun<strong>do</strong> o qual a entrega da coisa não<br />

implica a extinção <strong>do</strong> direito de penhor que sobre ela incida, da<strong>do</strong> que a disposição <strong>do</strong> art. 761.º <strong>do</strong> CC, à luz <strong>do</strong><br />

qual a entrega da coisa implica a extinção <strong>do</strong> direito que sobre ela incida, apenas se aplica às situações em que<br />

essa entrega ocorra de forma voluntária (MENDES, Castro, Direito Processual Civil, vol. III, ob. cit., p. 366).<br />

402 No senti<strong>do</strong> de a hipoteca não poder recair sobre direitos, vide CORDEIRO, A. Menezes, Direitos Reais,<br />

ob. cit., p. 759. Contrariamente, o Código Civil Italiano permite que a hipoteca possa incidir, além <strong>do</strong>s bens imóveis,<br />

sobre o usufruto (art. 2814.º <strong>do</strong> CC. It.), o direito de superfície (art. 2816.º <strong>do</strong> CC. It.) e o direito de enfiteuse (art.<br />

2815.º <strong>do</strong> CC. It.).<br />

403 Desde logo a hipoteca diferencia-se <strong>do</strong> penhor em função <strong>do</strong> respectivo objecto, já que enquanto a<br />

hipoteca só pode incidir sobre bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, o penhor, por sua vez, e a título<br />

subsidiário, só pode incidir sobre coisas corpóreas móveis, créditos ou outros direitos não susceptíveis de hipoteca.<br />

Cfr., a este propósito, CAMPOS, Maria Isabel Helbing Meneres de Campos, Da Hipoteca – Caracterização,<br />

Constituição e Efeitos, Coimbra, 1999, p. 18, segun<strong>do</strong> a qual a distinção que era feita entre o penhor e a hipoteca<br />

com base no carácter mobiliário ou imobiliário <strong>do</strong> respectivo objecto foi superada com a possibilidade da hipoteca<br />

passar a incidir não só sobre imóveis, como também em relação a móveis sujeitos a registo.<br />

404 Tal como salienta ALMEIDA COSTA, enquanto direito real de garantia, a hipoteca distingue-se <strong>do</strong> penhor<br />

em três elementos essenciais: incide sobre coisas imóveis ou móveis sujeitas a registo, por contraposição ao penhor<br />

que incide sobre móveis e direitos não hipotecáveis; tem de ser registada, sob pena de ineficácia (art. 687.º <strong>do</strong> CC),<br />

enquanto o penhor, em regra, não está sujeito a registo; os bens hipoteca<strong>do</strong>s conservam-se na posse <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r,


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

Deste mo<strong>do</strong>, tal como resulta <strong>do</strong> art. 2393 <strong>do</strong> CC Fr., a hipoteca consiste num direito<br />

real que incide sobre um bem imóvel com vista a garantir o cumprimento de uma obrigação 406.<br />

Ao abrigo <strong>do</strong> art. 687.º <strong>do</strong> CC, a hipoteca deve ser registada sob pena de não produzir<br />

efeitos, mesmo em relação às partes 407 . Trata-se, na verdade, de uma situação em que o registo<br />

produz um verdadeiro efeito constitutivo, assim se justifican<strong>do</strong> o facto de o legisla<strong>do</strong>r ter<br />

admiti<strong>do</strong> a possibilidade de constituição da hipoteca relativamente a bens móveis sujeitos a<br />

registo 408 .<br />

Ao contrário <strong>do</strong> que se verifica com o penhor, a hipoteca não pressupõe o exercício de<br />

um poder material, directo e imediato sobre a coisa, porquanto a constituição deste direito real<br />

de garantia não implica o desapossamento <strong>do</strong> bem em relação ao deve<strong>do</strong>r, pelo que não se<br />

pode possuir com base em semelhante direito 409 .<br />

No que concerne ao conteú<strong>do</strong> da hipoteca, importa referir que este direito atribui ao<br />

respectivo titular a possibilidade de executar o bem objecto de hipoteca em caso de<br />

incumprimento da obrigação por ela garantida 410. De to<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong>, o Código Civil proíbe a<br />

ao passo que, no penhor, a traditio da coisa empenhada é condição essencial para a constituição desse direito real<br />

de garantia (COSTA, Mário Júlio de Almeida, Noções Fundamentais de Direito Civil, ob. cit., p. 247).<br />

405 Dispõe o art. 2808. <strong>do</strong> CC. It. que “[L]'ipoteca attribuisce al creditore il diritto di espropriare anche in<br />

confronto del terzo acquirente, i beni vincolati a garanzia del suo credito e di essere soddisfatto con preferenza sul<br />

prezzo ricavato dall'espropriazione. L'ipoteca può avere per oggetto beni del debitore o di un terzo e si costituisce<br />

mediante iscrizione nei registri immobiliari.”<br />

406 Nesta perspectiva, a hipoteca constitui um “direito real combina<strong>do</strong>”, na medida em que o cre<strong>do</strong>r<br />

hipotecário é titular, respectivamente, de um direito real (hipoteca) combina<strong>do</strong> com o direito de crédito sobre o<br />

deve<strong>do</strong>r (cfr. CORDEIRO, António Menezes, Direitos Reais, ob. cit., p. 351).<br />

407 Cfr. o art. 2.º, n.º 1, h) e 4.º <strong>do</strong> CRPred.<br />

408 Cfr., a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 23 de Setembro de 2008, proc. 465-A/2002.C1, in<br />

www.dgsi.pt, segun<strong>do</strong> o qual a hipoteca constitui um direito real sujeito a publicidade registral constitutiva.<br />

409 Cfr. ASCENSÃO, José de Oliveira, Direito Civil – Reais, ob. cit., p. 66.<br />

410 Nesse caso, ao abrigo <strong>do</strong> disposto no art. 835.º <strong>do</strong> CPC, a penhora deve começar pelo bem onera<strong>do</strong><br />

com a hipoteca, só poden<strong>do</strong> atingir outros bens <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r quan<strong>do</strong> se reconheça a insuficiência <strong>do</strong> bem onera<strong>do</strong><br />

para garantir o pagamento da dívida e das demais despesas da execução. Nessa exacta medida, nos termos <strong>do</strong> art.<br />

697.º <strong>do</strong> CC, o deve<strong>do</strong>r que for <strong>do</strong>no da coisa hipotecada tem o direito de se opor não só a que outros bens sejam<br />

penhora<strong>do</strong>s na execução enquanto não se reconhecer a insuficiência da garantia, mas ainda a que, relativamente<br />

aos bens onera<strong>do</strong>s, a execução se estenda além <strong>do</strong> necessário à satisfação <strong>do</strong> direito <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r.<br />

133


134<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

constituição de pactos comissórios, isto é, veda ao cre<strong>do</strong>r hipotecário o direito de fazer sua a<br />

coisa hipotecada em caso de incumprimento da obrigação.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, não é admissível a constituição de cláusulas de inalienabilidade <strong>do</strong>s bens<br />

hipoteca<strong>do</strong>s, embora seja possível a estipulação de vencimento imediato <strong>do</strong> crédito hipotecário<br />

em caso de alienação ou oneração <strong>do</strong> bem garanti<strong>do</strong> (art. 695.º <strong>do</strong> CC).<br />

Relativamente às causas de extinção da hipoteca, dispõe o art. 730.º <strong>do</strong> CC que este<br />

direito real de garantia se extingue pela prescrição da hipoteca a favor de terceiro adquirente <strong>do</strong><br />

prédio em que recaia a garantia, pelo perecimento da coisa hipotecada ou pela renúncia <strong>do</strong><br />

cre<strong>do</strong>r.<br />

3.3.2. TUTELA DA HIPOTECA EM SEDE DE EMBARGOS DE TERCEIRO<br />

O titular da coisa hipotecada conserva o direito de disposição da coisa. De to<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong>,<br />

ainda que a coisa possa ser transmitida nos termos gerais, a hipoteca acompanha-a e é,<br />

consequentemente, oponível ao adquirente da coisa onerada. No entanto, esta regra é derrogada<br />

em caso de venda executiva da coisa hipotecada.<br />

Com efeito, a hipoteca constitui um direito real de garantia que se extingue com a venda<br />

executiva (art. 824.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC). Nessa exacta medida, sen<strong>do</strong> penhorada a coisa hipotecada,<br />

o solicita<strong>do</strong>r de execução tem a obrigação de citar o cre<strong>do</strong>r hipotecário conheci<strong>do</strong> para vir ao<br />

processo executivo reclamar o seu crédito [art. 864.º, n.º 3, b), <strong>do</strong> CPC], sob pena de, não o<br />

fazen<strong>do</strong>, deixar o respectivo crédito de ser reconheci<strong>do</strong> para efeito de ressarcimento através <strong>do</strong><br />

produto da venda.<br />

Vale isto por dizer que, sen<strong>do</strong> penhora<strong>do</strong> um bem imóvel onera<strong>do</strong> com uma hipoteca, o<br />

cre<strong>do</strong>r hipotecário não pode, em regra, defender o seu direito em sede de embargos de terceiro,<br />

por se tratar de um direito real de garantia que se extingue com a venda executiva (art. 824.º,<br />

n.º 2, <strong>do</strong> CC) 411 412 .<br />

411 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. STJ, de 5 de Junho de 1997, proc. 97B348, in www.dgsi.pt, bem como o Ac.<br />

<strong>do</strong> TRC, de 8 de Março de 2006, proc. 112/06, in www.dgsi.pt: “O direito hipotecário não se mostra incompatível<br />

com a penhora <strong>do</strong>s bens hipoteca<strong>do</strong>s, pelo que o cre<strong>do</strong>r hipotecário não pode lançar mão <strong>do</strong> incidente de embargos<br />

de terceiro, sen<strong>do</strong> parte ilegítima para o efeito.”<br />

412 Configuran<strong>do</strong> os embargos de terceiro como um meio de tutela possessória, o TRP, por acórdão de 16<br />

de Janeiro de 1997, proc. 9631401, in www.dgsi.pt, veio defender que o titular de direito real de garantia


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

Por outro la<strong>do</strong>, o cre<strong>do</strong>r hipotecário não poderá sustentar os embargos de terceiro com<br />

fundamento da ofensa da sua posse, da<strong>do</strong> que este direito real de garantia não implica a entrega<br />

da coisa ao cre<strong>do</strong>r.<br />

Contu<strong>do</strong>, em determinadas situações é possível deduzir embargos de terceiro quan<strong>do</strong><br />

esteja em causa uma execução movida contra bens hipoteca<strong>do</strong>s. Tal sucederá, nomeadamente,<br />

se o cre<strong>do</strong>r titular de uma hipoteca sobre um bem imóvel penhora<strong>do</strong> entender que o bem não<br />

pertence ao executa<strong>do</strong>, maxime quan<strong>do</strong> a hipoteca tenha si<strong>do</strong> constituída por um sujeito diverso<br />

<strong>do</strong> executa<strong>do</strong> que se apresentou como proprietário <strong>do</strong> imóvel. Com efeito, como nesta hipótese o<br />

cre<strong>do</strong>r tem o interesse em manter a sua garantia sobre o bem penhora<strong>do</strong> e não pode reclamar o<br />

seu crédito, da<strong>do</strong> que o seu deve<strong>do</strong>r não é executa<strong>do</strong>, deve admitir-se a possibilidade <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r<br />

hipotecário poder embargar de terceiro 413 .<br />

Além disso, é ainda lícito ao cre<strong>do</strong>r hipotecário deduzir embargos de terceiro quan<strong>do</strong>,<br />

não sen<strong>do</strong> o executa<strong>do</strong> o deve<strong>do</strong>r <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r hipotecário, a penhora tenha incidi<strong>do</strong> sobre bens<br />

incorpora<strong>do</strong>s no imóvel hipoteca<strong>do</strong>, ou ainda nas situações em que o bem tenha si<strong>do</strong> penhora<strong>do</strong><br />

como se pertencesse ao executa<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> tal não corresponde à realidade 414 .<br />

Por outro la<strong>do</strong>, se o cre<strong>do</strong>r hipotecário tiver regista<strong>do</strong> a hipoteca aquan<strong>do</strong> da sua<br />

constituição e se o deve<strong>do</strong>r tiver aliena<strong>do</strong>, em momento posterior, o bem hipoteca<strong>do</strong> a um<br />

terceiro, não é lícita a dedução de embargos de terceiro contra a penhora desse bem na<br />

execução movida pelo cre<strong>do</strong>r hipotecário, já que o registo anterior da hipoteca é impeditivo da<br />

procedência <strong>do</strong>s embargos 415 .<br />

constituí<strong>do</strong> por hipoteca sobre bem imóvel não tem a posse desse bem nem pode recorrer a embargos de terceiro<br />

no caso de penhora desse imóvel em acção executiva, da<strong>do</strong> que, nos embargos de terceiro, o fundamento de direito<br />

é a posse efectiva da coisa.<br />

413 SOUSA, Miguel Teixeira de, Acção Executiva Singular, ob. cit., p. 308.<br />

414 MARQUES, J. P. Remédio, Curso de Processo Executivo à Face <strong>do</strong> Código Revisto, ob. cit., p. 333. Vide,<br />

no mesmo senti<strong>do</strong>, SOUSA, Miguel Teixeira de, Acção Executiva Singular, ob. cit., p. 308. Cfr., na jurisprudência, o<br />

Ac. <strong>do</strong> STJ, de 5 de Junho de 1997, proc. 97B348, in www.dgsi.pt.<br />

www.dgsi.pt.<br />

415 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ; de 19 de Junho de 2007, proc. 1624/07 – 1.ª secção, in<br />

135


136<br />

3.4. PRIVILÉGIOS CREDITÓRIOS<br />

3.4.1. REGIME JURÍDICO<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

Entende-se por privilégio creditório (privilegium exigendi) a faculdade que a lei concede a<br />

certos cre<strong>do</strong>res, atenden<strong>do</strong> à causa <strong>do</strong> crédito, de serem pagos com preferência a outros<br />

independentemente de registo (art. 733.º <strong>do</strong> CC) 416 417 .<br />

Trata-se, com efeito, de um verdadeiro direito real de garantia resultante da lei 418 .<br />

Traduzin<strong>do</strong>-se numa afectação jurídica da coisa aos interesses <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r, o privilégio creditório<br />

“visa assegurar dívidas que, atenta a sua natureza, se encontrem especialmente relacionadas<br />

com certos bens <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r, justifican<strong>do</strong>-se, portanto, que sejam pagas de preferência a<br />

419 quaisquer outras, até ao valor <strong>do</strong>s mesmos bens” 420.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, a relevância concedida pelo legisla<strong>do</strong>r a este direito real de garantia<br />

implica que, em obediência à estatuição legal, a simples constituição <strong>do</strong> crédito implica o<br />

416 Na vigência <strong>do</strong> Código Civil de 1867, o art. 878.º definia o privilégio creditório como a faculdade que a<br />

lei concede a certos cre<strong>do</strong>res, de serem pagos com preferência a outros, independentemente <strong>do</strong> registo <strong>do</strong>s seus<br />

créditos.<br />

417 Dispõe o art. 2745. <strong>do</strong> CC It. que “Il privilegio è accordato dalla legge in considerazione della causa del<br />

credito. La costituzione del privilegio può tuttavia dalla legge essere subordinata alla convenzione delle parti; può<br />

anche essere subordinata a particolari forme di pubblicità”. Por sua vez, determina o art. 1926 <strong>do</strong> CC Es., quanto<br />

aos priviégios creditórios sobre bens móveis, que “Los créditos que gozan de preferencia con relación a<br />

determina<strong>do</strong>s bienes muebles, excluyen a to<strong>do</strong>s los demás hasta <strong>do</strong>nde alcance el valor del mueble a que la<br />

preferência se refiere.”, e o art. 1927., quanto aos privilégios sobre bens imóveis, que “Los créditos que gozan de<br />

preferencia con relación a determina<strong>do</strong>s bienes inmuebles o derechos reales, excluyen a to<strong>do</strong>s los demás por su<br />

importe hasta <strong>do</strong>nde alcance el valor del inmueble o derecho real a que la preferencia se refiera.”<br />

418 Quanto à insusceptibilidade de constituição de privilégios creditórios por convenção ou negócio jurídico,<br />

vide COSTA, Salva<strong>do</strong>r da, O Concurso de Cre<strong>do</strong>res, ob. cit., p. 164.<br />

419 COSTA, Mário Júlio de Almeida, Noções Fundamentais de Direito Civil, ob. cit., p. 254.<br />

420 Com efeito, o privilégio creditório, enquanto direito real de garantia, visa assegurar o cumprimento de<br />

“certos créditos que, na óptica da lei, são dignos de protecção (cfr. PIRES, Miguel Lucas, Dos Privilégios Creditórios:<br />

Regime Jurídico e sua Influência no Concurso de Cre<strong>do</strong>res, Almedina, Coimbra, 2004, p. 31). Quanto à<br />

constitucionalidade das normas referentes à concessão de privilégios creditórios, cfr. o Ac. <strong>do</strong> TC n.º 688/98, de 15<br />

de Dezembro de 1998, in DR, II Série, n.º 54, de 5 de Março de 1999.


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

carácter privilegia<strong>do</strong> <strong>do</strong> mesmo, sem que o cre<strong>do</strong>r tenha que a<strong>do</strong>ptar qualquer comportamento<br />

nesse senti<strong>do</strong> 421.<br />

Nos termos <strong>do</strong> art. 735.º <strong>do</strong> CC, os privilégios creditórios podem ser mobiliários ou<br />

imobiliários, consoante incidam, respectivamente, sobre bens móveis ou imóveis, e podem ser<br />

especiais ou gerais, se incidem sobre parte ou a totalidade <strong>do</strong>s bens <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r 422. De to<strong>do</strong> o<br />

mo<strong>do</strong>, ao contrário <strong>do</strong> que se verifica com a hipoteca, os privilégios creditórios sobre bens<br />

imóveis não estão sujeitos à publicidade constitutiva derivada <strong>do</strong> registo, configuran<strong>do</strong>, ao invés,<br />

um verdadeiro direito “omisso” relativamente a terceiros (e, inclusive, em relação ao cre<strong>do</strong>r<br />

exequente que penhora um bem imóvel <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> que se encontra livre, em sede de registo,<br />

de qualquer ónus ou encargo) e que pode ser invoca<strong>do</strong> pelo respectivo titular,<br />

independentemente de registo, em sede de concurso de cre<strong>do</strong>res. Aliás, importa referir a este<br />

propósito que o art. 751.º <strong>do</strong> CC determina que os privilégios creditórios imobiliários especiais<br />

são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real sobre ele, e preferem à<br />

consignação de rendimentos, à hipoteca ou ao direito de retenção, ainda que estas garantias<br />

sejam anteriores.<br />

Dos artigos 745.º a 751.º <strong>do</strong> CC resulta claramente que os privilégios creditórios são<br />

direitos reais de garantia, gozan<strong>do</strong>, aliás, de especial protecção face aos demais direitos reais.<br />

TERCEIRO<br />

3.4.2. TUTELA DOS PRIVILÉGIOS CREDITÓRIOS EM SEDE DE EMBARGOS DE<br />

Os titulares de privilégios creditórios, sejam eles mobiliários ou imobiliários, carecem de<br />

fundamento legal para deduzirem embargos de terceiro relativamente à penhora ou apreensão<br />

<strong>do</strong> bem sobre o qual incida esse direito real de garantia.<br />

Na verdade, estes direitos apenas atribuem aos respectivos titulares uma preferência<br />

legal relativamente aos demais cre<strong>do</strong>res quanto ao pagamento através <strong>do</strong> produto da venda em<br />

sede executiva, nos termos <strong>do</strong> art. 824.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC 423 , pelo que o direito de crédito garanti<strong>do</strong><br />

421 PIRES, Miguel Lucas, Dos Privilégios Creditórios: Regime Jurídico e sua Influência no Concurso de<br />

Cre<strong>do</strong>res, ob. cit., p. 31.<br />

422 Quanto aos privilégios creditórios mobiliários e imobiliários previstos no Código Civil Francês, vide os<br />

arts. 2331 e 2332. No âmbito <strong>do</strong> Código Civil Espanhol, vide, respectivamente, os arts. 1925 e 1924.<br />

423 Cfr. MARQUES, J. P. Remédio, Curso de Processo Executivo à Face <strong>do</strong> Código Revisto, ob. cit., p. 323.<br />

137


138<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

por estes direitos fica plenamente assegura<strong>do</strong> em sede de reclamação de créditos e com a<br />

consequente venda executiva. Nessa exacta medida, o art. 864.º <strong>do</strong> CPC determina que o<br />

solicita<strong>do</strong>r de execução, além de citar os cre<strong>do</strong>res que sejam titulares de direito real de garantia,<br />

regista<strong>do</strong> ou conheci<strong>do</strong>, sobre os bens penhora<strong>do</strong>s, deve ainda citar os cre<strong>do</strong>res privilegia<strong>do</strong>s<br />

que sejam desconheci<strong>do</strong>s, isto é, tanto a Fazenda Nacional como a Segurança Social para que<br />

possam reclamar os créditos de que eventualmente sejam titulares em relação aos bens<br />

penhora<strong>do</strong>s ao executa<strong>do</strong> 424 425 .<br />

Por outro la<strong>do</strong>, não implican<strong>do</strong> este direito real de garantia a entrega da coisa ao<br />

respectivo cre<strong>do</strong>r, também não lhe será lícito sustentar os embargos de terceiro que pretenda<br />

deduzir com fundamento na ofensa da posse que pudesse incidir sobre a coisa onerada com<br />

semelhante direito.<br />

424 Note-se que, nos termos <strong>do</strong> art. 865.º, n.º 1, <strong>do</strong> CPC, a reclamação de créditos só é admissível em<br />

relação ao cre<strong>do</strong>r que goze de garantia real sobre os bens penhora<strong>do</strong>s. Por outro la<strong>do</strong>, a reclamação deve ter por<br />

base um título exequível e deve ser deduzida no prazo de 15 dias, a contar da citação <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r reclamante (n.º 2).<br />

Todavia, ainda que o cre<strong>do</strong>r reclamante não esteja muni<strong>do</strong> de um título executivo que lhe permita reclamar o seu<br />

crédito no prazo previsto para esse efeito, nem por isso fica precludida a possibilidade de reclamar o seu crédito. Na<br />

verdade, o cre<strong>do</strong>r que não esteja muni<strong>do</strong> de título executivo pode requerer, dentro <strong>do</strong> prazo fixa<strong>do</strong> para a<br />

reclamação <strong>do</strong> respectivo crédito, que a graduação <strong>do</strong>s créditos, relativamente aos bens abrangi<strong>do</strong>s pela sua<br />

garantia, aguarde a obtenção de um título executivo (art. 869.º <strong>do</strong> CPC).<br />

425 De to<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong>, em determinadas situações encontra-se vedada ao cre<strong>do</strong>r titular de um privilégio<br />

creditório a possibilidade de obter a satisfação <strong>do</strong> seu crédito em sede executiva. Na verdade, nos termos <strong>do</strong> art.<br />

865.º, n.º 4, <strong>do</strong> CPC, com excepção <strong>do</strong>s privilégios creditórios <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res, o cre<strong>do</strong>r titular de um privilégio<br />

creditório geral não pode reclamar o seu crédito em sede executiva quan<strong>do</strong> a penhora tenha incidi<strong>do</strong> sobre um bem<br />

só parcialmente penhorável (art. 824.º <strong>do</strong> CPC), renda, outro rendimento periódico ou veículo automóvel; quan<strong>do</strong> a<br />

penhora tenha incidi<strong>do</strong> sobre moeda corrente, nacional ou estrangeira, depósito bancário em dinheiro, e o crédito<br />

<strong>do</strong> exequente seja inferior a 190 UC; bem como nos casos em que, sen<strong>do</strong> o crédito <strong>do</strong> exequente inferior a 190 UC,<br />

este venha a requerer de forma procedente a consignação de rendimentos, ou a adjudicação, em dação em<br />

cumprimento, <strong>do</strong> direito de crédito no qual a penhora tenha incidi<strong>do</strong>, antes de convoca<strong>do</strong>s os cre<strong>do</strong>res.


3.5. DIREITO DE RETENÇÃO<br />

3.5.1. REGIME JURÍDICO<br />

Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

O deve<strong>do</strong>r que disponha de um crédito contra o seu cre<strong>do</strong>r goza <strong>do</strong> direito de retenção<br />

se, estan<strong>do</strong> obriga<strong>do</strong> a entregar coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela<br />

ou de danos por ela causa<strong>do</strong>s (art. 754.º <strong>do</strong> CC) 426 . Deste mo<strong>do</strong>, o direito de retenção traduz-se<br />

num direito real de garantia, mediante o qual o respectivo cre<strong>do</strong>r adquire o direito de reter a<br />

coisa de que detém a posse até que se verifique o pagamento integral <strong>do</strong> crédito.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, o titular <strong>do</strong> direito de retenção tem o direito de exercer e de manter o seu<br />

poder de facto sobre a coisa até que seja integralmente ressarci<strong>do</strong> <strong>do</strong> seu crédito 427 . Assim, e.g.,<br />

uma sociedade que tenha procedi<strong>do</strong> à reparação <strong>do</strong> veículo, mas que não detenha a posse <strong>do</strong><br />

veículo repara<strong>do</strong>, não pode invocar o direito de retenção enquanto meio para tutelar o seu<br />

direito 428.<br />

Além da possibilidade de reter a coisa, este direito real de garantia confere ainda ao<br />

respectivo titular a faculdade de obter o pagamento coercivo <strong>do</strong> seu crédito pelo valor da coisa<br />

retida, com preferência sobre os demais cre<strong>do</strong>res comuns hipotecários (arts. 758.º e 759.º <strong>do</strong><br />

CC).<br />

Assim, a configuração jurídica deste direito implica que o seu titular tenha a posse da<br />

coisa em nome próprio 429 relativamente ao seu direito 430 , sen<strong>do</strong> certo que a existência <strong>do</strong> direito<br />

de retenção, enquanto direito real de garantia 431 , depende de três requisitos essenciais: que o<br />

426 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 22 de Junho de 2005, proc. 04B1471, in www.dgsi.pt, segun<strong>do</strong> o qual “o direito<br />

de retenção consiste na faculdade que tem o detentor de uma coisa de a não entregar a quem lha pode exigir,<br />

enquanto este não cumprir uma obrigação a que está adstrito para com aquele.”<br />

www.dgsi.pt.<br />

427 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 13 de Dezembro de 2007, proc. 4787/06, in www.dgsi.pt.<br />

428 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 4 de Outubro de 2007, proc. 3868/06 – 2ª secção, in<br />

429 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 29 de Junho de 1995, in BMJ, 448.º, p. 314, segun<strong>do</strong> o qual “o direito de<br />

retenção não confere qualquer direito de posse aos seus titulares, mas tão só mera detenção, uso ou fruição,<br />

conferin<strong>do</strong> o direito de retenção ao seu titular um direito real de garantia.”<br />

430 COSTA, Salva<strong>do</strong>r da, Os Incidentes da Instância, ob. cit., p. 206.<br />

431 Cfr. VARELA, Antunes, Das Obrigações em Geral, vol. II, reimp. da 7.ª ed., Almedina, pp. 577 e 578.<br />

139


140<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

deve<strong>do</strong>r esteja obriga<strong>do</strong> a entregar uma coisa 432 ao seu cre<strong>do</strong>r; que o deve<strong>do</strong>r goze,<br />

simultaneamente, de um crédito sobre o respectivo cre<strong>do</strong>r; que esse crédito tenha resulta<strong>do</strong> de<br />

433 despesas feitas por causa da coisa ou de danos por ela causa<strong>do</strong>s 434.<br />

Quanto à sua eficácia, o direito de retenção, enquanto direito real, é oponível erga<br />

omnes 435, isto é, traduz-se numa iura excluendi omnes alios, quer em relação a terceiros, quer<br />

relativamente ao próprio <strong>do</strong>no da coisa retida 436.<br />

Ao abrigo <strong>do</strong> disposto no art. 758.º <strong>do</strong> CC, quan<strong>do</strong> o direito de retenção recaia sobre<br />

bem móvel, goza o seu titular <strong>do</strong>s direitos conferi<strong>do</strong>s ao cre<strong>do</strong>r pignoratício, situação que lhe<br />

permite proceder à venda, ainda que extrajudicial, da coisa para obter o pagamento <strong>do</strong> seu<br />

crédito pelo produto da venda (art. 675.º, n.º 1, 2.ª parte, <strong>do</strong> CC).<br />

Recain<strong>do</strong> o direito de retenção sobre coisa imóvel, o respectivo titular, enquanto não<br />

entregar a coisa retida, tem o direito de a executar, nos mesmos termos em que o pode fazer o<br />

cre<strong>do</strong>r hipotecário, e de ser pago com preferência aos demais cre<strong>do</strong>res <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r, sen<strong>do</strong> certo<br />

que, nesse caso, o direito de retenção prevalece sobre a hipoteca, ainda que esta tenha si<strong>do</strong><br />

constituída e registada anteriormente (art. 759.º, n. os 1 e 2, <strong>do</strong> CC).<br />

432 No senti<strong>do</strong> de apenas ser admissível o exercício <strong>do</strong> direito de retenção sobre coisas, e não sobre<br />

direitos, vide MARTINEZ, Pedro Romano; PONTE, Pedro Fuzeta da, Garantias <strong>do</strong> Cumprimento, ob. cit., p. 215.<br />

Quanto a esta questão, os aludi<strong>do</strong>s autores criticam a posição a<strong>do</strong>ptada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no seu<br />

acórdão de 18 de Abril de 1996, in CJ, tomo II, 1996, p. 31, ao admitir a possibilidade de o direito de retenção<br />

poder ser exerci<strong>do</strong> sobre direitos.<br />

433 Cfr., quanto aos requisitos <strong>do</strong> direito de retenção, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 23 de Setembro de 2004, proc.<br />

04B2093, in www.dgsi.pt.<br />

434 Nos termos <strong>do</strong> art. 756.º <strong>do</strong> CC, não existe o direito de retenção a favor de quem tenha obti<strong>do</strong> por<br />

meios ilícitos a coisa que deva entregar, desde que, no momento da aquisição conhecesse a ilicitude desta; a favor<br />

de quem tenha realiza<strong>do</strong> de má-fé as despesas de que proveio o seu crédito; relativamente a coisas impenhoráveis;<br />

quan<strong>do</strong> a outra parte preste caução suficiente.<br />

435 Na verdade, ao contrário <strong>do</strong> que sucede com o direito de crédito, o qual se estrutura a partir de uma<br />

relação entre pessoas, o direito real pressupõe uma estrutura absoluta, da<strong>do</strong> que tem por objecto uma coisa,<br />

resultan<strong>do</strong> dessa relação a sua eficácia erga omnes (cfr., a este propósito, LEITÃO, Luís Menezes, Direito das<br />

Obrigações, vol. I, ob. cit., p. 98). A eficácia erga omnes <strong>do</strong>s direitos reais, tal como salienta MOTA PINTO, traduz-se<br />

na atribuição ao seu titular <strong>do</strong> poder de exercer os direitos reais contra to<strong>do</strong>s os outros, bem como na imposição a<br />

estes de restrições devi<strong>do</strong> à imperatividade de respeitarem o direito que se lhes apresenta (FRAGA, Álvaro Moreira<br />

Carlos, Direitos Reais …, ob. cit., pp. 43 e 44).<br />

436 Cfr., a este propósito, DUARTE, Rui Pinto, Curso de Direitos Reais, ob. cit., p. 239.


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

Além <strong>do</strong> mais, até se verificar a entrega da coisa retida, são aplicáveis ao titular <strong>do</strong><br />

direito de retenção, com as necessárias adaptações, os direitos e obrigações referentes ao<br />

regime <strong>do</strong> penhor. Aliás, tal como sucede no penhor, também o direito de retenção pressupõe a<br />

detenção da coisa e, consequentemente, a publicitação da existência desse direito, embora a<br />

retenção possa revestir a forma de uma “garantia oculta” quan<strong>do</strong> recaia sobre bens imóveis ou<br />

móveis sujeitos a registo 437.<br />

No que concerne às causas de extinção <strong>do</strong> direito de retenção, o art. 761.º <strong>do</strong> CC<br />

determina que este direito real de garantia se extingue pela entrega da coisa, pela extinção da<br />

dívida garantida, pela prescrição <strong>do</strong> direito caso a retenção incida sobre bem imóvel, pelo<br />

perecimento da coisa onerada, e pela renúncia <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r.<br />

3.5.2. TUTELA DO DIREITO DE RETENÇÃO EM SEDE DE EMBARGOS DE TERCEIRO<br />

O direito de retenção, tratan<strong>do</strong>-se de um direito real de garantia das obrigações, não<br />

impede a penhora <strong>do</strong> bem sobre o qual incide tal direito, ainda que se encontrem preenchi<strong>do</strong>s<br />

os pressupostos necessários para a sua existência 438 . Na verdade, o direito de retenção,<br />

enquanto direito real de garantia, visa apenas reforçar as garantias quanto ao cumprimento da<br />

obrigação pelo deve<strong>do</strong>r.<br />

Quanto à questão de saber se o titular <strong>do</strong> direito de retenção pode embargar de terceiro,<br />

o regime previsto nos arts. 758.º e 759.º, n.º 3, <strong>do</strong> CC parece, conduzir, numa primeira leitura,<br />

a uma resposta afirmativa.<br />

Na verdade, das aludidas disposições legais resulta que o titular <strong>do</strong> direito de retenção<br />

goza <strong>do</strong>s mesmos direitos <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r pignoratício, pelo que, pela aplicação <strong>do</strong> regime previsto no<br />

art. 670.º, a), <strong>do</strong> CC, o seu titular pode fazer uso das acções destinadas à defesa da posse<br />

relativamente à coisa móvel sobre a qual recai o respectivo direito de retenção com vista à<br />

conservação da coisa sobre a qual exerce aquele direito. Ora, essas acções são as previstas nos<br />

artigos 1276.º a 1286.º <strong>do</strong> CC, entre as quais se destacam os embargos de terceiro previstos no<br />

art. 1285.º CC, o qual determina que “o possui<strong>do</strong>r cuja posse for ofendida por penhora ou<br />

437 PIRES, Miguel Lucas, Dos Privilégios Creditórios: Regime Jurídico e sua Influência no Concurso de<br />

Cre<strong>do</strong>res, ob. cit., p. 154).<br />

438 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 13 de Dezembro de 2007, proc. 4787/06, in www.dgsi.pt.<br />

141


142<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

diligência ordenada judicialmente pode defender a sua posse mediante embargos de terceiro,<br />

nos termos defini<strong>do</strong>s na lei de processo” 439.<br />

No entanto, ainda que o direito de retenção permita ao respectivo beneficiário recorrer<br />

às acções possessórias para proteger a coisa retida, esta posse não permite a dedução de<br />

embargos de terceiro contra a penhora <strong>do</strong> bem objecto <strong>do</strong> direito, porquanto, ten<strong>do</strong> essa<br />

diligência por finalidade a venda judicial <strong>do</strong> bem penhora<strong>do</strong> com vista à satisfação <strong>do</strong> crédito<br />

exequen<strong>do</strong>, o direito de retenção, enquanto direito real de garantia, caduca com a venda<br />

executiva 440 .<br />

Nessa exacta medida, considere-se a hipótese em que A invoca o direito de retenção<br />

sobre uma coisa pertencente a B e que esse bem é penhora<strong>do</strong> numa acção executiva movida<br />

por C contra B. Poderá o A deduzir embargos de terceiro contra a penhora da coisa retida?<br />

Ora, pelas dívidas <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r responde apenas o seu património, ainda que os bens se<br />

encontrem na posse de terceiro (arts. 601.º e 817.º <strong>do</strong> CC e 831.º <strong>do</strong> CPC) 441 . Vale isto por dizer<br />

que o facto de A ser titular de um direito de retenção sobre um bem pertencente a B não impede<br />

439 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 19 de Novembro de 1996, proc. 362/96 – 1.ª Secção, in<br />

www.dgsi.pt, segun<strong>do</strong> o qual “[O] titular <strong>do</strong> direito de retenção tem o direito de usar, em relação à coisa retida, das<br />

acções destinadas à defesa da posse, ainda que seja contra o próprio <strong>do</strong>no, portanto, também, <strong>do</strong>s embargos de<br />

terceiro.”<br />

440 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRE, de 29 de Março de 1990, in CJ, tomo II, p. 285, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 31 de Março de<br />

1993, de 13 de Outubro de 1993, in CJ, tomo II, 1993, p. 44, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 17 de Novembro de 1994, in CJ,<br />

tomo V, 1994, p. 110, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 25 de Novembro de 1999, proc. 99B800, in www.dgsi.pt e o Ac. <strong>do</strong> TRL, de<br />

21 de Fevereiro de 2000, proc. 0005318, in www.dgsi.pt, segun<strong>do</strong> o qual: “1 - O direito de retenção consiste num<br />

direito real de garantia - artigo 754º e seguintes, Código Civil. 2 - Segun<strong>do</strong> o artigo 824º, nº2, CPC, os bens<br />

vendi<strong>do</strong>s em execução são transmiti<strong>do</strong>s livres <strong>do</strong>s direitos de garantia que os oneravam, bem como <strong>do</strong>s demais<br />

direitos reais que não tenham registo anterior. 3 - Ten<strong>do</strong>-se extingui<strong>do</strong>, assim, com a arrematação em hasta pública,<br />

o direito de retenção, não pode tal direito ser invoca<strong>do</strong> como fundamento da não entrega <strong>do</strong> bem vendi<strong>do</strong>.”<br />

441 Porém, tal como salientam PEDRO ROMANO MARTINEZ e PEDRO FUZETA DA PONTE, pode suceder<br />

que certos bens <strong>do</strong> património <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r não possam ser afectos ao cumprimento da obrigação. Tal sucederá,<br />

nomeadamente, quan<strong>do</strong> se tenha verifica<strong>do</strong>, ao abrigo <strong>do</strong> art. 602.º <strong>do</strong> CC, um acor<strong>do</strong> de delimitação da<br />

responsabilidade, bem como nos casos em que se verifiquem proibições à disposição de certos bens <strong>do</strong> património<br />

<strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r. Por outro la<strong>do</strong>, importa ainda verificar “a que título o deve<strong>do</strong>r detém os bens no seu património”, já<br />

que, se for titular de um usufruto sobre o bem, a execução apenas poderá incidir sobre esse direito de usufruto e<br />

não sobre o direito de propriedade <strong>do</strong> bem (caso em que será lícito ao titular da propriedade deduzir embargos de<br />

terceiro contra a penhora da propriedade <strong>do</strong> bem) — cfr. MARTINEZ, Pedro Romano; PONTE, Pedro Fuzeta da,<br />

Garantias <strong>do</strong> Cumprimento, ob. cit., p. 14).


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

que C o penhore como causa de preferência para a satisfação coerciva <strong>do</strong> seu crédito 442 . Além<br />

disso, o direito de retenção visa garantir o cumprimento de uma obrigação enquanto direito<br />

especial de garantia. Deste mo<strong>do</strong>, ao efectuar a penhora da coisa sobre a qual incide um direito<br />

de retenção, o agente de execução, no próprio acto da penhora, deve verificar a que título é que<br />

o terceiro não executa<strong>do</strong> detém efectivamente o bem.<br />

Nessa exacta medida, o titular de um direito de retenção não pode embargar de terceiro<br />

se alegar como causa de pedir a ofensa de um direito incompatível, da<strong>do</strong> que se trata de um<br />

direito que se extingue com a venda executiva 443 e o cre<strong>do</strong>r pode sempre fazer valer o seu direito<br />

em sede de concurso de cre<strong>do</strong>res 444. Aliás, sobre o cre<strong>do</strong>r titular de um direito de retenção incide<br />

verdadeiramente o ónus de reclamar o seu crédito na acção executiva, sob pena de se verificar a<br />

caducidade <strong>do</strong> seu direito em consequência da venda 445 446 .<br />

Deste mo<strong>do</strong>, a posse de terceiro baseada em direito de retenção não confere direito a<br />

deduzir embargos de terceiro contra a penhora <strong>do</strong> objecto da posse, porque aquele direito real<br />

de garantia, quan<strong>do</strong> não reclama<strong>do</strong>, caduca com a venda executiva 447.<br />

442 Vide, a este propósito, o § 805 <strong>do</strong> ZPO segun<strong>do</strong> o qual um terceiro que não se encontre na posse da<br />

coisa não pode opor-se à sua penhora em virtude da existência de um direito de preferência. De to<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong>, o<br />

terceiro pode intentar uma acção com vista ao reconhecimento da satisfação prioritária <strong>do</strong> seu crédito em função <strong>do</strong><br />

produto da venda <strong>do</strong>s bens <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r, sen<strong>do</strong> certo que essa acção deve correr no tribunal da execução e ser<br />

intentada contra o cre<strong>do</strong>r e o deve<strong>do</strong>r em situação de litisconsórcio necessário.<br />

443 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 20 de Fevereiro de 1999, in BMJ, 484.º, p. 446, bem como o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 25<br />

de Novembro de 1999, proc. 800/99 – 7.ª secção, in www.dgsi.pt, segun<strong>do</strong> o qual “O facto de existir, a favor de<br />

pessoa estranha à execução, um direito de garantia não implica nem o afastamento da coisa <strong>do</strong> património <strong>do</strong><br />

deve<strong>do</strong>r, nem, de outro mo<strong>do</strong>, a impossibilidade de a coisa vir a ser alienada ou sujeita a novas onerações. O titular<br />

<strong>do</strong> direito de retenção, embora veja extinguir-se esse direito, tem a possibilidade de se pagar, preferentemente aos<br />

demais cre<strong>do</strong>res (com excepção <strong>do</strong>s créditos privilegia<strong>do</strong>s - art.º 759 <strong>do</strong> CC), à custa <strong>do</strong> produto obti<strong>do</strong> pela venda<br />

da coisa, desde que reclame o seu crédito nos termos <strong>do</strong> art.º 865, n.º 1, <strong>do</strong> CPC.”<br />

444 MARQUES, J. P. Remédio, Curso de Processo Executivo à Face <strong>do</strong> Código Revisto, ob. cit., p. 333. Vide,<br />

no mesmo senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 17 de Novembro de 1994, in CJ, tomo V, 1994, p. 110, bem com o Ac. <strong>do</strong><br />

TRL, de 7 de Março de 1996, in BMJ, 455.º, p. 558.<br />

445 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 21 de Outubro de 1993, in CJ, tomo V, 1993, p. 103: “O titular <strong>do</strong><br />

direito de retenção que não reclama o seu crédito na respectiva acção executiva perde a garantia real.”<br />

www.dgsi.pt.<br />

446 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 22 de Setembro de 2005, proc. 1488/05 – 7.ª secção, in<br />

447 Cfr. o Ac. STJ, de 25 de Novembro de 1999, in CJ, tomo III, 1999, p. 118, bem como o Ac. <strong>do</strong> STJ, de<br />

4 de Dezembro de 2007, proc. 07A4060, in www.dgsi.pt: “O direito de retenção não é incompatível com a penhora<br />

143


144<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

No entanto, o titular <strong>do</strong> direito de retenção pode socorrer-se <strong>do</strong>s meios de tutela<br />

possessória, maxime, <strong>do</strong> recurso aos embargos de terceiro, quan<strong>do</strong> pretenda reagir contra uma<br />

diligência judicial que, por não visar a venda executiva <strong>do</strong> bem reti<strong>do</strong>, não determinará a<br />

caducidade <strong>do</strong> direito de retenção (art. 824.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC), afirman<strong>do</strong>-se, consequentemente,<br />

tal direito incompatível com a finalidade dessa diligência. Pense-se, por exemplo, no caso de<br />

uma sociedade que foi incumbida de reparar um veículo automóvel e que o mantém aparca<strong>do</strong><br />

nas suas instalações a título de direito de retenção por não lhe ter si<strong>do</strong> pago o preço devi<strong>do</strong> pela<br />

reparação. Nesse caso, essa sociedade poderá deduzir procedentemente embargos de terceiro<br />

contra uma providência cautelar de apreensão judicial de veículo movida pela sociedade<br />

loca<strong>do</strong>ra financeira por falta de pagamento das rendas448. Na verdade, haven<strong>do</strong> um conflito<br />

entre o direito de retenção da embargante e a apreensão judicialmente ordenada <strong>do</strong> veículo<br />

automóvel, caso não fosse concedida a tutela possessória em sede de embargos de terceiro à<br />

titular <strong>do</strong> direito de retenção, esta ver-se-ia forçada a entregar o veículo e a ver,<br />

consequentemente, extinto o seu direito (art. 761.º <strong>do</strong> CC), sem que tivesse qualquer<br />

possibilidade de reclamar o seu crédito em sede <strong>do</strong> procedimento cautelar, ao contrário <strong>do</strong> que<br />

se verifica no <strong>do</strong>mínio da acção executiva (art. 864.º <strong>do</strong> CPC), pelo que ficaria desacautelada a<br />

satisfação <strong>do</strong> seu crédito até então garanti<strong>do</strong> pelo direito de retenção. Daí que o direito de<br />

retenção seja incompatível com a diligência de apreensão judicial <strong>do</strong> veículo automóvel, da<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> imóvel, porque o seu titular encontra amparo para o seu direito de crédito, no esquema da acção executiva”.<br />

Vide, também, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 31 de Maio de 1990, proc. 0013232, in www.dgsi.pt: “I - Tal como o penhor o<br />

direito de retenção é um direito real de garantia; e como tal é condiciona<strong>do</strong> pelas vicissitudes <strong>do</strong> crédito que<br />

garante. Visa assegurar, mais vincadamente, a realização <strong>do</strong> crédito. II - A penhora sobre imóveis não viola o direito<br />

de retenção sobre o mesmo. III - Face a uma execução onde se penhorou um bem sujeito a direito de retenção, o<br />

titular desta garantia, terá de fazer valer em concurso com os demais cre<strong>do</strong>res com garantia real relativamente ao<br />

bem penhora<strong>do</strong>. IV - To<strong>do</strong>s os direitos de garantia caducam com a venda judicial; por isso também os eventuais<br />

direitos de retenção se extinguem.”<br />

448 Vide, a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 6 de Março de 2006, proc. 0556921, in www.dgsi.pt. Cfr., no<br />

entanto, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 3 de Julho de 2007, proc. 4638/2007-7, in www.dgsi.pt, onde se considerou que “não<br />

pode o garagista onde o veículo foi entregue para reparação invocar direito de retenção contra o proprietário <strong>do</strong><br />

veículo, que o alienou com reserva de propriedade, quan<strong>do</strong> o crédito <strong>do</strong> garagista foi contraí<strong>do</strong> pelo adquirente não<br />

proprietário <strong>do</strong> veículo pois nesse caso não existe a reciprocidade de créditos a que alude o artigo 754.º <strong>do</strong> Código<br />

Civil, improceden<strong>do</strong>, assim, os embargos de terceiro deduzi<strong>do</strong>s em ordem a obstar à apreensão <strong>do</strong> veículo<br />

requerida pelo proprietário nos termos <strong>do</strong> Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro.”


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

que a subsistência dessa diligência implicaria a extinção <strong>do</strong> direito de retenção e da consequente<br />

satisfação <strong>do</strong> crédito que se pretendia garantir.<br />

Por último, tal como sucede no caso <strong>do</strong> penhor, também quan<strong>do</strong> esteja em causa uma<br />

acção executiva para entrega de coisa certa, o direito de retenção é incompatível com essa<br />

diligência, uma vez que este direito real de garantia implica a posse efectiva da coisa 449<br />

3.5.3. DIREITO DE RETENÇÃO NO CONTRATO-PROMESSA CELEBRADO COM EFICÁCIA<br />

MERAMENTE OBRIGACIONAL E COM TRADITIO DA COISA<br />

3.5.3.1. REGIME JURÍDICO<br />

Entende-se por contrato-promessa a convenção pela qual as partes, ou apenas uma<br />

delas, se obrigam, dentro de certo prazo ou verifica<strong>do</strong>s certos pressupostos, a celebrar<br />

determina<strong>do</strong> contrato (art. 410.º <strong>do</strong> CC).<br />

Da celebração <strong>do</strong> contrato-promessa resulta a criação de um vínculo meramente<br />

obrigacional entre as partes no senti<strong>do</strong> de vir a ser celebra<strong>do</strong> o contrato prometi<strong>do</strong> 450 451 , poden<strong>do</strong><br />

o cumprimento dessa obrigação ficar sujeito a um prazo certo ou dependente de uma<br />

interpelação de natureza judicial ou extrajudicial (art. 805.º, n.º 1, <strong>do</strong> CC).<br />

O contrato-promessa que seja celebra<strong>do</strong> com eficácia meramente obrigacional apenas<br />

produz efeitos quanto às partes, não sen<strong>do</strong>, consequentemente, oponível em relação a terceiros.<br />

Na verdade, o contrato-promessa ao qual as partes não tenham atribuí<strong>do</strong> eficácia real só produz<br />

efeitos inter partes, pelo que dele apenas resulta um direito de crédito à transmissão da coisa<br />

ob. cit., p. 616.<br />

449 Cfr. FREITAS, José Lebre de; PINTO, Rui; REDINHA, João, Código de Processo Civil Anota<strong>do</strong>, vol. 1.º,<br />

450 A este propósito, MENEZES LEITÃO qualifica o contrato-promessa como um contrato preliminar que tem<br />

por objecto a celebração de um outro contrato, o contrato prometi<strong>do</strong> (LEITÃO, Luís Menezes, Direito das Obrigações,<br />

vol. I, ob. cit., p. 219).<br />

451 Nesta medida, a relação obrigacional resultante <strong>do</strong> contrato-promessa com eficácia obrigacional implica<br />

que o direito à prestação seja concretiza<strong>do</strong> através da actuação de um intermediário, ou seja, o cre<strong>do</strong>r carece da<br />

actuação <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r, através <strong>do</strong> cumprimento da obrigação, para que essa prestação possa ser efectivada. Assim,<br />

no contrato-promessa assiste-se à criação de uma obrigação de contratar, ou seja, de emitir uma declaração de<br />

vontade correspondente ao contrato prometi<strong>do</strong> (VARELA, João de Matos Antunes, Das Obrigações em Geral, vol. I,<br />

ob. cit., p. 309).<br />

145


146<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

invocável entre os contraentes. Ora, em virtude da celebração <strong>do</strong> contrato-promessa, verifica-se a<br />

imposição de uma forte restrição quanto à liberdade para celebrar o contrato, da<strong>do</strong> que existe<br />

uma obrigação efectiva de celebração <strong>do</strong> contrato. Assim, em caso de incumprimento <strong>do</strong><br />

contrato por uma das partes, a outra parte pode exigir a celebração <strong>do</strong> contrato prometi<strong>do</strong>, nos<br />

termos <strong>do</strong> disposto no art. 817.º <strong>do</strong> CC, e obter uma sentença que produza os efeitos da<br />

declaração negocial <strong>do</strong> contraente faltoso, por força <strong>do</strong> regime previsto no art. 830.º <strong>do</strong> CC.<br />

Nesta medida, a não celebração <strong>do</strong> contrato traduz-se num ilícito obrigacional, o qual gera uma<br />

obrigação de indemnização pelos danos resultantes desse incumprimento 452 .<br />

Em caso de incumprimento <strong>do</strong> contrato-promessa de compra e venda por facto<br />

imputável ao promitente-vende<strong>do</strong>r, assiste ao promitente-compra<strong>do</strong>r a possibilidade de exercer<br />

um de três direitos 453 :<br />

a) ten<strong>do</strong> havi<strong>do</strong> lugar à entrega de sinal 454, o promitente-compra<strong>do</strong>r tem o direito de exigir<br />

o <strong>do</strong>bro <strong>do</strong> sinal presta<strong>do</strong> 455 ;<br />

b) em contrapartida, se se tiver verifica<strong>do</strong> a traditio da coisa a que se refere o contrato-<br />

prometi<strong>do</strong>, o promitente-compra<strong>do</strong>r pode optar pelo valor da coisa, ou o <strong>do</strong> direito a transmitir<br />

ou a constituir sobre ela, o qual deve ser determina<strong>do</strong> objectivamente, à data <strong>do</strong> não<br />

cumprimento da promessa, com dedução <strong>do</strong> preço convenciona<strong>do</strong>, deven<strong>do</strong> ainda ser-lhe<br />

restituí<strong>do</strong> o sinal e a parte <strong>do</strong> preço que tenha pago (art. 442.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC) 456 ;<br />

452 LEITÃO, Luís Menezes, Direito das Obrigações, vol. I, ob. cit., p. 28.<br />

453 Cfr., a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 23 de Junho de 1994, in CJ, tomo III, 1994, p. 132.<br />

454 O sinal consiste numa cláusula acessória aposta nos contratos onerosos, segun<strong>do</strong> a qual uma das<br />

partes entrega à outra, por ocasião da celebração <strong>do</strong> contrato, uma coisa fungível (cfr. LEITÃO, Luís Menezes,<br />

Direito das Obrigações, vol. I, ob. cit., p. 233). Quanto à distinção entre sinal confirmatório (enquanto prova da<br />

seriedade por parte <strong>do</strong> promitente-compra<strong>do</strong>r quanto ao seu propósito negocial) e sinal penitencial (enquanto<br />

antecipação da indemnização devida ao outro contraente pelo não cumprimento <strong>do</strong> contrato-promessa), vide<br />

VARELA, João de Matos Antunes, Das Obrigações em Geral, vol. I, ob. cit., p. 312).<br />

455 Em contrapartida, não ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> entregue qualquer sinal, o contraente não faltoso apenas tem a<br />

possibilidade de resolver o contrato e peticionar o pagamento de uma indemnização nos termos gerais em sede de<br />

responsabilidade contratual.<br />

456 O exercício deste direito tem a sua origem no Decreto-Lei n.º 236/80, de 16 de Julho, o qual veio<br />

estabelecer, entre outras medidas, a possibilidade de o promitente-compra<strong>do</strong>r optar por exigir ao promitente-<br />

vende<strong>do</strong>r o pagamento de uma indemnização equivalente ao valor da coisa, da<strong>do</strong> que a sanção clássica da<br />

restituição <strong>do</strong> sinal em <strong>do</strong>bro deixara de cumprir com êxito a sua finalidade em consequência da subida acentuada<br />

<strong>do</strong> valor da propriedade e a frequência com que os promitentes-vende<strong>do</strong>res optavam por não cumprir os contratos-


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

c) por outro la<strong>do</strong>, e em alternativa a qualquer uma das sanções anteriores, se o<br />

contraente não faltoso tiver interesse na celebração <strong>do</strong> contrato definitivo, em vez de receber<br />

uma compensação pecuniária pelo incumprimento, pode recorrer à execução específica <strong>do</strong><br />

contrato, nos termos <strong>do</strong> disposto no art. 830.º <strong>do</strong> CC 457 , isto é, pode obter judicialmente uma<br />

sentença que substitua a manifestação de vontade <strong>do</strong> promitente incumpri<strong>do</strong>r 458, desde que a<br />

isso não se oponha a natureza da obrigação assumida.<br />

Além da possibilidade de exercício destes direitos, o Decreto-Lei n.º 236/80, de 18 de<br />

Julho, veio também conceder ao promitente-compra<strong>do</strong>r que tenha beneficia<strong>do</strong> da promessa de<br />

transmissão ou constituição de direito real e que obteve a tradição da coisa prometida vender, o<br />

direito de retenção sobre essa coisa pelo crédito resultante <strong>do</strong> não cumprimento <strong>do</strong> contrato-<br />

promessa imputável ao promitente-vende<strong>do</strong>r [art. 755.º, n.º 1, f), <strong>do</strong> CC] 459 .<br />

Assim, ten<strong>do</strong> havi<strong>do</strong> tradição da coisa, o direito de retenção de que beneficia legalmente<br />

o promitente-compra<strong>do</strong>r visa garantir o pagamento desse crédito em resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

incumprimento <strong>do</strong> contrato-promessa ou até que se verifique o cumprimento sucedâneo da<br />

promessa anteriormente celebra<strong>do</strong>s — restituin<strong>do</strong> o sinal em <strong>do</strong>bro aos promitentes-compra<strong>do</strong>res — para depois<br />

venderem os imóveis a terceiros com preços actualiza<strong>do</strong>s e com maiores margens de lucro (cfr., a este propósito,<br />

CORDEIRO, Menezes, «Da Retenção <strong>do</strong> Promitente na Venda Executiva», in ROA, ano 57.º, vol. II, 1997, pp. 547 e<br />

548).<br />

457 Quanto ao carácter supletivo <strong>do</strong> recurso à execução específica <strong>do</strong> contrato-promessa, vide VARELA,<br />

Antunes, Sobre o Contrato-Promessa, 2.ª ed., Coimbra Editora, 1989, p. 130.<br />

458 No senti<strong>do</strong> de se tratar de uma disposição legal de natureza supletiva, vide FREITAS, José Lebre de, «O<br />

contrato-promessa e a execução específica», in Estu<strong>do</strong>s sobre Direito Civil e Processo Civil, Coimbra Editora, 2002,<br />

pp. 815 e 816.<br />

459 De to<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong>, a jurisprudência tem vin<strong>do</strong> a sufragar o entendimento de que, para que este direito de<br />

retenção se constitua, não basta a simples mora <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r, sen<strong>do</strong> necessária a verificação de um incumprimento<br />

definitivo <strong>do</strong> contrato (cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 6 de Julho de 1989, in CJ, tomo IV, 1989, p. 113, bem como o Ac. <strong>do</strong><br />

STJ, de 8 de Outubro de 2002, proc. 2624/02 – 1.ª secção, in www.dgsi.pt.<br />

147


148<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

obrigação 460 , importan<strong>do</strong> salientar que o promitente-compra<strong>do</strong>r adquire, pela via da retenção,<br />

461 uma posse legítima e titulada sobre a coisa 462.<br />

3.5.3.2. TUTELA EM SEDE DE EMBARGOS DE TERCEIRO<br />

Ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> celebra<strong>do</strong> um contrato-promessa de compra e venda de um bem imóvel com<br />

eficácia meramente obrigacional e mediante o qual o promitente-compra<strong>do</strong>r obteve a traditio da<br />

coisa 463 , coloca-se a questão de saber se será possível ao promitente-compra<strong>do</strong>r deduzir<br />

embargos de terceiro contra a penhora desse bem em execução movida contra o promitente-<br />

vende<strong>do</strong>r com fundamento na ofensa <strong>do</strong> seu direito de garantia e na posse efectiva da coisa<br />

resultante da sua tradição.<br />

460 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 20 de Janeiro de 1999, proc. 1062/98 – 2.ª secção, in<br />

www.dgsi.pt. Cfr., em senti<strong>do</strong> contrário, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 19 de Setembro de 2002, proc. 1839/02 – 2.ª secção, in<br />

www.dgsi.pt, segun<strong>do</strong> o qual “[N]ão beneficia de qualquer crédito resultante <strong>do</strong> não cumprimento <strong>do</strong> contrato-<br />

promessa, não poden<strong>do</strong>, consequentemente, invocar o direito de retenção, o embargante, promitente compra<strong>do</strong>r,<br />

que haja opta<strong>do</strong> por requerer a execução específica da promessa de venda.”<br />

461 Tal como refere MENEZES CORDEIRO, “[T]radicionalmente, a promessa obrigacional, mesmo com<br />

entrega antecipada da coisa ao promitente adquirente, não assumia qualquer traço da realidade: a posse <strong>do</strong><br />

promitente adquirente seria precária, por falta de título bastante (…). A reforma de 1980, consolidada pela de 1986,<br />

veio, contu<strong>do</strong>, alterar qualitativamente a situação <strong>do</strong> promitente-adquirente: este, ten<strong>do</strong> havi<strong>do</strong> tradição da coisa, é<br />

ti<strong>do</strong> como possui<strong>do</strong>r legítimo. Desde logo, há que lhe reconhecer as defesas possessórias mesmo contra o próprio<br />

<strong>do</strong>no; o promitente pode recusar a entrega da coisa ao <strong>do</strong>no, paralisan<strong>do</strong> o pedi<strong>do</strong> da entrega; pode usar de<br />

restituição provisória contra o esbulho violento; pode recorrer aos embargos de terceiro.” (CORDEIRO, Menezes,<br />

«Da Retenção <strong>do</strong> Promitente na Venda Executiva», ob. cit., p. 552).<br />

462 Quanto aos pressupostos para o exercício <strong>do</strong> direito de retenção sobre o bem imóvel objecto de<br />

contrato-promessa de compra e venda, vide o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 9 de Fevereiro de 1999, proc.1706/98, in<br />

www.dgsi.pt: “No contrato-promessa de compra e venda para que o beneficiário da promessa possa gozar <strong>do</strong> direito<br />

de retenção sobre a coisa a que alude o artº 755º, nº1, al. f) <strong>do</strong> código Civil, é necessário que tenha existi<strong>do</strong><br />

tradição <strong>do</strong> bem objecto <strong>do</strong> contrato, que ocorra o incumprimento imputável à outra parte e que desse<br />

incumprimento resulte um crédito para o beneficiário de tal promessa.”<br />

463 Com a entrega da coisa objecto <strong>do</strong> contrato-promessa de compra e venda ao promitente-compra<strong>do</strong>r, o<br />

accipiens passa a exercer sobre ela poderes de facto a título de parte num contrato-promessa, sen<strong>do</strong> certo que o<br />

conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> direito <strong>do</strong> accipiens depende da própria natureza <strong>do</strong> contrato prometi<strong>do</strong> (MESQUITA, Manuel Henrique,<br />

Obrigações Reais e Ónus Reais, ob. cit., pp. 76 e 77).


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

α) O PROMITENTE-COMPRADOR ACTUA ENQUANTO POSSUIDOR PRECÁRIO<br />

A <strong>do</strong>utrina e a jurisprudência dividem-se quanto a esta questão. Circunscreven<strong>do</strong> a<br />

análise <strong>do</strong> problema ao plano da posse, a posição maioritária nega semelhante faculdade ao<br />

promitente-compra<strong>do</strong>r, da<strong>do</strong> que os poderes que este exerce de facto sobre a coisa, saben<strong>do</strong><br />

que ela ainda não foi comprada, não são os correspondentes ao direito <strong>do</strong> proprietário<br />

adquirente, mas os correspondentes ao direito de crédito <strong>do</strong> promitente-adquirente perante o<br />

promitente-alienante 464 . Com efeito, estan<strong>do</strong> em causa um contrato-promessa de compra e venda<br />

de um imóvel celebra<strong>do</strong> com eficácia meramente obrigacional, mesmo que o promitente-<br />

compra<strong>do</strong>r tenha obti<strong>do</strong> antecipadamente a traditio da coisa, este assume, no entanto, a<br />

qualidade de mero detentor ou possui<strong>do</strong>r precário, ou seja, embora tenha o corpus possessório,<br />

carece, contu<strong>do</strong>, de animus possidendi, pelo que não poderá deduzir embargos de terceiro<br />

contra a penhora da coisa, ainda que goze de um direito de retenção sobre a mesma 465 .<br />

Por outro la<strong>do</strong>, igual resposta é dada sob o prisma <strong>do</strong> “direito incompatível com a<br />

realização ou o âmbito da diligência”. Na verdade, o direito de retenção <strong>do</strong> promitente-<br />

compra<strong>do</strong>r não surge associa<strong>do</strong> a nenhum direito real de gozo sobre a coisa, pelo que o direito<br />

real de garantia que resulta para o promitente-compra<strong>do</strong>r em função da retenção é compatível<br />

com a finalidade da penhora, da<strong>do</strong> que a este cre<strong>do</strong>r é facultada a possibilidade de reclamar o<br />

seu crédito em sede de concurso de cre<strong>do</strong>res 466 467 . Na verdade, o direito de retenção, sen<strong>do</strong> um<br />

468 direito real de garantia sobre a coisa penhorada, caduca com a venda executiva 469.<br />

464 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 23 de Janeiro de 1996, in CJ, tomo I, 1996, p. 71; Ac. <strong>do</strong> TRL, de 11 de Outubro<br />

de 1990, in CJ, tomo IV, 1990, p. 147; Ac. <strong>do</strong> TRL, de 23 de Outubro de 1990, in BMJ, 400.º, p. 719.<br />

465 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 19 de Janeiro de 1995, in BMJ, 443.º, p. 431, bem como o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 3 de<br />

Março de 1998, proc. 23/98 – 1.ª secção, in www.dgsi.pt: “I - A tradição da coisa, móvel ou imóvel, realizada a<br />

favor <strong>do</strong> promitente-compra<strong>do</strong>r, no caso de compra e venda sinalizada, não investe o accipiens na qualidade de<br />

possui<strong>do</strong>r da coisa. Não estan<strong>do</strong> prova<strong>do</strong> qualquer facto pratica<strong>do</strong> pelo embargante que leve à inversão <strong>do</strong> título de<br />

posse, isto é, que de possui<strong>do</strong>res precários ou meros detentores passassem a possui<strong>do</strong>res em nome próprio, não<br />

ocorre a posse, funda<strong>do</strong>ra <strong>do</strong>s embargos de terceiro”. Vide também COSTA, Salva<strong>do</strong>r da, Os Incidentes da<br />

Instância, ob. cit., p. 211, segun<strong>do</strong> o qual o promitente compra<strong>do</strong>r não é um possui<strong>do</strong>r em nome próprio, já que da<br />

traditio da coisa resulta tão só um direito pessoal de gozo, que não comporta o animus <strong>do</strong>minii.<br />

466 Cfr., a este propósito, VARELA, João de Matos Antunes, Das Obrigações em Geral, vol. I, ob. cit., p. 364.<br />

467 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 6 de Março de 1997, in BMJ, 465.º, p. 570. Vide, na <strong>do</strong>utrina, PINTO, Rui, «A<br />

Execução e terceiros – Em especial na penhora e na venda», ob. cit., p. 243, segun<strong>do</strong> o qual o contrato-promessa<br />

149


150<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

Assim, neste caso fica vedada ao promitente-compra<strong>do</strong>r a possibilidade de deduzir<br />

embargos de terceiro contra a penhora, porque a ocupação da coisa “não revela que o ocupante<br />

esteja a agir como titular de um direito real, pois não pode ignorar que a fracção por si ocupada<br />

continua a ser propriedade <strong>do</strong> promitente-vende<strong>do</strong>r, por não ter havi<strong>do</strong> contrato translativo da<br />

470 propriedade 471.<br />

com eficácia obrigacional não é, pela sua natureza, oponível à execução, pelo que ao respectivo proprietário não<br />

restará outra alternativa que não seja a de procurar adquirir o bem em sede de venda executiva, em igualdade de<br />

circunstâncias com qualquer outro terceiro, sem prejuízo <strong>do</strong> exercício de eventual responsabilidade contratual contra<br />

o executa<strong>do</strong>. Cfr., também, FREITAS, José Lebre de, «A penhora de bens na posse de terceiros», ob. cit., p. 629.<br />

468 Vide, a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 17 de Fevereiro de 2004, proc. 8629/2002 – 7, in<br />

www.dgsi.pt: “Constituí<strong>do</strong> direito de retenção a favor <strong>do</strong> promitente-compra<strong>do</strong>r de uma fracção autónoma, a<br />

aquisição da mesma em processo de execução fiscal determina a extinção daquele direito real de garantia, nos<br />

termos <strong>do</strong> art. 824º, nº 2, <strong>do</strong> CC. Todavia, ainda que a aquisição seja feita pelo promitente-compra<strong>do</strong>r, a garantia<br />

real <strong>do</strong> seu crédito decorrente <strong>do</strong> extinto direito de retenção transfere-se para o produto da venda, a fim de que a<br />

preferência será considerada na sentença de graduação de créditos.” Vide, também, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 13 de<br />

Novembro de 2007, proc. 3615/07 – 1.ª secção, in www.dgsi.pt: “É exactamente através da via executiva que o<br />

direito de retenção exerce a sua função de garantia, não poden<strong>do</strong> a sua existência impedir ou inutilizar a penhora,<br />

prejudican<strong>do</strong> assim os demais cre<strong>do</strong>res <strong>do</strong> promitente-vende<strong>do</strong>r, sem benefício útil para o promitente-compra<strong>do</strong>r,<br />

que tem o seu direito de crédito (emergente <strong>do</strong> incumprimento <strong>do</strong> contrato-promessa) acautela<strong>do</strong> no âmbito da<br />

acção executiva.<br />

469 Cfr., em senti<strong>do</strong> contrário, CORDEIRO, Menezes, «Da Retenção <strong>do</strong> Promitente na Venda Executiva», in<br />

ROA, ano 57.º, vol. II, 1997, p. 562, segun<strong>do</strong> o qual “[O] direito <strong>do</strong> promitente-adquirente onera fortemente a coisa.<br />

Sen<strong>do</strong> anterior à penhora, não parece razoável que a coisa possa ser vendida em hasta pública como se estivesse<br />

livre: seja como garantia dispensada de registo, seja como direito de gozo anterior e também dispensa<strong>do</strong> de registo,<br />

o direito de retenção <strong>do</strong> promitente-adquirente sobrevive à venda executiva.”<br />

470 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 11 de Março de 1999, in CJ, tomo I, 1999, p. 136. Vide, no mesmo senti<strong>do</strong>, o Ac.<br />

<strong>do</strong> STJ, de 29 de Junho de 1995, in BMJ, 448.º, p. 314: “A posse <strong>do</strong> promitente-compra<strong>do</strong>r não passa de uma<br />

simples detenção ou posse precária. Logo, está-lhe veda<strong>do</strong> o direito a dedução de embargos de terceiro. Este<br />

promitente está em situação idêntica à <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r pignoratício, não colidin<strong>do</strong> o seu direito de retenção – porque<br />

direito real de garantia que é – com a penhora decretada em execução”; Ac. <strong>do</strong> TRP, de 29 de Maio de 1995, in<br />

BMJ, 447.º, p. 565: “O promitente-compra<strong>do</strong>r de um andar, que sinalizou o respectivo contrato e obteve a entrega<br />

daquele andar, não pode deduzir, com fundamento em direito pessoal de gozo, embargos de terceiro contra a<br />

penhora requerida pelo cre<strong>do</strong>r <strong>do</strong> promitente vende<strong>do</strong>r”. Vide, na <strong>do</strong>utrina, FREITAS, José Lebre de, «A penhora de<br />

bens na posse de terceiros», ob. cit., p. 629, segun<strong>do</strong> o qual “a posse <strong>do</strong> promitente adquirente é exercida na<br />

expectativa de uma aquisição futura (…). Baseada num direito de crédito, a posse <strong>do</strong> promitente adquirente é<br />

exercida em nome <strong>do</strong> promitente alienante e, assim sen<strong>do</strong>, só poderá fundar embargos de terceiro quan<strong>do</strong> este não<br />

for o executa<strong>do</strong>, ceden<strong>do</strong> de outro mo<strong>do</strong> perante a garantia constituída pela penhora.”


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

Deste mo<strong>do</strong>, se o cre<strong>do</strong>r hipotecário <strong>do</strong> prédio onde se situa a fracção objecto <strong>do</strong><br />

contrato-promessa de compra e venda penhorar o prédio, não é lícito ao promitente-compra<strong>do</strong>r<br />

com tradição da coisa deduzir embargos de terceiro, ainda que o faça com base na invocação de<br />

um direito de retenção sobre a coisa destina<strong>do</strong> a garantir o seu crédito à indemnização por<br />

incumprimento <strong>do</strong> contrato 472.<br />

PRÓPRIO<br />

ß) O PROMITENTE-COMPRADOR ACTUA ENQUANTO UM POSSUIDOR EM NOME<br />

Porém, tem vin<strong>do</strong> a ser admitida a possibilidade de dedução de embargos de terceiro<br />

pelo promitente-compra<strong>do</strong>r em determinadas situações específicas, nomeadamente quan<strong>do</strong> este<br />

beneficie da entrega <strong>do</strong> imóvel 473 e se comporte como um verdadeiro possui<strong>do</strong>r em nome<br />

próprio, ou seja, como titular <strong>do</strong> direito real correspondente 474 .<br />

471 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 11 de Setembro de 2007, proc. 2241/07 – 1.ª secção, in www.dgsi.pt: “o<br />

contrato-promessa, sen<strong>do</strong> um negócio meramente obrigacional não transmite, só por si, a posse ao promitente-<br />

compra<strong>do</strong>r. Mesmo que ocorra a tradição da coisa antes da celebração da escritura, o promitente-compra<strong>do</strong>r,<br />

adquirin<strong>do</strong> embora o corpus possessório, não adquire o animus possessório, fican<strong>do</strong>, pois, investi<strong>do</strong> na qualidade<br />

de mero detentor ou possui<strong>do</strong>r precário.”<br />

472 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 27 de Junho de 1995, proc. 9421188, in www.dgsi.pt, bem como o Ac. <strong>do</strong> TRL,<br />

de 16 de Junho de1992, proc. 0051191, in www.dgsi.pt, e o Ac. <strong>do</strong> TRP de 1 de Outubro de 1996, in BMJ, 460.º,<br />

p. 805.<br />

473 Cfr., a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 18 de Janeiro de 1996, proc. 87411 – 2.ª Secção, in<br />

www.dgsi.pt: “Embora não tenha a posse, a tradição da coisa, ou seja a passagem da coisa objecto mediato <strong>do</strong><br />

contrato promessa das mãos <strong>do</strong> promitente-vende<strong>do</strong>r para o promitente compra<strong>do</strong>r confere a este, no entanto, o<br />

direito de retenção sobre ela pelo crédito que ele eventualmente possa vir a ter contra o promitente vende<strong>do</strong>r em<br />

caso de incumprimento por parte deste”. Vide, em senti<strong>do</strong> contrário, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 19 de Novembro de 1996,<br />

proc. 362/96 – 1.ª Secção, in www.dgsi.pt: “O promitente-compra<strong>do</strong>r, ten<strong>do</strong> havi<strong>do</strong> tradição da coisa, é um<br />

verdadeiro possui<strong>do</strong>r e não um mero detentor, pelo que, como titular <strong>do</strong> direito de retenção, goza de tutela<br />

possessória e por isso pode embargar de terceiro.”<br />

474 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, SOUSA, Miguel Teixeira de, Acção Executiva Singular, ob. cit., p. 310, bem como<br />

CORDEIRO, Menezes, «Da Retenção <strong>do</strong> Promitente na Venda Executiva», ob. cit., p. 553. Vide, no mesmo senti<strong>do</strong>, o<br />

Ac. <strong>do</strong> TRL, de 21 de Novembro de 1991, in CJ, tomo V, 1991, p. 135: “O promitente compra<strong>do</strong>r, que obteve a<br />

entrega de uma fracção habitacional, em consequência da celebração de um contrato-promessa de compra e<br />

venda, pode lançar mão de embargos de terceiro para defesa da sua posse, ofendida por penhora”, o Ac. <strong>do</strong> TRP,<br />

de 27 de Abril de 1993, in CJ, tomo II, 1993, p. 225: “O promitente-compra<strong>do</strong>r, em contrato promessa de compra<br />

151


152<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

Com efeito, o promitente-compra<strong>do</strong>r pode deduzir embargos de terceiro quan<strong>do</strong> o<br />

corpus da posse por si exercida seja acompanha<strong>do</strong> <strong>do</strong> respectivo animus possidendi, isto é,<br />

quan<strong>do</strong> o promitente-compra<strong>do</strong>r actua com um animus rem sibi habendi 475. Tal situação verifica-<br />

se quan<strong>do</strong> o promitente-compra<strong>do</strong>r se comporte como um possui<strong>do</strong>r em nome próprio,<br />

designadamente quan<strong>do</strong> já tenha si<strong>do</strong> liquidada uma parte significativa <strong>do</strong> preço <strong>do</strong> imóvel 476,<br />

quan<strong>do</strong> tenha si<strong>do</strong> requisitada em nome <strong>do</strong> promitente-compra<strong>do</strong>r a ligação da água, energia<br />

eléctrica, telefone ou televisão por cabo 477 478 , quan<strong>do</strong> tenha procedi<strong>do</strong> à realização de obras de<br />

remodelação ou de acabamento <strong>do</strong> imóvel objecto <strong>do</strong> contrato-promessa 479 ou à instalação de<br />

mobiliário 480, quan<strong>do</strong> participe na administração <strong>do</strong> con<strong>do</strong>mínio ou quan<strong>do</strong> o promitente-<br />

e venda de um prédio, que tenha entra<strong>do</strong> na posse dele, beneficia da tutela de embargos de terceiro.”, e o Ac. <strong>do</strong><br />

STJ, de 28 de Outubro de 2004, proc. 2573/04 – 2.ª secção, in www.dgsi.pt: “A tradição da coisa, por via <strong>do</strong><br />

contrato-promessa de compra e venda, para o promitente-compra<strong>do</strong>r, confere a este o acesso à tutela possessória<br />

desde que aquela tradição seja seguida da prática, por aquele, de actos próprios de quem age em nome próprio.”<br />

475 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 3 de Março de 1998, proc. 49/98 – 1.ª secção, in www.dgsi.pt, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de<br />

11 de Março de 1999, proc. 113/99 – 2.ª secção, in www.dgsi.pt, e o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 07 de Fevereiro de 2002,<br />

proc. 1888/01 – 2.ª secção, in www.dgsi.pt: “Concluin<strong>do</strong>-se que, entregue aos promitentes compra<strong>do</strong>res uma<br />

fracção autónoma após a outorga de contrato-promessa de compra e venda, estes actuaram uti <strong>do</strong>minus, exercen<strong>do</strong><br />

sobre tal fracção uma posse real e efectiva, não há qualquer razão para se lhes negar o acesso aos meios de tutela<br />

da posse, designadamente, aos embargos de terceiro, para reagir ao arresto dessa fracção.”<br />

476 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, LIMA, Pires de; VARELA, Antunes, Código Civil Anota<strong>do</strong>, vol. III, 4.ª ed., p. 6. Com<br />

efeito, estes autores sustentam que, no caso <strong>do</strong> promitente-compra<strong>do</strong>r ter já pago a totalidade <strong>do</strong> preço, goza a<br />

coisa como se a mesma já fosse sua, pelo que, nesse esta<strong>do</strong> de espírito, pratica sobre a coisa diversos actos<br />

materiais correspondentes ao exercício <strong>do</strong> direito de propriedade.<br />

477 Cfr. os Acs. <strong>do</strong> STJ, de 19 de Novembro de 1996, in CJ, tomo III, 1996, p. 109, e de 11 de Setembro<br />

de 2007, proc. 2241/07, in www.dgsi.pt. Vide também o Ac. <strong>do</strong> TRE, de 7 de Junho de 1990, in CJ, tomo III, 1990,<br />

p. 285: “O promitente-compra<strong>do</strong>r que passe a habitar no andar prometi<strong>do</strong> vender, como se dele fosse, é terceiro<br />

relativamente ao exequente em acção executiva movida contra o promitente vende<strong>do</strong>r, e pode, para defender a sai<br />

posse, embargar de terceiro aquela execução.”<br />

478 “O promitente-compra<strong>do</strong>r, a quem foi entregue a coisa prometida vender, é, em regra, mero detentor ou<br />

possui<strong>do</strong>r precário, sen<strong>do</strong> titular apenas de um direito pessoal de gozo sobre a coisa; só em circunstâncias<br />

excepcionais, como a de ter havi<strong>do</strong> o pagamento da totalidade <strong>do</strong> preço ou o propósito de manter a situação como<br />

definitiva, é que haverá posse efectiva” (Ac. <strong>do</strong> TRP, de 13 de Janeiro de 2000, proc. 9950777, in www.dgsi.pt).<br />

www.dgsi.pt.<br />

479 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 19 de Novembro de 1996, proc. 362/96 – 1.ª Secção, in<br />

480 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 21 de Setembro de 2006, proc. 1972/06 – 2.ª secção, in<br />

www.dgsi.pt: “O facto de viver na fracção, ten<strong>do</strong> pago a totalidade <strong>do</strong> seu preço de compra, conjuga<strong>do</strong> com o


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

compra<strong>do</strong>r, não obstante se encontrar na posse da coisa 481 482 , não tenha ainda celebra<strong>do</strong> o<br />

contrato definitivo de compra e venda, nomeadamente porque pretende evitar o pagamento <strong>do</strong><br />

imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis 483.<br />

Todavia, se o promitente-compra<strong>do</strong>r, ainda que se verifique alguma das situações supra<br />

referidas, tiver opta<strong>do</strong> pela resolução <strong>do</strong> contrato-promessa, sen<strong>do</strong>, assim, titular de um simples<br />

direito de crédito sobre o promitente-vende<strong>do</strong>r quanto à indemnização devida pelo não<br />

cumprimento <strong>do</strong> contrato, em tal caso já não será admissível a dedução de embargos de terceiro<br />

uma vez que o promitente-compra<strong>do</strong>r não age com a intenção de exercer sobre o imóvel os<br />

poderes de facto correspondentes ao direito de propriedade 484.<br />

PROMESSA<br />

γ) O PROMITENTE-COMPRADOR RECORRE À EXECUÇÃO ESPECÍFICA DO CONTRATO-<br />

Não poden<strong>do</strong> o promitente faltoso ser compeli<strong>do</strong> pela força a cumprir a obrigação a que<br />

se vinculou, a lei permite que o cre<strong>do</strong>r obtenha a declaração negocial em falta pela via judicial,<br />

caso em que o tribunal deve emitir uma sentença que produza os mesmos efeitos jurídicos da<br />

declaração negocial com vista à constituição <strong>do</strong> contrato definitivo 485 . Assim, tu<strong>do</strong> se passa como<br />

se o contrato prometi<strong>do</strong> tivesse si<strong>do</strong> efectivamente realiza<strong>do</strong> 486 .<br />

exercício <strong>do</strong>s poderes <strong>do</strong> condómino e <strong>do</strong> cumprimento <strong>do</strong>s deveres a este inerentes, como é próprio <strong>do</strong> <strong>do</strong>no,<br />

demonstra que a embargante tem agi<strong>do</strong> como se a coisa fosse já sua, pratican<strong>do</strong> actos de quem age em nome<br />

próprio. Não se trata apenas de morar na fracção, mas dessa residência se encontrar factualmente justificada, pela<br />

sua compra, de ordem igualmente factual - o pagamento <strong>do</strong> preço - e pela assunção da posição de condómino, ou<br />

seja, de titular <strong>do</strong> correspondente direito real de gozo.”<br />

481 Com efeito, nesta situação “o promitente adquirente é desde logo investi<strong>do</strong> num controlo material<br />

semelhante ao <strong>do</strong> proprietário, poden<strong>do</strong> falar-se em posse em termos de propriedade” (cfr. CORDEIRO, António<br />

Menezes, A Posse: Perspectivas Dogmáticas Actuais, ob. cit., p. 77).<br />

www.dgsi.pt.<br />

www.dgsi.pt.<br />

482 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 28 de Outubro de 1997, proc. 619/97 – 1.ª Secção, in<br />

483 Cfr. MESQUITA, Manuel Henrique, Obrigações Reais e Ónus Reais, ob. cit., p. 75.<br />

484 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 10 de Janeiro de 2002, proc. 3295/01 – 2.ª secção, in<br />

485 LEITÃO, Luís Menezes, Direito das Obrigações, vol. I, ob. cit., pp. 229 e 246.<br />

486 De to<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong>, a execução específica <strong>do</strong> contrato deixa de ser uma alternativa viável se se verificar<br />

uma situação de incumprimento definitivo <strong>do</strong> contrato-promessa em virtude da coisa ter si<strong>do</strong> alienada a um terceiro,<br />

153


154<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

Ora, o promitente-compra<strong>do</strong>r poderá ser admiti<strong>do</strong> a deduzir embargos de terceiro<br />

quan<strong>do</strong>, além de ter obti<strong>do</strong> a tradição da coisa, se encontre em posição de exigir o cumprimento<br />

contratual em sede de execução específica 487 488. Para o efeito, é necessário que essa acção<br />

venha a ser instaurada e registada 489 antes da penhora ou <strong>do</strong> acto judicial (por exemplo, arresto)<br />

que venha a incidir sobre a coisa objecto da acção 490. REMÉDIO MARQUES sustenta, a este<br />

propósito, que em tal circunstância os embargos de terceiro só serão admissíveis se, ao tempo<br />

<strong>do</strong>s embargos, já se encontrar pendente e registada a acção de execução específica, caso em<br />

que o embargante poderá requerer a suspensão <strong>do</strong>s embargos até que aquela acção<br />

(prejudicial) seja definitivamente julgada 491. Isto pela simples razão de que a sentença que vier a<br />

ser proferida na acção de execução específica será oponível a terceiros desde a data <strong>do</strong> registo<br />

da acção 492 . De qualquer mo<strong>do</strong>, ainda que neste caso seja admissível a dedução de embargos de<br />

terceiro, o certo é que a decisão a ser proferida na acção de execução específica é prejudicial<br />

em relação a ser proferida nos embargos de terceiro 493 .<br />

Assim, se tiver si<strong>do</strong> efectuada uma transmissão da coisa prometida vender<br />

posteriormente ao registo da acção de execução específica, essa transmissão será ineficaz em<br />

relação ao promitente-compra<strong>do</strong>r.<br />

Por sua vez, se estiver em causa uma alienação efectuada pelo promitente-vende<strong>do</strong>r a<br />

um terceiro antes <strong>do</strong> registo da acção de execução específica, o direito <strong>do</strong> terceiro prevalecerá<br />

da<strong>do</strong> que, nesse caso, ten<strong>do</strong> o contrato-promessa efeitos meramente obrigacionais, a sentença não poderia produzir<br />

os seus efeitos em relação ao terceiro adquirente.<br />

487 Entende-se por execução específica o direito que assiste ao promitente-compra<strong>do</strong>r de obter<br />

judicialmente uma decisão que produza os efeitos da declaração <strong>do</strong> promitente-vende<strong>do</strong>r em mora, ou vice-versa,<br />

envolven<strong>do</strong> um mero direito de crédito (COSTA, Salva<strong>do</strong>r da, Os Incidentes da Instância, ob. cit., p. 212).<br />

488 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 20 de Janeiro de 1999, in BMJ, 483.º, p. 195, bem como o Ac. <strong>do</strong><br />

TRP, de 15 de Abril de 2008, proc. 0820536, in www.dgsi.pt.<br />

489 A acção de execução específica de contrato-promessa de compra e venda de bem imóvel encontra-se<br />

sujeita a registo nos termos <strong>do</strong> disposto no art. 3.º, n.º 1, a) <strong>do</strong> CRPred.<br />

490 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 11 de Março de 1999, in CJ, 1999, p. 139, bem como o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 29 de<br />

Abril de 2008, proc. 745/2008, in www.dgsi.pt.<br />

491 MARQUES, J. P. Remédio, Curso de Processo Executivo à Face <strong>do</strong> Código Revisto, ob. cit., pp. 329 a<br />

331. Vide, no mesmo senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 11 de Março de 1999, in BMJ, 485.º, p. 411.<br />

pp. 182 e 183.<br />

492 Cfr. MESQUITA, Miguel, Apreensão de Bens em Processo Executivo e Oposição de Terceiro, ob. cit.,<br />

493 Idem, p. 185.


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

sobre o <strong>do</strong> promitente-compra<strong>do</strong>r porquanto o contrato-promessa com eficácia meramente<br />

obrigacional não é oponível ao direito <strong>do</strong> terceiro que foi devidamente regista<strong>do</strong>.<br />

Do mesmo mo<strong>do</strong>, se o bem imóvel objecto <strong>do</strong> contrato-promessa de compra e venda<br />

tiver si<strong>do</strong> penhora<strong>do</strong> em acção executiva movida contra o promitente-vende<strong>do</strong>r e se o<br />

promitente-compra<strong>do</strong>r tiver regista<strong>do</strong> uma acção de execução específica antes <strong>do</strong> registo da<br />

penhora, é-lhe lícito deduzir embargos de terceiro contra essa penhora da<strong>do</strong> que o direito<br />

regista<strong>do</strong> é oponível a essa diligência.<br />

Se, ten<strong>do</strong> havi<strong>do</strong> tradição da coisa, é discutível que ao promitente-compra<strong>do</strong>r seja lícito<br />

fazer uso <strong>do</strong>s embargos de terceiro, já o mesmo não se poderá dizer nas situações em que não<br />

tenha havi<strong>do</strong> qualquer traditio. Na verdade, nesse caso em concreto falta ao promitente-<br />

compra<strong>do</strong>r o corpus ou animus possidendi sobre a coisa, motivo pelo qual se encontra<br />

automaticamente precludida qualquer possibilidade de invocação de posse ou de detenção<br />

qualificada, bem como <strong>do</strong> direito de retenção sobre a coisa enquanto requisito essencial para a<br />

dedução de embargos de terceiro.<br />

3.6. ARRESTO<br />

3.6.1. REGIME JURÍDICO<br />

O arresto, enquanto meio de conservação da garantia patrimonial, visa acautelar a<br />

satisfação de um crédito pela afectação provisória de bens <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r. Deste mo<strong>do</strong>, trata-se de<br />

um verdadeiro direito real de garantia de natureza processual na medida em que tem por<br />

objecto a afectação jurídica de bens <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r com o propósito de assegurar o cumprimento de<br />

uma obrigação de natureza pecuniária. Nos termos <strong>do</strong> art. 619.º, n.º 1, <strong>do</strong> CC, o cre<strong>do</strong>r que<br />

tenha o justo receio 494 de perder a garantia patrimonial <strong>do</strong> seu crédito pode requerer o arresto<br />

<strong>do</strong>s bens <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r, nos termos da lei de processo 495 .<br />

494 “O justo receio, como pressuposto de um arresto, des<strong>do</strong>bra-se em <strong>do</strong>is elementos: a) um que existe — o<br />

próprio receio; e b) outro que, provavelmente, virá a existir sem a medida cautelar — o facto recea<strong>do</strong> (Ac. <strong>do</strong> TRE, de<br />

26 de Fevereiro de 1987, in BMJ, 366.º, p. 587).<br />

495 Cfr. o art. 2905, § 1, <strong>do</strong> CC It.: “Il creditore può chiedere il sequestro conservativo dei beni del debitore,<br />

secon<strong>do</strong> le regole stabilite dal codice di procedura civile.”<br />

155


156<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

Em sede de direito adjectivo, a providência cautelar de arresto encontra-se regulada no<br />

art. 406.º <strong>do</strong> CPC e pode ser requerida pelo cre<strong>do</strong>r que apresente um funda<strong>do</strong> receio de perder<br />

a garantia desse crédito — não sen<strong>do</strong> necessário provar que o mesmo é certo, líqui<strong>do</strong> e exigível 496<br />

—, sen<strong>do</strong> suficiente, atenta a urgência da providência, uma summaria cognitio quanto à<br />

existência <strong>do</strong> crédito e <strong>do</strong> justifica<strong>do</strong> receio de perda da garantia patrimonial para que o arresto<br />

possa vir a ser decreta<strong>do</strong> 497. Nessa exacta medida, a título de causa de pedir, o cre<strong>do</strong>r deve<br />

invocar os factos revela<strong>do</strong>res da probabilidade da existência, na sua titularidade, <strong>do</strong> direito de<br />

crédito e <strong>do</strong> receio de perda da respectiva garantia patrimonial 498 .<br />

Ten<strong>do</strong> em vista a protecção <strong>do</strong> crédito, o arresto efectiva-se através da apreensão de<br />

bens <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r cujo valor, em obediência ao princípio da proporcionalidade, seja suficiente<br />

para acautelar o cumprimento da obrigação 499 500 .<br />

Seguin<strong>do</strong>, a título subsidiário, o regime jurídico da penhora, em regra apenas são<br />

susceptíveis de arresto os bens que integrem o património <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r (art. 821.º <strong>do</strong> CC).<br />

Todavia, nos termos <strong>do</strong> art. 619.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC, o arresto pode ser requeri<strong>do</strong> contra o<br />

496 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 21 de Abril de 1998, in BMJ, 476.º, p. 493. Vide, também, o Ac.<br />

<strong>do</strong> STJ, de 20 de Dezembro de 1977, in BMJ, 272.º, p. 169, segun<strong>do</strong> o qual “[O] mero facto da obrigação ainda<br />

não estar vencida não obsta ao decretamento <strong>do</strong> arresto, mas o direito de crédito em causa deve ser actual e não<br />

meramente futuro.”<br />

497 Cfr., a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> TRE, de 25 de Março de 1993, in BMJ, 425.º, p. 641: “A lei exige<br />

apenas a «provável existência <strong>do</strong> crédito» e não a «certeza <strong>do</strong> crédito» que se traduz na exigência de «uma mera<br />

apreciação <strong>do</strong> direito de crédito». Neste senti<strong>do</strong>, basta alegar factos que, comprova<strong>do</strong>s, apontem para a aparência<br />

da existência <strong>do</strong> direito de crédito, factos que são conheci<strong>do</strong>s pelo tribunal em termos rápi<strong>do</strong>s e sumários de mo<strong>do</strong><br />

a que a sua existência possa ser dada como assente baseada em juízo de mera probabilidade ou verosimilhança.”<br />

498 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 27 de Maio de 1999, in BMJ, 487.º, p. 352.<br />

499 Seguin<strong>do</strong> o arresto o regime jurídico da penhora, no caso de recair sobre bens móveis não sujeitos a<br />

registo, o arresto é efectua<strong>do</strong> através da apreensão efectiva <strong>do</strong>s bens e com a sua imediata remoção para<br />

depósitos, assumin<strong>do</strong> o agente de execução que tiver procedi<strong>do</strong> à realização da diligência a qualidade de fiel<br />

depositário (art. 848.º, n.º 1, <strong>do</strong> CPC). Por sua vez, recain<strong>do</strong> o arresto sobre bens imóveis ou móveis sujeitos a<br />

registo, a providência é efectuada através de comunicação electrónica à conservatória <strong>do</strong> registo respectivo, a qual<br />

vale como apresentação para efeito de inscrição no registo. Uma vez efectuada a inscrição, o arresto é efectua<strong>do</strong><br />

através da elaboração <strong>do</strong> respectivo auto, sen<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong> como fiel depositário, em regra, o próprio solicita<strong>do</strong>r de<br />

execução, salvo quan<strong>do</strong> se verifique alguma das situações previstas no art. 839.º <strong>do</strong> CPC.<br />

500 Embora reportan<strong>do</strong>-se à penhora, vide o § 803 <strong>do</strong> ZPO segun<strong>do</strong> qual a execução forçosa <strong>do</strong> património<br />

<strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r não deve exceder o que for necessário para a satisfação <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r, bem como para o pagamento das<br />

demais despesas com a execução.


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

adquirente <strong>do</strong>s bens <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r, se tiver si<strong>do</strong> judicialmente impugnada a transmissão desses<br />

bens 501. Com efeito, caso a impugnação pauliana venha a ser julgada procedente, o cre<strong>do</strong>r terá o<br />

direito de executar os bens objecto de impugnação no próprio <strong>do</strong> obriga<strong>do</strong> à restituição,<br />

justifican<strong>do</strong>-se, assim, que se permita o arresto <strong>do</strong>s bens <strong>do</strong> terceiro que se encontrem na sua<br />

posse ou que tenham integra<strong>do</strong> o seu património por via da transmissão oportunamente<br />

impugnada.<br />

Tratan<strong>do</strong>-se de um direito real de garantia, o cre<strong>do</strong>r arrestante deve promover e<br />

converter o arresto em penhora de mo<strong>do</strong> a poder obter a satisfação coactiva <strong>do</strong> seu crédito,<br />

sen<strong>do</strong> certo que, ao abrigo <strong>do</strong> disposto no art. 822.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC, ten<strong>do</strong> os bens <strong>do</strong> executa<strong>do</strong><br />

si<strong>do</strong> previamente arresta<strong>do</strong>s, a anterioridade da penhora reporta-se à data <strong>do</strong> arresto 502.<br />

No que concerne aos efeitos <strong>do</strong> arresto, os actos de disposição <strong>do</strong>s bens arresta<strong>do</strong>s são<br />

ineficazes em relação ao requerente (art. 622.º, n.º 1, <strong>do</strong> CC). Por outro la<strong>do</strong>, são insusceptíveis<br />

de arresto os bens impenhoráveis tal como vêm defini<strong>do</strong>s nos arts. 822.º a 824.º <strong>do</strong> CC 503 .<br />

3.6.2. TUTELA DO ARRESTO EM SEDE DE EMBARGOS DE TERCEIRO<br />

Conforme se referiu supra, os embargos de terceiro têm por objecto a protecção da<br />

posse ou de um direito incompatível de um terceiro contra a penhora ou uma diligência<br />

judicialmente ordenada de apreensão ou entrega de bens. Nesta medida, a diligência de<br />

apreensão de bens em sede de arresto é susceptível de desencadear a reacção de terceiros em<br />

virtude de uma agressão subjectivamente ilegal <strong>do</strong> seu património. Na verdade, seguin<strong>do</strong> o<br />

arresto as normas previstas para a penhora, só são susceptíveis de arresto os bens que<br />

501 Cfr., a este propósito, o art. 2905., § 2, <strong>do</strong> CC It., segun<strong>do</strong> o qual “[I]l sequestro può essere chiesto<br />

anche nei confronti del terzo acquirente dei beni del debitore, qualora sia stata proposta l'azione per far dichiarare<br />

l'inefficacia dell'alienazione.”<br />

502 Com efeito, tal como refere LUCAS PIRES, “o arresto, uma vez converti<strong>do</strong> em penhora, confere um [sic]<br />

ao respectivo requerente um direito de preferência em tu<strong>do</strong> análogo ao da penhora — com a vantagem de os efeitos<br />

retroagirem à data <strong>do</strong> arresto — deven<strong>do</strong> ser qualifica<strong>do</strong>, tal como esta, como uma causa legal de preferência”<br />

(PIRES, Miguel Lucas, Dos Privilégios Creditórios: Regime Jurídico e sua Influência no Concurso de Cre<strong>do</strong>res, ob.<br />

cit., p. 142).<br />

503 Nessa exacta medida, não é susceptível de arresto, designadamente, o direito a alimentos (art. 2008.º,<br />

n.º 2, <strong>do</strong> CC) e o direito de uso e habitação (art. 1488.º <strong>do</strong> CC). Cfr., a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> TRE, de 28 de<br />

Fevereiro de 1985, in BMJ, 346,º, p. 325: “Só podem ser objecto de arresto bens que possam ser penhoráveis.”<br />

157


158<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

integrem o património <strong>do</strong> arresta<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> certo que o ónus da prova de que os bens pertencem<br />

ao deve<strong>do</strong>r cabe ao requerente 504.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, se o cre<strong>do</strong>r tiver arresta<strong>do</strong> bens <strong>do</strong> seu deve<strong>do</strong>r como forma de garantir<br />

o pagamento <strong>do</strong> seu crédito, e se esses bens vierem a ser objecto de novo arresto ou penhora<br />

em momento posterior, não é lícito ao cre<strong>do</strong>r arrestante deduzir embargos de terceiro contra<br />

essa diligência. Na verdade, sen<strong>do</strong> o arresto um direito de natureza real que visa garantir ao<br />

cre<strong>do</strong>r a satisfação <strong>do</strong> seu crédito em caso de receio funda<strong>do</strong> de perda da sua garantia,<br />

facilmente se constata que tal direito não se revela incompatível com a penhora que venha a<br />

incidir sobre o bem arresta<strong>do</strong> atentas as finalidades que se visam atingir com essa diligência.<br />

Assim, o cre<strong>do</strong>r que tiver arresta<strong>do</strong> um imóvel carece de legitimidade para deduzir<br />

embargos de terceiro contra a penhora desse bem já que encontrará naturalmente a satisfação<br />

<strong>do</strong> seu crédito no esquema concursal da acção executiva 505.<br />

4. DIREITOS REAIS DE GOZO<br />

Os direitos reais de gozo integram as cinco categorias previstas no Livro III <strong>do</strong> Código<br />

Civil, a saber: propriedade; usufruto, uso e habitação; direito de superfície; servidões prediais; e<br />

o direito real de habitação periódica 506 . Os direitos reais de gozo alicerçam-se no ius utendi, ius<br />

fruendi e ius abutendi, ou seja, no direito de uso, fruição e disposição da coisa 507. Deste mo<strong>do</strong>, os<br />

direitos reais de gozo caracterizam-se por atribuir ao respectivo titular “a faculdade de fruir as<br />

utilidades ou vantagens económicas da coisa que é objecto <strong>do</strong> direito” 508 , ou seja, o conteú<strong>do</strong><br />

504 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 9 de Fevereiro de 1982, in BMJ, 314.º, p. 260.<br />

505 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 4 de Novembro de 2004, proc. 0435504, in www.dgsi.pt, bem como o Ac. <strong>do</strong> STJ,<br />

de 17 de Março de 2005, proc. 438/05 - 7.ª secção, in www.dgsi.pt.<br />

506 Cfr. ASCENSÃO, José de Oliveira, Direito Civil – Reais, ob. cit., p. 12.<br />

507 Por uso entende-se a faculdade de utilização da coisa objecto <strong>do</strong> direito com vista à satisfação de<br />

necessidades. Por sua vez, a fruição traduz-se no poder de gozar e de retirar da coisa frutos civis ou naturais. Por<br />

fim, o direito de disposição da coisa “abrange poderes materiais que se reconduzem ao poder de transformação, e<br />

poderes jurídicos, como os de alienar, onerar ou renunciar” (ASCENSÃO, José de Oliveira, Direito Civil – Reais, ob.<br />

cit., p. 174).<br />

508 COSTA, Mário Júlio de Almeida, Noções Fundamentais de Direito Civil, ob. cit., p. 392.


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

deste direito traduz-se no “desfrute por parte <strong>do</strong> seu titular, das qualidades proporcionadas pela<br />

coisa” 509.<br />

Em termos genéricos, ao abrigo <strong>do</strong> disposto no n.º 2 <strong>do</strong> art. 824.º <strong>do</strong> CC, os direitos<br />

reais de gozo cuja constituição ou registo se verifique em momento posterior à constituição ou<br />

registo de qualquer arresto, penhora ou garantia, não admitem a dedução de embargos de<br />

terceiro, da<strong>do</strong> que esses direitos se extinguem automaticamente por mera força da venda<br />

executiva. Exceptuam-se, no entanto, os direitos reais de gozo constituí<strong>do</strong>s em data anterior à<br />

penhora <strong>do</strong>s bens e os que produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de<br />

registo.<br />

Nesta medida, os direitos reais de gozo que caducarem ipso facto com a venda<br />

executiva — direitos reais de gozo sujeitos a registo e regista<strong>do</strong>s em momento posterior ao<br />

arresto, penhora ou garantia, ou direitos reais de gozo que, ainda que oponíveis a terceiros<br />

independentemente de registo, só foram constituí<strong>do</strong>s em momento posterior ao arresto, penhora<br />

ou garantia — não permitem ao seu titular a dedução de embargos de terceiro. Contu<strong>do</strong>, importa<br />

salientar que o direito caduca<strong>do</strong> se transfere para o produto da venda <strong>do</strong> respectivo bem ao<br />

abrigo <strong>do</strong> disposto no art. 824.º, n.º 3, <strong>do</strong> CC, pelo que o respectivo possui<strong>do</strong>r pode ser<br />

indemniza<strong>do</strong> pelo prejuízo sofri<strong>do</strong> com a extinção da sua posse 510 .<br />

Em contrapartida, estan<strong>do</strong> em causa uma acção executiva para entrega de coisa certa, o<br />

direito real de gozo será incompatível com semelhante diligência se implicar a usufruição da<br />

coisa 511 .<br />

4.1. PROPRIEDADE<br />

4.1.1. REGIME JURÍDICO<br />

O direito de propriedade é o principal direito real de gozo 512 513 . Na verdade, dispõe o art.<br />

1305.º <strong>do</strong> CC que o proprietário goza de mo<strong>do</strong> pleno e exclusivo <strong>do</strong>s direitos de uso, fruição e<br />

cit., p. 616.<br />

509 Cfr. CORDEIRO, António Menezes, Direitos Reais, ob. cit., 1979, p. 286.<br />

510 Cfr. SOUSA, Miguel Teixeira de, «A Penhora de bens na posse de terceiros», ob. cit., p. 82.<br />

511 FREITAS, José Lebre de; PINTO, Rui; REDINHA, João, Código de Processo Civil Anota<strong>do</strong>, vol. 1.º, ob.<br />

159


160<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

disposição das coisas que lhe pertencem, dentro <strong>do</strong>s limites da lei e com observância das<br />

restrições por ela impostas 514.<br />

Deste mo<strong>do</strong>, o direito de propriedade traduz-se numa verdadeira plena in re potestas,<br />

sen<strong>do</strong> certo que uma das suas principais características consiste na sua plenitude, isto é, no<br />

facto deste direito abraçar to<strong>do</strong>s os poderes que são susceptíveis de serem exerci<strong>do</strong>s sobre uma<br />

coisa 515. Citan<strong>do</strong> MENEZES CORDEIRO, a plenitude traduz-se na “característica pela qual a<br />

permissão normativa de aproveitamento da coisa, na ausência de limitações ou restrições, se<br />

estende até aos confins das possibilidades jurídicas permitidas pela coisa” 516 . Assim, o<br />

proprietário, dentro <strong>do</strong>s limites que lhe são impostos pela ordem jurídica, é titular <strong>do</strong> “monopólio<br />

das vantagens que a coisa é susceptível de proporcionar.” 517<br />

Por outro la<strong>do</strong>, o direito de propriedade permite o gozo exclusivo da coisa, isto é,<br />

estabelece uma relação intrínseca e umbilical entre o proprietário e a coisa, embora tal não<br />

signifique que não possam coexistir outros direitos em relação à coisa paralelamente ao direito<br />

de propriedade — será o caso, e.g., da oneração de um imóvel com um direito de usufruto,<br />

situação que não se revela incompatível com a coexistência <strong>do</strong> direito de propriedade sobre a<br />

coisa. Vale isto por dizer que a exclusividade <strong>do</strong> direito de propriedade não significa um ius<br />

excluendi omnes alios.<br />

512 De acor<strong>do</strong> com o art. 2169.º <strong>do</strong> Código Civil de 1867, o direito de propriedade abrangia os direitos de<br />

fruição, transformação, exclusão e defesa, restituição e indemnização em caso de violação, dano ou usurpação, e<br />

de alienação. Por sua vez, determinava o art. 2167.º que o direito de propriedade se traduzia na faculdade que o<br />

homem tinha, de aplicar à conservação da sua existência, e ao melhoramento da sua condição, tu<strong>do</strong> quanto para<br />

esse fim legitimamente tivesse adquiri<strong>do</strong> e de que, portanto, podia dispor livremente.<br />

513 Quanto à formulação <strong>do</strong> conceito de propriedade, dividin<strong>do</strong>-o em duas teorias — teoria da pertença e<br />

teoria <strong>do</strong> senhorio —, vide CORDEIRO, A. Menezes, Direitos Reais, ob. cit., pp. 621 a 625.<br />

514 Em termos de direito compara<strong>do</strong>, o Código Civil Francês determina que a propriedade consiste no<br />

direito de gozar e de dispor uma coisa de forma plena, desde que dela não seja feito um uso proibi<strong>do</strong> por lei ou<br />

pelos regulamentos (art. 544 <strong>do</strong> CC Fr.). Em senti<strong>do</strong> semelhante estabelece o Código Civil Italiano que o proprietário<br />

tem o direito de gozar e de dispor da coisa de forma plena e exclusiva, dentro <strong>do</strong>s limites e com a observância das<br />

obrigações impostas pelo ordenamento jurídico (art. 832 <strong>do</strong> CC It.).<br />

515 DUARTE, Rui Pinto, Curso de Direitos Reais, ob. cit., p. 19.<br />

516 CORDEIRO, António Menezes, Direitos Reais, ob. cit., p. 626.<br />

517 MESQUITA, Manuel Henrique, Obrigações e Ónus Reais, ob. cit., p. 74.


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

Estan<strong>do</strong> em causa o exercício <strong>do</strong> direito de propriedade sobre bens imóveis, a<br />

oponibilidade <strong>do</strong>s efeitos desse direito em relação a terceiros depende <strong>do</strong> respectivo registo [art.<br />

2.º, n.º 1, a), <strong>do</strong> CRPred.].<br />

Como reflexo <strong>do</strong> seu carácter absoluto enquanto direito real, a eficácia erga omnes da<br />

propriedade reconduz-se a <strong>do</strong>is direitos essenciais ― o direito de preferência e o direito de<br />

sequela. Pelo primeiro, o proprietário pode opor o seu direito a qualquer situação jurídica que<br />

com ele seja incompatível com referência ao princípio da prioridade temporal quanto à<br />

constituição de direitos. Por sua vez, o direito de sequela consiste no poder atribuí<strong>do</strong> ao titular <strong>do</strong><br />

direito de propriedade de fazer valer os seus direitos sobre a coisa, independentemente <strong>do</strong> lugar<br />

onde esta se encontre 518 .<br />

4.1.2. TUTELA DO DIREITO DE PROPRIEDADE EM SEDE DE EMBARGOS DE TERCEIRO<br />

Da plenitude e exclusividade <strong>do</strong> direito de propriedade decorre para o proprietário o<br />

direito de afastar eventuais terceiros que possam afectar o exercício <strong>do</strong> seu direito.<br />

A defesa <strong>do</strong> direito de propriedade tanto pode ter lugar através da via judicial, como pela<br />

via extrajudicial. No que concerne à via extrajudicial, o art. 1314.º <strong>do</strong> CC prevê a possibilidade<br />

de recurso à acção directa como meio para a defesa da propriedade, deven<strong>do</strong> entender-se por<br />

acção directa a faculdade conferida ao titular <strong>do</strong> direito de recorrer à força com o fim de realizar<br />

ou assegurar o próprio direito quan<strong>do</strong> se revele impossível o recurso em tempo útil aos meios<br />

normais.<br />

Em sede judicial, paralelamente ao recurso à acção de reivindicação — meio processual<br />

através <strong>do</strong> qual o proprietário não possui<strong>do</strong>r pode exigir de um possui<strong>do</strong>r ou mero detentor o<br />

reconhecimento <strong>do</strong> seu direito de propriedade e a consequente restituição da coisa —, é lícito ao<br />

proprietário defender o seu direito de propriedade através de embargos de terceiro face à<br />

penhora ou a um acto judicialmente ordena<strong>do</strong> de apreensão ou de entrega de bens 519. Assim,<br />

518 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, VARELA, João de Matos Antunes, Das Obrigações em Geral, vol. I, ob. cit., pp. 169<br />

– 171. Vide, também, FRAGA, Álvaro Moreira Carlos, Direitos Reais…, ob. cit., p. 48.<br />

519 Contu<strong>do</strong>, não é lícito ao terceiro proprietário deduzir embargos de terceiro contra a penhora <strong>do</strong>s seus<br />

bens quan<strong>do</strong> a alienação efectuada a seu favor pelo executa<strong>do</strong> tenha si<strong>do</strong> declarada ineficaz em consequência da<br />

procedência de uma acção de impugnação pauliana (cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 23 de Abril de 2001, in CJ, tomo II,<br />

2001, p. 205.<br />

161


162<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

e.g., se o senhorio que no contrato de arrendamento para habitação incluiu bens móveis, vê<br />

estes bens serem penhora<strong>do</strong>s ao arrendatário/executa<strong>do</strong>, pode deduzir embargos de terceiro e<br />

obter ganho da causa desde que demonstre a propriedade desses mesmos bens 520. De igual<br />

mo<strong>do</strong>, se o terceiro pretende reagir contra a penhora com base na aquisição originária da<br />

propriedade de um bem imóvel por usucapião, os seus embargos deverão ser julga<strong>do</strong>s<br />

procedentes, ainda que esteja em causa uma penhora registada em momento posterior 521.<br />

Assim, se numa execução movida contra o deve<strong>do</strong>r for penhora<strong>do</strong> um bem que<br />

pertence, na realidade, a um terceiro, uma vez que essa penhora não é inválida e da<strong>do</strong> que a<br />

execução poderá prosseguir sobre esse bem, deve o terceiro proprietário deduzir embargos de<br />

terceiro, uma vez que não se converteu em executa<strong>do</strong> por mero efeito da penhora 522.<br />

Na verdade, em to<strong>do</strong>s estes casos, o proprietário pode reagir contra qualquer acto de<br />

ingerência ou de afectação da coisa por parte de terceiros, ainda que essa agressão assuma<br />

uma natureza judicial. Trata-se, com efeito, de um verdadeiro poder de sequela por parte <strong>do</strong><br />

proprietário da coisa, poden<strong>do</strong>, consequentemente, seguir a coisa independentemente de onde<br />

ela se encontrar ten<strong>do</strong> em vista a protecção exclusiva <strong>do</strong> seu direito (ubi rem mea invenio, ibi<br />

vindico) 523 .<br />

Ainda que o terceiro proprietário <strong>do</strong> bem penhora<strong>do</strong> ou apreendi<strong>do</strong> não seja o seu<br />

possui<strong>do</strong>r, mesmo assim pode deduzir embargos de terceiro com fundamento na<br />

incompatibilidade <strong>do</strong> seu direito relativamente ao âmbito ou à finalidade da diligência (ao<br />

contrário <strong>do</strong> que sucedia no anterior regime jurídico <strong>do</strong>s embargos de terceiro enquanto meio<br />

exclusivo de tutela possessória), a não ser que esteja em causa, por exemplo, uma alienação<br />

posterior à penhora, a qual é ineficaz em relação à execução e, como tal, compatível com as<br />

finalidades da penhora (art. 819.º <strong>do</strong> CC) 524 .<br />

520 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 31 de Janeiro de 2000, proc. 9951416, in www.dgsi.pt.<br />

521 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 27 de Maio de 2004, proc. 1794/2004-2, in www.dgsi.pt.<br />

522 Cfr. ANGEL FERNANDEZ, Miguel, Derecho Procesal Civil III, ob. cit., p. 72.<br />

523 No direito de propriedade a possibilidade de recurso ao direito de sequela implica que a coisa se<br />

encontre ilegitimamente em poder de um terceiro e visa defender o direito contra a agressão por este cometida<br />

(MESQUITA, Manuel Henrique, Obrigações e Ónus Reais, Almedina, Coimbra, 1990, p. 80).<br />

524 Cfr., a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 22 de Janeiro de 2008, proc. 116-C/2002.C1, in www.dgsi.pt:<br />

“Nos termos <strong>do</strong> art. 819º <strong>do</strong> CC, sem prejuízo das regras <strong>do</strong> registo, são ineficazes em relação ao exequente os<br />

actos de disposição ou oneração <strong>do</strong>s bens penhora<strong>do</strong>s. Tais actos não são, pois, nulos ou anuláveis, apenas não


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

Contu<strong>do</strong>, existem situações em que a mera titularidade <strong>do</strong> direito de propriedade sobre<br />

um bem não confere interesse processual ao respectivo titular para deduzir embargos de<br />

terceiro. Será o caso, e.g., de uma execução em que se verifique a penhora <strong>do</strong> direito ao<br />

arrendamento e trespasse de um armazém, já que em tal circunstância essa diligência não<br />

ofende a posse ou o direito <strong>do</strong> respectivo proprietário 525.<br />

4.1.3. A SITUAÇÃO PARTICULAR DA TUTELA DA PROPRIEDADE ATRAVÉS DE<br />

EMBARGOS DE TERCEIRO QUANTO A BENS SUJEITOS A REGISTO<br />

No que concerne aos seus fins, o registo predial destina-se essencialmente a dar<br />

publicidade à situação jurídica <strong>do</strong>s prédios 526 527 , ten<strong>do</strong> em vista a segurança <strong>do</strong> comércio jurídico<br />

imobiliário (art. 1.º <strong>do</strong> CRPred.). Ora, a publicidade garantida pelo registo predial é realizada de<br />

forma indirecta, porquanto divulga quais os actos que, ten<strong>do</strong> eficácia em relação a terceiros,<br />

interferem na configuração da situação jurídica <strong>do</strong>s prédios.<br />

Regra geral, a tutela <strong>do</strong> direito de propriedade relativamente a bens sujeitos a registo em<br />

sede de embargos de terceiro depende da efectividade <strong>do</strong> registo desse bem. Na verdade,<br />

conforme resulta <strong>do</strong> art. 5.º, n.º 1, <strong>do</strong> CRPred., os factos sujeitos a registo só produzem efeitos<br />

em relação a terceiros após a data <strong>do</strong> registo. Note-se, contu<strong>do</strong>, que este efeito não reveste um<br />

carácter constitutivo porquanto o registo inscrito constitui presunção iuris tantum de que o direito<br />

existe e que pertence ao titular inscrito nos exactos termos em que o registo assim o define (art.<br />

poden<strong>do</strong> afectar a finalidade da acção executiva. Está veda<strong>do</strong> ao adquirente de bem penhora<strong>do</strong> embargar de<br />

terceiro, porque a penhora não ofende o seu direito, sen<strong>do</strong> este compatível com a realização daquela diligência.”<br />

525 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 14 de Março de 2000, proc. 0080641, in www.dgsi.pt.<br />

526 Trata-se, com efeito, de uma “publicidade racionalizada” porquanto “deriva da intenção deliberada de<br />

dar a conhecer ao público determinada situação jurídica, sen<strong>do</strong>, normalmente, instituída ou imposta pelo Esta<strong>do</strong><br />

(cfr. CORDEIRO, António Menezes, Direitos Reais, ob. cit., p. 264).<br />

527 Quanto às características e finalidades da publicidade registral, vide MENDES, Isabel Pereira, Estu<strong>do</strong>s<br />

sobre Registo Predial, Almedina, Coimbra, 2003, p. 48: “O registo jurídico de bens imobiliários, nos moldes em que<br />

é organiza<strong>do</strong> na maioria <strong>do</strong>s países (…) tem por objectivo a protecção da aparência jurídica, ou seja, uma segurança<br />

dinâmica que radica e se apoia na segurança estática, e consiste em que o subadquirente que, de boa fé, adquira<br />

um direito inscrito no registo, e que por sua vez o inscreva seu favor, deve ficar imuniza<strong>do</strong> contra qualquer forma de<br />

impugnação <strong>do</strong> registo anterior a favor <strong>do</strong> transmitente.”<br />

163


164<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

7.º <strong>do</strong> CRPred.) 528 . Assim, pela sua finalidade específica de publicitar a situação jurídica <strong>do</strong>s<br />

imóveis ou móveis sujeitos a registo e garantir a segurança das relações jurídicas, o titular <strong>do</strong><br />

direito devidamente inscrito no registo não carece de provar a factualidade que por si só resulta<br />

dessa presunção, antes caben<strong>do</strong> ao terceiro que não se conforme com a natureza <strong>do</strong> acto<br />

jurídico regista<strong>do</strong> a demonstração de que tal direito não existe (art. 350.º <strong>do</strong> CC).<br />

Ora, a questão que se coloca para efeitos <strong>do</strong> presente estu<strong>do</strong> é a de saber se um<br />

terceiro que tenha adquiri<strong>do</strong> um bem sujeito a registo antes da penhora, mas que não tenha<br />

regista<strong>do</strong> a sua aquisição, poderá fazer valer o seu direito contra as partes primitivas em sede de<br />

embargos de terceiro.<br />

Partin<strong>do</strong> <strong>do</strong>s princípios da eficácia e da prioridade temporal (prior in tempore, potior in<br />

iure), a jurisprudência e a <strong>do</strong>utrina sufragavam maioritariamente o entendimento amplo de que o<br />

direito real de garantia (devidamente regista<strong>do</strong>) <strong>do</strong> exequente devia prevalecer sobre o direito de<br />

propriedade <strong>do</strong> terceiro que não tivesse si<strong>do</strong> regista<strong>do</strong> em data anterior 529 . Assim, se um terceiro<br />

adquirisse um imóvel por aquisição derivada em momento anterior à penhora, mas não tivesse<br />

procedi<strong>do</strong> ao registo da sua aquisição, não poderia embargar com sucesso para defender o seu<br />

direito de propriedade 530 .<br />

No entanto, alguma jurisprudência, em oposição a semelhante <strong>do</strong>utrina, sustentava que<br />

o registo predial tinha apenas um valor declarativo e não constitutivo 531 , motivo pelo qual o registo<br />

528 Cfr., quanto aos efeitos <strong>do</strong> registo, FERNANDES, Luís A. <strong>Carvalho</strong>, «Terceiros para efeitos de registo<br />

predial», in ROA, ano 57.º, vol. III, 1997, p. 1307. Com efeito, este autor refere que “(…) sen<strong>do</strong>, sem dúvida, em<br />

certos casos, a eficácia <strong>do</strong> registo declarativa ou enunciativa, se algum efeito normal nele se pode identificar este é<br />

consolidativo; e se, em regra, o registo predial, no Direito português, não tem efeito constitutivo, a sua relevância<br />

consolidativa desenvolve-se, por vezes, num outro efeito que qualificamos de aquisitivo”.<br />

529 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, SERRA, Vaz, «Anotação ao Ac. <strong>do</strong> STJ, de 11 de Fevereiro de 1969, in RLJ, 103.º,<br />

p. 165, segun<strong>do</strong> o qual “[A] noção de terceiro em registo predial e a que resulta da função <strong>do</strong> registo, <strong>do</strong> fim ti<strong>do</strong><br />

em vista pela lei ao sujeitar o acto a registo: e, pretenden<strong>do</strong> a lei assegurar a terceiros que o mesmo autor não<br />

dispôs da coisa ou não a onerou senão nos termos que constarem <strong>do</strong> registo, esta intenção legal é aplicável<br />

também ao caso da penhora, já que o cre<strong>do</strong>r que fez penhorar a coisa carece de saber se esta se encontra, ou não,<br />

livre e na propriedade <strong>do</strong> executa<strong>do</strong>.”<br />

530 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 24 de Janeiro de 1989, in BMJ, 383.º, p. 601. Vide, no mesmo senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong><br />

TRP, de 4 de Novembro de 1997, proc. 9720515, in www.dgsi.pt: “Não podem proceder os embargos de terceiro<br />

em que os embargantes afirmam que o prédio lhes pertence e está inscrito em seu nome no registo, mas não<br />

comprovaram a sua posse sobre o mesmo prédio.”<br />

531 Vide, quanto a esta questão, DUARTE, Rui Pinto, Curso de Direitos Reais, ob. cit., p. 133.


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

constituía uma presunção iuris tantum de que o direito existia e que pertencia ao titular inscrito<br />

no registo. Nesta medida, não deviam ser liminarmente indeferi<strong>do</strong>s os embargos de terceiro que<br />

fossem deduzi<strong>do</strong>s contra a penhora de um bem só pelo facto de o registo de penhora ser<br />

anterior ao registo de aquisição desse bem, ainda que esta tivesse lugar em momento anterior 532 .<br />

Com o propósito de harmonizar a jurisprudência em torno desta questão 533, o Supremo<br />

Tribunal de Justiça, através <strong>do</strong> acórdão uniformiza<strong>do</strong>r de jurisprudência n.º 15/97, de 20 de<br />

Maio 534 , veio sufragar o conceito amplo de que são terceiros para efeitos de registo to<strong>do</strong>s aqueles<br />

que, ten<strong>do</strong> obti<strong>do</strong> registo de um direito sobre determina<strong>do</strong> prédio, veriam esse direito ser<br />

535 arreda<strong>do</strong> por qualquer facto jurídico anterior não regista<strong>do</strong> ou regista<strong>do</strong> posteriormente 536.<br />

Nessa exacta medida, de acor<strong>do</strong> com este entendimento jurisprudencial, deviam ser<br />

julga<strong>do</strong>s improcedentes os embargos de terceiro deduzi<strong>do</strong>s pelo adquirente que não registara a<br />

sua aquisição ou que apenas tivesse procedi<strong>do</strong> ao registo em momento posterior ao <strong>do</strong> registo<br />

<strong>do</strong> acto ofensivo da sua propriedade, porquanto a falta de registo da aquisição implicava que<br />

esse acto fosse ineficaz em relação à penhora 537. Com efeito, nesse caso, o exequente e o<br />

532 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 23 de Junho de 1994, proc. 0073176, in www.dgsi.pt.<br />

533 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 17 de Fevereiro de 1994, in CJ, tomo I, 1994, p. 105, segun<strong>do</strong> o qual “[T]erceiro<br />

é aquele que tenha a seu favor um direito e, por isso, não possa ser afecta<strong>do</strong> pela produção <strong>do</strong>s efeitos dum acto<br />

que esteja fora <strong>do</strong> registo e com ele seja incompatível”. Por sua vez, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 18 de Maio de 1994, in CJ,<br />

tomo II, 1994, p. 111 determinou que “Para efeitos de registo predial, são terceiros to<strong>do</strong>s aqueles, e apenas esses,<br />

que adquirirem negocialmente e a título oneroso, <strong>do</strong> mesmo transmitente direitos incompatíveis sobre o mesmo<br />

predito.”<br />

534 Publica<strong>do</strong> no DR, I.ª Série-A, n.º 152, de 4 de Julho de 1997.<br />

535 Em justificação desta solução, verteu-se nesse acórdão que “[S]ó este conceito amplo de terceiros tem<br />

em devida conta os fins <strong>do</strong> registo e a eficácia <strong>do</strong>s actos que devam ser regista<strong>do</strong>s. Na verdade, se o registo predial<br />

se destina essencialmente a dar publicidade à situação jurídica <strong>do</strong>s prédios, ten<strong>do</strong> em vista a segurança <strong>do</strong><br />

comércio jurídico imobiliário (…), tão digno de tutela é aquele que adquire um direito com a intervenção <strong>do</strong> titular<br />

inscrito (compra e venda, troca, <strong>do</strong>ação, etc.) como aquele a quem a lei permite obter um registo sobre o mesmo<br />

prédio sem essa intervenção (cre<strong>do</strong>r que regista uma penhora, hipoteca judicial, etc.).”<br />

536 No senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> entendimento sufraga<strong>do</strong> neste acórdão não ser inconstitucional por violação <strong>do</strong> princípio<br />

da igualdade, vide, por to<strong>do</strong>s, o Ac <strong>do</strong> TRP, de 6 de Maio de 1999, proc. 9930661, in www.dgsi.pt.<br />

537 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 8 de Julho de 1997, proc. 432 – 1.ª Secção, in www.dgsi.pt. Vide,<br />

também, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 18 de Fevereiro de 1999, proc. 46/99 – 2.ª secção, in www.dgsi.pt, cujo sumário, pela<br />

sua relevância, se transcreve: “A aquisição da propriedade não registada, pelo que aos seus outorgantes respeita,<br />

não é posta em crise pela posterior penhora registada <strong>do</strong> seu objecto. Apenas acontece que uma das potestas<br />

contida ou integrante <strong>do</strong> direito de propriedade alega<strong>do</strong>, o poder de livre disponibilidade, é afectada pelo<br />

165


166<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

adquirente eram terceiros para efeitos de registo: o exequente era terceiro em relação à<br />

aquisição efectuada pelo compra<strong>do</strong>r, e este era terceiro em relação à penhora, pois os direitos<br />

<strong>do</strong> exequente e <strong>do</strong> compra<strong>do</strong>r eram incompatíveis entre si e derivavam <strong>do</strong> mesmo autor 538.<br />

Contu<strong>do</strong>, a estabilidade que se pretendia obter com esta orientação uniformiza<strong>do</strong>ra de<br />

jurisprudência foi rapidamente abalada com o acórdão uniformiza<strong>do</strong>r de jurisprudência <strong>do</strong><br />

Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/98, de 18 de Dezembro 539, o qual veio sufragar a tese,<br />

diametralmente oposta à vertida no acórdão 15/97, de que o registo da acção de execução<br />

específica instaurada pelo promitente-compra<strong>do</strong>r não é oponível ao terceiro adquirente da coisa<br />

prometida vender que não tenha procedi<strong>do</strong> ao registo da sua aquisição 540.<br />

Face ao conflito entre estas duas orientações jurisprudenciais, a posição ampla de<br />

terceiros para efeitos de registo a<strong>do</strong>ptada pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão 15/97<br />

acabou por ser alterada com o acórdão uniformiza<strong>do</strong>r de jurisprudência n.º 3/99, de 18 de<br />

Maio 541 . Na verdade, de acor<strong>do</strong> com a tese restrita de terceiros para efeitos de registo que foi<br />

acolhida neste acórdão, passou a considerar-se que, para efeitos <strong>do</strong> disposto no art. 5.º <strong>do</strong><br />

CRPred., terceiros para efeitos de registo são os terceiros adquirentes de boa-fé 542 relativamente<br />

cerceamento coercitivo da penhora. É o preço a pagar pelo adquirente não diligente; aquele que, ten<strong>do</strong> ao seu<br />

alcance a possibilidade de, oportunamente, afastar o objecto da sua aquisição da aparente massa patrimonial <strong>do</strong><br />

vende<strong>do</strong>r, garantia comum <strong>do</strong>s cre<strong>do</strong>res deste — art.º 601 <strong>do</strong> CC — não o faz. Com essa sua falta de diligência, o<br />

adquirente induz o cre<strong>do</strong>r em erro sobre as garantias <strong>do</strong> seu crédito. É justo que sofra as consequências relativas.<br />

Foi prevenin<strong>do</strong> situações como estas que o direito registral estabeleceu que, relativamente a terceiros, os efeitos <strong>do</strong>s<br />

factos sujeitos a registo só se produzem depois de regista<strong>do</strong>s. É ainda protegen<strong>do</strong> harmonicamente estes mesmos<br />

interesses de terceiro que o art.º 821, n.º 1, <strong>do</strong> CPC de 1997, estabelece a sujeição a penhora <strong>do</strong>s bens <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r<br />

que respondam pela dívida exequenda, nos termos da lei substantiva. Relativamente a terceiros, não produzin<strong>do</strong><br />

efeitos a disposição patrimonial <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r, cuja correspectiva aquisição não seja registada, o bem seu objecto<br />

permanece adstrito ao cumprimento das suas obrigações, e assim se afirmará se sobre ele recair penhora registada<br />

(anteriormente a registo de qualquer aquisição <strong>do</strong> bem em causa).”<br />

538 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 15 de Dezembro de 1998, proc. 880/98 – 1.ª secção, in www.dgsi.pt.<br />

539 Publica<strong>do</strong> na RLJ, 131.º, 1997/1998, p. 240.<br />

540 Cfr., a este propósito, SOUSA, Miguel Teixeira de, «Sobre o conceito de terceiros para efeitos de<br />

registo», in ROA, ano 59.º, vol. I, 1999, p. 30.<br />

541 Publica<strong>do</strong> no DR, Iª Série-A, de 10 de Julho de 1999.<br />

542 O requisito da boa-fé para a determinação de terceiros para efeitos de registo vem impor que, se A<br />

vende o bem x a B e este não regista a aquisição, e se posteriormente o vende a C, que conhece a alienação<br />

anterior a B, e regista a aquisição, mesmo assim o direito de B será oponível ao de C, da<strong>do</strong> que este não é<br />

considera<strong>do</strong> terceiro para efeitos de registo. Cfr., a propósito <strong>do</strong> requisito da boa-fé, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 7 de Julho de


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

a um mesmo transmitente comum de direitos incompatíveis sobre a mesma coisa 543 544 545 . Em<br />

virtude <strong>do</strong> senti<strong>do</strong> a<strong>do</strong>pta<strong>do</strong> nesse acórdão uniformiza<strong>do</strong>r de jurisprudência, o Decreto-Lei n.º<br />

1999, proc. 976/98 – 2.ª secção, in www.dgsi.pt, segun<strong>do</strong> o qual “[T]erceiros para efeitos <strong>do</strong> disposto no artigo 5<br />

<strong>do</strong> CRP são os adquirentes, de boa fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis sobre a<br />

mesma coisa. Assim se a parte arrematou em hasta pública uma determinada fracção urbana, aquisição que<br />

oportunamente registou, mas se a mesma aquisição se operou depois de previamente informa<strong>do</strong> que a fracção em<br />

causa já não pertencia então ao executa<strong>do</strong>, mesmo que pudesse considerar-se "terceiro" carecia o mesmo de boa-<br />

fé.”<br />

543 Como fundamento desta orientação, e com relevância para o tema objecto de estu<strong>do</strong>, verteu-se neste<br />

acórdão o seguinte: “Por força <strong>do</strong> condicionamento da eficácia, em relação a terceiros, <strong>do</strong>s factos sujeitos a registo,<br />

é evidente que, se alguém vende, sucessivamente, a duas pessoas diferentes a mesma coisa, e é o segun<strong>do</strong><br />

adquirente quem, desconhecen<strong>do</strong> a primeira alienação, procede ao registo respectivo, prevalece esta segunda<br />

aquisição, por ser esse o efeito essencial <strong>do</strong> registo. Estão em causa direitos reais da mesma natureza. Aqui, a<br />

negligência, ignorância ou ingenuidade <strong>do</strong> primeiro deve soçobrar perante a agilidade <strong>do</strong> segun<strong>do</strong>, cônscio, não só<br />

<strong>do</strong>s seus direitos como <strong>do</strong>s ónus inerentes. É sob este prisma que a primeira venda leva à constituição de um<br />

direito resolúvel (…) cuja resolução ocorre perante a verificação <strong>do</strong> facto complexo de aquisição posterior, de boa-fé,<br />

seguida de registo. Isto, conforme já resulta <strong>do</strong> que acima ficou exara<strong>do</strong> em nota, quer a alienação seja voluntária,<br />

isto é, livremente negociada, quer coerciva, ou seja, obtida por via executiva. Efectuada a compra, por via de<br />

arrematação em hasta pública, ou por qualquer outro mo<strong>do</strong> de venda judicial, este mo<strong>do</strong> de alienação, na<br />

perspectiva em causa, tem, pelo menos, a mesma eficácia daqueloutra. Também aqui a prioridade <strong>do</strong> registo<br />

ultrapassa a incompatibilidade. Situação diferente é a resultante <strong>do</strong> confronto <strong>do</strong> direito real de garantia resultante<br />

da penhora registada quan<strong>do</strong> o imóvel penhora<strong>do</strong> já havia si<strong>do</strong> aliena<strong>do</strong>, mas sem o subsequente registo. Aqui, o<br />

direito real de propriedade, obti<strong>do</strong> por efeito próprio da celebração da competente escritura pública, confronta-se<br />

com um direito de crédito, embora sob a protecção de um direito real (somente de garantia). Nesta situação,<br />

mesmo que o cre<strong>do</strong>r esteja originariamente de boa fé, isto é, ignorante de que o bem já tinha saí<strong>do</strong> da esfera<br />

jurídica <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r, manter a viabilidade executiva, quan<strong>do</strong>, por via de embargos de terceiro, se denuncia a<br />

veracidade da situação, seria colocar o Esta<strong>do</strong>, por via <strong>do</strong> aparelho judicial, a, deliberadamente, ratificar algo que vai<br />

necessariamente desembocar numa situação intrinsecamente ilícita, que se aproxima de subsunção criminal, ao<br />

menos se for o próprio executa<strong>do</strong> a indicar os bens à penhora. Assim, poderia servir-se a lex, mas não seguramente<br />

o jus. (…) Com efeito, «o direito de execução pode incidir sobre bens de terceiro, quan<strong>do</strong> estejam vincula<strong>do</strong>s à<br />

garantia <strong>do</strong> crédito, ou quan<strong>do</strong> sejam objecto de acto pratica<strong>do</strong> em prejuízo <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r, que este haja<br />

procedentemente impugna<strong>do</strong>». E tão-só. Como já se verificou, o imóvel penhora<strong>do</strong>, no caso <strong>do</strong>s autos, já havia<br />

saí<strong>do</strong> <strong>do</strong> património <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r. Portanto, não podia garantir nenhuma das suas dívidas. Como bem alheio que é,<br />

pode o seu titular embargar de terceiro. A venda em execução transfere para o adquirente os direitos <strong>do</strong> executa<strong>do</strong><br />

sobre a coisa vendida. Portanto, efectuada a venda, é que os bens são transmiti<strong>do</strong>s livres <strong>do</strong>s direitos de garantia<br />

que os onerem, bem como os demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto,<br />

penhora ou garantia, com excepção <strong>do</strong>s que, constituí<strong>do</strong>s em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros<br />

167


168<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

533/99, de 11 de Dezembro, veio alterar o Código <strong>do</strong> Registo Predial, passan<strong>do</strong> a estabelecer<br />

no seu art. 5.º, n.º 4, que “terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquiri<strong>do</strong><br />

546 547 de um autor comum direitos incompatíveis entre si” 548.<br />

independentemente de registo. In casu ainda se não efectivou a venda. Nesta perspectiva, poderia dizer-se que, a<br />

conceder-se eficácia ao registo, de alguma maneira estaria a emprestar-se-lhe capacidade impeditiva de o<br />

embargante conservar o seu direito de propriedade. No entanto, é certo que ninguém pode ser priva<strong>do</strong>, no to<strong>do</strong> em<br />

ou parte, daquele direito senão por via de expropriações ou requisições, mediante pagamento de indemnização, sob<br />

pena de inconstitucionalidade. De certo mo<strong>do</strong>, estaríamos perante a figura <strong>do</strong> confisco, facto susceptível de ferir<br />

profundamente o senso comum e, portanto, de gerar grande sobressalto social. Resta acrescentar que, em casos<br />

como o presente, o exequente, perante o conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> requerimento inicial de embargos e a sua eventual<br />

procedência, passa a saber que o prédio já não é <strong>do</strong> executa<strong>do</strong>, cessan<strong>do</strong> a sua boa fé. A má fé - conhecimento da<br />

situação jurídica de certo prédio - neutraliza o requisito da publicidade registral, tornan<strong>do</strong>-o irrelevante, mesmo<br />

quan<strong>do</strong> estão em causa actos da mesma natureza, por exemplo, duas alienações. Com efeito, a publicidade<br />

destina-se a dar conhecimento. Se este já existe, inútil se torna aquela. Por isso e por to<strong>do</strong>s os valores acima<br />

expostos, torna-se evidente que, mesmo no caso de duas compras/vendas consumadas, com registo da segunda,<br />

esta não deve prevalecer se o segun<strong>do</strong> compra<strong>do</strong>r conhecia a alienação anterior”.<br />

544 Critican<strong>do</strong> este conceito de terceiro em senti<strong>do</strong> restrito, vide MENDES, Isabel Pereira, ob. cit., pp. 11 e<br />

140. Na verdade, salienta ISABEL MENDES que “(o Supremo Tribunal de Justiça) optou agora pela instabilidade,<br />

sem se aperceber de que com as suas decisões liquida o Registo Predial como sistema de garantia da segurança e<br />

certeza <strong>do</strong> comércio jurídico. (…) Em face da nova jurisprudência e filosofia e da filosofia que lhe está subjacente, o<br />

registo pouco ou nada garante, apesar <strong>do</strong>s rígi<strong>do</strong>s princípios que o norteiam (instância, prioridade, especialidade,<br />

legalidade, trato sucessivo, legitimação, fé pública registral (…)”.<br />

545 A<strong>do</strong>ptan<strong>do</strong> o conceito restritivo de terceiro, vide o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 18 de Maio de 1994, in CJ, tomo II,<br />

1994, p. 11: “para efeitos de registo predial, são terceiros to<strong>do</strong>s aqueles, e apenas esses, que adquirirem,<br />

negocialmente e a título oneroso, <strong>do</strong> mesmo transmitente direitos incompatíveis sobre o mesmo prédio.”<br />

546 No senti<strong>do</strong> de a redacção dada ao art. 5.º, n.º 4, <strong>do</strong> CRPred. assumir um carácter interpretativo para os<br />

efeitos <strong>do</strong> disposto no art. 13.º, n.º 1, <strong>do</strong> CC, vide o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 18 de Dezembro de 2003, proc. 2518/03 – 2.ª<br />

secção, in www.dgsi.pt, bem como o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 1 de Março de 2007, proc. 4768/06 – 1.ª secção, in<br />

www.dgsi.pt. Por outro la<strong>do</strong>, no senti<strong>do</strong> da norma não ser inconstitucional, nomeadamente pelo facto de o bem<br />

penhora<strong>do</strong> ter deixa<strong>do</strong> de pertencer ao património <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> muito antes da penhora <strong>do</strong> bem (art. 817.º <strong>do</strong> CC),<br />

vide o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 23 de Outubro de 2007, proc. 2380/07 – 6.ª secção, in www.dgsi.pt.<br />

547 Critican<strong>do</strong> o entendimento sufraga<strong>do</strong> pelo ac. 3/99, TEXEIRA DE SOUSA sustenta que essa orientação<br />

não pode ser aplicada aos casos de dupla alienação, seguida de transmissão efectuada pelo segun<strong>do</strong> adquirente,<br />

da<strong>do</strong> que, caso contrário, se verificaria uma violação expressa <strong>do</strong> direito positivo. Na verdade, se A vende o bem x a<br />

B e posteriormente o vende a C, que, por sua vez, o aliena a D, o qual, de boa-fé, regista em seu nome a aquisição,<br />

e se E instaura uma execução contra D e nomeia à penhora o imóvel que este adquiriu de C, B só pode embargar<br />

de terceiro de forma procedente se a acção de embargos for deduzida e registada no prazo de três anos a contar da


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

Assim, a a<strong>do</strong>pção desta tese veio permitir tutelar determinadas situações em que o<br />

direito não regista<strong>do</strong> pode ser oponível a terceiros, tu<strong>do</strong> dependen<strong>do</strong> <strong>do</strong>s terceiros que são<br />

considera<strong>do</strong>s 549. Com efeito, de acor<strong>do</strong> com esta orientação, verifican<strong>do</strong>-se um conflito entre o<br />

direito de propriedade resultante de uma aquisição por compra e venda anterior à penhora, mas<br />

não levada a registo, e uma penhora posterior a essa aquisição e devidamente registada, a<br />

aquisição anterior prevalece sobre a penhora, da<strong>do</strong> que o exequente não é um terceiro para<br />

efeitos de registo, motivo pelo qual é lícito ao terceiro deduzir procedentemente embargos de<br />

terceiro contra a penhora desse imóvel 550 . Isto pelo simples facto de que o cre<strong>do</strong>r exequente e o<br />

proprietário embargante não são legalmente considera<strong>do</strong>s terceiros para efeitos de registo<br />

porquanto não adquiriram de um mesmo transmitente comum e de boa-fé direitos incompatíveis<br />

sobre a mesma coisa 551 . No entanto, já assim não sucederá se o bem penhora<strong>do</strong> tiver si<strong>do</strong><br />

aquisição por D, por força <strong>do</strong> disposto no art. 291.º <strong>do</strong> CC. Todavia, a tese sufragada pelo acórdão 3/99 vem<br />

contrariar o art. 291.º <strong>do</strong> CC porque B e D não são terceiros para efeitos de registo (da<strong>do</strong> que B e D não adquiram<br />

<strong>do</strong> mesmo transmitente comum), prevalecen<strong>do</strong>, consequentemente, o direito de B em relação ao de D (cfr. SOUSA,<br />

Miguel Teixeira de, «Sobre o conceito de terceiros para efeitos de registo», ob. cit., p. 38).<br />

548 Vide o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 6 de Dezembro de 2001, proc. 3426/01 – 7.ª secção, de acor<strong>do</strong> com o qual “O<br />

n.º 4 <strong>do</strong> art.º 5 <strong>do</strong> CRgP, adita<strong>do</strong> a este artigo pelo DL n.º 533/99, de 11-12, a<strong>do</strong>ptan<strong>do</strong> o conceito restrito de<br />

“terceiros” para efeitos de registo predial, é incompatível com a <strong>do</strong>utrina <strong>do</strong> acórdão uniformiza<strong>do</strong>r n.º 15/97, e não<br />

deixa dúvidas sobre a revogação deste. Em embargos de terceiro instaura<strong>do</strong>s na vigência <strong>do</strong> acórdão uniformiza<strong>do</strong>r<br />

n.º 15/97, sen<strong>do</strong> proferida a decisão já na vigência <strong>do</strong> acórdão uniformiza<strong>do</strong>r n.º 3/99, de 18-05-99, é este último<br />

acórdão que deve ser aplica<strong>do</strong>.”<br />

549 Cfr., a este propósito, SOUSA, Miguel Teixeira de, «Sobre o conceito de terceiros para efeitos de<br />

registo», ob. cit., p. 30. Assim, se A vende o bem x a B, o qual não regista a sua aquisição, e se, posteriormente,<br />

vende o mesmo bem a C, que regista essa aquisição, o direito de propriedade de B é inoponível a C.<br />

550 No <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> processo civil espanhol, o legisla<strong>do</strong>r concede uma especial protecção ao terceiro<br />

adquirente <strong>do</strong> bem que não registou a sua aquisição quan<strong>do</strong> esteja em causa a casa de morada de família. Na<br />

verdade, dispõe o art. 593., 3. que “(…) cuan<strong>do</strong> el bien (sujeito a registo e cuja aquisição não tenha si<strong>do</strong> registada)<br />

de cuyo embargo se trate sea la vivienda familiar del tercero y éste presentare al tribunal el <strong>do</strong>cumento priva<strong>do</strong> que<br />

justifique su adquisición, se dará trasla<strong>do</strong> a las partes y, si éstas, en el plazo de cinco dias, manifestaren su<br />

conformidad en que no se realice el embargo, el tribunal se abstendrá de acordarlo.”<br />

551 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 29 de Setembro de 1993, in CJ, tomo III, 1993, p. 29, bem como<br />

o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 7 de Julho de 1999, proc. 99B576, in www.dgsi.pt: “Procedem assim os embargos de terceiro<br />

contra a penhora, de um prédio urbano efectivada e registada em data posterior a uma <strong>do</strong>ação não registada <strong>do</strong><br />

mesmo prédio feita anteriormente com "traditio" para a embargante.”<br />

169


170<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

aliena<strong>do</strong> em sede executiva, pois que, nesse caso, o adquirente <strong>do</strong> bem em sede judicial será<br />

terceiro em relação ao titular <strong>do</strong> direito de propriedade não regista<strong>do</strong> 552.<br />

Deste mo<strong>do</strong>, a concepção actual de “terceiros para efeitos de registo” implica que, no<br />

conflito entre a presunção derivada de registo e a derivada da posse da coisa pelo adquirente, é<br />

esta última que deve prevalecer 553.<br />

No entanto, importa referir que, para que o terceiro adquirente que não registou o seu<br />

direito possa ver julgada procedente a sua pretensão reivindicatória, não lhe basta invocar a<br />

aquisição derivada por efeito <strong>do</strong> contrato de compra e venda. Na verdade, a aquisição derivada<br />

não é constitutiva <strong>do</strong> direito de propriedade, mas tão só translativa desse direito. Deste mo<strong>do</strong>, o<br />

terceiro embargante terá apenas como alternativa a invocação da aquisição originária por<br />

usucapião ou a demonstração de que esse direito de propriedade já existia a favor <strong>do</strong><br />

transmitente, sen<strong>do</strong> suficiente, para esse efeito, que a coisa transmitida já se encontrasse<br />

inscrita a favor <strong>do</strong> transmitente à data em que o embargante dele a adquiriu de forma derivada 554<br />

555.<br />

552 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 4 de Abril de 2002, in CJ, tomo I, 2002, p. 154: “Na venda<br />

executiva gera-se uma aquisição derivada em que o executa<strong>do</strong> é o transmitente. Assim, o anterior adquirente <strong>do</strong><br />

direito de propriedade não regista<strong>do</strong> e o adquirente em venda executiva <strong>do</strong> direito de propriedade regista<strong>do</strong> são<br />

terceiros para efeitos de registo, nos termos <strong>do</strong> art. 5.º, n.º 4, <strong>do</strong> CRP. Aquele que adquiriu um direito de<br />

propriedade e omitiu o registo <strong>do</strong> negócio aquisitivo pode invocar a posse <strong>do</strong> prédio transmiti<strong>do</strong> perante terceiro<br />

para efeitos de afastar a prevalência <strong>do</strong> direito deste.<br />

553 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 8 de Abril de 1997, proc. 96A826, in www.dgsi.pt. Vide, também, o<br />

Ac. <strong>do</strong> STJ, de 2 de Novembro de 2004, proc. 2966/04 – 6.ª secção, in www.dgsi.pt: “O conceito de terceiros para<br />

efeitos de registo pressupõe que tenham adquiri<strong>do</strong> de um mesmo autor direitos incompatíveis entre si. São<br />

terceiros, entre si, um embargante compra<strong>do</strong>r de imóvel e um embarga<strong>do</strong> titular de arresto converti<strong>do</strong> em penhora<br />

sobre o mesmo imóvel. Nestas circunstâncias, improcedem os embargos se o arresto foi decreta<strong>do</strong> antes da<br />

compra <strong>do</strong> imóvel pelo embargante e foi igualmente regista<strong>do</strong> antes <strong>do</strong> registo de tal aquisição.”<br />

554 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. o TRC, de 3 de Junho de 2008, proc. 245-B/2002C.1, in www.dgsi.pt.<br />

555 A este propósito, o ac. 3/99 veio determinar que “a posse susceptível de prevalecer contra registo<br />

anterior ao início da posse, a que o menciona<strong>do</strong> artigo 1268.º se refere, não será a que já produziu usucapione,<br />

pois que esta é uma forma concreta de aquisição originária. Por isso, porque é originária, mesmo que haja registo<br />

anterior ao início dessa posse, ele cede perante aquela forma de aquisição. Assim, a posse a que se reporta o<br />

menciona<strong>do</strong> artigo só pode ser a que, revestin<strong>do</strong>-se <strong>do</strong>s requisitos inerentes ao seu conceito, entre os quais<br />

interessa, neste momento, realçar o da publicidade, ainda lhe falta capacidade aquisitiva por carência <strong>do</strong> decurso de<br />

tempo necessário.


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

Acerca <strong>do</strong> desacerto da orientação perfilhada pelo acórdão uniformiza<strong>do</strong>r de<br />

jurisprudência n.º 3/99, de 18 de Maio, nomeadamente em sede executiva, acompanhamos, de<br />

perto e pela sua clareza e objectividade, as criticas que lhe são desferidas por TEIXEIRA DE<br />

SOUSA 556 . Na verdade, o conceito de terceiros para efeitos de registo perfilha<strong>do</strong> pelo ac. 3/99<br />

mostra-se incompatível com a oponibilidade a terceiros da penhora registada resultante <strong>do</strong> art.<br />

838.º, n.º 4, <strong>do</strong> CPC, pois que, deste mo<strong>do</strong>, a penhora registada seria oponível em relação a<br />

to<strong>do</strong>s os terceiros, excepto em relação ao adquirente <strong>do</strong> bem que não tivesse regista<strong>do</strong> a sua<br />

aquisição 557 . Por outro la<strong>do</strong>, o interesse conflituante <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r exequente com o <strong>do</strong> terceiro<br />

adquirente deve ser resolvi<strong>do</strong> a favor <strong>do</strong> primeiro ten<strong>do</strong> em conta a segurança jurídica, só<br />

deven<strong>do</strong> ceder em relação aos interesses <strong>do</strong> segun<strong>do</strong> se o exequente tiver actua<strong>do</strong> de má-fé,<br />

designadamente por ter nomea<strong>do</strong> à penhora um bem que sabia de antemão não pertencer ao<br />

executa<strong>do</strong>, apesar de ainda se encontrar indevidamente regista<strong>do</strong> em nome dele 558. Acresce que,<br />

tal como refere TEXEIRA DE SOUSA, “a concepção restrita de terceiros para efeitos de registo é<br />

incompatível com a presunção iuris tantum prevista no art. 7.º <strong>do</strong> CRegP, pois que o valor que<br />

essa concepção atribui ao registo nunca coincide com esta presunção”.<br />

Em sede de embargos de terceiros, a orientação sufragada pelo acórdão uniformiza<strong>do</strong>r<br />

de jurisprudência n.º 15/97, de 20 de Maio levanta ainda problemas mais complexos. Na<br />

verdade, de acor<strong>do</strong> com o art. 824.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC determina que os bens são vendi<strong>do</strong>s livres<br />

<strong>do</strong>s direitos reais que, ainda que sujeitos a registo, não tenham si<strong>do</strong> regista<strong>do</strong>s antes <strong>do</strong> registo<br />

de qualquer arresto, penhora ou garantia. Assim, a venda executiva <strong>do</strong> bem penhora<strong>do</strong> por C em<br />

556 SOUSA, Miguel Teixeira de, «Sobre o conceito de terceiros para efeitos de registo», ob. cit., pp. 43 a 45.<br />

557 Quanto à finalidade <strong>do</strong> art. 838.º, n.º 4, <strong>do</strong> CPC, vide SILVA, Paula Costa e, «Exequente e terceiro<br />

adquirente de bens nomea<strong>do</strong>s à penhora», in ROA, ano 59.º, 1999, p. 330, a qual sustenta que “[P]erante as<br />

divergências na interpretação <strong>do</strong> art. 5.º/1 <strong>do</strong> CRgP, o legisla<strong>do</strong>r pretendeu afirmar expressamente que o exequente<br />

vê a sua situação ordenada com a de terceiros ten<strong>do</strong> em atenção a data de realização <strong>do</strong> registo de penhora. Se se<br />

entender que a ordenação <strong>do</strong> exequente e <strong>do</strong> terceiro não está coberta pelo art. 5.º/1 <strong>do</strong> CRgP, como, aliás, nos<br />

parece não estar, ela estará regulada pelo art. 838./4 <strong>do</strong> CPC.”<br />

558 Cfr., a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 5 de Junho de 1979, in CJ, tomo III, 1979, p. 796, segun<strong>do</strong> o<br />

qual “[A]inda que não registada a aquisição por terceiro <strong>do</strong> bem penhora<strong>do</strong>, a penhora não subsiste quan<strong>do</strong> o<br />

exequente no acto sabe que o terceiro adquiriu de boa fé aquele objecto. Vide, também, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 8 de Abril<br />

de 1997, proc. 826/96 – 1.ª secção, in www.dgsi.pt: “Se o embargo-exequente sabe que determina<strong>do</strong> bem imóvel<br />

pertence a terceiro, age em abuso de direito se o indica à penhora, só porque o registo predial o declara <strong>do</strong><br />

executa<strong>do</strong>.”<br />

171


172<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

execução movida contra A implica a extinção, por caducidade, <strong>do</strong> direito real de B, pois que,<br />

embora tenha si<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong> em momento anterior à penhora, foi regista<strong>do</strong> em data posterior.<br />

Nesta medida, tal como salienta TEIXEIRA DE SOUSA 559, a desconformidade da orientação<br />

perfilhada pelo Supremo Tribunal de Justiça com a lei torna-se mais gritante, porquanto o direito<br />

<strong>do</strong> terceiro, ainda que não regista<strong>do</strong>, é oponível à penhora registada (e enquanto acto<br />

preparatório da venda), mas já não será oponível à própria venda, pois que esta determina a<br />

caducidade <strong>do</strong>s direitos reais de gozo que não tenham si<strong>do</strong> regista<strong>do</strong>s antes da penhora, por<br />

força <strong>do</strong> disposto no art. 824.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC.<br />

Por último, se o terceiro, em vez de recorrer aos embargos de terceiro, intentar um<br />

acção de reivindicação, uma vez que esta acção não implica suspensão <strong>do</strong> processo executivo, a<br />

venda judicial <strong>do</strong> bem penhora<strong>do</strong> determina a extinção, por caducidade, <strong>do</strong> direito real de gozo<br />

que não se encontre regista<strong>do</strong> entes <strong>do</strong> registo da penhora, circunstância que implica a extinção<br />

da acção de reivindicação por inutilidade superveniente da lide.<br />

Assim, o STJ, de forma a garantir a segurança jurídica e a estabilidade das decisões,<br />

devia apenas ter fixa<strong>do</strong> jurisprudência, em conformidade com o acórdão uniformiza<strong>do</strong>r de<br />

jurisprudência n.º 15/97, de 20 de Maio, no senti<strong>do</strong> de que “o exequente que nomeia bens à<br />

penhora e o anterior adquirente desses bens não são terceiros para efeitos de registo predial.”<br />

α) COMPROPRIEDADE<br />

À luz <strong>do</strong> art. 1403.º <strong>do</strong> CC, existe compropriedade quan<strong>do</strong> duas ou mais pessoas são<br />

simultaneamente titulares <strong>do</strong> direito de propriedade sobre a mesma coisa 560 , sen<strong>do</strong> certo que os<br />

direitos <strong>do</strong>s comproprietários sobre a coisa comum são qualitativamente iguais, embora possam<br />

ser quantitativamente diferentes (art. 1403.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC). Deste mo<strong>do</strong>, verifica-se uma<br />

“situação de pluralidade de direitos reais numa relação de comunhão” da<strong>do</strong> que sobre o mesmo<br />

bem incidem <strong>do</strong>is ou mais direitos reais de propriedade pertencentes a titulares distintos 561.<br />

559 SOUSA, Miguel Teixeira de, «Sobre o conceito de terceiros para efeitos de registo», ob. cit., p. 45.<br />

560 No senti<strong>do</strong> de a compropriedade se inserir no <strong>do</strong>mínio da contitularidade ou comunhão de direitos, vide<br />

DUARTE, Rui Pinto, Curso de Direitos Reais, ob. cit., p. 58.<br />

p. 236.<br />

561 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, PINTO, Rui, «A Execução e terceiros – Em especial na penhora e na venda», ob. cit.,


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

No que concerne ao seu regime jurídico, o art. 1405.º <strong>do</strong> CC determina que os<br />

comproprietários exercem, em conjunto, to<strong>do</strong>s os direitos que pertencem ao proprietário<br />

singular, embora cada um deles tenha legitimidade para reivindicar isoladamente de terceiro a<br />

coisa comum [art. 1405.º, n.º 2, a), <strong>do</strong> CC]. Cada um <strong>do</strong>s comproprietários goza <strong>do</strong> poder de<br />

disposição da sua quota na comunhão ou de parte dela, mas não lhe é lícito alienar ou onerar<br />

uma parte especificada da coisa detida em comum sem o consentimento para esse efeito <strong>do</strong>s<br />

restantes comproprietários (art. 1408.º <strong>do</strong> CC).<br />

Por esta razão, se for movida uma execução contra algum <strong>do</strong>s comproprietários <strong>do</strong> bem,<br />

apenas pode ser penhorada a quota-parte “jurídica” <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> sobre esse bem, não poden<strong>do</strong><br />

ser penhorada uma fracção ou uma parte especificada <strong>do</strong> bem indiviso (art. 826.º, n.º 1, <strong>do</strong><br />

CPC), porque, em tal circunstância, a penhora recairia sobre um bem <strong>do</strong> terceiro em relação à<br />

execução (art. 821.º, n.º 2, <strong>do</strong> CPC).<br />

Deste mo<strong>do</strong>, se numa acção executiva movida por A contra B for penhora<strong>do</strong> um imóvel<br />

deti<strong>do</strong> em regime de compropriedade por B, C e D, é lícito aos comproprietários não executa<strong>do</strong>s<br />

(C e D) deduzirem embargos de terceiro contra a penhora <strong>do</strong> imóvel, já que esta ofende os<br />

respectivos direitos reais de gozo sobre o bem penhora<strong>do</strong> 562 . Na verdade, o comproprietário não<br />

executa<strong>do</strong> pode embargar de terceiro para a que a penhora seja limitada à quota <strong>do</strong> executa<strong>do</strong><br />

sobre o bem comum, sen<strong>do</strong> certo que o reconhecimento da invalidade da penhora implica que o<br />

tribunal deva reduzir ou circunscrever a penhora à quota <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r executa<strong>do</strong> 563.<br />

Ainda que o direito de embargar de terceiro tenha caduca<strong>do</strong> relativamente a um <strong>do</strong>s<br />

comproprietários de um imóvel, tal não afasta a posição <strong>do</strong>s demais comproprietários em<br />

relação aos quais não se verifique essa caducidade 564.<br />

Contu<strong>do</strong>, já não será admissível o recurso ao incidente processual de embargos de<br />

terceiro no caso de ser penhorada apenas a quota “jurídica” <strong>do</strong> comproprietário executa<strong>do</strong>, ao<br />

562 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 7 de Março de 1989, in BMJ, 383.º, p. 622: “Procedem, na<br />

totalidade, os embargos de terceiro deduzi<strong>do</strong>s por comproprietário <strong>do</strong> imóvel penhora<strong>do</strong>, uma vez que só podia ter<br />

si<strong>do</strong> penhora<strong>do</strong> o direito <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> a metade indivisa <strong>do</strong> bem imóvel”. Cfr., também, no mesmo senti<strong>do</strong> o Ac. <strong>do</strong><br />

TRP, de 9 de Abril de 1992, in BMJ, 416.º, p. 712, bem como o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 26 de Outubro de 1995, proc.<br />

0083146, in www.dgsi.pt.<br />

563 FREDERICO CARPI; MICHELE TARUFFO, Commentario Breve al Codice di Procedura Civile, ob. cit.,<br />

p. 1847. Cfr., no mesmo senti<strong>do</strong>, VINCENZO CORSARO; SILVIO BOZZI, Manuale dell'esecuzione forzata, Giuffrè,<br />

Milão, 1996, p. 489.<br />

564 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRE, de 24 de Julho de 1980, in BMJ, 302.º, p. 330.<br />

173


174<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

invés <strong>do</strong> próprio bem comum antes da divisão, porquanto, em tal circunstância, não se verifica<br />

qualquer ofensa da posse efectiva que esteja a ser exercida sobre o bem comum. Assim, em tal<br />

caso não podem ser recebi<strong>do</strong>s embargos de terceiro propostos por quem esteja a ser exercer<br />

posse efectiva sobre um bem comum da<strong>do</strong> que o direito à quota-parte de uma coisa comum é<br />

insusceptível de posse 565.<br />

Fica igualmente prejudica<strong>do</strong> o recurso aos embargos de terceiro se os contitulares <strong>do</strong><br />

executa<strong>do</strong> requererem a venda de to<strong>do</strong> o bem indiviso, nos termos <strong>do</strong> art. 862.º, n.º 2, <strong>do</strong> CPC.<br />

Na verdade, ten<strong>do</strong> em conta a necessidade de se garantir a eficácia da acção executiva bem<br />

como a possibilidade de o adquirente poder obter a totalidade <strong>do</strong> bem aliena<strong>do</strong> em sede de<br />

execução, o legisla<strong>do</strong>r veio permitir a venda da totalidade <strong>do</strong> bem desde que para esse efeito<br />

seja obti<strong>do</strong> o consentimento de to<strong>do</strong>s os contitulares, em vez de ser apenas vendida a respectiva<br />

quota-parte <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> sobre esse bem.<br />

β) RESERVA DE PROPRIEDADE<br />

β.1) ÂMBITO<br />

Nos contratos que tenham por objecto a constituição ou transferência de direitos reais<br />

sobre coisa determinada vigora o princípio da transferência imediata <strong>do</strong> direito real por mero<br />

efeito <strong>do</strong> contrato (art. 408.º, n.º 1, <strong>do</strong> Cc).<br />

No entanto, conforme resulta <strong>do</strong> disposto no art. 409.º <strong>do</strong> CC, é lícito ao alienante, no<br />

âmbito de um contrato de alienação, reservar para si a propriedade da coisa até ao momento<br />

em que se verifique o cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte ou até à<br />

verificação de qualquer outro evento (pactum reservati <strong>do</strong>minii). Trata-se, na verdade, de uma<br />

excepção à regra da transferência da propriedade por mero efeito <strong>do</strong> contrato, porquanto o<br />

direito de propriedade permanece na esfera jurídica <strong>do</strong> vende<strong>do</strong>r, só se transmitin<strong>do</strong> para o<br />

compra<strong>do</strong>r com o pagamento da totalidade <strong>do</strong> preço da coisa 566, assistin<strong>do</strong>-se, assim, a um<br />

riservato <strong>do</strong>mínio.<br />

565 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 17 de Janeiro de 1995, proc. 00836901, in www.dgsi.pt.<br />

566 Vide, a este propósito, o art. 1524.º <strong>do</strong> CC It. quanto ao regime jurídico da vendita com patto di


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

diferimento da transferência da propriedade para um momento posterior ao da celebração <strong>do</strong><br />

contrato 567.<br />

Nos termos <strong>do</strong> art. 879.º, a), <strong>do</strong> CC, a transferência da propriedade ocorre por mero<br />

efeito <strong>do</strong> contrato, ou seja, desde que exista um mero consenso entre as partes (princípio da<br />

consensualidade), manten<strong>do</strong>-se subjacente a essa transferência a obrigação de o alienante<br />

transferir, não só a posse, como também o <strong>do</strong>mínio da coisa para o adquirente 568.<br />

Contu<strong>do</strong>, em certos negócios jurídicos, maxime nas situações em que se verifica uma<br />

compra e venda a prestações ou com recurso ao crédito 569 , a posição <strong>do</strong> vende<strong>do</strong>r poderia ficar<br />

prejudicada com essa transferência imediata da propriedade, uma vez que o compra<strong>do</strong>r,<br />

tornan<strong>do</strong>-se imediatamente proprietário da coisa sem que tivesse ainda pago a totalidade <strong>do</strong><br />

preço, ficaria com a possibilidade de a alienar a um terceiro, ainda que sem a tradição da coisa<br />

ou a verificação <strong>do</strong> pagamento da totalidade <strong>do</strong> preço, situação em que não restaria ao vende<strong>do</strong>r<br />

outra alternativa que não fosse a de reclamar o seu crédito junto <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r, concorren<strong>do</strong>, em<br />

igualdade de circunstâncias, com os demais cre<strong>do</strong>res <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r (art. 604.º <strong>do</strong> CC) 570.<br />

Por esse mesmo motivo, o legisla<strong>do</strong>r veio permitir às partes a possibilidade de afastarem<br />

por acor<strong>do</strong> o efeito imediato da transferência da propriedade em consequência da celebração de<br />

um contrato de compra e venda, através da imposição de uma cláusula de reserva de<br />

propriedade 571 . Importa destacar a este respeito que essa cláusula tem por finalidade principal a<br />

567 LEITÃO, Luís Menezes, Direito das Obrigações, vol. III, ob. cit., p. 58.<br />

568 VARELA, João de Matos Antunes, Das Obrigações em Geral, vol. I, ob. cit., p. 304.<br />

569 Reportan<strong>do</strong>-se a esta questão, ALMEIDA COSTA destaca as vantagens para o desenvolvimento da vida<br />

económica em virtude da susceptibilidade de se assegurar a reserva da propriedade como factor de<br />

desenvolvimento <strong>do</strong> consumo com recurso ao crédito (cfr. COSTA, Mário Júlio de Almeida, Direito das Obrigações,<br />

ob. cit., p. 267).<br />

570 Cfr., a este propósito, PINHEIRO, Luís Lima, A Cláusula de Reserva de Propriedade, Almedina, Coimbra,<br />

1988, p. 23, segun<strong>do</strong> o qual “Com a reserva de propriedade visa o vende<strong>do</strong>r precaver-se de uma eventual<br />

inexecução <strong>do</strong> contrato ou insolvência por parte <strong>do</strong> compra<strong>do</strong>r, caso em que o vende<strong>do</strong>r deseja obter a restituição<br />

da coisa, fazen<strong>do</strong> valer os seus direitos quer em face <strong>do</strong> compra<strong>do</strong>r, quer de terceiros, cre<strong>do</strong>res <strong>do</strong> compra<strong>do</strong>r, ou<br />

que por ele tenham si<strong>do</strong> investi<strong>do</strong>s em direitos sobre a coisa. Consegue-o convencionan<strong>do</strong> que a titularidade <strong>do</strong><br />

direito de propriedade permaneça na sua esfera jurídica até ao integral pagamento <strong>do</strong> preço.”<br />

571 Vide, neste senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 1 de Março de 1979, in BMJ, 285.º, p. 179, segun<strong>do</strong> o qual “[O]<br />

princípio de que a transferência da propriedade da coisa determinada se opera por mero efeito <strong>do</strong> contrato pode ser<br />

afasta<strong>do</strong> por vontade das partes, mediante o chama<strong>do</strong> «pactum reservati <strong>do</strong>minii», previsto no art. 409.º”.<br />

175


176<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

tutela <strong>do</strong>s interesses <strong>do</strong> vende<strong>do</strong>r, da<strong>do</strong> que garante a permanência <strong>do</strong> direito de propriedade na<br />

sua esfera jurídica até que se verifique o pagamento da totalidade <strong>do</strong> preço pelo deve<strong>do</strong>r.<br />

De to<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong>, estan<strong>do</strong> em causa um contrato referente à transmissão da propriedade<br />

sobre um bem imóvel ou móvel sujeito a registo, a eficácia da imposição dessa cláusula e a sua<br />

oponibilidade em relação as terceiros depende <strong>do</strong> respectivo registo (art. 409.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC) 572.<br />

β.2) NATUREZA JURÍDICA<br />

De entre as diversas teorias quanto à natureza jurídica da reserva de propriedade,<br />

destacam-se, pela sua relevância, a tese que a configura enquanto condição suspensiva e a tese<br />

que a concebe quanto expectativa real de aquisição.<br />

Com efeito, a <strong>do</strong>utrina tradicional sufraga o entendimento de que o alienante conserva o<br />

direito de propriedade sobre a coisa alienada, não sen<strong>do</strong> o adquirente titular de qualquer direito<br />

real sobre a coisa adquirida 573 . Deste mo<strong>do</strong>, a reserva de propriedade constitui uma condição<br />

suspensiva 574 aposta no contrato de compra e venda, porquanto a transmissão definitiva da<br />

propriedade a favor <strong>do</strong> adquirente fica dependente da verificação de um facto futuro e incerto, ou<br />

seja, o pagamento <strong>do</strong> preço devi<strong>do</strong> pela aquisição da coisa, conservan<strong>do</strong>, consequentemente, o<br />

alienante a propriedade da coisa até ao pagamento efectivo <strong>do</strong> preço pelo adquirente 575 . Nessa<br />

572 Cfr., a este propósito, o artigo 5.º, n.º 1, b), <strong>do</strong> Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro, segun<strong>do</strong> o<br />

qual se encontra sujeito a registo a reserva de propriedade estipulada em contrato de alienação de veículos<br />

automóveis. No senti<strong>do</strong> de não ser admissível a interpretação actualista desta norma com vista a estender ao<br />

financia<strong>do</strong>r, com reserva de propriedade, os direitos <strong>do</strong> vende<strong>do</strong>r no contrato de compra e venda, vide o Ac. <strong>do</strong> STJ,<br />

de 2 de Outubro de 2007, proc. 07A2680, in www.dgsi.pt.<br />

Por sua vez, determina o art. 46.º <strong>do</strong> Regulamento <strong>do</strong> Registo de Automóveis (na redacção introduzida<br />

pelo artigo 16.º <strong>do</strong> Decreto-Lei n.º 178-A/2005, de 28 de Outubro, que aprovou o projecto <strong>do</strong> Documento Único<br />

Automóvel), que a reserva de propriedade estipulada nos contratos de alienação de veículos constitui menção<br />

especial <strong>do</strong> registo de propriedade.<br />

573 Cfr. DUARTE, Rui Pinto, Curso de Direitos Reais, ob. cit., p. 251.<br />

574 Nos termos <strong>do</strong> art. 271.º <strong>do</strong> CC, as partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a<br />

produção <strong>do</strong>s efeitos <strong>do</strong> negócio jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no<br />

segun<strong>do</strong>, resolutiva.<br />

575 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 22 de Fevereiro de 1983, in BMJ, 324.º, p. 578, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 1<br />

de Fevereiro de 1995, in BMJ, 444.º, p. 609, e o Ac. TRP, de 15 de Janeiro de 2007, proc. 0651966, in<br />

www.dgsi.pt, segun<strong>do</strong> o qual “[A] cláusula de reserva da propriedade, prevista e regulada no art. 409º, <strong>do</strong> Código


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

exacta medida, de acor<strong>do</strong> com esta tese, embora o direito de propriedade se radique na pessoa<br />

<strong>do</strong> vende<strong>do</strong>r, assistem ao compra<strong>do</strong>r poderes de detenção e de gozo que não configuram,<br />

contu<strong>do</strong>, a posse, mas a mera detenção ou posse precária 576, fican<strong>do</strong> o compra<strong>do</strong>r com uma<br />

mera expectativa jurídica de vir a adquirir a coisa alienada. Vale isto por dizer que os efeitos<br />

jurídicos <strong>do</strong> contrato de compra e venda ficam “suspensos” até que se verifique o pagamento<br />

integral <strong>do</strong> preço, ou seja, a ocorrência efectiva da condição a que as partes subordinaram a<br />

eficácia <strong>do</strong> contrato. Nessa exacta medida, verifican<strong>do</strong>-se esse acontecimento futuro e incerto, o<br />

direito de propriedade transfere-se definitivamente para o adquirente da coisa, retroagin<strong>do</strong>-se os<br />

seus efeitos à data da conclusão <strong>do</strong> contrato, ao abrigo <strong>do</strong> disposto nos arts. 276.º, 408.º, n.º 1<br />

e 879.º, a) <strong>do</strong> CC.<br />

Em senti<strong>do</strong> contrário, CUNHA GONÇALVES sustenta que a reserva de propriedade<br />

constitui uma condição resolutiva, da<strong>do</strong> que, pela celebração <strong>do</strong> contrato, a propriedade se<br />

transmite imediatamente para o compra<strong>do</strong>r, embora se verifique a resolução <strong>do</strong>s efeitos <strong>do</strong><br />

negócio jurídico e a recuperação da propriedade pelo vende<strong>do</strong>r em consequência <strong>do</strong><br />

incumprimento <strong>do</strong> contrato 577 .<br />

Por sua vez, uma outra corrente <strong>do</strong>utrinaria vem sufragan<strong>do</strong> a teoria segunda a qual a<br />

reserva de propriedade atribui ao compra<strong>do</strong>r uma expectativa real de aquisição, conservan<strong>do</strong>,<br />

consequentemente, o vende<strong>do</strong>r a propriedade <strong>do</strong> bem, ainda que a mesma se encontre onerada<br />

Civil para os contratos de alienação, traduz-se na sujeição <strong>do</strong> efeito translativo desses negócios a uma condição<br />

suspensiva ou termo inicial, sen<strong>do</strong> a propriedade sobre o bem aliena<strong>do</strong>, utilizada como garantia <strong>do</strong> cumprimento<br />

das prestações <strong>do</strong> adquirente.”<br />

Na <strong>do</strong>utrina, vide LIMA, Pires de; VARELA, Antunes, Código Civil Anota<strong>do</strong>, vol. I, ob. cit., p. 376, BRAGA,<br />

Arman<strong>do</strong>, Contrato de Compra e Venda, 3.ª ed., Porto, 1994, p. 69, e MARTINEZ, Pedro Romano; PONTE, Pedro<br />

Fuzeta da, Garantias <strong>do</strong> Cumprimento, ob. cit., p. 221, sustentan<strong>do</strong> estes autores que “(…) nos negócios de compra<br />

e venda a prestações com cláusula de reserva de propriedade, não haven<strong>do</strong> outros elementos que permitam<br />

determinar a vontade real das partes relativamente ao alcance dessa cláusula, o negócio é realiza<strong>do</strong> com uma<br />

condição suspensiva quanto à transferência da propriedade, pelo que a propriedade <strong>do</strong> bem se mantém na<br />

titularidade <strong>do</strong> vende<strong>do</strong>r, sen<strong>do</strong> o compra<strong>do</strong>r um mero detentor em nome alheio.”, e MARTINEZ, Pedro Romano,<br />

Direito das Obrigações, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2001, p. 36.<br />

576 Ac. <strong>do</strong> STJ, de 14 de Abril de 1994, in BMJ, 436.º, 1994, p. 440.<br />

577 GONÇALVES, Cunha, Trata<strong>do</strong> de Direito Civil em comentário ao Código Civil Português, VIII, Coimbra<br />

Editora, 1934, p. 349, apud LEITÃO, Luís Menezes, Direito das Obrigações, vol. I, ob. cit., p. 203.<br />

177


178<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

face à posição jurídica <strong>do</strong> compra<strong>do</strong>r 578 . Deste mo<strong>do</strong>, de acor<strong>do</strong> com esta teoria de que a reserva<br />

de propriedade atribui ao compra<strong>do</strong>r uma expectativa real de aquisição, o adquirente é um<br />

possui<strong>do</strong>r efectivo em nome próprio 579.<br />

A reserva de propriedade foi também já qualificada como uma cláusula de natureza<br />

atípica, da<strong>do</strong> que se trata de uma determinação acessória que, funcionan<strong>do</strong> como garantia <strong>do</strong><br />

alienante, se destina a regular os efeitos <strong>do</strong> contrato, limitan<strong>do</strong>-os quantitativamente, e não de<br />

condição suspensiva ou resolutiva 580 .<br />

β.3) A TUTELA DA RESERVA DE PROPRIEDADE EM SEDE DE EMBARGOS DE TERCEIRO<br />

Conforme se referiu supra, a imposição de uma cláusula de reserva de propriedade num<br />

negócio jurídico de natureza consensual visa proteger a posição jurídica <strong>do</strong> alienante, uma vez<br />

que a lei permite-lhe reservar para si a propriedade <strong>do</strong> bem até que se verifique o pagamento<br />

definitivo da totalidade <strong>do</strong> preço. Assim, a conservação da propriedade da coisa no vende<strong>do</strong>r até<br />

esse pagamento integral impede que os cre<strong>do</strong>res <strong>do</strong> adquirente possam executar o bem como<br />

se este integrasse o património <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r, sen<strong>do</strong> certo que, caso essa penhora venha a<br />

efectivar-se, o alienante pode reagir contra essa execução em sede de embargos de terceiro 581 .<br />

Na verdade, o cre<strong>do</strong>r <strong>do</strong> adquirente da coisa poderá apenas penhorar o seu direito de<br />

expectativa de aquisição da coisa. Ora, no que concerne à penhora <strong>do</strong> direito de expectativa de<br />

aquisição de um bem adquiri<strong>do</strong> com reserva de propriedade a favor <strong>do</strong> alienante, dispõe o art.<br />

860.º-A <strong>do</strong> CPC que essa penhora é efectuada de acor<strong>do</strong> com o regime previsto para a penhora<br />

de créditos 582 , ou seja, mediante a notificação ao alienante reservatário de que a expectativa de<br />

578 Cfr., neste senti<strong>do</strong>, LEITÃO, Luís Menezes, Direito das Obrigações, vol. III, ob. cit., p. 65, bem como o<br />

Ac. <strong>do</strong> TRP, de 30 de Março de 1993, in BMJ, 1993, p. 651.<br />

579 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, LEITÃO, Luís Menezes, Direito das Obrigações, vol. III, ob. cit., pp. 67 e 68, bem<br />

como VENTURA, Raul, «Contrato de compra e venda no Código Civil», in ROA, nº 43, 1983, p. 610.<br />

580 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 24 de Fevereiro de 1971, in BMJ, 204.º, p. 196.<br />

581 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, SOUSA, Miguel Teixeira de, Acção Executiva Singular, ob. cit., p. 308.<br />

582 Tal como salienta RUI PINTO, esta penhora incide, prima facie, sobre determinadas situações jurídicas<br />

activas que, afectan<strong>do</strong> em termos reais um bem, permitem que o titular possa no futuro adquiri-lo para si, já não o<br />

próprio direito de propriedade, ou outro direito real de gozo, pois este esta na titularidade de terceiro, contraparte no<br />

contrato (PINTO, Rui, «Penhora e alienação de outros direitos – Execução especializada sobre créditos e execução<br />

especializada sobre direitos não creditícios na reforma da acção executiva», in Themis, ano V, n.º 9, 2004, p. 150).


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

aquisição fica à disposição <strong>do</strong> agente de execução, deven<strong>do</strong> o alienante, por sua vez, declarar se<br />

esse direito existe, quais as garantias que o acompanham, em que data se verificará o<br />

cumprimento integral da obrigação e quaisquer outras informações que possam interessar à<br />

execução (art. 856.º, n. os 1 e 2 <strong>do</strong> CPC) 583 .<br />

Atenta a sua configuração jurídica, a reserva de propriedade não se enquadra no<br />

conjunto <strong>do</strong>s direitos que, por força <strong>do</strong> disposto no art. 824.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC, caducam com a<br />

venda executiva. Na verdade, embora seja certo que a reserva de propriedade visa garantir a<br />

posição jurídica <strong>do</strong> vende<strong>do</strong>r até que seja ressarci<strong>do</strong> integralmente <strong>do</strong> preço da venda, este<br />

direito não constitui um direito real de garantia, pelo que fica automaticamente excluí<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

regime previsto no art. 824.º, n.º 2, 1.ª parte, <strong>do</strong> CC. Com efeito, ainda que a reserva de<br />

propriedade possa ter por finalidade a garantia <strong>do</strong> cumprimento de uma obrigação, esta não<br />

constitui um direito real de garantia, tanto mais quanto é certo que o Código Civil consagra o<br />

princípio <strong>do</strong> numerus clausus quanto a estes direitos (art. 1306.º <strong>do</strong> CC) 584.<br />

583 Cfr., a este propósito, o Ac. Uniformiza<strong>do</strong>r de Jurisprudência <strong>do</strong> STJ n.º 10/2008, de 9 de Outubro de<br />

2008, proc. 3965/07 – 1.ª secção, com a Declaração de Rectificação n.º 70/2008, in DR, I.ª série, n.º 230, de 26<br />

de Novembro de 2008, segun<strong>do</strong> o qual a expectativa de aquisição “pode ser penhorada, nos termos <strong>do</strong> artigo 860.º<br />

-A, n.º 1, <strong>do</strong> CPC, mas a penhora não incide sobre o bem em causa. Tal penhora só passa a incidir sobre o próprio<br />

bem, quan<strong>do</strong> se consumar a aquisição, e ela só pode ter lugar se a exequente cancelar o registo da reserva. Só<br />

então o veículo passa a integrar o património <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> e pode, como tal, responder pelas suas dívidas — artigos<br />

601.º <strong>do</strong> CC e 821.º <strong>do</strong> CPC.”<br />

584 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 14 de Novembro de 2006, proc. 7988/2006-7, in www.dgsi.pt,<br />

segun<strong>do</strong> o qual “[A] reserva de propriedade não surge na lei tipificada como direito real de garantia sen<strong>do</strong> certo que,<br />

se o fosse, por ela se iniciaria a penhora <strong>do</strong> bem sobre a qual incidia a garantia, só poden<strong>do</strong> recair noutros uma vez<br />

reconhecida a sua insuficiência para conseguir o fim da execução (artigo 835.º, n.º1 <strong>do</strong> Código de Processo Civil).<br />

Ora, assim sen<strong>do</strong>, porque não estamos face a direito real de garantia, o Tribunal não pode determinar o seu<br />

cancelamento nos termos <strong>do</strong> artigo 824.º,nº2 <strong>do</strong> Código Civil, pois só caducam com a venda os direitos reais de<br />

garantia e os demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia.”<br />

Em senti<strong>do</strong> contrário, cfr. a declaração de voto <strong>do</strong> Sr. Juiz Conselheiro SEBASTIÃO PÓVOAS, in Ac.<br />

Uniformiza<strong>do</strong>r de Jurisprudência <strong>do</strong> STJ n.º 10/2008, de 9 de Outubro de 2008, proc. 3965/07 – 1.ª secção, com<br />

a Declaração de Rectificação n.º 70/2008, in DR, I.ª série, n.º 230, de 26 de Novembro de 2008, segun<strong>do</strong> o qual o<br />

art. 824.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC deve ser aplica<strong>do</strong> à reserva de propriedade quan<strong>do</strong> esta assuma uma natureza “atípica”<br />

enquanto mera garantia <strong>do</strong> crédito e conste <strong>do</strong> registo a reserva de propriedade de um bem penhora<strong>do</strong> a favor <strong>do</strong><br />

exequente, não ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> este o vende<strong>do</strong>r <strong>do</strong> bem, e declaran<strong>do</strong> expressamente renunciar à reserva.”<br />

179


180<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

Por outro la<strong>do</strong>, mesmo que se viesse a admitir a sua qualificação enquanto direito real<br />

de gozo, sen<strong>do</strong> a reserva de propriedade constituída ou registada antes de qualquer arresto,<br />

penhora ou garantia, da venda executiva não decorre a sua caducidade por força <strong>do</strong> disposto no<br />

art. 824.º, n.º 2, 2.ª parte, <strong>do</strong> CC 585 586 .<br />

Assim, se em execução movida contra o compra<strong>do</strong>r <strong>do</strong> bem adquiri<strong>do</strong> com reserva de<br />

propriedade vier a ser penhorada a propriedade <strong>do</strong> bem, o alienante pode deduzir oposição à<br />

penhora mediante embargos de terceiro 587 588 , da<strong>do</strong> que, não obstante ter-se verifica<strong>do</strong> a entrega<br />

<strong>do</strong>s bens ao compra<strong>do</strong>r, o vende<strong>do</strong>r reservatário conserva a propriedade ou mantém a posse<br />

jurídica 589 sobre os bens até integral pagamento <strong>do</strong> preço 590 591. Não será, assim, de acolher a tese<br />

585 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 11 de Abril de 2002, proc. 0024567, in www.dgsi.pt, segun<strong>do</strong> o<br />

qual “[A] reserva de propriedade constitui um direito real de gozo que, ten<strong>do</strong> registo anterior à penhora, não caduca<br />

com a respectiva venda judicial, nos termos <strong>do</strong> artigo 824º nº2 <strong>do</strong> CCIV. Por isso, estan<strong>do</strong> registada a reserva de<br />

propriedade sobre veículo penhora<strong>do</strong>, a favor da exequente, registo esse anterior ao registo da penhora, não pode a<br />

execução prosseguir para a venda <strong>do</strong> mesmo veículo.” Vide, ainda, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 6 de Fevereiro de 2007, proc.<br />

10411/2006-7, in www.dgsi.pt, segun<strong>do</strong> o qual “A propriedade reservada, enquanto direito real de gozo, não cabe<br />

no rol <strong>do</strong>s direitos reais que, nos termos <strong>do</strong> art. 824º, nº 2 <strong>do</strong> C. Civil, caducam com a venda em execução e são<br />

manda<strong>do</strong>s cancelar oficiosamente, ao abrigo <strong>do</strong> disposto no art. 888º <strong>do</strong> C. P. Civil.”<br />

586 No senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> regime previsto no art. 824.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC, apenas se reportar aos direitos reais de<br />

terceiros que incidam sobre o bem, não se aplican<strong>do</strong> nas situações em que esse direito pertence ao próprio<br />

exequente, vide o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 16 de Dezembro de 2003, proc. 9916/2003-1, in www.dgsi.pt.<br />

587 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, REIS, José Alberto <strong>do</strong>s, Processos Especiais, vol. I, ob. cit., p. 420; Ac. <strong>do</strong> STA, de<br />

19 de Fevereiro de 1986, in ADSTA, 300.º, p. 1521, o Ac. <strong>do</strong> STA, de 13 de Janeiro de 1987, in ADSTA, 324.º, p.<br />

1535; Ac. <strong>do</strong> STA, de 16 de Dezembro de 1987, in ADSTA, 314.º, p. 221; Ac. <strong>do</strong> STA, de 1 de Abril de 1992, in<br />

BMJ, 416.º, p. 690; Ac. <strong>do</strong> TRP, de 14 de Abril de 1994, in BMJ, 436.º, p. 440. Na <strong>do</strong>utrina, cfr. LEITÃO, Luís<br />

Menezes, Direito das Obrigações, vol. III, ob. cit., p. 62.<br />

Em senti<strong>do</strong> contrário, se bem que referente ao regime <strong>do</strong>s embargos de terceiro anterior à reforma de<br />

95/96, vide o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 29 de Novembro de 1989, proc. 077972: “I - A posse real e efectiva é a que serve<br />

sempre de fundamento aos embargos de terceiro. II - No contrato de compra e venda com reserva de propriedade<br />

da coisa vendida, haven<strong>do</strong> tradição material desta para o compra<strong>do</strong>r, este adquire a posse real e efectiva sobre a<br />

coisa. III - Na execução movida contra o compra<strong>do</strong>r em que foi penhorada a coisa assim vendida e transmitida a<br />

este, o vende<strong>do</strong>r não pode deduzir embargos de terceiro.”<br />

588 Cfr., a este propósito, a sentença da CSC It., proc. 2240/1976, segun<strong>do</strong> a qual a reserva de<br />

propriedade pode ser invocada pelo vende<strong>do</strong>r ao cre<strong>do</strong>r <strong>do</strong> compra<strong>do</strong>r desde que resulte de um <strong>do</strong>cumento escrito<br />

e com data certa (art. 1524. <strong>do</strong> CC It.).<br />

589 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 11 de Outubro de 1988, in BMJ, 380.º, p. 547, segun<strong>do</strong> o qual<br />

“[N]a venda com reserva de propriedade o alienante continua a ser o proprietário da coisa até ao integral


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

sufragada pelo Tribunal da Relação <strong>do</strong> Porto, por acórdão de 13 de Dezembro de 1988 592 ,<br />

segun<strong>do</strong> a qual, “ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> vendidas ao executa<strong>do</strong>, com reserva de propriedade, determinadas<br />

máquinas, que no decurso da execução vieram a ser penhoradas, não pode o vende<strong>do</strong>r dessas<br />

máquinas fazer uso <strong>do</strong>s embargos de terceiro por não deter à data da penhora a posse real e<br />

efectiva <strong>do</strong>s bens penhora<strong>do</strong>s” 593.<br />

Contu<strong>do</strong>, se em vez da propriedade <strong>do</strong> bem, for apenas penhorada a expectativa de<br />

aquisição <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> (art. 860.º-A <strong>do</strong> CPC) 594 , nesse caso já não será admissível a dedução de<br />

embargos de terceiro pelo vende<strong>do</strong>r reservatário 595 .<br />

De to<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong>, importa salientar que a cláusula de reserva de propriedade só pode ser<br />

inserida no <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong>s contratos de alienação, porquanto esta cláusula tem por efeito a<br />

cumprimento das obrigações <strong>do</strong> compra<strong>do</strong>r e, assim, possui-a em nome próprio e pode, se essa posse for ofendida,<br />

deduzir embargos de terceiro.”<br />

590 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, a sentença <strong>do</strong> TS Es., de 19 de Abril de 1975, apud ANGEL FERNANDEZ, Miguel,<br />

Derecho Procesal Civil III, ob. cit., p. 382.<br />

591 Com efeito, nesse caso, tal como refere RUI PINTO, incidin<strong>do</strong> a penhora sobre um carro <strong>do</strong> executa<strong>do</strong><br />

adquiri<strong>do</strong> com reserva de propriedade a favor <strong>do</strong> alienante, o que se penhora efectivamente não é o carro, mas, tão<br />

só, o direito <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> sobre esse carro (cfr. PINTO, Rui, «A Execução e terceiros – Em especial na penhora e na<br />

venda», ob. cit., p. 241).<br />

592 Publica<strong>do</strong> no Boletim <strong>do</strong> Ministério da Justiça, n.º 382.º, p. 532.<br />

593 Na verdade, tal como salienta ANA PERALTA, “o gozo da coisa pelo compra<strong>do</strong>r durante o tempo que<br />

medeia entre a celebração <strong>do</strong> contrato e o pagamento completo <strong>do</strong> preço é um elemento típico essencial da compra<br />

e venda com reserva acompanhada da tradição da coisa. Não se fundan<strong>do</strong> na propriedade que ainda não detém, o<br />

gozo <strong>do</strong> compra<strong>do</strong>r deriva da sua posse em nome próprio, resultante da entrega <strong>do</strong> bem em execução <strong>do</strong> contrato<br />

(…) ao vende<strong>do</strong>r continua a pertencer a posse nos termos <strong>do</strong> direito de propriedade, direito de que ainda é titular.”<br />

(PERALTA, Ana Maria, A Posição Jurídica <strong>do</strong> Compra<strong>do</strong>r na Compra e Venda com Reserva de Propriedade,<br />

Almedina, 1990, p. 97).<br />

594 Nos termos <strong>do</strong> art. 860.º-A <strong>do</strong> CPC, a penhora da expectativa da aquisição é feita através da notificação<br />

ao titular da coisa a transmitir de que o direito de aquisição da coisa pelo adquirente com reserva de propriedade<br />

fica à ordem <strong>do</strong> agente de execução. Caso a aquisição da coisa venha a ser consumada, a penhora passa a incidir,<br />

não sobre o direito de aquisição, mas sim sobre a própria coisa entretanto adquirida (art. 863.º-A, n.º 3, <strong>do</strong> CPC).<br />

Além da notificação <strong>do</strong> titular <strong>do</strong> bem a transmitir, a efectivação da penhora implica ainda a apreensão material da<br />

coisa móvel caso a mesma se encontre na posse ou na detenção <strong>do</strong> executa<strong>do</strong>, ou a sua entrega a um fiel<br />

depositário se se tratar de um bem imóvel.<br />

595 SOUSA, Miguel Teixeira de, Acção Executiva Singular, ob. cit., p. 308.<br />

181


182<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

suspensão <strong>do</strong> efeito de transmissão da propriedade decorrente destes contratos 596 . Nessa exacta<br />

medida, não sen<strong>do</strong> admissível a imposição de uma cláusula de reserva de propriedade no<br />

contrato de mútuo que tem por finalidade o financiamento da aquisição de determina<strong>do</strong> bem —<br />

sen<strong>do</strong> nula tal cláusula — o mutuante/embargante não tem qualquer direito incompatível em<br />

relação ao bem penhora<strong>do</strong>, pelo que não é admissível a dedução de embargos de terceiro contra<br />

a penhora <strong>do</strong> bem objecto <strong>do</strong> contrato de mútuo/financiamento 597.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, se em execução movida contra o vende<strong>do</strong>r reservatário, for penhora<strong>do</strong> o<br />

bem vendi<strong>do</strong> com reserva de propriedade sem a restrição de que a propriedade <strong>do</strong> executa<strong>do</strong><br />

está submetida à condição resolutiva <strong>do</strong> pagamento total <strong>do</strong> preço pelo compra<strong>do</strong>r, é lícito ao<br />

compra<strong>do</strong>r socorrer-se das acções possessórias (art. 1276.º <strong>do</strong> CC) para defender a sua posse<br />

sobre o bem penhora<strong>do</strong> em sede de oposição mediante embargos de terceiro 598 .<br />

596 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, GRAVATO MORAIS, segun<strong>do</strong> o qual “[A] finalidade <strong>do</strong> legisla<strong>do</strong>r, ainda que<br />

interpretada actualisticamente, não terá si<strong>do</strong> a de permitir a quem não aliena um bem, mas tão só o financia, a<br />

constituição a seu favor de uma reserva de <strong>do</strong>mínio sobre um objecto que não produziu nem forneceu” (MORAIS,<br />

Fernan<strong>do</strong> Gravato, «Reserva de propriedade a favor <strong>do</strong> financia<strong>do</strong>r (Ac. <strong>do</strong> TRL de 21.2.2002, Rec. 789)», in<br />

Cadernos de Direito Priva<strong>do</strong>, n.º 6, p. 49). Cfr., no mesmo senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 14 de Dezembro de 2004,<br />

proc. 9857/2004-7, in www.dgsi.pt, segun<strong>do</strong> o qual “A reserva de propriedade apenas pode ser convencionada e<br />

registada a favor <strong>do</strong> transmitente, nos termos <strong>do</strong> art. 409º <strong>do</strong> CC, não existin<strong>do</strong> no ordenamento jurídico nacional<br />

base legal para que a reserva seja feita a favor da entidade que financiou a aquisição <strong>do</strong> bem.”<br />

Vide, em senti<strong>do</strong> contrário, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 6 de Fevereiro de 2007, proc. 10411/2006-7, in<br />

www.dgsi.pt, segun<strong>do</strong> o qual “[A]pesar de originariamente pensada para contratos de alienação, nada obsta, ten<strong>do</strong><br />

em conta o princípio da liberdade contratual, à aplicação desta figura a contratos diferentes, nomeadamente ao de<br />

mútuo a prestações que com o de compra e venda de veículo automóvel apresente uma relação de estreita<br />

conexão, consubstanciada no facto de o objecto <strong>do</strong> primeiro – quantia mutuada – representar o preço <strong>do</strong> segun<strong>do</strong>.”<br />

597 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 15 de Janeiro de 2007, proc. 0651966, in www.dgsi.pt.<br />

598 Cfr. SOUSA, Miguel Teixeira de, «A Penhora de bens na posse de terceiros», ob. cit., p. 82; SOUSA,<br />

Miguel Teixeira de, Acção Executiva Singular, ob. cit., p. 309; LEITÃO, Luís Menezes, Direito das Obrigações, vol. III,<br />

ob. cit., p. 72.


4.2. USUFRUTO<br />

4.2.1. REGIME JURÍDICO<br />

Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

À luz <strong>do</strong> art. 1439.º <strong>do</strong> CC, o usufruto traduz-se no direito de gozar temporária 599 e<br />

plenamente uma coisa ou direito alheio, sem alterar a sua forma e substância 600 601 602. Deste<br />

mo<strong>do</strong>, atenta a sua configuração jurídica, o direito de usufruto, enquanto direito real menor,<br />

implica a sua coexistência com o respectivo direito de propriedade (propriedade da raiz ou nua<br />

propriedade) 603, traduzin<strong>do</strong>-se, com efeito, num ius in re aliena. Na verdade, o usufruto constitui<br />

um direito real de gozo já que implica uma afectação da coisa para dela retirar um determina<strong>do</strong><br />

proveito, e assume uma natureza não exclusiva e tendencialmente limitada e temporária.<br />

Quanto ao seu mo<strong>do</strong> de constituição, determina o art. 1440.º <strong>do</strong> CC que o usufruto<br />

pode ser constituí<strong>do</strong> por contrato, testamento, usucapião ou disposição da lei. Estan<strong>do</strong> em causa<br />

a constituição <strong>do</strong> direito de usufruto sobre bens imóveis, esse facto jurídico encontra-se sujeito a<br />

registo [art. 2.º, n.º 1, a), <strong>do</strong> CRPred.].<br />

599 Conforme resulta <strong>do</strong> art. 1443.º <strong>do</strong> CC, o usufruto, em regra, não pode exceder a vida <strong>do</strong> usufrutuário,<br />

sen<strong>do</strong> certo que, no caso de ser constituí<strong>do</strong> a favor de uma pessoa colectiva, de direito público ou priva<strong>do</strong>, a<br />

duração máxima <strong>do</strong> usufruto é de trinta anos.<br />

600 A <strong>do</strong>utrina tem-se dividi<strong>do</strong> quanto à natureza jurídica <strong>do</strong> usufruto. Na verdade, têm vin<strong>do</strong> a ser<br />

defendidas, essencialmente, três teses distintas: para uma primeira tese, o usufruto seria um desmembramento da<br />

propriedade, sen<strong>do</strong> certo que esta concepção foi a<strong>do</strong>ptada pelo art. 2187.º <strong>do</strong> Código de Seabra e defende que o<br />

usufruto seria um direito real que representa uma parcela de <strong>do</strong>mínio ou uma fracção da propriedade; para uma<br />

segunda tese, o usufruto seria uma propriedade temporária, isto é, tanto o usufrutuário como o proprietário da raiz<br />

ou nu proprietário seriam proprietários da coisa, embora o usufrutuário apenas o fosse a título temporário e de<br />

forma limitada; para uma terceira tese, o usufruto seria um direito real autónomo que onera a propriedade, já que,<br />

carecen<strong>do</strong> de plenitude e de exclusividade, constitui um direito que, coexistin<strong>do</strong> com a propriedade, a onera (cfr.<br />

CORDEIRO, A. Menezes, Direitos Reais, ob. cit., p. 659).<br />

601 Esta definição legal segue de perto a fórmula a<strong>do</strong>ptada por Paulo, Digesto 7.1.1.3 apud CORDEIRO, A.<br />

Menezes, Direitos Reais, ob. cit., p. 645: “Usus fructus est ius alienis rebus utendi fruendi salva rerum substantia.”<br />

602 O Código Civil Francês determina que o usufruto atribui ao seu titular o direito de desfrutar de um bem<br />

alheio, como se dele fosse o seu proprietário, fican<strong>do</strong> obriga<strong>do</strong> a conservar a sua substância (art. 578.º <strong>do</strong> CC Fr.).<br />

Por sua vez estabelece o Código Civil Italiano que o usufrutuário tem o direito de gozo da coisa, mas deve respeitar<br />

o seu destino económico (art. 981. <strong>do</strong> CC It.).<br />

603 Nesse senti<strong>do</strong> vide DUARTE, Rui Pinto, Curso de Direitos Reais, ob. cit., p. 155.<br />

183


184<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

No que concerne ao respectivo conteú<strong>do</strong>, o usufrutuário pode gozar plenamente da<br />

coisa ou <strong>do</strong> direito, tal como se verifica, aliás, com o proprietário, com a excepção <strong>do</strong> poder de<br />

disponibilidade da coisa sobre a qual incide esse usufruto. Deste mo<strong>do</strong>, o usufrutuário tem a<br />

posse da coisa já que o usufruto lhe confere o direito de exercer os seus poderes materiais sobre<br />

a coisa onerada, embora essa posse se encontre limitada pela obrigação salva rerum substantia,<br />

isto é, de respeitar o destino económico da coisa.<br />

Em contrapartida, quanto às suas obrigações, o usufrutuário deve fazer um bom uso da<br />

coisa ou <strong>do</strong> direito, isto é, deve exercer o seu direito tal como o faria o um bonus pater familiae<br />

(art. 1446.º <strong>do</strong> CC), sob pena de, não o fazen<strong>do</strong>, o proprietário poder exigir que os bens lhe<br />

sejam entregues ou que lhe sejam aplicáveis as medidas legalmente previstas para o<br />

incumprimento da prestação de caução (arts.1470.º e 1482.º, ambos <strong>do</strong> CC). Nos termos <strong>do</strong><br />

art. 1475.º <strong>do</strong> CC o usufrutuário tem ainda o dever de avisar o proprietário de qualquer facto de<br />

terceiro, de que tenha notícia, sempre que este se encontre em condições de lesar os direitos <strong>do</strong><br />

proprietário.<br />

4.2.2. TUTELA DO DIREITO DE USUFRUTO EM SEDE DE EMBARGOS DE TERCEIRO<br />

A constituição de um direito de usufruto sobre a coisa implica a limitação <strong>do</strong> direito de<br />

propriedade correlativo, o qual, sen<strong>do</strong> limita<strong>do</strong> ou comprimi<strong>do</strong> temporariamente pela<br />

constituição <strong>do</strong> usufruto e pelo tempo que este durar, passa a designar-se por “propriedade da<br />

raiz” ou “nua propriedade”. Deste mo<strong>do</strong>, a partir da constituição <strong>do</strong> usufruto, passa a verificar-se<br />

uma coexistência intrínseca entre o proprietário da raiz e o usufrutuário, fican<strong>do</strong> cada um <strong>do</strong>s<br />

direitos restringi<strong>do</strong>s pelas limitações impostas pelo direito contrário, ou seja, a partir desse<br />

momento assiste-se a um conflito efectivo de sobreposição de direitos 604 . Na verdade, pela<br />

constituição <strong>do</strong> usufruto, o respectivo titular deste direito adquire uma parcela de soberania<br />

sobre a coisa, pelo que, enquanto o proprietário pode reagir contra qualquer forma de afectação<br />

da coisa, ao usufrutuário apenas é admissível a dedução de oposição em relação a algum acto<br />

de afectação na medida em que ofenda a sua parcela de <strong>do</strong>mínio 605 . Por outro la<strong>do</strong>, o poder,<br />

ainda que limita<strong>do</strong>, de soberania <strong>do</strong> usufrutuário em relação à coisa, embora não lhe permita<br />

impedir a alienação da coisa pelo respectivo proprietário, concede-lhe, porém, o poder de impor<br />

604 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, CORDEIRO, A. Menezes, Direitos Reais, ob. cit., p. 657.<br />

605 MESQUITA, Manuel Henrique, Obrigações e Ónus Reais, ob. cit., p. 78.


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

o reconhecimento <strong>do</strong> seu direito em relação ao adquirente da coisa, exercen<strong>do</strong>, deste mo<strong>do</strong>, um<br />

poder de sequela 606.<br />

Nessa exacta medida, ao abrigo <strong>do</strong> disposto no art. 824.º, n.º 2 <strong>do</strong> CC, se tiver si<strong>do</strong><br />

constituí<strong>do</strong> e regista<strong>do</strong> antes da penhora um direito de usufruto sobre um bem imóvel, é lícito ao<br />

usufrutuário defender a sua posse face à penhora desse bem imóvel através de embargos de<br />

terceiro no caso de ter si<strong>do</strong> penhorada a propriedade plena <strong>do</strong> bem ao invés da propriedade da<br />

raiz 607 , porquanto a penhora da propriedade plena extravasa as limitações impostas pela<br />

constituição <strong>do</strong> direito de usufruto sobre esse bem, e, por outro la<strong>do</strong>, o direito <strong>do</strong> usufrutuário é<br />

oponível em relação a terceiros. Do mesmo mo<strong>do</strong>, é ainda lícita a dedução de embargos de<br />

terceiro pelo usufrutuário se essa diligência tiver por finalidade a entrega efectiva <strong>do</strong> bem com o<br />

consequente desalojamento <strong>do</strong> usufrutuário 608 .<br />

Por sua vez, não estan<strong>do</strong> em causa um bem sujeito a registo, o usufrutuário pode<br />

defender a sua posse em sede de embargos de terceiro caso o usufruto tenha si<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong><br />

antes da penhora ou <strong>do</strong> acto judicialmente ordena<strong>do</strong> de apreensão ou entrega <strong>do</strong> bem<br />

porquanto o usufruto é um direito oponível a terceiro independentemente <strong>do</strong> seu registo.<br />

Assim, em regra, o usufruto permite a sua defesa em sede de embargos de terceiro,<br />

quer quan<strong>do</strong>, em execução movida contra o proprietário da raiz <strong>do</strong> bem, tenha si<strong>do</strong> penhorada a<br />

propriedade plena (caso em que o titular deste direito pode embargar de terceiro), quer quan<strong>do</strong>,<br />

em execução movida contra o usufrutuário ou o titular <strong>do</strong> direito de uso e habitação, tenha si<strong>do</strong><br />

penhorada a propriedade plena (caso em que o proprietário da raiz pode embargar de<br />

terceiro) 609 , sen<strong>do</strong> apenas relevante que esse direito tenha si<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong> em momento anterior<br />

à constituição da penhora, arresto ou outra garantia (arts. 819.º e 824.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC).<br />

606 Quanto ao direito de sequela, HENRIQUE MESQUITA ressalva que esta expressão não se afigura<br />

correcta, já que não se trata de um direito, mas sim de um atributo ou de um efeito decorrente da titularidade de<br />

um direito real, quer o mesmo seja qualifica<strong>do</strong> como um poder directo e imediato (teoria clássica), quer seja<br />

concebi<strong>do</strong> como uma relação de subordinação directa de uma coisa à soberania de uma pessoa (teoria<br />

personalista) — MESQUITA, Manuel Henrique, Obrigações e Ónus Reais, ob. cit., p. 79.<br />

607 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 11 de Junho de 1987, in CJ, tomo III, 1987, p. 193.<br />

608 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, FERREIRA, Durval, Posse e Usucapião, ob. cit., p. 400.<br />

609 SOUSA, Miguel Teixeira de, Acção Executiva Singular, p. 309; MARQUES, J. P. Remédio, Curso de<br />

Processo Executivo à Face <strong>do</strong> Código Revisto, ob. cit., p. 329; Ac. <strong>do</strong> TRC, de 11 de Junho de 1987, in CJ, tomo III,<br />

1987, p. 193.<br />

185


186<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

Deste mo<strong>do</strong>, se em execução movida pelo cre<strong>do</strong>r hipotecário contra o usufrutuário de<br />

um bem imóvel 610, for penhorada a propriedade plena, é lícito ao proprietário da raiz embargar de<br />

terceiro contra essa penhora desde que alegue que lhe pertence a nua propriedade <strong>do</strong> bem<br />

imóvel penhora<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> o executa<strong>do</strong> mero usufrutuário 611 .<br />

Por sua vez, se em execução movida contra o proprietário da raiz for penhorada a<br />

propriedade plena, o usufrutuário pode lançar mão de embargos de terceiro com vista a exigir<br />

que o processo executivo tenha em conta a existência <strong>do</strong> seu direito sobre a coisa penhorada —<br />

sen<strong>do</strong> pois o bem vendi<strong>do</strong> juntamente com o ónus que sobre ele incide —, já que o usufrutuário<br />

não pode pretender impedir a venda fazen<strong>do</strong> uso <strong>do</strong>s embargos de terceiro.<br />

No entanto, em determinadas acções executivas encontra-se vedada ao usufrutuário a<br />

possibilidade de recorrer aos embargos de terceiro como forma de reacção contra a penhora<br />

que, pela sua extensão, represente uma ofensa <strong>do</strong> seu direito. Assim, estan<strong>do</strong> em causa uma<br />

execução movida contra o proprietário da raiz por dívida com garantia real que tenha si<strong>do</strong><br />

constituída sobre o bem antes da constituição <strong>do</strong> usufruto, se o proprietário tiver hipoteca<strong>do</strong><br />

voluntariamente o imóvel para garantia de uma dívida e se posteriormente constituir um usufruto<br />

sobre esse bem, não é lícito ao usufrutuário embargar de terceiro contra a penhora movida pelo<br />

cre<strong>do</strong>r hipotecário. Com efeito, nessa situação o direito <strong>do</strong> usufrutuário extingue-se com a venda<br />

executiva por não ser oponível ao direito exequen<strong>do</strong>, porquanto, a entender-se em senti<strong>do</strong><br />

contrário, tal circunstância representaria uma limitação à garantia constituída pela hipoteca.<br />

4.3. USO E HABITAÇÃO<br />

4.3.1. REGIME JURÍDICO<br />

O direito de uso consiste na faculdade de o respectivo titular se servir de certa coisa<br />

alheia e haver os respectivos frutos, na medida das necessidades pessoais <strong>do</strong> titular e da<br />

610 Com efeito, se o autor da hipoteca for o usufrutuário de um bem imóvel, a hipoteca apenas onera o<br />

direito de usufruto sobre o imóvel e não o próprio imóvel (cfr. MARTINEZ, Pedro Romano; PONTE, Pedro Fuzeta da,<br />

Garantias <strong>do</strong> Cumprimento, ob. cit., p. 189).<br />

611 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 11 de Junho de 1987, in CJ, tomo III, 1987, p. 193. Vide, na <strong>do</strong>utrina, MENDES,<br />

João de Castro, Direito Processual Civil,, ob. cit., p. 135, e MESQUITA, Miguel, Apreensão de Bens em Processo<br />

Executivo e Oposição de Terceiro, ob. cit., p. 150.


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

respectiva família 612 613 (art. 1484.º, n.º 1, <strong>do</strong> CC) 614 . Quanto ao direito de habitação, este consiste<br />

no direito de uso quan<strong>do</strong> reporta<strong>do</strong> a uma casa de morada (art. 1484.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC) 615. Trata-<br />

se, pois, de um direito similar ao direito de uso, embora dele se distancie quanto ao seu objecto.<br />

No que concerne ao respectivo regime jurídico, o legisla<strong>do</strong>r segue de perto as normas<br />

previstas para o regime <strong>do</strong> usufruto, porquanto os direitos de uso e de habitação constituem<br />

“usufrutos diminuí<strong>do</strong>s” 616 atento o facto de o respectivo direito de gozo se limitar às necessidades<br />

<strong>do</strong> respectivo titular e da sua família. Nessa medida, e.g., o titular <strong>do</strong> direito de uso e de<br />

habitação não pode onerar o imóvel com um arrendamento, uma vez que o direito de uso e<br />

habitação se reconduz ao gozo <strong>do</strong> imóvel, sem que daí resulte para o respectivo titular o direito<br />

ao gozo <strong>do</strong>s produtos civis resultantes da coisa 617.<br />

A constituição <strong>do</strong> direito de uso e habitação sobre um bem imóvel encontra-se sujeita a<br />

registo [art. 2.º, n.º 1, a), <strong>do</strong> CRPred.].<br />

TERCEIRO<br />

4.3.2. TUTELA DO DIREITO DE USO E HABITAÇÃO EM SEDE DE EMBARGOS DE<br />

Tal como se verifica no usufruto, também no direito de uso e habitação o respectivo<br />

titular adquire um direito real de gozo menor sobre a coisa que lhe confere o poder de deduzir<br />

oposição a qualquer acto de afectação da coisa que não pressuponha o respeito pela existência<br />

desse direito. Na verdade, coexistin<strong>do</strong> o direito de propriedade e o de uso e de habitação sobre a<br />

612 Ao abrigo <strong>do</strong> art. 1486.º <strong>do</strong> CC, as necessidades pessoais <strong>do</strong> usuário ou <strong>do</strong> mora<strong>do</strong>r usuário são fixadas<br />

em conformidade com a sua condição social.<br />

613 Para to<strong>do</strong>s os efeitos legais, a composição da família compreende apenas o cônjuge, não separa<strong>do</strong><br />

judicialmente de pessoas e bens, os filhos solteiros, outros parentes a quem sejam devi<strong>do</strong>s alimentos e as pessoas<br />

que, conviven<strong>do</strong> com o respectivo titular, se encontrem ao seu serviço ou ao serviço das pessoas designadas.<br />

614 Comparativamente com o direito de usufruto, a diferença fundamental decorre da circunstância de o<br />

direito de uso e habitação se limitar às necessidades <strong>do</strong> respectivo titular e da sua família (cfr., nesse senti<strong>do</strong>,<br />

COSTA, Mário Júlio de Almeida, Noções Fundamentais de Direito Civil, ob. cit., p. 438).<br />

615 Do mesmo mo<strong>do</strong>, no <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> código civil italiano o direito de habitação vem defini<strong>do</strong> como um<br />

direito de gozo limita<strong>do</strong> sobre uma habitação, o qual é constituí<strong>do</strong> em benefício <strong>do</strong> respectivo titular e da sua família<br />

(art. 1022 <strong>do</strong> CC It.).<br />

616 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, DUARTE, Rui Pinto, Curso de Direitos Reais, ob. cit., p. 167.<br />

617 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, FRAGA, Álvaro Moreira Carlos, Direitos Reais…, ob. cit., 1971, p. 418.<br />

187


188<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

mesma coisa, o titular deste direito pode fazê-lo valer contra o adquirente da coisa através <strong>do</strong><br />

seu poder de sequela.<br />

Deste mo<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> penhora<strong>do</strong> um bem imóvel pertencente ao executa<strong>do</strong>, mas que se<br />

encontra onera<strong>do</strong> com um direito de uso e habitação a favor de outrem, é lícito ao terceiro titular<br />

deste direito deduzir embargos de terceiro em relação à penhora quan<strong>do</strong> tal se revele necessário<br />

para que o tribunal reconheça que o bem se encontra onera<strong>do</strong> com esse direito, já que, sen<strong>do</strong><br />

incompatível com a penhora, a existência de um direito de uso e de habitação não se extingue<br />

com a venda executiva.<br />

De igual maneira, se o imóvel penhora<strong>do</strong> em acção executiva movida contra um <strong>do</strong>s<br />

cônjuges constituir a casa de morada <strong>do</strong> seu cônjuge, este pode deduzir embargos de terceiro<br />

com vista à protecção <strong>do</strong> seu direito de habitação que onera esse imóvel quan<strong>do</strong> não tenha si<strong>do</strong><br />

cita<strong>do</strong> nos termos e para os efeitos <strong>do</strong> disposto nos arts 825.º e 864.º-A <strong>do</strong> CPC. Ora, tal direito<br />

fica devidamente protegi<strong>do</strong> e salvaguarda<strong>do</strong> se for reconheci<strong>do</strong> ao cônjuge <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> o direito<br />

de permanecer no imóvel penhora<strong>do</strong> enquanto precisar dele para morar. Na verdade, <strong>do</strong> art.<br />

1682.º-A <strong>do</strong> CC emerge um verdadeiro direito de habitação a favor <strong>do</strong> cônjuge <strong>do</strong> executa<strong>do</strong>,<br />

pelo que nada obsta à manutenção da penhora que reconheça a existência desse ónus, ou seja,<br />

desde que seja reduzida à propriedade da raiz ou à nua propriedade, garantin<strong>do</strong>-se, assim, uma<br />

conciliação justa e equitativa entre os interesses conflituantes.<br />

É lícito ao cônjuge <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> deduzir embargos de terceiro contra a penhora da casa<br />

de morada de família situada em prédio pertencente exclusivamente ao mari<strong>do</strong> executa<strong>do</strong>, da<strong>do</strong><br />

que <strong>do</strong> art. 1682.º-A, n.º 2, <strong>do</strong> CC resulta um verdadeiro direito de uso e habitação a favor <strong>do</strong><br />

cônjuge, pelo que a penhora apenas poderia incidir sobre a propriedade da raiz desse imóvel 618.<br />

De igual mo<strong>do</strong>, uma vez que o direito real de habitação não se extingue com o divórcio <strong>do</strong>s seus<br />

titulares, e da<strong>do</strong> que nem a posse da casa de morada de família por parte de cada um <strong>do</strong>s<br />

cônjuges se torna insubsistente a partir <strong>do</strong> respectivo divórcio, é lícito ao ex-cônjuge deduzir<br />

618 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 13 de Março de 1997, in BMJ, 465.º, p. 498. LOPES DO REGO insurge-se contra<br />

tal direito de embargar de terceiro, já que ao cônjuge <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> apenas será faculta<strong>do</strong> o exercício <strong>do</strong><br />

contraditório que ao executa<strong>do</strong> seria lícito deduzir em sede executiva (art. 864.º-A, <strong>do</strong> CPC), não lhe sen<strong>do</strong>, pois,<br />

lícito embargar de terceiro para fazer valer a titularidade de um direito de uso e habitação sobre a casa de morada<br />

de família (REGO, Lopes <strong>do</strong>, Comentários <strong>do</strong> Código de Processo Civil, vol. I, ob. cit., p. 326).


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

embargos de terceiro contra uma acção de reivindicação da casa de morada de família que<br />

tenha si<strong>do</strong> movida contra o ex-cônjuge 619.<br />

4.4. SUPERFÍCIE<br />

4.4.1. REGIME JURÍDICO<br />

O direito de superfície, enquanto direito real de gozo, traduz-se na faculdade de construir<br />

ou manter, perpétua ou temporariamente, uma obra em terreno alheio ou de nele fazer ou<br />

manter plantações (art. 1524.º <strong>do</strong> CC) 620 621 622. Trata-se, assim, de um verdadeiro ius in re aliena,<br />

da<strong>do</strong> que, tal como se verifica no usufruto, implica uma coexistência efectiva com o direito de<br />

propriedade 623.<br />

Nos termos <strong>do</strong> art. 1258.º <strong>do</strong> CC, a constituição <strong>do</strong> direito de superfície pode resultar de<br />

contrato, testamento ou usucapião, bem como da alienação de obra ou árvores já existentes,<br />

separadamente da propriedade <strong>do</strong> solo, sen<strong>do</strong> certo que esse facto jurídico encontra-se sujeito a<br />

registo [art. 2.º, n.º 1, a), <strong>do</strong> CRPred.].<br />

No que concerne à natureza <strong>do</strong> direito <strong>do</strong> superficiário, pode-se concluir que, atenta a<br />

configuração jurídica deste direito real de gozo, o superficiário é titular <strong>do</strong> direito de propriedade<br />

sobre as construções ou plantações e <strong>do</strong> direito de superfície relativamente ao solo onde estas<br />

se encontram implantadas 624 . Por sua vez, o proprietário <strong>do</strong> subsolo ou fundeiro, ven<strong>do</strong> o seu<br />

619 Ac. <strong>do</strong> STJ, de 10 de Fevereiro de 1994, proc. 084346, in www.dgsi.pt.<br />

620 Propon<strong>do</strong> uma definição mais completa <strong>do</strong> direito de superfície, MENEZES CORDEIRO sustenta que este<br />

direito traduz-se na “afectação jurídica de um prédio alheio em termos de nele se efectuar, ou simplesmente<br />

manter, edifícios ou plantações, com o subsequente aproveitamento das coisas assim mantidas” (cfr. CORDEIRO, A.<br />

Menezes, Direitos Reais, ob. cit., p. 707).<br />

621 Esta noção legal de direito de superfície contraria a visão romana da propriedade, já que to<strong>do</strong> o<br />

elemento imobiliza<strong>do</strong> que se encontrasse dentro <strong>do</strong>s limites verticais de um prédio apenas podia pertencer a um só<br />

proprietário, não se admitin<strong>do</strong>, assim, que uma coisa implantada pudesse pertencer a uma pessoa diversa <strong>do</strong> titular<br />

<strong>do</strong> solo (ASCENSÃO, José de Oliveira, Direito Civil – Reais, ob. cit., p. 457).<br />

622 Em termos muito semelhantes, determina o art. 952 <strong>do</strong> CC It. que “[I]l proprietario può costituire il<br />

diritto di fare e mantenere al disopra del suolo una costruzione a favore di altri, che ne acquista la proprietà.”<br />

623 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, DUARTE, Rui Pinto, Curso de Direitos Reais, ob. cit., p. 173.<br />

624 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, MESQUITA, Manuel Henrique, Obrigações Reais e Ónus Reais, ob. cit., p. 58.<br />

189


190<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

direito de propriedade severamente comprimi<strong>do</strong> em virtude da constituição <strong>do</strong> direito de<br />

superfície a favor de um terceiro, reserva para si o direito de uso e fruição <strong>do</strong> subsolo, poden<strong>do</strong><br />

ser responsabiliza<strong>do</strong> pelos danos que vier a causar ao titular <strong>do</strong> direito de superfície (art. 1533.º<br />

<strong>do</strong> CC), bem como o poder de disposição <strong>do</strong> seu direito (art. 1534.º <strong>do</strong> CC).<br />

Quanto à sua duração, o direito de superfície pode ser constituí<strong>do</strong> como uma duração<br />

temporária — motivo pelo qual se extingue pelo decurso <strong>do</strong> prazo fixa<strong>do</strong> aquan<strong>do</strong> da sua<br />

constituição — ou com uma duração perpétua.<br />

4.4.2. TUTELA DO DIREITO DE SUPERFÍCIE EM SEDE DE EMBARGOS DE TERCEIRO<br />

Assim como no caso <strong>do</strong> usufruto, também quan<strong>do</strong> seja penhorada a propriedade plena<br />

pode o titular <strong>do</strong> direito de superfície deduzir embargos de terceiro com fundamento na<br />

titularidade de um direito incompatível com a penhora 625 626 . Na verdade, a constituição de um<br />

direito de superfície sobre a coisa contende com o exercício em absoluto <strong>do</strong> direito de<br />

propriedade sobre a coisa, passan<strong>do</strong> a existir entre o superficiário e o proprietário <strong>do</strong> solo uma<br />

relação de coexistência intrínseca, o que implica que cada um desses direitos se veja<br />

proporcionalmente limita<strong>do</strong> em função da medida <strong>do</strong> direito correlativo. Ora, o direito <strong>do</strong><br />

superficiário em relação à coisa não é suficientemente forte para impedir que o respectivo<br />

proprietário possa alienar a coisa a um terceiro, ou que a mesma possa ser coactivamente<br />

alienada em sede de execução forçada. Porém, este direito não se extingue por força dessa<br />

venda, isto é, não é incompatível com a venda executiva, pelo que o superficiário poderá<br />

embargar de terceiro se, ten<strong>do</strong> o seu direito si<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong> e regista<strong>do</strong> em momento anterior à<br />

penhora, arresto ou outra garantia, o interesse processual assim o impuser por força da<br />

necessidade de impor o reconhecimento <strong>do</strong> seu direito na venda executiva.<br />

Saliente-se, ainda, que tem legitimidade para deduzir embargos o terceiro em benefício<br />

<strong>do</strong> qual tenha si<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong> pelo superficiário um direito real de gozo 627 em caso de acção<br />

625 MARQUES, J. P. Remédio, Curso de Processo Executivo à Face <strong>do</strong> Código Revisto, ob. cit., p. 329.<br />

626 No regime anterior à reforma de 95/96 a jurisprudência entendia que o direito de superfície não<br />

permitia a dedução de embargos de terceiro, porquanto tal direito não era susceptível de posse (cfr., nesse senti<strong>do</strong>,<br />

o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 7 de Julho de 1994, proc. 0083541, in www.dgsi.pt).<br />

627 Já igual legitimidade não lhe será concedida se este for titular de um direito real de garantia, salvo nos<br />

casos particulares em que este direito admita a dedução de embargos de terceiro. Quanto à extinção <strong>do</strong>s direitos


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

executiva movida contra o proprietário <strong>do</strong> bem e em que tenha si<strong>do</strong> penhorada a propriedade<br />

plena, bem como nos casos em que tenha si<strong>do</strong> penhora<strong>do</strong> o direito de superfície <strong>do</strong> superficiário<br />

em execução contra ele movida.<br />

4.5. SERVIDÃO PREDIAL<br />

4.5.1. REGIME JURÍDICO<br />

A servidão predial consiste no encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de<br />

outro prédio pertencente a <strong>do</strong>no diferente (art. 1543.º <strong>do</strong> CC) 628. Deste mo<strong>do</strong>, a servidão implica<br />

o estabelecimento de uma relação jurídica entre <strong>do</strong>is imóveis, mediante a qual o prédio<br />

beneficia<strong>do</strong> se designa por <strong>do</strong>minante e o prédio onera<strong>do</strong> com a servidão se denomina serviente.<br />

Aliás, é nessa exacta medida que o art. 1545.º <strong>do</strong> CC pressupõe uma relação de<br />

inseparabilidade das servidões <strong>do</strong>s prédios a que pertencem, quer de forma activa ou passiva.<br />

A servidão tem ainda como principal característica a sua indivisibilidade, ou seja, se o<br />

prédio serviente for dividi<strong>do</strong>, o titular de cada novo prédio fica sujeito à parte da servidão que lhe<br />

caiba.<br />

No que concerne às espécies de servidões reais legalmente previstas, destacam-se a<br />

servidão de vistas (art. 1362.º <strong>do</strong> CC), a servidão de estilicídio (art. 1365.º <strong>do</strong> CC), a servidão<br />

legal de passagem (arts. 1550.º a 1556.º <strong>do</strong> CC) e a servidão legal de águas (arts. 1557.º a<br />

1563.º <strong>do</strong> CC).<br />

Estan<strong>do</strong> em causa a constituição de um direito de servidão sobre um bem imóvel, a<br />

oponibilidade <strong>do</strong>s efeitos desse direito em relação a terceiros depende da efectivação <strong>do</strong> registo<br />

[art. 2.º, n.º 1, a), <strong>do</strong> CRPred.].<br />

4.5.2. TUTELA DA SERVIDÃO PREDIAL EM SEDE DE EMBARGOS DE TERCEIRO<br />

Sen<strong>do</strong> penhora<strong>do</strong> ou atingi<strong>do</strong> por uma diligência judicialmente ordenada um prédio<br />

serviente, coloca-se a questão de saber se o proprietário <strong>do</strong> prédio <strong>do</strong>minante (ou o titular de<br />

reais de gozo e de garantia constituí<strong>do</strong>s pelo superficiário a favor de um terceiro, vide o regime previsto no art.<br />

1539.º <strong>do</strong> CC.<br />

628 Vide, no mesmo senti<strong>do</strong>, a noção de servidão predial ínsita no art. 1027 <strong>do</strong> CC It.<br />

191


192<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

uma servidão pessoal 629 ) deduzir embargos de terceiro face a essa ofensa.<br />

Uma das principais características da servidão traduz-se na sua inseparabilidade<br />

relativamente ao prédio a que respeita. Além disso, a servidão beneficia ainda da indivisibilidade,<br />

ou seja, mesmo que o prédio serviente venha a ser dividi<strong>do</strong> entre vários <strong>do</strong>nos, cada porção<br />

desse prédio permanece sujeita e onerada em relação à parte da servidão que anteriormente lhe<br />

cabia. Ademais, ao abrigo <strong>do</strong> disposto no art. 1546.º <strong>do</strong> CC, se for dividi<strong>do</strong> o prédio <strong>do</strong>minante,<br />

cada um <strong>do</strong>s consortes passa a ter o direito de usar a servidão sem alteração nem mudança.<br />

No que diz respeito às causas de extinção <strong>do</strong> direito de servidão, destacam-se a reunião<br />

<strong>do</strong> prédio <strong>do</strong>minante e serviente no <strong>do</strong>mínio da mesma pessoa, o não uso durante vinte anos, a<br />

aquisição da liberdade <strong>do</strong> prédio por usucapião, a renúncia (a qual não depende de aceitação <strong>do</strong><br />

proprietário <strong>do</strong> prédio serviente) e a caducidade em virtude <strong>do</strong> decurso <strong>do</strong> prazo, não preven<strong>do</strong> o<br />

legisla<strong>do</strong>r a caducidade desse direito em virtude da alienação <strong>do</strong> prédio ou serviente ou<br />

<strong>do</strong>minante.<br />

Deste mo<strong>do</strong>, se o direito de servidão acompanha o prédio serviente e não se extingue<br />

em virtude da sua alienação a um terceiro pelo respectivo proprietário ou em consequência de<br />

uma venda em sede executiva, o proprietário <strong>do</strong> prédio <strong>do</strong>minante poderá deduzir embargos de<br />

terceiro contra a penhora <strong>do</strong> prédio serviente desde que o direito tenha si<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong> ou<br />

regista<strong>do</strong> antes da constituição e registo da penhora, arresto ou garantia e se afigure necessário<br />

impor o reconhecimento da existência desse direito para efeitos de venda executiva 630. Nessa<br />

exacta medida, carecerá de fundamento a dedução de embargos de terceiro pelo proprietário <strong>do</strong><br />

prédio <strong>do</strong>minante face à penhora <strong>do</strong> prédio serviente por inexistência de interesse processual se<br />

a venda executiva ressalvar a existência desse direito real de gozo, já que este direito, não se<br />

extinguin<strong>do</strong> com a venda executiva, não impede a alienação da coisa onerada a um terceiro (art.<br />

824.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC).<br />

629 Ao contrário da servidão predial, a qual se traduz na imposição de um encargo sobre um prédio em<br />

benefício de outro prédio pertencente a <strong>do</strong>no diferente, a servidão pessoal consiste num direito pessoal de gozo com<br />

mera eficácia obrigacional que é constituí<strong>do</strong> em benefício de uma pessoa e não de um prédio (vide, quanto a esta<br />

distinção, COSTA, Mário Júlio de Almeida, Noções Fundamentais de Direito Civil, ob. cit., p. 444).<br />

630 Na verdade, tal como salienta HENRIQUE MESQUITA, o proprietário <strong>do</strong> prédio <strong>do</strong>minante tem um direito<br />

de gozo ou de desfrute de vantagens sobre o prédio serviente (MESQUITA, Manuel Henrique, Obrigações e Ónus<br />

Reais, ob. cit., p. 85).


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

4.6. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO PERIÓDICA<br />

4.6.1. REGIME JURÍDICO<br />

O direito real de habitação periódica encontra-se actualmente regula<strong>do</strong> pelo Decreto-Lei<br />

n.º 275/93, de 05 de Agosto, com as alterações que lhe foram introduzidas pelos Decretos-Leis<br />

n. os 180/99, de 22 de Maio, 22/2002, de 31 de Janeiro 631 e 76-A/2006, de 29 de Março.<br />

De acor<strong>do</strong> com o seu regime jurídico, este direito consiste na faculdade de gozar,<br />

perpétua ou temporariamente, uma unidade de alojamento integrada em hóteis-apartamentos,<br />

aldeamentos turísticos e apartamentos turísticos, sen<strong>do</strong> limita<strong>do</strong> a um perío<strong>do</strong> certo de tempo<br />

de cada ano (art. 1.º) 632 . Sen<strong>do</strong> qualifica<strong>do</strong> como um direito real menor 633 , o direito real de<br />

habitação periódica incide sobre uma coisa alheia, embora o seu titular tenha o direito de<br />

utilização das partes comuns <strong>do</strong> edifício, à semelhança <strong>do</strong> que se verifica no regime jurídico da<br />

propriedade horizontal. Aquele direito coexiste com o direito de propriedade <strong>do</strong> bem imóvel a que<br />

se refere, destacan<strong>do</strong>-se, por outro la<strong>do</strong>, o “carácter temporário e cíclico de gozo” que faculta ao<br />

respectivo titular 634 .<br />

Quanto à sua duração, o direito de habitação periódica pode ser constituí<strong>do</strong> por um<br />

perío<strong>do</strong> temporário ou perpétuo, sen<strong>do</strong> certo que, no primeiro caso, o seu prazo de duração<br />

mínima é de quinze anos.<br />

No que respeita à sua forma de constituição, o direito real de habitação periódica deve<br />

ser constituí<strong>do</strong> através de escritura pública (art. 6.º, n.º 1) e confere ao seu titular o gozo <strong>do</strong>s<br />

seguintes direitos (art. 21.º):<br />

- habitar a unidade de alojamento pelo perío<strong>do</strong> a que respeita o seu direito;<br />

631 A Directiva 94/47/CE, de 26 de Outubro veio regular esta matéria, reportan<strong>do</strong>-se a um “direito real ou<br />

qualquer outro direito relativo à utilização de um ou mais imóveis durante um perío<strong>do</strong> determina<strong>do</strong> ou determinável<br />

de ano, que não pode ser inferior a uma semana.”<br />

632 Nessa exacta medida, o direito real de habitação periódica, segun<strong>do</strong> ISABEL PEREIRA MENDES,<br />

caracteriza-se por ser um direito novo, com natureza real, oponível “erga omnes”, constituí<strong>do</strong> por escritura pública e<br />

sujeito a registo (cfr. MENDES, Isabel Pereira, Direito Real de Habitação Periódica, Almedina, Coimbra, 1993,<br />

p. 18).<br />

633 ASCENSÃO, José de Oliveira, Direito Civil – Reais, ob. cit., p. 475.<br />

634 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, DUARTE, Rui Pinto, Curso de Direitos Reais, ob. cit., p. 192.<br />

193


194<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

- usar as instalações e equipamentos de uso comum <strong>do</strong> empreendimento e beneficiar<br />

<strong>do</strong>s serviços presta<strong>do</strong>s pelo titular <strong>do</strong> empreendimento;<br />

- exigir, em caso de impossibilidade de utilização da unidade de alojamento objecto <strong>do</strong><br />

contrato devi<strong>do</strong> a situações de força maior ou caso fortuito motiva<strong>do</strong> por circunstâncias<br />

anormais e imprevisíveis alheias àquele que as invoca, cujas consequências não poderiam ter<br />

si<strong>do</strong> evitadas apesar de todas as diligências feitas, que o proprietário ou o cessionário lhe faculte<br />

alojamento alternativo num empreendimento sujeito ao regime de direitos reais de habitação<br />

periódica, de categoria idêntica ou superior, num local próximo <strong>do</strong> empreendimento objecto <strong>do</strong><br />

contrato;<br />

- ceder o exercício da faculdade de habitar a unidade de alojamento, deven<strong>do</strong>, no<br />

entanto, comunicar por escrito essa cessão à entidade responsável pela gestão <strong>do</strong><br />

empreendimento.<br />

Uma vez que este direito incide sobre um bem imóvel, a sua constituição e eficácia em<br />

relação a terceiros encontra-se sujeita a registo [art. 2.º, n.º 1, b), <strong>do</strong> CRPred.].<br />

Quanto às causas de extinção <strong>do</strong> direito real de habitação periódica, destacam-se, desde<br />

logo, o decurso <strong>do</strong> prazo, sem prejuízo deste direito poder ainda extinguir-se por renúncia ou por<br />

resolução <strong>do</strong> contrato.<br />

DE TERCEIRO<br />

4.6.2. TUTELA DO DIREITO REAL DE HABITAÇÃO PERIÓDICA EM SEDE DE EMBARGOS<br />

Nos termos <strong>do</strong> disposto no art. 862.º, n.º 5, <strong>do</strong> CPC, a penhora <strong>do</strong> direito real de<br />

habitação periódica realiza-se através de notificação à contraparte da respectiva relação<br />

contratual, a qual deve comunicar ao tribunal se esse direito existe, sem prejuízo de poder<br />

também contestar a existência <strong>do</strong> direito (art. 862.º, n.º 1, <strong>do</strong> CPC).<br />

O direito real de habitação periódica, sen<strong>do</strong> um direito real menor de gozo, implica a<br />

limitação <strong>do</strong> exercício <strong>do</strong> direito de propriedade <strong>do</strong> titular <strong>do</strong> imóvel onera<strong>do</strong> com esse direito,<br />

pelo que se verifica uma relação concomitante entre ambos os direitos.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, o poder, ainda que limita<strong>do</strong>, de gozo da coisa pelo titular <strong>do</strong> direito real<br />

de habitação, embora não lhe permita impedir a alienação da coisa pelo respectivo proprietário,<br />

atribui-lhe, no entanto, o poder de impor o reconhecimento <strong>do</strong> seu direito real de gozo ao<br />

adquirente da coisa.


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

Nessa exacta medida, entre as principais características <strong>do</strong> direito real de habitação<br />

periódica, enquanto direito real de gozo, destaca-se a sua oponibilidade erga omnes 635.<br />

Vale isto por dizer que, a venda executiva <strong>do</strong> empreendimento onde se situa a unidade<br />

de alojamento onerada não implica a extinção, por caducidade, deste direito, desde que o<br />

mesmo tenha si<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong> e regista<strong>do</strong> antes <strong>do</strong> registo da penhora, arresto ou outra garantia<br />

(arts. 819.º e 824.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC) 636. Nessa exacta medida, o direito real de habitação periódica<br />

insere-se no núcleo <strong>do</strong>s “direitos incompatíveis” com a realização ou a finalidade da penhora ou<br />

da diligência judicial, permitin<strong>do</strong>, consequentemente, a dedução de embargos de terceiro.<br />

Assim, sen<strong>do</strong> penhorada a propriedade plena em execução movida contra o proprietário<br />

<strong>do</strong> bem sobre o qual se ache constituí<strong>do</strong> um direito real de habitação periódica, é permiti<strong>do</strong> ao<br />

titular deste direito, desde que constituí<strong>do</strong> e regista<strong>do</strong> antes da penhora, deduzir embargos de<br />

terceiro com fundamento em titularidade de um direito incompatível com a finalidade ou o<br />

âmbito da diligência uma vez que tal direito não caduca com a venda executiva 637 .<br />

Por sua vez, sen<strong>do</strong> penhora<strong>do</strong> o direito real de habitação periódica em execução movida<br />

contra o titular <strong>do</strong> respectivo direito, o proprietário <strong>do</strong> empreendimento onde se situa a unidade<br />

de alojamento pode deduzir embargos de terceiro caso não tenha si<strong>do</strong> notifica<strong>do</strong> quanto à<br />

penhora desse direito. Na verdade, ao abrigo <strong>do</strong> disposto no art. 862.º, n.º 5, <strong>do</strong> CPC, a penhora<br />

<strong>do</strong> direito real de habitação periódica é efectuada mediante a notificação ao respectivo<br />

proprietário da unidade de alojamento, com a advertência de que esse direito fica à ordem <strong>do</strong><br />

agente de execução desde a data da notificação. Perante essa comunicação, o notifica<strong>do</strong> pode<br />

efectuar as declarações que entender quanto ao direito penhora<strong>do</strong> e, em particular, contestar a<br />

sua existência. Ora, sen<strong>do</strong> tal notificação omitida, a penhora desse direito não é oponível ao<br />

proprietário <strong>do</strong> empreendimento, fican<strong>do</strong> o mesmo com o poder de deduzir embargos de<br />

terceiro contra essa penhora. Porém, já tal não sucederá se o proprietário, uma vez notifica<strong>do</strong> da<br />

penhora, nada tiver respondi<strong>do</strong>, já que o seu silêncio é interpreta<strong>do</strong> como reconhecimento da<br />

existência <strong>do</strong> direito correspondente.<br />

635 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, DUARTE, Rui Pinto, Curso de Direitos Reais, ob. cit., p. 196.<br />

636 Tratan<strong>do</strong>-se de um direito real “em sobreposição” e de “titularidade singular”, a penhora <strong>do</strong> bem sobre<br />

o qual incide o direito real de habitação periódica não implica a apreensão efectiva <strong>do</strong> bem com a consequente<br />

retirada da coisa ao gozo <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> (cfr. PINTO, Rui, Penhora, Venda e Pagamento, ob. cit., p. 79).<br />

637 Cfr. MARQUES, J. P. Remédio, Curso de Processo Executivo à Face <strong>do</strong> Código Revisto, ob. cit., p. 329.<br />

195


5. DIREITOS REAIS DE AQUISIÇÃO<br />

196<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

Paralelamente aos contratos de natureza obrigacional, o legisla<strong>do</strong>r admite a<br />

possibilidade de existirem contratos reais ou com eficácia real, os quais implicam a constituição<br />

ou a transferência de direitos reais sobre coisa determinada por mero efeito <strong>do</strong> contrato, ao<br />

abrigo <strong>do</strong> princípio da consensualidade (art. 408.º <strong>do</strong> CC) 638. Deste mo<strong>do</strong>, pela simples<br />

celebração <strong>do</strong> contrato com eficácia real, o adquirente obtém um direito com eficácia real, o<br />

qual é oponível erga omnes, sem prejuízo das imposições resultantes da obrigatoriedade de<br />

registo 639.<br />

Deste mo<strong>do</strong>, os direitos reais de aquisição têm por função “permitir a aquisição de<br />

direitos reais de gozo ou de créditos relaciona<strong>do</strong>s com o gozo da coisa” 640 , e traduzem-se na<br />

afectação jurídica de uma coisa com vista à aquisição de direitos com ela relaciona<strong>do</strong>s 641. Na<br />

verdade, estes direitos conferem ao respectivo titular o poder de adquirir ou constituir um direito<br />

real sobre uma coisa 642.<br />

Quanto ao problema de saber se os direitos reais de aquisição permitem a dedução de<br />

embargos de terceiro, a <strong>do</strong>utrina 643 e a jurisprudência 644 não têm um entendimento unânime.<br />

Com efeito, tu<strong>do</strong> depende da questão de saber se tais direitos sobrevivem ou não à venda<br />

executiva.<br />

638 Do mesmo mo<strong>do</strong>, o art. 1376.º <strong>do</strong> CC. It. prevê a possibilidade de serem celebra<strong>do</strong>s contratos com<br />

eficácia real: “Nei contratti che hanno per oggetto il trasferimento della proprietà di una cosa determinata, la<br />

costituzione o il trasferimento di un diritto reale ovvero il trasferimento di un altro diritto, la proprietà o il diritto si<br />

trasmettono e si acquistano per effetto del consenso delle parti legittimamente manifestato.”<br />

639 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, COSTA, Mário Júlio de Almeida, Direito das Obrigações, ob. cit., p. 262.<br />

640 ASCENSÃO, José de Oliveira, Direito Civil – Reais, ob. cit., p. 183. Vide também a este propósito,<br />

DUARTE, Rui Pinto, Curso de Direitos Reais, ob. cit., p. 255, segun<strong>do</strong> o qual os direitos reais de aquisição são<br />

aqueles “cujo exercício redunda da aquisição de um direito real, seja ele de gozo ou de garantia.”<br />

641 Cfr. CORDEIRO, António Menezes, Direitos Reais, ob. cit., p. 772.<br />

642 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, MESQUITA, Manuel Henrique, Obrigações e Ónus Reais, ob. cit., p. 10.<br />

643 A este propósito, RUI PINTO DUARTE sustenta que os direitos reais de aquisição não caducam com a<br />

venda executiva atento o disposto nos arts. 824.º e 422.º, segunda parte, a contrario, ambos <strong>do</strong> Código Civil.<br />

644 O STJ, por acórdão data<strong>do</strong> de 29 de Novembro de 2001, veio sustentar que os direitos reais de<br />

aquisição se extinguem com a venda executiva, motivo pelo qual não permitiriam a dedução de embargos de<br />

terceiro.


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

Ora, em regra os titulares de direitos reais de aquisição não podem deduzir embargos de<br />

terceiro quan<strong>do</strong> a respectiva causa de pedir se alicerça apenas na ofensa desse direito. Na<br />

verdade, o promitente-compra<strong>do</strong>r tem o direito de adquirir directamente o bem penhora<strong>do</strong> em<br />

sede executiva através de venda directa (art. 909.º <strong>do</strong> CPC). Por sua vez, o preferente legal ou<br />

convencional com eficácia real tem o direito de exercer o seu direito em sede executiva aquan<strong>do</strong><br />

da diligência de venda por propostas em carta fechada (arts. 892.º e 896.º <strong>do</strong> CPC) 645.<br />

Porém, importa ter em consideração algumas situações particulares em que tal questão<br />

apresenta um carácter mais controverti<strong>do</strong>.<br />

5.1. CONTRATO-PROMESSA COM EFICÁCIA REAL<br />

5.1.1. ÂMBITO<br />

Conforme se referiu supra, o contrato-promessa traduz-se na convenção pela qual<br />

alguém se obriga a celebrar certo contrato, sen<strong>do</strong> aplicáveis a essa convenção as disposições<br />

legais respeitantes ao contrato prometi<strong>do</strong>.<br />

Em regra, o contrato-promessa tem apenas eficácia meramente obrigacional,<br />

produzin<strong>do</strong>, consequentemente, efeitos inter partes, designadamente no que concerne à<br />

obrigação de contratar.<br />

Todavia, ao abrigo <strong>do</strong> disposto no art. 413.º <strong>do</strong> CC, as partes podem atribuir eficácia<br />

real, mediante declaração expressa e inscrição no registo 646 , ao contrato-promessa de<br />

transmissão ou constituição de direitos reais sobre bens imóveis ou móveis sujeitos a registo 647<br />

645 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, COSTA, Salva<strong>do</strong>r da, Os Incidentes da Instância, ob. cit., p. 209, segun<strong>do</strong> o qual o<br />

direito real de aquisição não é incompatível com a penhora porquanto o seu titular pode realizar o respectivo direito<br />

no âmbito da própria acção executiva, ao abrigo <strong>do</strong> disposto no art. 886.º, n.º 1, c), <strong>do</strong> CPC.<br />

646 Nos termos <strong>do</strong> disposto no art. 2.º, n.º 1, f), <strong>do</strong> CRPred., encontra-se sujeita a registo a promessa de<br />

alienação ou oneração de bens imóveis. Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 12 de Março de 1991, in BMJ, 17.º, p.<br />

17.<br />

647 Traduzin<strong>do</strong>-se o direito real no poder de exigir de to<strong>do</strong>s os outros indivíduos uma atitude de respeito pelo<br />

exercício de determina<strong>do</strong>s poderes sobre uma coisa, a eficácia real atribuída no contrato-promessa de compra e<br />

venda de imóvel confere ao promissário um direito real de garantia (cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 2 de Julho de 1996, proc.<br />

195/96 – 1.ª Secção, in www.dgsi.pt.<br />

197


198<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

648 . Deste mo<strong>do</strong>, à semelhança <strong>do</strong> que sucede em relação ao contrato de arrendamento, também<br />

no caso <strong>do</strong> contrato-promessa de compra e venda com eficácia real, o legisla<strong>do</strong>r veio prever<br />

expressamente a possibilidade de uma relação de natureza meramente obrigacional poder<br />

produzir efeitos oponíveis erga omnes 649 . A eficácia real <strong>do</strong> contrato-promessa traduz-se, assim,<br />

na faculdade atribuída “a qualquer terceiro que adquira <strong>do</strong> promitente-vende<strong>do</strong>r, sobre o objecto<br />

<strong>do</strong> contrato-prometi<strong>do</strong>, um direito que inviabilize, no to<strong>do</strong> ou em parte, o cumprimento <strong>do</strong><br />

contrato-promessa 650 651 . Isto pela simples razão de que a promessa com eficácia real prevalece<br />

sobre to<strong>do</strong>s os direitos, sejam eles de natureza pessoal ou real, que tenham si<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong>s<br />

sobre a coisa prometida, pelo que é lícito ao promitente opor procedentemente o seu direito a<br />

um terceiro que tenha adquiri<strong>do</strong> sobre a coisa um direito incompatível com o <strong>do</strong> promitente.<br />

Para que o contrato-promessa referente à constituição ou transmissão de direitos reais<br />

sobre bens imóveis produza efeitos em relação a terceiros, é necessário, desde logo, que o<br />

contrato seja celebra<strong>do</strong> por escritura pública, que as partes atribuam expressamente eficácia<br />

real ao contrato e que o mesmo seja leva<strong>do</strong> a registo com vista à sua publicidade em relação a<br />

terceiros.<br />

Vale isto por dizer que o direito à celebração <strong>do</strong> contrato-promessa com eficácia real<br />

prevalece, nos termos <strong>do</strong> art. 824.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC, sobre os direitos reais que não tenham si<strong>do</strong><br />

constituí<strong>do</strong>s ou regista<strong>do</strong>s em momento anterior ao registo <strong>do</strong> contrato-promessa com eficácia<br />

real.<br />

Ao contrário <strong>do</strong> que sucede no contrato-promessa celebra<strong>do</strong> com eficácia meramente<br />

obrigacional, em que a venda da coisa prometida a um terceiro não permite ao cre<strong>do</strong>r recorrer à<br />

execução específica desse contrato — da<strong>do</strong> que a emissão de uma declaração de natureza<br />

constitutiva pelo tribunal implicaria a transmissão de um bem que já não pertence ao património<br />

648 Quanto aos seus pressupostos, a celebração de um contrato-promessa com eficácia real depende da<br />

verificação de três requisitos: existir uma declaração expressa das partes quanto à atribuição de eficácia real ao<br />

contrato; a promessa deve constar de escritura pública ou de <strong>do</strong>cumento particular assina<strong>do</strong> pelos promitentes,<br />

consoante o contrato prometi<strong>do</strong> esteja ou não sujeito a essa forma; a promessa deve ser inscrita no registo (cfr.<br />

COSTA, Mário Júlio de Almeida, Direito das Obrigações, ob. cit., pp. 372 e 373).<br />

649 VARELA, João de Matos Antunes, Das Obrigações em Geral, vol. I, ob. cit., p. 173.<br />

650 MESQUITA, Manuel Henrique, Obrigações Reais e Ónus Reais, ob. cit., p. 235.<br />

651 Cfr., quanto à distinção entre contrato-promessa com eficácia real (art. 821.º CPC) e direito emergente<br />

de contrato-promessa, GONÇALVES, Gabriel Órfão, «Temas da Acção Executiva», in Themis, ano V, n.º 9, 2004,<br />

p. 290.


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

<strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r) 652 —, no contrato-promessa com eficácia real, o tribunal pode substituir-se ao faltoso,<br />

proferin<strong>do</strong>, em acção de execução específica, uma declaração de venda <strong>do</strong> objecto <strong>do</strong> contrato-<br />

promessa 653 , da<strong>do</strong> que o direito absoluto <strong>do</strong> promitente-compra<strong>do</strong>r é oponível ao direito<br />

incompatível <strong>do</strong> terceiro sobre a mesma coisa.<br />

5.1.2. A TUTELA DO CONTRATO-PROMESSA COM EFICÁCIA REAL EM SEDE EXECUTIVA<br />

Em caso de incumprimento de um contrato-promessa por uma das partes, assiste à<br />

parte contrária, salvo se tiver si<strong>do</strong> presta<strong>do</strong> sinal ou se tiver si<strong>do</strong> fixada uma pena para o caso de<br />

não cumprimento da promessa, o direito de obter uma sentença judicial que produza os efeitos<br />

da declaração negocial <strong>do</strong> faltoso, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação<br />

assumida, isto é, assiste-lhe o direito de recorrer à execução específica <strong>do</strong> contrato-promessa<br />

(art. 830.º <strong>do</strong> CC) 654 . Deste mo<strong>do</strong>, através da execução específica <strong>do</strong> contrato, o tribunal<br />

substitui-se ao promitente e realiza coercivamente a prestação a que este se encontrava<br />

obriga<strong>do</strong>. Todavia, se a esse contrato-promessa tiver si<strong>do</strong> atribuída eficácia real e se esta tiver<br />

si<strong>do</strong> devidamente registada (art. 413.º, n.º 1, <strong>do</strong> CC), o promitente-compra<strong>do</strong>r passa a ter um<br />

direito real de aquisição oponível erga omnes, pelo que, ainda que o promitente-vende<strong>do</strong>r aliene<br />

a coisa prometida a um terceiro, assistirá ao promitente-compra<strong>do</strong>r o direito de lhe opor a<br />

eficácia real <strong>do</strong> contrato 655 . Aliás, importa referir que, nesse caso em concreto, o promitente-<br />

compra<strong>do</strong>r poderá sempre recorrer à execução específica <strong>do</strong> contrato-promessa ainda que tenha<br />

652 Assim, nesse caso o promitente-compra<strong>do</strong>r apenas poderá exigir o pagamento de uma indemnização<br />

pelos danos resultantes <strong>do</strong> incumprimento <strong>do</strong> contrato (cujo valor será determina<strong>do</strong> em função <strong>do</strong> sinal entregue ou<br />

de uma eventual cláusula penal que tenha si<strong>do</strong> estabelecida para esse efeito), sem prejuízo <strong>do</strong> direito de poder<br />

recorrer às sanções previstas no art. 442.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC, se tiver havi<strong>do</strong> traditio da coisa.<br />

653 Cfr., a este propósito, VARELA, João de Matos Antunes, Das Obrigações em Geral, vol. I, ob. cit., p. 173.<br />

654 Quanto à natureza obrigacional <strong>do</strong> direito de execução específica <strong>do</strong> contrato-promessa, cfr. MESQUITA,<br />

Manuel Henrique, Obrigações e Ónus Reais, ob. cit., p. 223.<br />

655 Quanto ao exercício da eficácia real <strong>do</strong> contrato-promessa de compra e venda, MENEZES LEITÃO<br />

sustenta que se trata de uma acção declarativa constitutiva, a instaurar em litisconsórcio necessário contra o<br />

promitente e o terceiro adquirente (LEITÃO, Luís Menezes, Direito das Obrigações, vol. I, ob. cit., p. 251).<br />

199


200<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

si<strong>do</strong> presta<strong>do</strong> sinal ou fixada uma cláusula penal para o caso de incumprimento <strong>do</strong> contrato-<br />

promessa 656.<br />

Deste mo<strong>do</strong>, o direito <strong>do</strong> promitente-compra<strong>do</strong>r que se encontre devidamente regista<strong>do</strong><br />

é oponível à penhora registada em momento posterior, uma vez que o contrato-promessa que<br />

seja celebra<strong>do</strong> com eficácia real produz efeitos em relação a terceiros, ou seja, tem eficácia erga<br />

omnes.<br />

Nessa exacta medida, o problema que se coloca é o de saber se o promitente-<br />

compra<strong>do</strong>r pode deduzir embargos de terceiro contra a penhora <strong>do</strong> bem prometi<strong>do</strong> vender em<br />

execução movida contra o promitente-vende<strong>do</strong>r.<br />

Alguma <strong>do</strong>utrina tem vin<strong>do</strong> a sustentar que, estan<strong>do</strong> em causa um contrato-promessa<br />

com eficácia real, é lícito ao promitente-compra<strong>do</strong>r deduzir embargos de terceiro contra a<br />

penhora ou a apreensão da coisa prometida da<strong>do</strong> que é titular de um direito incompatível com a<br />

finalidade ou o âmbito da diligência. Isto pela simples razão de que a eficácia real <strong>do</strong> contrato-<br />

promessa permite ao promitente-compra<strong>do</strong>r recorrer à acção de execução específica de forma a<br />

obter a aquisição judicial <strong>do</strong> bem com base nesse contrato, sen<strong>do</strong>, consequentemente, titular de<br />

um direito oponível relativamente a terceiros 657 658 .<br />

Em senti<strong>do</strong> contrário, TEIXEIRA DE SOUSA preconiza que o promitente-compra<strong>do</strong>r ao<br />

qual tenha si<strong>do</strong> atribuí<strong>do</strong> um direito real de aquisição não pode deduzir, em regra, embargos de<br />

terceiro 659. Na verdade, neste caso apenas restará ao promitente-compra<strong>do</strong>r a faculdade de<br />

656 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, TELLES, Galvão, Direito das Obrigações, p. 132, apud MESQUITA, Manuel<br />

Henrique, Obrigações e Ónus Reais, ob. cit., p. 240.<br />

657 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, MESQUITA, Miguel, Apreensão de Bens em Processo Executivo e Oposição de<br />

Terceiro, pp. 187 e 188. Cfr., também, MESQUITA, Manuel Henrique, Obrigações e Ónus Reais, ob. cit., p. 240,<br />

segun<strong>do</strong> o qual “pelo que respeita à promessa de alienação ou oneração <strong>do</strong>tada de “eficácia real”, o entendimento<br />

<strong>do</strong>minante na <strong>do</strong>utrina portuguesa é o de que tal figura jurídica coenvolve um direito real de aquisição, por isso que<br />

o promissário pode sempre, pela via da execução específica, sem a cooperação <strong>do</strong> promitente ou mesmo contra a<br />

sua vontade, obter o direito real que este se obrigou a transmitir ou constituir.”<br />

658 Quanto a esta questão, o STJ, por acórdão de 19 de Setembro de 1992, proc. 1839/02-2, in SASTJ,<br />

9/2002, veio sustentar que, se o promitente-compra<strong>do</strong>r recorrer à execução específica <strong>do</strong> contrato-promessa de<br />

compra e venda, não poderá deduzir embargos de terceiro com base no seu direito de retenção resultante <strong>do</strong> não<br />

cumprimento <strong>do</strong> contrato.<br />

659 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 23 de Fevereiro de 1995, in CJ, tomo I, 1995, p. 138: “O promitente-compra<strong>do</strong>r<br />

que goza de imóvel por a seu favor se ter verifica<strong>do</strong> traditio rei, sen<strong>do</strong> embora titular de direito de retenção,


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

adquirir esse bem em sede de venda executiva através de venda directa, sem prejuízo de poder<br />

invocar e reclamar o seu crédito com fundamento no direito de retenção sobre o bem<br />

penhora<strong>do</strong>, poden<strong>do</strong>, aliás, obter a sustação da execução até conseguir um título exequível em<br />

acção própria (arts. 864.º e 869.º <strong>do</strong> CPC) 660 . Em contrapartida, não pretenden<strong>do</strong> o promitente-<br />

compra<strong>do</strong>r adquirir esse bem em sede de venda directa, deve entender-se que o seu direito real<br />

de aquisição caduca ten<strong>do</strong> em conta o desinteresse manifesta<strong>do</strong> quanto ao exercício desse<br />

direito, pelo que o promitente-compra<strong>do</strong>r apenas poderá reclamar o pagamento <strong>do</strong> seu crédito<br />

pelo produto <strong>do</strong> bem penhora<strong>do</strong> 661 .<br />

Esta segunda tese afigura-se como sen<strong>do</strong> a mais correcta, sen<strong>do</strong> certo, aliás, que foi<br />

perfilhada pelo actual Código de Processo Civil no seu art. 903.º. Com efeito, é certo que o<br />

contrato-promessa celebra<strong>do</strong> com eficácia real torna o direito <strong>do</strong> promitente-compra<strong>do</strong>r oponível<br />

em relação a terceiros. Contu<strong>do</strong>, admitir-se a possibilidade de dedução de embargos de terceiro<br />

face à penhora <strong>do</strong> bem prometi<strong>do</strong> vender significaria, na prática, esvaziar de conteú<strong>do</strong> o regime<br />

previsto no art. 903.º <strong>do</strong> CPC. Com efeito, determina este preceito legal que “se os bens (…)<br />

tiverem si<strong>do</strong> prometi<strong>do</strong>s vender, com eficácia real, a quem queira exercer o direito de execução<br />

específica, a venda ser-lhe-á feita directamente”. Deste mo<strong>do</strong>, o legisla<strong>do</strong>r veio consagrar uma<br />

modalidade particular de venda <strong>do</strong> bem penhora<strong>do</strong> que se encontre onera<strong>do</strong> com uma<br />

promessa de compra e venda com eficácia real, a qual permite tutelar directamente os<br />

interesses <strong>do</strong> promitente-compra<strong>do</strong>r, vedan<strong>do</strong>-lhe, consequentemente, a dedução de embargos<br />

de terceiro porquanto o seu direito (de execução específica <strong>do</strong> contrato-promessa) não é<br />

incompatível com a venda judicial <strong>do</strong> bem. Na verdade, a única particularidade residirá no facto<br />

de a venda lhe ser feita directamente pelo solicita<strong>do</strong>r de execução, sen<strong>do</strong> certo que os cre<strong>do</strong>res<br />

reclamantes <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> serão pagos (por ordem de graduação) em função <strong>do</strong> produto dessa<br />

venda.<br />

enquanto direito real de garantia, não pode opor-se à penhora desse mesmo imóvel realizada em acção executiva<br />

desencadeada por cre<strong>do</strong>r <strong>do</strong> promitente-vende<strong>do</strong>r, contra este.”<br />

660 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 23 de Fevereiro de 1995, in CJ, tomo I, 1995, p. 138, bem como o Ac. <strong>do</strong> STJ, de<br />

11 de Março de 1999, in BMJ, 458.º, p. 404, segun<strong>do</strong> o qual “o direito de retenção <strong>do</strong> promitente compra<strong>do</strong>r só é<br />

susceptível de se reportar ao direito de crédito indemnizatório, concretizável no âmbito <strong>do</strong> concurso de cre<strong>do</strong>res, e<br />

porque o seu direito em relação ao direito de propriedade é o de mero possui<strong>do</strong>r em nome alheio”. Vide, no mesmo<br />

senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 12 de Abril de 1988, in BMJ, 376.º, p. 646.<br />

661 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, PINTO, Rui, Penhora, Venda e Pagamento, ob. cit., p. 93.<br />

201


202<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

Note-se, contu<strong>do</strong>, que se for omitida a notificação <strong>do</strong> promitente-compra<strong>do</strong>r nos termos<br />

e para os efeitos <strong>do</strong> regime previsto no art. 903.º <strong>do</strong> CC, este poderá sempre intentar uma<br />

acção de execução específica, porquanto o seu direito não se extinguiu em consequência da<br />

venda executiva 662 . Na verdade, ao contrário <strong>do</strong> que sucede nos casos em que o contrato-<br />

promessa apenas tem eficácia meramente obrigacional 663, no contrato-promessa com eficácia<br />

real o promitente-compra<strong>do</strong>r não vê precludida a possibilidade de recorrer à execução específica<br />

<strong>do</strong> contrato caso a bem prometi<strong>do</strong> vender tenha si<strong>do</strong> aliena<strong>do</strong> ou onera<strong>do</strong> a favor de um<br />

terceiro, já que o seu direito real de aquisição é oponível erga omnes 664 . Vale isto por dizer que<br />

qualquer acto de disposição ou oneração da coisa prometida venda com eficácia real é<br />

inoponível, porque ineficaz, em relação ao promitente-compra<strong>do</strong>r, pelo que este poderá sempre<br />

fazer valer o seu direito contra esse acto de disposição como se o mesmo não tivesse existi<strong>do</strong> 665 .<br />

Quid iuris, porém, se o promitente-compra<strong>do</strong>r não pretender recorrer à execução<br />

específica <strong>do</strong> contrato-promessa nem à venda directa prevista no art. 903.º <strong>do</strong> CPC?<br />

Nesse caso, sen<strong>do</strong> titular de um crédito sobre o executa<strong>do</strong> e de um direito de retenção<br />

sobre o bem penhora<strong>do</strong> em caso de ter havi<strong>do</strong> traditio da coisa, deverá reclamar o seu crédito<br />

em sede executiva, sen<strong>do</strong> certo que será gradua<strong>do</strong> preferencialmente em relação aos demais<br />

cre<strong>do</strong>res — inclusive em relação ao próprio exequente — ten<strong>do</strong> em conta a titularidade <strong>do</strong> seu<br />

direito e a prioridade concedida pelo registo.<br />

662 Cfr. PINTO, Rui, «A Execução e terceiros – Em especial na penhora e na venda», ob. cit., p. 250.<br />

663 A este propósito, o Ac. <strong>do</strong> STJ, n.º 4/98, de 18 de Dezembro, in RLJ, 131.º, 1997/1998, p. 240, veio<br />

uniformizar a jurisprudência no senti<strong>do</strong> de “[A] execução específica <strong>do</strong> contrato-promessa sem eficácia real, nos<br />

termos <strong>do</strong> art. 830.º <strong>do</strong> Código Civil, não é admitida no caso de impossibilidade de cumprimento por o promitente-<br />

vende<strong>do</strong>r haver transmiti<strong>do</strong> o seu direito real sobre a coisa objecto <strong>do</strong> contrato prometi<strong>do</strong> antes de registada a acção<br />

de execução específica, ainda que o terceiro adquirente não haja obti<strong>do</strong> o registo da aquisição antes <strong>do</strong> registo da<br />

acção; o registo da acção não confere eficácia real à promessa.” A orientação vertida neste acórdão veio pôr em<br />

crise, como salienta TEIXEIRA DE SOUSA, o senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> acórdão uniformiza<strong>do</strong>r de jurisprudência <strong>do</strong> Supremo<br />

Tribunal de Justiça n.º 15/97, de 20 de Maio, o qual veio a<strong>do</strong>ptar uma concepção ampla de terceiros para efeitos<br />

de registo (cfr. SOUSA, Miguel Teixeira de, «Sobre o conceito de terceiros para efeitos de registo», ob. cit., p. 30).<br />

664 VARELA, João de Matos Antunes, Das Obrigações em Geral, vol. I, ob. cit., pp. 132, 336 e 337.<br />

665 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, MESQUITA, Manuel Henrique, Obrigações e Ónus Reais, ob. cit., pp. 262 e 263.


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

5.2. PACTO DE PREFERÊNCIA COM EFICÁCIA REAL<br />

5.2.1. ÂMBITO<br />

O pacto de preferência com eficácia real consiste no poder de realizar um determina<strong>do</strong><br />

negócio jurídico 666 “com preterição de demais obriga<strong>do</strong>s que ofereçam condições iguais” 667.<br />

Nessa exacta medida, o pacto de preferência traduz-se na convenção pela qual uma das partes<br />

se obriga a dar preferência a outrem caso se venha a verificar a celebração futura de um<br />

determina<strong>do</strong> negócio jurídico 668 . Assim, ao contrário <strong>do</strong> que sucede no contrato-promessa — caso<br />

em que se verifica uma obrigação de contratar —, no pacto de preferência assiste-se à obrigação<br />

unilateral de uma das partes no senti<strong>do</strong> de escolher outrem como contraente caso decida<br />

contratar 669 . Deste mo<strong>do</strong>, se o obriga<strong>do</strong> pretender vender a coisa que é objecto <strong>do</strong> pacto de<br />

preferência, deve comunicar ao titular desse direito as condições <strong>do</strong> projecto de venda e as<br />

cláusulas <strong>do</strong> respectivo contrato. Sen<strong>do</strong> recebida a notificação pelo titular <strong>do</strong> direito de<br />

preferência, este deve exercer o seu direito no prazo de oito dias, sob pena de caducidade <strong>do</strong><br />

exercício <strong>do</strong> seu direito.<br />

Embora, em regra, o pacto de preferência tenha apenas eficácia meramente obrigacional<br />

— situação em que o respectivo beneficiário adquire um direito de crédito em relação ao autor<br />

<strong>do</strong> pacto —, a verdade é que as partes podem atribuir-lhe eficácia real 670 . Para o efeito é<br />

necessário que a preferência recaia sobre bens imóveis ou bens móveis sujeitos a registo, sen<strong>do</strong><br />

666 Quanto à liberdade de celebração <strong>do</strong> negócio jurídico e de possibilidade de determinação <strong>do</strong>s seus<br />

efeitos jurídico, cfr. LEITÃO, Luís Menezes, Direito das Obrigações, vol. I, ob. cit., p. 23.<br />

667 DUARTE, Rui Pinto, Curso de Direitos Reais, ob. cit., p. 259.<br />

668 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, COSTA, Mário Júlio de Almeida, Direito das Obrigações, ob. cit., pp. 403 e 404.<br />

669 Nesta medida, como refere MENEZES LEITÃO, o direito de preferência só surge caso o obriga<strong>do</strong> venha a<br />

tomar a decisão de celebrar o contrato em relação ao qual tenha concedi<strong>do</strong> a preferência (cfr. LEITÃO, Luís<br />

Menezes, Direito das Obrigações, vol. I, ob. cit., p. 258). Cfr., no mesmo senti<strong>do</strong>, VARELA, João de Matos Antunes,<br />

Das Obrigações em Geral, vol. I, ob. cit., p. 377.<br />

670 A este respeito, conforme refere ANTUNES VARELA, se o pacto de preferência for <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> de eficácia<br />

meramente obrigacional, tal significa que, ainda que o terceiro seja conhece<strong>do</strong>r da existência da relação jurídica de<br />

preferência, não é lícito ao preferente opor-lhe esse conhecimento a título de má-fé nem a violação <strong>do</strong> seu direito de<br />

preferência porquanto o direito <strong>do</strong> preferente se reconduz a um direito de crédito sobre o obriga<strong>do</strong> com eficácia inter<br />

partes.<br />

203


204<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

certo, por outro la<strong>do</strong>, que essa preferência deverá constar de escritura pública ou de <strong>do</strong>cumento<br />

particular quan<strong>do</strong> a lei não exija que o contrato definitivo seja celebra<strong>do</strong> com essa forma, e deve<br />

ser inscrita no registo de mo<strong>do</strong> a adquirir eficácia erga omnes (art. 413.º ex vi art. 421.º, ambos<br />

<strong>do</strong> CC) 671 . Com efeito, a preferência real traduz-se na afectação jurídica de uma coisa corpórea<br />

em termos de poder ser adquirida por uma pessoa individualmente considerada em detrimento<br />

<strong>do</strong> projecta<strong>do</strong> adquirente e pelo preço com este ajusta<strong>do</strong> 672. Trata-se, na verdade, de um direito<br />

potestativo de aquisição, com eficácia erga omnes 673 , o qual pode ter origem convencional 674 ou<br />

legal 675 . Deste mo<strong>do</strong>, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> viola<strong>do</strong> o direito de preferência com eficácia real que incidia<br />

sobre o objecto de um contrato e compra e venda, o respectivo titular desse direito pode<br />

substituir-se ao adquirente da coisa no âmbito <strong>do</strong> contrato celebra<strong>do</strong> com violação de<br />

semelhante pacto 676 , através <strong>do</strong> recurso a uma acção de preferência 677 . Isto pelo simples motivo<br />

de que, sen<strong>do</strong> o pacto de preferência <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> de eficácia erga omnes, é inoponível ao preferente<br />

qualquer outro direito real de gozo ou de garantia ou qualquer direito pessoal de gozo que o<br />

adquirente da coisa sujeita a preferência tenha constituí<strong>do</strong> sobre ela ou em relação a ela 678.<br />

No entanto, uma vez que a lei não permite às partes derrogar os direitos de preferência<br />

legalmente previstos através de convenção, o art. 422.º <strong>do</strong> CC preceitua que o direito<br />

671 Nos termos <strong>do</strong> disposto no art. 2.º, n.º 1, f), <strong>do</strong> CRPred., os pactos de preferência referentes a bens<br />

imóveis encontram-se sujeitos a registo se lhes tiver si<strong>do</strong> atribuída eficácia real.<br />

672 CORDEIRO, António Menezes, Direitos Reais, ob. cit., p. 776.<br />

673 Cfr. FREITAS, José Lebre de; MENDES, Armin<strong>do</strong> Ribeiro, Código de Processo Civil Anota<strong>do</strong>, vol. 3.º,<br />

Coimbra Editora, 2003, p. 577.<br />

674 De to<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong>, para que o direito de preferência de origem convencional tenha eficácia real, é<br />

necessário que as partes lhe tenham atribuí<strong>do</strong> essa eficácia através de escritura pública, estan<strong>do</strong> em causa,<br />

naturalmente, bens imóveis ou móveis sujeitos a registo (art. 421.º <strong>do</strong> CC).<br />

675 Será o caso, nomeadamente, <strong>do</strong> direito de preferência <strong>do</strong> arrendatário (art. 1091.º <strong>do</strong> CC), <strong>do</strong><br />

comproprietário (art. 1409.º <strong>do</strong> CC), <strong>do</strong> proprietário <strong>do</strong> solo (art. 1535.º <strong>do</strong> CC) e <strong>do</strong> proprietário <strong>do</strong> prédio serviente<br />

(art. 1555.º <strong>do</strong> CC).<br />

676 Se o pacto de preferência ter si<strong>do</strong> celebra<strong>do</strong> com eficácia meramente obrigacional, apenas assiste ao<br />

preferente o direito de obter <strong>do</strong> contraente faltoso o pagamento de uma indemnização pelos danos emergentes <strong>do</strong><br />

incumprimento (cfr., nesse senti<strong>do</strong>, COSTA, Mário Júlio de Almeida, Direito das Obrigações, ob. cit., p. 415).<br />

677 Cfr., quanto aos efeitos <strong>do</strong> pacto de preferência com eficácia real, MESQUITA, Manuel Henrique,<br />

Obrigações e Ónus Reais, ob. cit., p. 199.<br />

678 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 27 de Fevereiro de 1996, proc. 88071 – 1.ª Secção, in www.dgsi.pt.


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

convencional de preferência deve ceder perante direitos legais de preferência que com ele se<br />

encontrem em conflito.<br />

5.2.2. O EXERCÍCIO DO DIREITO DE PREFERÊNCIA EM SEDE EXECUTIVA<br />

O titular de um direito de preferência com eficácia real e de natureza convencional (art.<br />

421.º <strong>do</strong> CC) não pode reagir à penhora ou a um acto judicialmente ordena<strong>do</strong> de entrega ou de<br />

apreensão de bens sobre o qual recaia o seu direito através <strong>do</strong> incidente de embargos de<br />

terceiro, já que o preferente verá o seu direito satisfeito no mecanismo da acção executiva 679.<br />

Na verdade, dispõe o art. 892.º, n.º 1, <strong>do</strong> CPC, que o titular de um direito de<br />

preferência, legal ou convencional com eficácia real, deve ser notifica<strong>do</strong> <strong>do</strong> dia, hora e local<br />

designa<strong>do</strong> para a abertura das propostas em sede de venda executiva, a fim de poder exercer o<br />

seu direito de preferência no próprio acto caso venha a ser aceite alguma das propostas<br />

apresentadas por eventuais interessa<strong>do</strong>s na aquisição <strong>do</strong> bem. Por sua vez, determina o art.<br />

896.º <strong>do</strong> CPC que, sen<strong>do</strong> aceite alguma proposta, deve ser interpela<strong>do</strong> o titular <strong>do</strong> direito de<br />

preferência para declarar se pretende exercer o seu direito, sen<strong>do</strong> certo que, se o titular <strong>do</strong><br />

direito de preferência declarar que não o pretende exercer, tal direito extinguir-se-á por<br />

caducidade 680 .<br />

Por outro la<strong>do</strong>, ainda que a coisa sobre a qual recaia o direito de preferência com<br />

eficácia real de um terceiro seja vendida em sede executiva em violação desse direito real de<br />

aquisição, ainda assim o preferente não poderá deduzir embargos contra esse acto porquanto<br />

lhe assiste o direito de se substituir ao terceiro adquirente da coisa e de ocupar a posição<br />

jurídica deste no contrato de alienação, tu<strong>do</strong> se passan<strong>do</strong> como se esse contrato tivesse si<strong>do</strong><br />

celebra<strong>do</strong> efectivamente com o preferente 681 . Na verdade, ao abrigo <strong>do</strong> disposto no art. 422.º <strong>do</strong><br />

CC, gozan<strong>do</strong> o direito de preferência de eficácia real, este direito é oponível em relação à<br />

alienação efectuada em execução, falência, insolvência e casos análogos.<br />

679 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, FREITAS, José Lebre de, «Enxertos declarativos no processo executivo», in Estu<strong>do</strong>s<br />

sobre Direito Civil e Processo Civil, ob. cit., p. 648.<br />

680 Com efeito, se o notifica<strong>do</strong> nada disser dentro <strong>do</strong> prazo em que lhe é lícito exercer o direito de<br />

preferência, essa omissão de pronúncia implica a extinção <strong>do</strong> direito real de preferência por caducidade, nos termos<br />

<strong>do</strong> disposto nos arts. 298.º e 331.º <strong>do</strong> CC.<br />

681 Cfr., a este propósito, MESQUITA, Manuel Henrique, Obrigações e Ónus Reais, ob. cit., p. 220.<br />

205


6. DIREITOS PESSOAIS DE GOZO<br />

206<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

O direito pessoal de gozo caracteriza-se por atribuir ao seu titular “o direito de usar, fruir<br />

ou transformar a coisa, sem necessidade da intermediação de outrem”, sen<strong>do</strong> estruturalmente<br />

682 diferente <strong>do</strong>s direitos reais e <strong>do</strong>s creditórios 683.<br />

6.1. LOCAÇÃO<br />

6.1.1. ÂMBITO<br />

Entende-se por locação o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à<br />

outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição (art. 1022.º <strong>do</strong> CC) 684 685. Deste<br />

mo<strong>do</strong>, a locação é um contrato de natureza bilateral, que se caracteriza por três elementos<br />

essenciais: uma obrigação de proporcionar o gozo de uma coisa, um prazo e uma retribuição 686.<br />

682 Cfr. MESQUITA, José Andrade de, Direitos Pessoais de Gozo, Livraria Almedina, Coimbra, 1999, p. 25.<br />

683 A <strong>do</strong>utrina tem-se dividi<strong>do</strong> quanto à questão de saber se os direitos pessoais de gozo constituem direitos<br />

de crédito ou verdadeiros direitos reais. Com efeito, em defesa da primeira qualificação, destacam-se, entre outros,<br />

ANTUNES VARELA (Das Obrigações em Geral, vol. I, ob. cit., p. 173) e MENEZES LEITÃO (Direito das Obrigações,<br />

vol. I, ob. cit., p. 110), enquanto a segunda tese, embora restringida ao direito <strong>do</strong> arrendatário, é sufragada por<br />

OLIVEIRA ASCENSÃO (As Relações Jurídicas Reais, Morais Editora, Lisboa, 1962, p. 214). HENRIQUE MESQUITA<br />

sustenta que os direitos pessoais de gozo constituem um tertius genus entre os direitos de crédito e os direitos<br />

reais, da<strong>do</strong> que, embora se estruturem numa relação entre o cre<strong>do</strong>r e o deve<strong>do</strong>r, constituem, no entanto, direitos<br />

imediatos sobre uma coisa corpórea, não necessitan<strong>do</strong> da colaboração <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r para poderem ser exerci<strong>do</strong>s (cfr.<br />

MESQUITA, Manuel Henrique, Obrigações e Ónus Reais, Almedina, Coimbra, 1990, p. 175).<br />

684 No Código Civil de 1867, a locação vinha definida no art. 1595.º nos seguintes termos: “Dá-se contrato<br />

de locação quan<strong>do</strong> alguém trespassa a outrem, por certo tempo, e mediante certa retribuição, o uso e fruição de<br />

uma coisa.”<br />

685 No Código Civil Francês o contrato de locação surge defini<strong>do</strong> como o contrato pelo qual uma das partes<br />

entrega a outra uma coisa para seu desfrute durante um certo perío<strong>do</strong> de tempo e mediante o pagamento de um<br />

preço (art. 1709. <strong>do</strong> CC Fr.). De igual mo<strong>do</strong>, no ordenamento jurídico italiano, a locação surge definida como “il<br />

contratto col quale una parte si obbliga a far godere all'altra una cosa mobile o immobile per un dato tempo, verso<br />

un determinato corrispettivo” (art. 1571. <strong>do</strong> CC. It.).<br />

61 e 62.<br />

686 CORDEIRO, António Menezes, «Da Natureza <strong>do</strong> Direito <strong>do</strong> Locatário», in ROA, ano 40.º, vol. I, 1980, pp.


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

Conforme o seu objecto seja um bem móvel ou imóvel, a locação designa-se por<br />

“aluguer” ou por “arrendamento” (art. 1023.º <strong>do</strong> CC). Por sua vez, o arrendamento pode<br />

revestir as modalidades de arrendamento urbano (arts. 1064.º e ss <strong>do</strong> CC) ou rústico, sen<strong>do</strong><br />

certo que o arrendamento urbano pode ter um fim habitacional ou não habitacional (art. 1067.º,<br />

n.º 1, <strong>do</strong> CC).<br />

Quanto à sua natureza, a <strong>do</strong>utrina, embora seja unânime em caracterizar a locação<br />

como sen<strong>do</strong> um contrato de direito subjectivo priva<strong>do</strong>, patrimonial e referente a bens materiais,<br />

divide-se quanto à questão de saber se a locação constitui um direito de natureza obrigacional<br />

(pessoal) ou real 687. Com efeito, enquanto MENEZES CORDEIRO, entre outros, sustenta que o<br />

direito <strong>do</strong> arrendatário constitui um direito de natureza real 688, a <strong>do</strong>utrina maioritária sufraga o<br />

entendimento de que o arrendamento constitui um contrato de natureza obrigacional, isto é, um<br />

verdadeiro contrato intuitu personae 689, embora a lei reconheça ao locatário, ainda que seja um<br />

detentor precário, a possibilidade de fazer uso das acções possessórias 690 .<br />

No que concerne à sua configuração jurídica, a locação implica a afectação jurídica da<br />

coisa, bem como a sua coexistência com um direito que lhe serve de base, o qual, em regra, é o<br />

direito de propriedade.<br />

Entre as obrigações <strong>do</strong> loca<strong>do</strong>r emergentes <strong>do</strong> contrato de locação destaca-se a de<br />

entregar ao locatário a coisa locada objecto <strong>do</strong> contrato [art. 1031.º, n.º1, a), <strong>do</strong> CC], bem como<br />

o dever de lhe assegurar o gozo da coisa quanto aos fins a que esta se destina [art. 1031.º,<br />

687 Quanto à natureza obrigacional ou pessoal <strong>do</strong> direito <strong>do</strong> locatário, vide COSTA, Mário Júlio de Almeida,<br />

Noções Fundamentais de Direito Civil, ob. cit., p. 359.<br />

688 CORDEIRO, António Menezes, Direitos Reais, ob. cit., pp. 671 a 673. Defenden<strong>do</strong>, também, a natureza<br />

real <strong>do</strong> contrato de locação, vide CUNHA, Paulo, Direitos Reais, Lisboa, 1950, p.227 e COELHO, Luís Pinto, Direitos<br />

Reais, Lisboa, 1954.<br />

689 Como critérios determinantes para a qualificação da locação como um direito de natureza obrigacional,<br />

destaca-se o facto de o seu regime jurídico se encontrar sistematiza<strong>do</strong> no capítulo das obrigações e da existência de<br />

um vínculo creditício entre o loca<strong>do</strong>r e o locatário.<br />

690 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 30 de Junho de 1987, proc. 075080, in www.dgsi.pt, bem como o<br />

Ac. <strong>do</strong> TRP, de 16 de Junho de 1994, proc. 618/92, in BMJ, 438.º, 1994, p. 575. Cfr., ainda, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 27<br />

de Novembro de 1997, proc. 597/97 – 2.ª Secção, in www.dgsi.pt, segun<strong>do</strong> o qual “[O] arrendatário não é<br />

possui<strong>do</strong>r, mas mero detentor, possui<strong>do</strong>r precário ou possui<strong>do</strong>r em nome de outrem, relativamente ao prédio<br />

arrenda<strong>do</strong>.”<br />

207


208<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

n.º1, b), <strong>do</strong> CC]. Além <strong>do</strong> mais, nos termos <strong>do</strong> art. 1037.º <strong>do</strong> CC, o loca<strong>do</strong>r não pode praticar<br />

actos que impeçam ou diminuam o gozo da coisa pelo locatário.<br />

Por sua vez, de entre as obrigações que recaem sobre o locatário, salienta-se, para além<br />

<strong>do</strong> dever de pagar a renda e o de restituir a coisa uma vez termina<strong>do</strong> o contrato, a obrigação de<br />

avisar imediatamente o loca<strong>do</strong>r sempre que tenha conhecimento de que terceiros se arrogam<br />

direitos em relação à coisa locada, desde que o facto seja desconheci<strong>do</strong> pelo loca<strong>do</strong>r [art.<br />

1038.º, h), <strong>do</strong> CC] 691 .<br />

6.1.2. TUTELA DA LOCAÇÃO EM SEDE DE EMBARGOS DE TERCEIRO<br />

Atenden<strong>do</strong> à sua qualificação jurídica, a posse <strong>do</strong> locatário assume uma natureza<br />

precária porquanto a relação de locação não implica um dever geral de abstenção e o locatário<br />

detém a coisa em nome de outrem 692 .<br />

No entanto, ainda que de acor<strong>do</strong> com esta tese obrigacional <strong>do</strong> contrato de locação, o<br />

locatário seja havi<strong>do</strong> como um possui<strong>do</strong>r em nome alheio e, como tal, titular de uma posse<br />

formal ou precária, a verdade é que a lei substantiva consagra expressamente o direito de o<br />

locatário recorrer aos meios de tutela possessória previstos nos arts. 1276.º e ss <strong>do</strong> CC 693 ,<br />

sempre que for priva<strong>do</strong> da coisa ou perturba<strong>do</strong> no exercício <strong>do</strong>s seus direitos (art. 1037.º, n.º 2,<br />

<strong>do</strong> CC) 694. Na verdade, a locação é oponível a terceiros, sen<strong>do</strong> certo que o locatário pode<br />

defender o seu direito, quer através <strong>do</strong> recurso às acções possessórias, quer sustentan<strong>do</strong> a<br />

validade <strong>do</strong> seu contrato face a uma acção de reivindicação da coisa locada 695 .<br />

A questão de saber se a relação de arrendamento é compatível com a venda executiva<br />

não reúne o consenso da <strong>do</strong>utrina e da jurisprudência, sen<strong>do</strong> certo que esse antagonismo<br />

691 Quanto à posição jurídica <strong>do</strong> locatário, esta traduz-se, fundamentalmente, no exercício de um “direito de<br />

gozo sobre coisa alheia, acompanha<strong>do</strong> da obrigação de pagar uma renda” (cfr. CORDEIRO, António Menezes, «Da<br />

Natureza <strong>do</strong> Direito <strong>do</strong> Locatário», ob. cit., p. 66.<br />

692 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 9 de Outubro de 2006, proc. 2868/06 – 1.ª secção, in www.dgsi.pt.<br />

693 Quanto à tutela possessória que tem vin<strong>do</strong> a ser tradicionalmente a<strong>do</strong>ptada relativamente à locação,<br />

vide CORDEIRO, António Menezes, A Posse: Perspectivas Dogmáticas Actuais, ob. cit., p. 73.<br />

694 Cfr. o Ac. STJ, de 30 de Junho de 1987, proc. 075080, in www.dgsi.pt. Vide, na <strong>do</strong>utrina, ALMEIDA, L.<br />

P Moitinho, Restituição de Posse e Ocupação de Imóveis, ob. cit., p. 63.<br />

695 Cfr. CORDEIRO, A. Menezes, Direitos Reais, ob. cit., p. 689.


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

resulta fundamentalmente da divergência quanto à qualificação da natureza jurídica <strong>do</strong><br />

arrendamento.<br />

α) TESE DA NÃO APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 824.º, N.º 2, DO CC AO CONTRATO<br />

DE ARRENDAMENTO<br />

De acor<strong>do</strong> com esta tese, a expressão “direitos reais” ínsita no art. 824.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC<br />

não abrange o contrato de arrendamento 696 . Nessa exacta medida, de acor<strong>do</strong> com esta<br />

orientação, o direito de arrendamento não caduca com a venda executiva, já que não se<br />

encontra abrangi<strong>do</strong> pela previsão legal <strong>do</strong> art. 824.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC, a qual apenas se refere aos<br />

direitos reais 697.<br />

Em defesa desta tese esgrimem-se <strong>do</strong>is argumentos essenciais. Por um la<strong>do</strong>, a venda<br />

executiva <strong>do</strong> bem loca<strong>do</strong> não consta no art. 1051.º <strong>do</strong> CC como causa de caducidade <strong>do</strong><br />

contrato de arrendamento, sen<strong>do</strong> certo que a enumeração prevista nessa disposição legal<br />

apresenta uma natureza taxativa.<br />

696 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 21 de Novembro de 2006, proc, 0523508, in www.dgsi.pt.<br />

697 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 19 de Abril de 1988, in BMJ, 376.º, p. 646: “ O contrato de<br />

arrendamento é de ordem obrigacional e por isso não caduca nos termos <strong>do</strong> art. 824.º, n.º 2, <strong>do</strong> Cód. Civil, em<br />

caso de venda <strong>do</strong> prédio, por via de arrematação, em processo de execução.”, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 2 de Novembro de<br />

2000; o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 19 de Janeiro de 2004, in www.dgsi.pt; o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 17 de Outubro de 2006, proc.<br />

4866/2006-7, in www.dgsi.pt: “O arrendamento de prédio onera<strong>do</strong> com hipoteca não caduca com a venda judicial<br />

<strong>do</strong> imóvel, não comportan<strong>do</strong> integração analógica a expressão “ direitos reais” que consta <strong>do</strong> artigo 824.º/2 <strong>do</strong><br />

Código Civil por forma a abranger o contrato de arrendamento cuja natureza é obrigacional.” Vide, também, no<br />

mesmo senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 20 de Setembro de 2005, in CJ¸ tomo III, 2005, p. 29: “O disposto no artigo<br />

824º, nº 2 <strong>do</strong> CC, sobre a transmissão <strong>do</strong>s bens na venda em execução, não pode aplicar-se directamente ao<br />

arrendamento, porque não previsto na sua letra; e não pode aplicar-se-lhe por analogia, por o não recomendar o<br />

regime fortemente vinculístico da específica legislação que regula este instituto, designadamente no que toca à<br />

estabilidade da posição <strong>do</strong> arrendatário. A hipoteca não gera, por si só, qualquer indisponibilidade para onerar ou<br />

dar de arrendamento os bens hipoteca<strong>do</strong>s; o que gera indisponibilidade (para dispor ou dar de arrendamento) é a<br />

penhora. A inoponibilidade <strong>do</strong> arrendamento à execução só existe se ele foi constituí<strong>do</strong> depois da penhora e não<br />

quan<strong>do</strong> foi constituí<strong>do</strong> depois da hipoteca mas antes da penhora.”<br />

209


210<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

Por outro la<strong>do</strong>, o contrato de arrendamento não caduca com a venda executiva por força<br />

<strong>do</strong> disposto no art. 1057.º <strong>do</strong> CC 698. Com efeito, de acor<strong>do</strong> com esta disposição legal, a locação<br />

não se extingue em virtude da alienação da coisa locada, 699 da<strong>do</strong> que, em caso de transmissão<br />

da posição contratual <strong>do</strong> loca<strong>do</strong>r, a locação acompanha a transmissão <strong>do</strong> direito com base no<br />

qual foi celebra<strong>do</strong> o contrato (princípio emptio non tollit locatio) 700 701, sen<strong>do</strong> certo que o art.<br />

1057.º <strong>do</strong> CC não estabelece qualquer excepção em relação à venda executiva. O mesmo é<br />

dizer que “o adquirente <strong>do</strong> direito com base no qual foi celebra<strong>do</strong> o contrato de locação ou de<br />

arrendamento sucede nos direitos e obrigações <strong>do</strong> loca<strong>do</strong>r, sem prejuízo das regras de registo” 702<br />

703 704, pelo que o adquirente sucede na qualidade de senhorio relativamente ao contrato de<br />

arrendamento que incide sobre o bem aliena<strong>do</strong> 705.<br />

698 MENEZES CORDEIRO considera que este é o argumento mais importante na defesa da teoria da<br />

natureza real <strong>do</strong> contrato de locação, da<strong>do</strong> que o poder <strong>do</strong> locatário incide directamente sobre a coisa, a locação é<br />

oponível erga omnes, o direito <strong>do</strong> locatário, por mero efeito da antiguidade, prevalece sobre o direito de propriedade<br />

e existe um direito de sequela (CORDEIRO, António Menezes, «Da Natureza <strong>do</strong> Direito <strong>do</strong> Locatário», in ROA, ano<br />

40.º, vol. I, 1980, p. 123).<br />

699 No <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> Código Civil de 1867, o art. 619.º determinava que “O contrato de arrendamento, cuja<br />

data foi declarada em título autêntico ou autentica<strong>do</strong>, não se rescinde por morte <strong>do</strong> senhorio nem <strong>do</strong> arrendatário,<br />

nem por transmissão da propriedade, quer por título universal, quer por título singular, salvo o que vai disposto nos<br />

artigos subsequentes.” Vide, a este propósito, o § 572 <strong>do</strong> BGB, o qual consagra o princípio Kauft bricht nicht Miete.<br />

700 No direito romano, tal como salienta MENEZES CORDEIRO, vigorava o princípio emptio tollit locatum, ao<br />

abrigo <strong>do</strong> qual, em caso de venda da coisa locada, o adquirente não ficava de forma alguma obriga<strong>do</strong> pelo contrato<br />

anteriormente celebra<strong>do</strong>, poden<strong>do</strong> expulsar o locatário, já que o direito deste não incidia sobre a coisa, mas tão só<br />

sobre uma prestação <strong>do</strong> titular alienante (cfr. CORDEIRO, António Menezes, Direitos Reais, ob. cit., p. 677).<br />

701 Relativamente ao art. 1057.º <strong>do</strong> CC, HENRIQUE MESQUITA sustenta que esta norma deve ser<br />

interpretada de forma restritiva, limitan<strong>do</strong>-se a sua aplicação aos casos em que, à data da alienação <strong>do</strong> direito <strong>do</strong><br />

loca<strong>do</strong>r sobre a coisa locada, o locatário tenha inicia<strong>do</strong> já o gozo desta (MESQUITA, Manuel Henrique, Obrigações e<br />

Ónus Reais, Almedina, Coimbra, 1990, p. 141).<br />

702 Este princípio foi a<strong>do</strong>pta<strong>do</strong> de forma plena no art. 1743. <strong>do</strong> CC. Fr., segun<strong>do</strong> o qual “Si le bailleur vend<br />

la chose louée, l'acquéreur ne peut expulser le fermier, le colon partiaire ou le locataire qui a un bail authentique ou<br />

<strong>do</strong>nt la date est certaine.”<br />

703 SOUSA, Miguel Teixeira de, Acção Executiva Singular, ob. cit., p. 311. Vide, no mesmo senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong><br />

TRL, de 2 de Novembro de 2000, in CJ, tomo V, 2000, p. 78: “A penhora <strong>do</strong> prédio arrenda<strong>do</strong> não ofende o seu<br />

gozo pelo arrendatário. Tanto a penhora, como a venda, em processo executivo <strong>do</strong> prédio arrenda<strong>do</strong> são feitas na<br />

situação de arrenda<strong>do</strong>, manten<strong>do</strong>-se o arrendamento. O contrato de arrendamento <strong>do</strong> imóvel penhora<strong>do</strong>, celebra<strong>do</strong><br />

em data anterior à penhora, e de que é arrendatário um terceiro, não frustra a expectativa <strong>do</strong>s cre<strong>do</strong>res e não cessa<br />

com a sua venda em execução”. Vide, no mesmo senti<strong>do</strong>, RUI PINTO DUARTE, segun<strong>do</strong> o qual “quer se entenda


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

Nessa exacta medida, o art. 824.º <strong>do</strong> CC não previu a caducidade <strong>do</strong> contrato de<br />

arrendamento constituí<strong>do</strong> antes da penhora por força da venda executiva, já que o art. 1057.º <strong>do</strong><br />

CC estabeleceu a regra da sua transmissão para o adquirente em resulta<strong>do</strong> da venda. Assim,<br />

não existe qualquer lacuna legal quanto ao art. 824.º <strong>do</strong> CC que imponha a necessidade de<br />

aplicação analógica em relação ao arrendamento 706.<br />

Deste mo<strong>do</strong>, de acor<strong>do</strong> com esta tese, não se aplica o regime previsto no art. 824.º,<br />

n.º 2, <strong>do</strong> CC, ao contrato de arrendamento, motivo pelo qual o bem vendi<strong>do</strong> em sede executiva é<br />

transmiti<strong>do</strong> sem que tal circunstância afecte o direito <strong>do</strong> arrendatário (emptio non tollit locatio) 707 .<br />

ß) TESE DA APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 824.º, N.º 2, DO CC AO CONTRATO DE<br />

ARRENDAMENTO<br />

De acor<strong>do</strong> com esta orientação, o art. 824.º, n.º 2 <strong>do</strong> CC deve ser aplica<strong>do</strong> ao contrato<br />

de arrendamento por analogia. Na verdade, como esta disposição legal apenas se refere a<br />

“direitos reais”, esta tese defenda que esta norma deve abranger, por analogia, o contrato de<br />

arrendamento 708 709 , situação que implica que o mesmo caduque com a venda executiva quan<strong>do</strong><br />

(…) que o direito <strong>do</strong> arrendatário não tem carácter real, quer se entenda que o tem, o direito <strong>do</strong> arrendatário, à<br />

primeira vista, sobrevive à venda judicial.”<br />

704 Quanto a esta questão, o art. 1599. <strong>do</strong> CC. It. dispõe que “Il contratto di locazione è opponibile al terzo<br />

acquirente, se ha data certa anteriore all'alienazione della cosa”. Porém, o Código Civil Italiano distingue duas<br />

situações em que a locação não é oponível a terceiros. Na verdade, dispõe o segun<strong>do</strong> parágrafo desta disposição<br />

legal, relativamente aos bens móveis, que “[L]a disposizione del comma precedente non si applica alla locazione di<br />

beni mobili non iscritti in pubblici registri, se l'acquirente ne ha conseguito il possesso in buona fede”, e o terceiro<br />

parágrafo, no que concerne aos bens imóveis, determina que “[L]e locazioni di beni immobili non trascritte non sono<br />

opponibili al terzo acquirente, se non nei limiti di un novennio dall'inizio della locazione.”<br />

705 Cfr., a este propósito, MESQUITA, Manuel Henrique, Obrigações e Ónus Reais, ob. cit., p. 137, segun<strong>do</strong><br />

o qual, “em caso de transmissão da posição jurídica <strong>do</strong> loca<strong>do</strong>r sobre a coisa locada, a relação locativa subsiste,<br />

suceden<strong>do</strong> o adquirente daquela posição nos direitos e obrigações decorrentes, para o transmitente, <strong>do</strong> contrato de<br />

locação.”<br />

706 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 19 de Janeiro de 2004, proc. 03A4098, in www.dgsi.pt.<br />

707 Cfr., neste senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 19 de Abril de 1988, in BMJ, 376.º, p. 646, bem como o Ac. <strong>do</strong><br />

TRL, de 15 de Maio de 1997, in CJ, tomo III, 1997, p. 87.<br />

708 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 18 de Dezembro de 1997, proc. 98B863, in www.dgsi.pt, segun<strong>do</strong><br />

o qual “[O] artigo 1057, <strong>do</strong> Código Civil, não se aplica aos casos de venda judicial de imóvel hipoteca<strong>do</strong> que foi<br />

211


212<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

seja constituí<strong>do</strong> ou celebra<strong>do</strong> em momento posterior à constituição ou registo de qualquer<br />

arresto, penhora ou garantia.<br />

Com efeito em defesa desta posição sustenta-se, por um la<strong>do</strong>, que a enumeração das<br />

causas de caducidade <strong>do</strong> contrato de arrendamento previstas no art. 1051.º <strong>do</strong> CC tem natureza<br />

exemplificativa. De to<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong>, ainda que se viesse a admitir que esta enumeração tem<br />

carácter taxativo, tal apenas implicaria que aos particulares ficaria vedada a possibilidade de<br />

estabelecerem, por via negocial, outras causas de caducidade que não se encontrassem<br />

taxativamente previstas nessa disposição legal, sen<strong>do</strong> certo que nada obstaria a que o legisla<strong>do</strong>r<br />

não pudesse decretar a caducidade <strong>do</strong> contrato de arrendamento através de outra disposição<br />

legal, tal como sucede expressamente no art. 824.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, defende-se ainda que o regime previsto no art. 1057.º <strong>do</strong> CC não é<br />

aplicável à venda da coisa locada em sede executiva, motivo pelo qual o contrato de<br />

arrendamento caduca em virtude dessa venda (art. 824.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC) 710 . Na verdade, enquanto<br />

o art. 1057.º <strong>do</strong> CC determina, em regra, que o arrendamento subsiste à transmissão efectuada<br />

pelo proprietário da coisa locada, o art. 824.º, n.º 2 <strong>do</strong> CC constitui uma norma especial em<br />

relação a essa regra, sen<strong>do</strong> aplicável aos casos em que o imóvel arrenda<strong>do</strong> vem a ser aliena<strong>do</strong><br />

em sede executiva, desde que o arrendamento tenha si<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong> ou regista<strong>do</strong><br />

posteriormente a qualquer arresto, penhora ou garantia. Do mesmo mo<strong>do</strong>, estan<strong>do</strong> em causa<br />

um direito de arrendamento constituí<strong>do</strong> ou regista<strong>do</strong> em momento posterior à hipoteca, com<br />

características de um direito real de gozo, o arrendamento não poderá subsistir a partir da venda<br />

judicial que seja efectuada.<br />

objecto de arrendamento por contrato, não regista<strong>do</strong>, celebra<strong>do</strong> após o registo da hipoteca.<br />

Tal arrendamento caduca, em tais circunstâncias, por força <strong>do</strong> n. 2, <strong>do</strong> artigo 824, <strong>do</strong> mesmo código, aplicável<br />

analogicamente”. Cfr., no mesmo senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 6 de Março de 2007, proc. 85047/2006 – 7, in<br />

www.dgsi.pt.<br />

709 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 9 de Outubro de 2003, proc. 03B2762, in www.dgsi.pt., segun<strong>do</strong> o qual “[N]a<br />

expressão “direitos reais” constante <strong>do</strong> artigo 824º, nº 2 <strong>do</strong> CC, inclui-se, por analogia, o arrendamento, regista<strong>do</strong><br />

ou não; assim, a venda judicial, em processo executivo, de um imóvel hipoteca<strong>do</strong> faz caducar o arrendamento, não<br />

regista<strong>do</strong>, dessa coisa celebra<strong>do</strong> posteriormente, à constituição daquela garantia real.”<br />

710 Cfr., a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 3 de Dezembro de 1998, in BMJ, 482.º, p. 219, o qual se<br />

pronunciou-se no senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> art. 1057.º <strong>do</strong> CC não ser aplicável ao regime previsto no art. 824.º <strong>do</strong> CC quanto à<br />

venda judicial (vide, a este propósito, FERREIRA, Durval, Posse e Usucapião, ob. cit., p. 411).


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

Todavia, o art. 824.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC já não será aplicável ao arrendamento que tenha si<strong>do</strong><br />

constituí<strong>do</strong> ou regista<strong>do</strong> anteriormente a qualquer arresto, penhora ou garantia, caso em que<br />

continuará a aplicar-se a regra geral prevista no art. 1057.º <strong>do</strong> CC 711.<br />

γ) POSIÇÃO ADOPTADA<br />

A resposta à questão de saber se o contrato de arrendamento caduca ou não com a<br />

venda executiva implica a conjugação <strong>do</strong>s regimes previstas nos arts. 819.º, 824.º, n.º 2 e<br />

1057.º <strong>do</strong> CC.<br />

Com efeito, conforme se referiu supra, a locação é o contrato pelo qual uma das partes<br />

se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa mediante retribuição (art.<br />

1022.º <strong>do</strong> CC). Ora, nos termos <strong>do</strong> art. 1057.º <strong>do</strong> CC, a locação é oponível ao adquirente da<br />

coisa locada ao abrigo <strong>do</strong> princípio emptio non tollit locatio, motivo pelo qual quem adquire a<br />

coisa onerada com o contrato de arrendamento deve suportar a existência desse direito 712 .<br />

De to<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong>, o art. 1057.º <strong>do</strong> CC deve ser interpreta<strong>do</strong> conjuntamente com os arts.<br />

819.º e 824.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC.<br />

Assim, o art. 1057.º <strong>do</strong> CC, enquanto regra geral, é aplicável aos casos em que o<br />

arrendamento tenha si<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong> ou regista<strong>do</strong> em data anterior a qualquer arresto, penhora<br />

ou garantia. Vale isto por dizer que, estan<strong>do</strong> em causa um contrato de arrendamento que não se<br />

encontre sujeito a registo e que tenha si<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong> antes da penhora <strong>do</strong> imóvel onera<strong>do</strong>, esse<br />

contrato é oponível à execução e ao futuro adquirente <strong>do</strong> imóvel já que subsiste à venda<br />

executiva por acompanhar a coisa locada ao abrigo <strong>do</strong> disposto no art. 1057.º <strong>do</strong> CC. Na<br />

verdade, a relação contratual de arrendamento deve ser protegida e assegurada relativamente ao<br />

adquirente da coisa, sen<strong>do</strong> certo que a venda executiva <strong>do</strong> imóvel representa uma aquisição por<br />

711 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 19 de Janeiro de 2004, proc. 03A4098, in www.dgsi.pt, segun<strong>do</strong> o<br />

qual a regra <strong>do</strong> art. 1057.º <strong>do</strong> CC é aplicável à locação quan<strong>do</strong> tenha si<strong>do</strong> registada ou constituída antes da<br />

penhora.<br />

712 Esta disposição legal, ten<strong>do</strong> ti<strong>do</strong> como seu mentor INOCÊNCIO GALVAO TELLES, autor <strong>do</strong> anteprojecto<br />

<strong>do</strong> Código Civil, veio consagrar uma concepção obrigacional da locação, ao determinar que, com a transmissão da<br />

coisa locada, transmite-se também a posição contratual <strong>do</strong> loca<strong>do</strong>r, fican<strong>do</strong>, assim, o locatário com o direito à<br />

prestação pelo adquirente <strong>do</strong>s direitos sobre a coisa <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong> em que se encontrava obriga<strong>do</strong> o anterior<br />

loca<strong>do</strong>r. Deste mo<strong>do</strong>, a manutenção da posição contratual <strong>do</strong> locatário deriva da transmissão da obrigação<br />

contratual <strong>do</strong> senhorio para o adquirente em consequência da transferência <strong>do</strong> direito de propriedade sobre a coisa.<br />

213


214<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

via derivada. Acresce a isto que, encontran<strong>do</strong>-se constituí<strong>do</strong> ou regista<strong>do</strong> um arrendamento<br />

antes da penhora <strong>do</strong> bem imóvel, esse ónus encontra-se em condições de ser devidamente<br />

publicita<strong>do</strong> em sede executiva, motivo pelo qual o adquirente não pode invocar o<br />

desconhecimento da existência desse ónus com vista à anulação da venda judicial. Nessa exacta<br />

medida, o art. 1057.º <strong>do</strong> CC deve ser aplica<strong>do</strong> à venda executiva quan<strong>do</strong> esteja em causa um<br />

contrato de arrendamento que tenha si<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong> antes da penhora <strong>do</strong> imóvel, apenas sen<strong>do</strong><br />

inoponíveis ao adquirente os contratos de locação que tenham si<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong>s em momento<br />

posterior ao registo de qualquer arresto, penhora ou garantia 713 .<br />

Por outro la<strong>do</strong>, importa ter em conta os efeitos da penhora na acção executiva. Na<br />

verdade, a realização da penhora sobre um imóvel implica a transferência <strong>do</strong>s poderes de gozo<br />

sobre a coisa para o tribunal, com a consequente ineficácia relativa <strong>do</strong>s actos de disposição,<br />

oneração ou arrendamento subsequentes. Deste mo<strong>do</strong>, ainda que tais actos sejam váli<strong>do</strong>s, eles<br />

são, no entanto, ineficazes em relação à execução, implican<strong>do</strong> a consequente caducidade <strong>do</strong><br />

direito <strong>do</strong> terceiro que tiver adquiri<strong>do</strong> um direito sobre a coisa penhorada. Ora, com a reforma da<br />

acção executiva introduzida pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 08 de Março, o art. 819.º <strong>do</strong> CC<br />

veio determinar expressamente que são ineficazes em relação à execução os actos de<br />

arrendamento <strong>do</strong>s bens penhora<strong>do</strong>s 714 . Assim, com esta alteração legislativa, pretendeu-se<br />

713 A este propósito, HENRIQUE MESQUITA destaca que, no arrendamento, existem normas que atribuem<br />

ao locatário uma posição jurídica semelhante à que é conferida pela titularidade de um direito real. Com efeito,<br />

assim que o arrendatário se acha investi<strong>do</strong> no uso ou fruição da coisa, pode opor licitamente a sua posição jurídica,<br />

não só a to<strong>do</strong> aquele que adquira um direito que com ela seja conflituante, como também em relação aos actos de<br />

terceiro que perturbem ou ameacem a sua posição jurídica (MESQUITA, Manuel Henrique, Obrigações e Ónus<br />

Reais, ob. cit., pp. 175 e 176). Por sua vez, ANTUNES VARELA destaca o facto de que a relação locatícia, pese<br />

embora constitua uma relação de natureza essencialmente obrigacional, não deixa de ser oponível ao terceiro<br />

adquirente <strong>do</strong> direito de propriedade sobre a coisa arrendada. Na verdade, se é certo que, em regra, a relação<br />

obrigacional apenas produz efeitos inter partes, porquanto se traduz no poder de exigir uma prestação em relação<br />

ao deve<strong>do</strong>r, a verdade é que, no caso <strong>do</strong> arrendamento, a lei considera excepcionalmente oponível a terceiros essa<br />

relação de natureza obrigacional (VARELA, João de Matos Antunes, Das Obrigações em Geral, vol. I, ob. cit., pp. 172<br />

e 173).<br />

714 A este propósito, determina o art. 2923. <strong>do</strong> CC. It., quanto à oponibilidade da locação em relação ao<br />

adquirente em acção executiva, que “[L]e locazioni consentite da chi ha subito l'espropriazione sono opponibili<br />

all'acquirente se hanno data certa anteriore al pignoramento, salvo che, trattan<strong>do</strong>si di beni mobili, l'acquirente ne<br />

abbia conseguito il possesso in buona fede”. Por sua vez, relativamente aos bens imóveis, dispõe o segun<strong>do</strong><br />

parágrafo desta disposição legal que “[L]e locazioni immobiliari eccedenti i nove anni che non sono state trascritte


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

consagrar expressamente na lei o entendimento de que a venda executiva implica a caducidade<br />

<strong>do</strong> contrato de arrendamento constituí<strong>do</strong> ou regista<strong>do</strong> posteriormente a qualquer arresto,<br />

penhora ou garantia, nos termos e para os efeitos <strong>do</strong> disposto no art. 824.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC.<br />

Deste mo<strong>do</strong>, importa verificar, caso a caso, em que condições poderá ou não o<br />

arrendatário fazer uso <strong>do</strong>s embargos de terceiro com vista à tutela <strong>do</strong> seu direito.<br />

γ.1) ARRENDAMENTO POSTERIOR À CONSTITUIÇÃO OU REGISTO DE ARRESTO,<br />

PENHORA OU GARANTIA<br />

Conforme resulta <strong>do</strong> disposto no art. 819.º <strong>do</strong> CC, são inoponíveis à execução os actos<br />

de disposição, oneração ou arrendamento <strong>do</strong>s bens penhora<strong>do</strong>s 715 .<br />

Assim, estan<strong>do</strong> em causa um contrato de arrendamento que tenha si<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong> ou<br />

regista<strong>do</strong> 716 717 em momento posterior à constituição ou registo de arresto, penhora ou garantia, o<br />

locatário não poderá deduzir procedentemente embargos de terceiro, da<strong>do</strong> que esse contrato é<br />

inoponível em relação à execução 718 . Contu<strong>do</strong>, ainda que esse direito não seja oponível à<br />

anteriormente al pignoramento non sono opponibili all'acquirente, se non nei limiti di un novennio dall'inizio della<br />

locazione.”<br />

715 Cfr., a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 16 de Setembro de 1998, proc. 5151/2008-7, in www.dgsi.pt:<br />

716 Nos termos <strong>do</strong> art. 2.º, n.º 1, m), <strong>do</strong> CRPred., encontra-se sujeito a registo o arrendamento celebra<strong>do</strong><br />

por mais de seis anos e as suas transmissões ou sublocações, exceptua<strong>do</strong> o arrendamento rural. No âmbito <strong>do</strong><br />

Código de Seabra, dispunha o art. 1622.º que estavam sujeitos a registo os arrendamentos excedentes a um ano,<br />

se houvesse antecipação da renda, e os excedentes a quatro, se não a houvesse. Por sua vez, o arrendamento<br />

sujeito a registo era qualifica<strong>do</strong> como um “ónus real” pelo art. 949.º<br />

717 Dispunha o art. 26.º <strong>do</strong> Decreto n.º 5411, de 17 de Abril, que os arrendamentos sujeitos a registo<br />

subsistiam à transmissão <strong>do</strong> prédio por venda executiva desde que o respectivo registo tivesse si<strong>do</strong> efectua<strong>do</strong><br />

anteriormente ao registo <strong>do</strong> acto ou facto de que a transmissão resultou. Posteriormente, o art. 907.º <strong>do</strong> CPC 1939<br />

passou a determinar que os bens aliena<strong>do</strong>s em execução eram transmiti<strong>do</strong>s livres <strong>do</strong>s direitos reais que não<br />

tivessem registo anterior ao de qualquer hipoteca, penhora ou arresto.<br />

718 Deste mo<strong>do</strong>, se um imóvel tiver si<strong>do</strong> vendi<strong>do</strong> em sede executiva e se o adquirente tiver regista<strong>do</strong> essa<br />

aquisição, devem ser rejeita<strong>do</strong>s os embargos de terceiro deduzi<strong>do</strong>s por um pretenso arrendatário <strong>do</strong> imóvel em<br />

sede de execução para entrega de coisa certa se esse arrendamento tiver si<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong> ou regista<strong>do</strong> após a<br />

penhora <strong>do</strong> imóvel. Na verdade, se é certo que o art. 819.º <strong>do</strong> CC passou a prever expressamente, com a redacção<br />

que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, que o arrendamento de bem penhora<strong>do</strong> é inoponível<br />

215


216<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

penhora, nem por isso o arrendatário verá afastada a sua posse 719 sobre a coisa penhorada (pelo<br />

menos até à venda judicial), uma vez que o art. 839.º, n.º 1, b) <strong>do</strong> CPC, determina que se o<br />

bem imóvel penhora<strong>do</strong> se encontrar arrenda<strong>do</strong>, será nomea<strong>do</strong> fiel depositário o próprio<br />

arrendatário.<br />

Por sua vez, estan<strong>do</strong> em causa um contrato de arrendamento sujeito a registo, mas que<br />

não tenha si<strong>do</strong> regista<strong>do</strong>, o direito <strong>do</strong> arrendatário, ainda que tenha si<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong> em<br />

momento anterior à penhora, arresto ou garantia, será inoponível aos cre<strong>do</strong>res ou ao adquirente<br />

<strong>do</strong> bem vendi<strong>do</strong> em sede executiva, caducan<strong>do</strong>, consequentemente, com a venda 720 .<br />

γ.2) ARRENDAMENTO ANTERIOR À CONSTITUIÇÃO OU REGISTO DE ARRESTO,<br />

PENHORA OU GARANTIA<br />

Nos termos <strong>do</strong> art. 1057.º <strong>do</strong> CC, a locação é oponível ao adquirente da coisa locada ao<br />

abrigo <strong>do</strong> princípio emptio non tollit locatio, motivo pelo qual quem adquire a coisa onerada com<br />

o contrato de arrendamento deve suportar a existência desse direito.<br />

Vale isto por dizer que, se o contrato de arrendamento tiver si<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong> ou regista<strong>do</strong><br />

anteriormente à constituição ou registo de penhora, arresto ou garantia, esse direito é oponível à<br />

execução e ao futuro adquirente <strong>do</strong> imóvel já que não se extingue com a venda executiva 721 .<br />

Deste mo<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> penhora<strong>do</strong> um bem imóvel sobre o qual incida um contrato de<br />

arrendamento em execução movida apenas contra o proprietário, é lícito ao arrendatário deduzir<br />

à execução, sempre se entendeu que essa ineficácia em relação à execução abrange os actos de disposição, de<br />

constituição ou de oneração de bens penhora<strong>do</strong>s, quer estejam em causa direitos reais de garantia ou de gozo,<br />

quer se tratem de direitos pessoais de gozo (cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 18 de Dezembro de 2003, proc.<br />

3906/03 – 6.ª secção, in www.dgsi.pt).<br />

719 No âmbito <strong>do</strong> arrendamento exige-se a verificação de uma posse causal, ou seja, deve fundar-se num<br />

direito que lhe serve de base e respeitar a amplitude e o âmbito desse direito (vide, a este propósito, FERREIRA,<br />

Durval, Posse e Usucapião, ob. cit., p. 394).<br />

720 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, ASCENSÃO, José Oliveira, «Locação de bens da<strong>do</strong>s em garantia», ob. cit., p. 350,<br />

bem como GONÇALVES, Gabriel Órfão, «Temas da Acção Executiva», in Themis, ano V, n.º 9, 2004, p. 292, e<br />

MESQUITA, Miguel, Apreensão de Bens em Processo Executivo e Oposição de Terceiro, ob. cit., p. 190.<br />

721 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 19 de Janeiro de 2004, proc. 03A4098, in www.dgsi.pt, segun<strong>do</strong> o<br />

qual a regra <strong>do</strong> art. 1057.º <strong>do</strong> CC é aplicável à locação quan<strong>do</strong> tenha si<strong>do</strong> registada ou constituída antes da<br />

penhora.


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

embargos de terceiro a fim de proteger o seu direito de arrendamento, desde que este tenha<br />

si<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong> ou regista<strong>do</strong> (se sujeito a registo) antes da penhora, de forma a impedir a<br />

consequente obrigação de desocupação <strong>do</strong> loca<strong>do</strong> 722.<br />

Aliás, importa referir a este propósito que, existin<strong>do</strong> uma relação locatícia devidamente<br />

publicitada — quer pela posse exercida pelo arrendatário, quer pelo inscrição <strong>do</strong> respectivo<br />

registo — esse ónus encontra-se em condições de ser devidamente conheci<strong>do</strong> e publicita<strong>do</strong> em<br />

sede executiva, motivo pelo qual o adquirente não pode invocar o desconhecimento da existência<br />

<strong>do</strong> arrendamento e a consequente inoponibilidade em relação à aquisição em sede executiva 723 .<br />

Nesta medida, se o arrendamento tiver si<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong> antes da penhora, é lícito ao<br />

arrendatário, nos termos <strong>do</strong> art. 1057.º <strong>do</strong> CC, opor-se a tal acto mediante embargos de<br />

terceiro 724 . De to<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong>, o arrendatário só tem interesse processual em deduzir embargos de<br />

terceiro quan<strong>do</strong> seja necessário impor o reconhecimento <strong>do</strong> seu direito ten<strong>do</strong> em vista a venda<br />

executiva <strong>do</strong> bem 725 726 727 ou quan<strong>do</strong> esteja em causa um acto judicial em que se pretenda o seu<br />

desapossamento efectivo da coisa arrendada 728.<br />

722 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, PALMA, Augusta Ferreira, Embargos de Terceiro, ob. cit., p. 68.<br />

723 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 19 de Janeiro de 2004, proc. 03A4098, in www.dgsi.pt.<br />

724 SOUSA, Miguel Teixeira de, Acção Executiva Singular, ob. cit., p. 311: “(...) se a locação não dever ser<br />

registada, releva a data da sua constituição e extingue-se a que for constituída após o arresto, a penhora ou<br />

garantia, que por isso é oponível à execução - art. 819.º <strong>do</strong> CC”. Vide, no mesmo senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 2 de<br />

Novembro de 2000, in CJ, tomo V, 2000, p. 78: “A penhora <strong>do</strong> prédio arrenda<strong>do</strong> não ofende o seu gozo pelo<br />

arrendatário. Tanto a penhora, como a venda, em processo executivo <strong>do</strong> prédio arrenda<strong>do</strong> são feitas na situação de<br />

arrenda<strong>do</strong>, manten<strong>do</strong>-se o arrendamento. O contrato de arrendamento <strong>do</strong> imóvel penhora<strong>do</strong>, celebra<strong>do</strong> em data<br />

anterior à penhora, e de que é arrendatário um terceiro, não frustra a expectativa <strong>do</strong>s cre<strong>do</strong>res e não cessa com a<br />

sua venda em execução”. Vide, no mesmo senti<strong>do</strong>, RUI PINTO DUARTE, segun<strong>do</strong> o qual “quer se entenda (…) que<br />

o direito <strong>do</strong> arrendatário não tem carácter real, quer se entenda que o tem, o direito <strong>do</strong> arrendatário, à primeira<br />

vista, sobrevive à venda judicial.”<br />

725 A este propósito, determina o art. 2923. <strong>do</strong> CC. It. quanto à oponibilidade da locação em relação ao<br />

adquirente em acção executiva que “[L]e locazioni consentite da chi ha subito l'espropriazione sono opponibili<br />

all'acquirente se hanno data certa anteriore al pignoramento, salvo che, trattan<strong>do</strong>si di beni mobili, l'acquirente ne<br />

abbia conseguito il possesso in buona fede”. Por sua vez, relativamente aos bens imóveis, dispõe o segun<strong>do</strong><br />

parágrafo desta disposição legal que “[L]e locazioni immobiliari eccedenti i nove anni che non sono state trascritte<br />

anteriormente al pignoramento non sono opponibili all'acquirente, se non nei limiti di un novennio dall'inizio della<br />

locazione.”<br />

2004, p. 299.<br />

726 Cfr., a este propósito, GONÇALVES, Gabriel Órfão, «Temas da Acção Executiva», in Themis, ano V, n.º 9,<br />

217


218<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

Assim, se <strong>do</strong>s editais de venda <strong>do</strong> bem imóvel penhora<strong>do</strong> for ressalvada a menção de<br />

que o bem se encontra arrenda<strong>do</strong>, não poderá o adquirente opor o seu direito ao arrendatário ao<br />

abrigo <strong>do</strong> princípio emptio non tollit locatio, pelo que o arrendatário, nesse caso, carecerá de<br />

interesse processual para deduzir embargos de terceiro atento o facto da relação de<br />

arrendamento não se extinguir com a venda executiva.<br />

γ.3) ARRENDAMENTO POSTERIOR À CONSTITUIÇÃO OU REGISTO DE UM DIREITO<br />

REAL DE GARANTIA, MAS ANTERIOR À CONSTITUIÇÃO OU REGISTO DE ARRESTO OU<br />

PENHORA<br />

Dispõe o art. 824.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC que os bens são transmiti<strong>do</strong>s livres <strong>do</strong>s direitos reais<br />

de garantia que os onerarem, bem como <strong>do</strong>s demais direitos que não tenham registo anterior ao<br />

de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção <strong>do</strong>s que, constituí<strong>do</strong>s em data anterior,<br />

produzam efeitos em relação a terceiros, independentemente de registo.<br />

Deste mo<strong>do</strong>, se o contrato de arrendamento tiver si<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong> ou regista<strong>do</strong> depois da<br />

oneração <strong>do</strong> bem imóvel com uma hipoteca, não pode ser aplica<strong>do</strong> o princípio emptio non tollit<br />

locatio. Na verdade, se é certo que o art. 1057.º <strong>do</strong> CC determina que “o adquirente <strong>do</strong> direito<br />

com base no qual foi celebra<strong>do</strong> o contrato sucede nos direitos e obrigações <strong>do</strong> loca<strong>do</strong>r”, não é<br />

menos verdade que a parte final ressalva, expressamente, as situações derivadas <strong>do</strong> registo.<br />

Assim, existin<strong>do</strong> um direito de hipoteca regista<strong>do</strong> anteriormente ao arrendamento, e<br />

independentemente da consideração da sua natureza obrigacional ou real — sen<strong>do</strong> certo que<br />

não se afigura necessário recorrer a uma interpretação por analogia <strong>do</strong> art. 824.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC<br />

se se considerar a natureza real <strong>do</strong> contrato de arrendamento 729 —, este direito caduca com a<br />

727 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, FREITAS, José Lebre de, «A penhora <strong>do</strong> direito ao arrendamento e ao trespasse», in<br />

Estu<strong>do</strong>s sobre Direito Civil e Processo Civil, ob. cit., 2002, p. 599.<br />

728 Vide, a este propósito, FERREIRA, Durval, Posse e Usucapião, ob. cit., p. 411.<br />

729 Cfr., a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 26 de Junho de 2008, proc. 5180/2008-6, in www.dgsi.pt: “ Em<br />

processo executivo, a venda judicial de imóvel hipoteca<strong>do</strong> faz caducar o arrendamento de tal bem, não regista<strong>do</strong>,<br />

celebra<strong>do</strong> após a constituição e registo da hipoteca, por na expressão «direitos reais» a que se reporta o art. 824º<br />

<strong>do</strong> CC se dever incluir, por recurso à analogia, o aludi<strong>do</strong> arrendamento.”


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

venda executiva por força <strong>do</strong> disposto nos arts. 824.º, n.º 2, e 1057.º, in fine, <strong>do</strong> CC 730 .<br />

Ademais, importa salientar a necessidade de tutelar os interesses <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r hipotecário<br />

porquanto a existência de um arrendamento sobre o bem hipoteca<strong>do</strong> desvaloriza o seu valor em<br />

caso de venda, diminuin<strong>do</strong>, consequentemente, a garantia <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r em resulta<strong>do</strong> da hipoteca 731 .<br />

Na verdade, a oneração <strong>do</strong> bem imóvel com a celebração posterior de um contrato de<br />

arrendamento dificulta sobremaneira o ressarcimento <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r com garantia real sobre esse<br />

bem. Além disso, a existência de um contrato de arrendamento implica a desvalorização<br />

substancial <strong>do</strong> bem imóvel, não só pela possibilidade de renovação periódica sucessiva <strong>do</strong><br />

730 A este propósito importa referir que o Decreto n.º 5411, de 17-04-1919 (diploma que disciplinava, em<br />

termos genéricos, o arrendamento, determinava no § 1º <strong>do</strong> art.º 36º que “os arrendamentos sujeitos a registo<br />

subsistirão, se estiverem regista<strong>do</strong>s anteriormente ao registo <strong>do</strong> acto ou <strong>do</strong> facto de que a execução resultou.”<br />

731 Cfr., neste senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 30 de Março de 1993, in BMJ, 425.º, p. 634: “O arrendamento de<br />

imóvel hipoteca<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong> depois <strong>do</strong> registo da hipoteca caduca nos termos <strong>do</strong> art. 824.º, n.º 2, <strong>do</strong> Cód. Civil”, e<br />

o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 6 de Julho de 2000, in CJ, tomo II, 2000, p. 150: “A venda judicial, em processo executivo, de<br />

fracção hipotecada faz caducar o seu arrendamento, não regista<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> posteriormente celebra<strong>do</strong> à constituição<br />

e registo daquela hipoteca, por na expressão direitos reais menciona<strong>do</strong> no artigo 824º, nº 2 <strong>do</strong> CC se incluir, por<br />

analogia, aquele arrendamento.” Vide, no mesmo senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 27 de Maio de 2002, proc. 02A4264, in<br />

www.dgsi.pt: “Apesar de um manifesto intuito de proteger o bem da estabilidade da habitação, não pode entender-<br />

se que o legisla<strong>do</strong>r houvesse queri<strong>do</strong> deixar sem protecção os direitos <strong>do</strong>s cre<strong>do</strong>res titulares de garantias reais<br />

registadas com anterioridade relativamente à celebração da invocada relação locatícia, pelo que os bens<br />

arremata<strong>do</strong>s em hasta pública por cre<strong>do</strong>r com garantia real anterior se transmitirão para o adquirente novo<br />

proprietário livres e desembaraça<strong>do</strong>s <strong>do</strong> ónus locatário, nos termos e para os efeitos <strong>do</strong> nº2 <strong>do</strong> artº 824º <strong>do</strong> Cód.<br />

Civil vigente. Só por esta via interpretativa se obviará a que a oneração <strong>do</strong> prédio urbano através de celebração<br />

posterior de contrato de arrendamento impossibilite ou pelo menos dificulte o ressarcimento completo <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r<br />

com garantia real.”, bem como o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 14 de Março de 2006, proc. 75/06, in www.dgsi.pt.<br />

Em senti<strong>do</strong> contrário, cfr. o Ac <strong>do</strong> TRL, de 15 de Maio de 1997, in CJ, tomo III, 1997, p. 129: “O<br />

arrendamento de prédio hipoteca<strong>do</strong> celebra<strong>do</strong> pelo deve<strong>do</strong>r/proprietário não caduca em caso de venda <strong>do</strong> referi<strong>do</strong><br />

prédio, em execução. Nem o recurso ao princípio da adequação justifica, nem a via da interpretação teleológica ou<br />

da interpretação analógica permitem que se faça valer para o arrendamento a solução legal prevista para os direitos<br />

reais no art. 824.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC.”, bem como o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 16 de Setembro de 2008, proc. 5151/2008 – 7, in<br />

www.dgsi.pt: “Atento o disposto no art. 819º <strong>do</strong> CC, a celebração de um contrato de arrendamento depois de<br />

efectuada e registada a penhora sobre um prédio, é ineficaz em relação à venda que venha a ser realizada no<br />

âmbito da acção executiva. Já em face <strong>do</strong> disposto no art. 824º, nº 2, <strong>do</strong> CC, o simples facto de o bem vendi<strong>do</strong> na<br />

acção executiva estar onera<strong>do</strong> com hipoteca não determina a caducidade <strong>do</strong> arrendamento que tenha si<strong>do</strong><br />

celebra<strong>do</strong> depois <strong>do</strong> registo da hipoteca e antes <strong>do</strong> registo da penhora.”<br />

219


220<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

contrato de arrendamento, como também em virtude da dificuldade sentida na respectiva<br />

resolução <strong>do</strong> contrato 732.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, encontran<strong>do</strong>-se a hipoteca devidamente registada, a caducidade <strong>do</strong><br />

arrendamento em consequência da venda executiva não fere qualquer legitima expectativa <strong>do</strong><br />

arrendatário, o qual podia conhecer em qualquer momento da existência desse ónus sobre o<br />

bem arrenda<strong>do</strong> 733.<br />

Acresce a isto que o art. 824.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC apenas protege os direitos reais que<br />

tenham si<strong>do</strong> regista<strong>do</strong>s anteriormente a qualquer arresto, penhora ou garantia, pelo que, no<br />

caso em concreto, o arrendamento é inoponível em relação ao direito real de garantia <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r<br />

hipotecário 734.<br />

732 Vide, a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 6 de Julho de 2000, in CJ, tomo II, 2000, p. 150: “Embora o<br />

legisla<strong>do</strong>r tivesse ti<strong>do</strong> a preocupação, no âmbito <strong>do</strong> regime jurídico <strong>do</strong> arrendamento, de proteger o arrendatário no<br />

que concerne à finalidade essencial de garantia da estabilidade da habitação, tal objectivo não pode porém<br />

sobrepor-se a ponto de deixar sem protecção os direitos <strong>do</strong>s cre<strong>do</strong>res titulares de garantias reais registadas com<br />

anterioridade relativamente à celebração da invocada relação locatária. De outro mo<strong>do</strong>, estaria descoberto o<br />

caminho para, através da celebração de tais contratos de arrendamento posteriores ao registo das hipotecas, de<br />

impossibilitar ou dificultar o ressarcimento completo <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r com garantia real anteriormente registada, frustran<strong>do</strong><br />

não só a própria essência <strong>do</strong> crédito hipotecário, tal como é defini<strong>do</strong> no art. 686° CC, como também prejudican<strong>do</strong>,<br />

de forma drástica, a integridade <strong>do</strong> direito <strong>do</strong> novo proprietário. Solução que não foi, decerto, a querida pelo<br />

legisla<strong>do</strong>r.” Vide, ainda, o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 11 de Novembro de 2003, proc. 2380/03, in www.dgsi.pt: “Estan<strong>do</strong> em<br />

causa a venda de coisa lacada em processo executivo, deve entender-se como inoponível ao compra<strong>do</strong>r a relação<br />

locativa constituída posteriormente à data de registo de qualquer arresto, penhora ou garantia real sobre esse bem.<br />

A oneração de bem hipoteca<strong>do</strong> é válida, mas semelhante desvalorização <strong>do</strong> prédio, em fase executiva e atenta a sua<br />

finalidade, vai frustrar a posição <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r hipotecário – o art. 695.º <strong>do</strong> CC completa-se com o disposto no art.<br />

824.º n.º 2 <strong>do</strong> mesmo diploma.”<br />

733 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 3 de Dezembro de 1998, in BMJ, 482.º, p. 219: “A situação<br />

inversa, ou seja, a manutenção <strong>do</strong> arrendamento acompanhan<strong>do</strong> o imóvel vendi<strong>do</strong> em execução, que a apelante<br />

defende, desvirtuaria a garantia resultante da hipoteca, já que permitiria ao proprietário/executa<strong>do</strong> o conluio com<br />

terceiros e sem qualquer possibilidade de conhecimento <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r hipotecário, mormente nos casos em que, como<br />

aqui sucede, o arrendamento não está sujeito a registo.”<br />

734 A este propósito, LEBRE DE FREITAS sustenta que se o direito tiver si<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong> em momento<br />

posterior à constituição (ou registo) da penhora ou em momento anterior à constituição (ou registo) da penhora mas<br />

depois da constituição (ou registo) dum direito real precedente (hipoteca voluntária ou judicial, arresto, etc.) <strong>do</strong><br />

exequente, os bens devem ser transmiti<strong>do</strong>s livres daquele direito real de gozo (FREITAS, Lebre de, A Acção<br />

Executiva, ob. cit., p. 337).


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

Assim, independentemente da natureza real ou obrigacional <strong>do</strong> arrendamento, se o<br />

contrato de arrendamento tiver si<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong> ou regista<strong>do</strong> posteriormente ao registo de uma<br />

hipoteca, e ainda que essa constituição ou registo seja anterior à penhora <strong>do</strong> imóvel em<br />

resulta<strong>do</strong> da execução movida pelo cre<strong>do</strong>r hipotecário, o direito <strong>do</strong> arrendatário caduca por força<br />

<strong>do</strong> disposto nos arts. 824.º, n.º 2 e 1057.º <strong>do</strong> CC, pelo que não permite a dedução de embargos<br />

de terceiro com fundamento na violação de um direito incompatível com essa diligência 735. Deste<br />

mo<strong>do</strong>, por força da caducidade desse direito, não será lícito ao arrendatário deduzir embargos<br />

de terceiro contra a diligência para a entrega efectiva <strong>do</strong> imóvel adquiri<strong>do</strong> por um terceiro numa<br />

venda executiva 736.<br />

6.1.3. A TUTELA DO CÔNJUGE DO ARRENDATÁRIO<br />

Nos termos <strong>do</strong> art. 28.º-A, n.º 3, <strong>do</strong> CPC, devem ser propostas contra ambos os<br />

cônjuges as acções que tenham por objecto a casa de morada de família. Trata-se, com efeito,<br />

de uma situação de litisconsórcio necessário legal, já que a lei impõe a presença de ambas as<br />

partes na causa ten<strong>do</strong> em vista o interesse social da protecção da casa de família. Pode, no<br />

entanto, suceder que a acção declarativa de despejo <strong>do</strong> arrenda<strong>do</strong> tenha si<strong>do</strong> apenas intentada,<br />

ainda que de forma indevida, contra apenas o cônjuge arrendatário. Ora, nessa situação em<br />

concreto, coloca-se a questão controvertida de saber se o cônjuge <strong>do</strong> arrendatário que não tenha<br />

735 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 30 de Março de 1993, in BMJ, 425º, p. 634: “O arrendamento de<br />

imóvel hipoteca<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong> depois da hipoteca caduca nos termos <strong>do</strong> art.º 824º nº2 <strong>do</strong> Código Civil”; o Ac. <strong>do</strong><br />

STJ, de 2 de Dezembro de 1998, in BMJ, 482.º, p. 219; o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 6 de Julho de 2000, in CJ, tomo II, 2000,<br />

p. 150: “A venda judicial em processo executivo da fracção hipotecada faz caducar o seu arrendamento, não<br />

regista<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> posteriormente celebra<strong>do</strong> à constituição e registo daquela hipoteca, por na expressão «direitos<br />

reais» constante <strong>do</strong> art. 824.º, n.º 2, <strong>do</strong> Código Civil se incluir, por analogia, aquele arrendamento”; e o Ac. <strong>do</strong> TRP,<br />

de 22 de Janeiro de 2004, proc. 0336811, in www.dgsi.pt., segun<strong>do</strong> o qual: “o arrendamento de imóvel hipoteca<strong>do</strong><br />

constituí<strong>do</strong> depois da hipoteca caduca nos termos <strong>do</strong> art. 824º nº 2 <strong>do</strong> CC”.<br />

736 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 19 de Abril de 2007, proc. 8982/2006-8, in www.dgsi.pt: “A<br />

compra na venda judicial de um imóvel prevalece sobre qualquer venda anterior <strong>do</strong> mesmo bem, qualquer ónus ou<br />

direito que a limite, como o invoca<strong>do</strong> arrendamento, nos termos em que aparentemente se mostra alega<strong>do</strong>, mas<br />

que não tenha si<strong>do</strong> regista<strong>do</strong> ou, ten<strong>do</strong>-o, o registo seja posterior ao registo da respectiva penhora. Assim,<br />

caducan<strong>do</strong> o arrendamento invoca<strong>do</strong> com a venda judicial, nos termos <strong>do</strong> art. 824, n.º 2 <strong>do</strong> Cód. Civil, e alegan<strong>do</strong> o<br />

exequente que o detentor da fracção vendida se recusa a entregá-la, deve ser ordena<strong>do</strong> o prosseguimento da<br />

execução (cfr. art.º 901 <strong>do</strong> CPC) com a sua real e concreta entrega.”<br />

221


222<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

si<strong>do</strong> demanda<strong>do</strong> na acção de resolução <strong>do</strong> contrato de arrendamento pode deduzir embargos de<br />

terceiro com fundamento na protecção e no direito à casa de morada de família 737 em acção<br />

executiva para entrega de coisa certa.<br />

Com efeito, de acor<strong>do</strong> com o art. 83.º <strong>do</strong> RAU (diploma entretanto revoga<strong>do</strong> pela Lei n.º<br />

6/2006, de 27 de Fevereiro), o direito ao arrendamento para habitação não era comunicável ao<br />

cônjuge <strong>do</strong> arrendatário, independentemente <strong>do</strong> regime de bens que tivesse si<strong>do</strong> a<strong>do</strong>pta<strong>do</strong> entre<br />

os cônjuges. No entanto, nos termos <strong>do</strong> art. 1682.º-B <strong>do</strong> CC, estan<strong>do</strong> em causa a casa de<br />

morada de família, carecem <strong>do</strong> consentimento de ambos os cônjuges a resolução, a oposição à<br />

renovação ou a denúncia <strong>do</strong> contrato de arrendamento pelo arrendatário, a revogação <strong>do</strong><br />

arrendamento por mútuo consentimento, a cessão da posição de arrendatário e o<br />

subarrendamento ou empréstimo total ou parcial. Daí que, ao abrigo <strong>do</strong> disposto no art. 28.º-A,.<br />

n.º 3, <strong>do</strong> CPC, devam ser propostas contra ambos os cônjuges as acções que tenham por<br />

objecto, directa ou indirectamente, a casa de morada de família. Deste mo<strong>do</strong>, estan<strong>do</strong> em causa<br />

a execução de uma sentença proferida numa acção de resolução <strong>do</strong> contrato de arrendamento<br />

proposta indevidamente apenas contra um <strong>do</strong>s cônjuges — ainda que seja o único cônjuge que<br />

figure como arrendatário no contrato de arrendamento —, a jurisprudência veio entenden<strong>do</strong> que<br />

o cônjuge <strong>do</strong> arrendatário que não tivesse si<strong>do</strong> demanda<strong>do</strong> para a respectiva acção judicial<br />

podia defender-se mediante a dedução de embargos de terceiro com fundamento na protecção<br />

constitucional da casa de morada de família 738 ou ainda por violação <strong>do</strong> litisconsórcio necessário<br />

737 Nos termos <strong>do</strong> art. 67.º, n.º 1, da CRP, a família tem direito à protecção da sociedade e <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> e à<br />

efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal <strong>do</strong>s seus membros.<br />

738 Cfr., a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 27 de Abril de 2004, proc. 992/04 – 6.ª secção, in www.dgsi.pt,<br />

cujo sumário, pela sua relevância, se transcreve: “I - Em execução de manda<strong>do</strong> de despejo, o cônjuge não<br />

arrendatário, que não foi demanda<strong>do</strong> na acção declarativa, onde foi decretada a resolução <strong>do</strong> contrato de<br />

arrendamento habitacional e ordena<strong>do</strong> o despejo, pode usar de embargos de terceiro contra tal execução. II - A<br />

especial protecção da casa de morada de família impõe que se considere tão relevante a posição <strong>do</strong> cônjuge<br />

arrendatário como a <strong>do</strong> não arrendatário. III - Trata-se da integração de uma lacuna da lei, exigida pelo espírito,<br />

coerência e unidade <strong>do</strong> sistema jurídico, por não fazer senti<strong>do</strong> que este, depois de impor o dever de demandar<br />

ambos os cônjuges vede uma reacção posterior <strong>do</strong> cônjuge não demanda<strong>do</strong> contra a violação desse dever.” Vide,<br />

no mesmo senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 28 de Janeiro de 1997, proc. 737/96, in BMJ, 463 (1997), p. 508: “Não<br />

haven<strong>do</strong> disposição legal que expressamente consagre ou repudie a defesa por embargos de terceiro ao cônjuge <strong>do</strong><br />

arrendatário, existe uma lacuna, a integrar de acor<strong>do</strong> com a norma que o intérprete criaria se tivesse que legislar no<br />

espírito <strong>do</strong> sistema. Tratan<strong>do</strong>-se, no caso, da especial protecção da casa de morada de família no âmbito <strong>do</strong> direito<br />

(constitucional) à habitação — artigo 65.º da Constituição, e de protecção da família — artigo 67.º; são admissíveis


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

legal no <strong>do</strong>mínio da acção declarativa 739 . Contu<strong>do</strong>, alguma <strong>do</strong>utrina e jurisprudência rejeitavam<br />

que o cônjuge <strong>do</strong> arrendatário pudesse intentar embargos de terceiro com fundamento na não<br />

comunicabilidade da posição de arrendatário ao respectivo cônjuge, independentemente <strong>do</strong><br />

regime de bens <strong>do</strong> casal 740 , bem como nos casos em que estivesse em causa uma situação de<br />

união de facto 741.<br />

embargos de terceiro deduzi<strong>do</strong>s na execução de despejo pelo cônjuge <strong>do</strong> arrendatário que não teve intervenção na<br />

respectiva acção de despejo.”<br />

739 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 14 de Novembro de 1980, in CJ, tomo V, 1980, p. 10, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 14 de<br />

Julho de 1987, proc. 024775, in www.dgsi.pt, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 20 de Outubro de 1987, in BMJ, 370.º, p. 605, o<br />

Ac. <strong>do</strong> STJ, de 28 de Janeiro de 1997, in CJ, tomo V, 1997, p. 74, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 16 de Junho de 1997, in BMJ,<br />

463.º, Ac. STJ, de 28 de Janeiro de 1997, proc. 96A737, in www.dgsi.pt , o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 03 de Dezembro de<br />

2001, proc. 0151709, in www.dgsi.pt e o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 12 de Julho de 2004, proc. 2559/2004-7, in www.dgsi.pt,<br />

segun<strong>do</strong> o qual sen<strong>do</strong> “deduzi<strong>do</strong>s embargos de terceiro, por apenso à execução de manda<strong>do</strong> de despejo decorrente<br />

de acção em que apenas foi demanda<strong>do</strong> o cônjuge arrendatário e sen<strong>do</strong> invoca<strong>do</strong> pela embargante que o loca<strong>do</strong><br />

constitui casa de morada de família, não se justifica o indeferimento liminar da petição”. Vide, na <strong>do</strong>utrina, PALMA<br />

RAMALHO, a qual sufraga a possibilidade de extensão da tutela possessória <strong>do</strong> arrendatário ao seu cônjuge ou a<br />

outras pessoas que tenham um direito legal à transmissão <strong>do</strong> arrendamento (RAMALHO, Maria <strong>do</strong> Rosário Palma,<br />

«Sobre o fundamento possessório <strong>do</strong>s embargos de terceiro deduzi<strong>do</strong>s pelo locatário, parceiro pensa<strong>do</strong>r,<br />

comodatário e depositário», ob. cit., p. 695). Em senti<strong>do</strong> contrário vide o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 6 de Outubro de 1993, in<br />

CJ, tomo IV, 1993, p. 52, o qual sustentou que o cônjuge <strong>do</strong> executa<strong>do</strong>, não sen<strong>do</strong> proprietário <strong>do</strong> imóvel<br />

penhora<strong>do</strong> — ainda que o mesmo seja a casa de morada de família — não pode deduzir embargos de terceiro.<br />

740 A este propósito, TEIXEIRA DE SOUSA entendia que o cônjuge <strong>do</strong> arrendatário, sen<strong>do</strong> possui<strong>do</strong>r precário<br />

ou um simples titular de um direito pessoal de gozo, não gozava de um direito incompatível com o direito <strong>do</strong><br />

senhorio à desocupação <strong>do</strong> loca<strong>do</strong>, motivo pelo qual lhe estava vedada a possibilidade de dedução de embargos de<br />

terceiro (SOUSA, Miguel Teixeira de, A Acção de Despejo, Lisboa, 1991, ob. cit., p. 81). Na jurisprudência, vide o<br />

Ac. <strong>do</strong> TRC, de 6 de Outubro de 1993, in CJ, tomo IV, 1993, p. 53, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 14 de Dezembro de 1993,<br />

proc. 0077281, in www.dgsi.pt, bem como o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 5 de Junho de 1996, proc. 241/96, in BMJ, 458.º,<br />

1996) p. 381, segun<strong>do</strong> o qual “[Q]uan<strong>do</strong> o contrato de arrendamento tenha si<strong>do</strong> celebra<strong>do</strong> apenas por um <strong>do</strong>s<br />

cônjuges, não é lícito ao outro cônjuge deduzir embargos de terceiro à execução duma acção de despejo antes<br />

proposta apenas contra o cônjuge arrendatário. É que nos termos <strong>do</strong> n. 1 <strong>do</strong> art. 1110 <strong>do</strong> CC (e art. 83 <strong>do</strong> RAU ora<br />

em vigor) a posição de arrendatário não se comunica ao cônjuge seja qual for o regime matrimonial.”<br />

741 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 30 de Outubro de 2001, proc. 750/01 – 2.ª secção, in www.dgsi.pt: “A<br />

circunstância de se viver em união de facto há mais de <strong>do</strong>is anos com o arrendatário não confere legitimidade para<br />

deduzir embargos de terceiro com vista à defesa <strong>do</strong> loca<strong>do</strong>.”<br />

223


224<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

Em virtude da aprovação <strong>do</strong> Novo Regime <strong>do</strong> Arrendamento Urbano (NRAU) pela Lei<br />

n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, o art. 1068.º <strong>do</strong> CC 742 passou a estabelecer expressamente que<br />

o direito <strong>do</strong> arrendatário é comunicável ao seu cônjuge, nos termos gerais e de acor<strong>do</strong> com o<br />

regime de bens vigente. Assim, estan<strong>do</strong> em causa uma acção executiva para entrega de coisa<br />

certa com base numa sentença que decretou o despejo quanto a um contrato de arrendamento<br />

abrangi<strong>do</strong> pela nova lei <strong>do</strong> arrendamento, deve admitir-se a dedução de embargos de terceiro<br />

pelo cônjuge <strong>do</strong> arrendatário, já que o arrendamento lhe é comunicável.<br />

Do mesmo mo<strong>do</strong>, se existir uma situação de união de facto, é lícito à pessoa que vive<br />

em união de facto com o arrendatário, solteiro ou separa<strong>do</strong> judicialmente de pessoas e bens, há<br />

mais de <strong>do</strong>is anos e em condições análogas às <strong>do</strong>s cônjuges, embargar de terceiro contra a<br />

acção executiva destinada a despejá-la da casa de morada de família, desde que não tenha si<strong>do</strong><br />

parte na respectiva acção de despejo 743.<br />

6.1.4. A TUTELA DO SUBLOCATÁRIO<br />

Dispõe o art. 1060.º <strong>do</strong> CC que a locação diz-se sublocação, quan<strong>do</strong> o loca<strong>do</strong>r a celebra<br />

com base no direito de locatário que lhe advém de um precedente contrato locativo. Deste<br />

mo<strong>do</strong>, o contrato de sublocação consiste num contrato subordina<strong>do</strong> mediante o qual o<br />

subloca<strong>do</strong>r, protegi<strong>do</strong> pela sua qualidade de locatário, proporciona a um terceiro o gozo da coisa<br />

locada, mediante uma retribuição 744 .<br />

No âmbito <strong>do</strong> subarrendamento importa referir que, nos termos <strong>do</strong> art. 1037.º <strong>do</strong> CC,<br />

tal como sucede em relação ao arrendatário, também o subarrendatário tem o direito de recorrer<br />

às acções possessórias se for priva<strong>do</strong> da coisa ou perturba<strong>do</strong> no exercício <strong>do</strong>s seus direitos.<br />

Todavia, o regime <strong>do</strong> subarrendamento não beneficia em igualdade de circunstâncias da mesma<br />

protecção que é concedida ao arrendamento, da<strong>do</strong> que o subarrendamento caduca com a<br />

extinção, por qualquer causa, <strong>do</strong> contrato de arrendamento, sem prejuízo da responsabilidade<br />

742 Aplicável apenas aos contratos de arrendamento para habitação celebra<strong>do</strong>s após 28 de Julho de 2006.<br />

743 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 14 de Julho de 1987, in CJ, tomo IV, 1987, p. 134. Contu<strong>do</strong>, devem ser julga<strong>do</strong>s<br />

improcedentes os embargos de terceiro instaura<strong>do</strong>s por um <strong>do</strong>s membros da união de facto, já extinta, no confronto<br />

da penhora <strong>do</strong> imóvel pertencente ao outro membro dessa união, com fundamento em se tratar da casa de morada<br />

de família (Ac. <strong>do</strong> TRL, de 23 de Outubro de 2007, proc. 4103/2007, in www.dgsi.pt).<br />

744 MARTINEZ, Pedro Romano, Direito das Obrigações, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2001, p. 212.


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

<strong>do</strong> subloca<strong>do</strong>r para com o sublocatário, quan<strong>do</strong> o motivo da extinção lhe seja imputável (art.<br />

1089.º <strong>do</strong> CC).<br />

A sublocação só produz efeitos em relação ao loca<strong>do</strong>r ou a terceiros a partir <strong>do</strong> seu<br />

reconhecimento pelo loca<strong>do</strong>r ou da comunicação <strong>do</strong> locatário ao loca<strong>do</strong>r quanto à cedência <strong>do</strong><br />

gozo da coisa a outrem por contrato de sublocação, quan<strong>do</strong> permitida ou autorizada, de acor<strong>do</strong><br />

com o regime que se encontra previsto no art. 1038.º <strong>do</strong> CC. Deste mo<strong>do</strong>, mesmo que o<br />

contrato de locação admita a possibilidade de celebração de um contrato de sublocação, o<br />

locatário é obriga<strong>do</strong> a comunicar ao senhorio a constituição de uma relação jurídica de<br />

sublocação, bem como os seus respectivos termos, no prazo de 15 dias. Se o locatário não tiver<br />

observa<strong>do</strong> a obrigação de comunicação da relação de sublocação no prazo supra referi<strong>do</strong>, ainda<br />

assim deve considerar-se o subarrendamento ratifica<strong>do</strong> pelo senhorio se este reconhecer o<br />

subarrendatário com tal qualidade, sen<strong>do</strong> certo que o reconhecimento permite suprir a falta de<br />

autorização e de comunicação <strong>do</strong> contrato. Assim, só no caso de subarrendamento eficaz em<br />

relação ao senhorio, é que o subarrendatário poderá recorrer a embargos de terceiro para<br />

defender a sua posição 745 .<br />

PALMA RAMALHO defende a possibilidade de extensão ao sublocatário da tutela<br />

possessória por embargos de terceiro desde que a detenção corresponda a um interesse<br />

tutelável, admitin<strong>do</strong>-se, consequentemente, a tutela possessória por analogia com as disposições<br />

tutelares <strong>do</strong>s possui<strong>do</strong>res em nome alheio. O sublocatário terá uma tutela possessória<br />

semelhante à <strong>do</strong> locatário, “desde que o título revele um interesse atendível <strong>do</strong> sujeito em<br />

recorrer à tutela possessória” 746 . Assim, o sublocatário pode embargar de terceiro quan<strong>do</strong> veja<br />

sua posse em perigo na sequência da execução de um manda<strong>do</strong> de despejo, desde que, mesmo<br />

que extinto o contrato de arrendamento, a sua resolução não tenha causa legítima, isto é, não<br />

seja reconhecida pelo sistema jurídico 747 .<br />

Por sua vez, de acor<strong>do</strong> com REMÉDIO MARQUES, em regra o sublocatário não pode<br />

embargar de terceiro quan<strong>do</strong> os embargos se fundarem exclusivamente na ofensa de um direito<br />

incompatível, já que este é apenas titular <strong>do</strong> direito pessoal de gozo resultante da sua posição<br />

745 Cfr., a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 3 de Junho de 1997 – 1.ª secção, in www.dgsi.pt.<br />

746 RAMALHO, Maria <strong>do</strong> Rosário Palma, «Sobre o fundamento possessório <strong>do</strong>s embargos de terceiro<br />

deduzi<strong>do</strong>s pelo locatário, parceiro pensa<strong>do</strong>r, comodatário e depositário», ob. cit., p. 695.<br />

747 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 3 de Dezembro de 1987, in CJ, tomo V, 1987, p. 134.<br />

225


226<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

jurídica. Contu<strong>do</strong>, o sublocatário poderá embargar de terceiro desde que alegue a ofensa da<br />

posse da pessoa em nome de quem possui e desde que esta não seja executada 748.<br />

Quanto à questão de saber se o subarrendatário pode deduzir embargos de terceiro<br />

contra a execução <strong>do</strong> despejo em caso de resolução <strong>do</strong> contrato de arrendamento, a<br />

jurisprudência não apresenta uma posição unânime, sen<strong>do</strong> certo que não se afigura que ao<br />

subarrendatário possa ser reconhecida semelhante possibilidade. Na verdade, ainda que o<br />

subarrendatário venha deduzir embargos de terceiro, o senhorio poderá condená-los facilmente à<br />

improcedência com base na invocação da extinção da relação de arrendamento ou na<br />

inexistência de relações jurídicas estabelecidas entre o subarrendatário e o senhorio 749.<br />

Deste mo<strong>do</strong>, se o subarrendamento tiver si<strong>do</strong> válida e eficazmente constituí<strong>do</strong> e<br />

reconheci<strong>do</strong>, é lícito ao subarrendatário recorrer aos embargos de terceiro nas mesmas<br />

condições em que tal lhe é permiti<strong>do</strong> relativamente ao arrendatário 750. Em contrapartida, não<br />

ten<strong>do</strong> o subarrendamento si<strong>do</strong> autoriza<strong>do</strong> ou notifica<strong>do</strong> ao senhorio, ou não se demonstran<strong>do</strong><br />

que este reconheceu a situação de subarrendamento ou o subarrendatário, devem os embargos<br />

de terceiro ser julga<strong>do</strong>s improcedentes 751 .<br />

331.<br />

748 MARQUES, J. P. Remédio, Curso de Processo Executivo à Face <strong>do</strong> Código Revisto, ob. cit., pp. 329 a<br />

749 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 18 de Janeiro de 2000, in CJ, tomo I, 2000, p. 190.<br />

750 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, FERREIRA, Durval, Posse e Usucapião, ob. cit., p. 412, bem como o Ac. <strong>do</strong> TRL, de<br />

27 de Maio de 1982, in CJ, tomo III, 1982, p. 110 e o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 18 de Outubro de 1988, in BMJ, 380.º,<br />

p. 537.<br />

751 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 29 de Novembro de 1990, proc. 0014866, in www.dgsi.pt, bem<br />

como o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 27 de Novembro de 1997, proc. 97B597, in www.dgsi.pt: “O subarrendatário ou cessionário<br />

<strong>do</strong> local arrenda<strong>do</strong>, que não foi reconheci<strong>do</strong> como tal pelo senhorio, ou cujo subarrendamento ou cessão não foram<br />

comunica<strong>do</strong>s ao senhorio e por este autoriza<strong>do</strong>s, não pode opor embargos de terceiro à execução <strong>do</strong> despejo desse<br />

local.”


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

6.2. LOCAÇÃO FINANCEIRA<br />

6.2.1. REGIME JURÍDICO<br />

Atento o disposto no art. 1.º <strong>do</strong> Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Julho 752, entende-se<br />

por locação financeira (ou leasing) o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante<br />

retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel 753 , adquirida ou<br />

construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorri<strong>do</strong> o perío<strong>do</strong> acorda<strong>do</strong>,<br />

por um preço nele determina<strong>do</strong> ou determinável mediante simples aplicação <strong>do</strong>s critérios nele<br />

754 755 fixa<strong>do</strong>s 756.<br />

752 Diploma que veio alterar o regime jurídico <strong>do</strong> contrato de locação financeira.<br />

753 Recain<strong>do</strong> o contrato de locação financeira sobre coisas móveis, esse acto encontra-se sujeito a registo<br />

nos termos <strong>do</strong> disposto no art. 2.º, n.º 1, l), <strong>do</strong> CRPred.<br />

754 Relativamente à sua natureza jurídica, a <strong>do</strong>utrina e a jurisprudência têm vin<strong>do</strong> a preconizar quatro teses<br />

distintas: a locação financeira enquanto contrato de locação, contrato de compra e venda a prestações com reserva<br />

de propriedade, contrato misto de locação, compra e venda e mútuo, ou contrato atípico ou sui generis.<br />

De acor<strong>do</strong> com a primeira tese, o contrato de leasing mais não é <strong>do</strong> que um contrato de locação. Ora, se<br />

é certo que <strong>do</strong> contrato de leasing resulta um regime jurídico que o aproxima da locação, maxime em relação ao<br />

dever de proporcionar o gozo da coisa locada mediante o pagamento de uma retribuição, não é menos verdade que<br />

este contrato se afasta <strong>do</strong> regime da locação por prever, nomeadamente, a possibilidade de aquisição da coisa no<br />

final <strong>do</strong> contrato.<br />

No que concerne à segunda tese, o contrato de leasing será um contrato de compra e venda a prestações<br />

com reserva de propriedade, da<strong>do</strong> que o locatário tem o dever de pagar periodicamente as rendas devidas pelo<br />

financiamento, e pode adquirir a propriedade no final <strong>do</strong> contrato. No entanto, é precisamente nesta última<br />

característica que as duas figuras se afastam. Na verdade, enquanto na reserva de propriedade o compra<strong>do</strong>r<br />

adquire a propriedade efectiva da coisa com o pagamento da totalidade <strong>do</strong> preço, por sua vez na locação existe<br />

apenas um direito unilateral <strong>do</strong> locatário financeiro no senti<strong>do</strong> de poder adquirir, se assim o pretender, a coisa<br />

locada no final <strong>do</strong> contrato,<br />

Para a tese da natureza mista, o contrato de locação financeira caracteriza-se por reunir numa só figura<br />

contratual elementos típicos <strong>do</strong> contrato de compra e venda, <strong>do</strong> contrato de mútuo e <strong>do</strong> contrato de locação. Na<br />

verdade, no contrato de leasing existem elementos típicos <strong>do</strong> contrato de compra e venda (ou de empreitada) — o<br />

loca<strong>do</strong>r obriga-se a adquirir ou a produzir a coisa solicitada de forme especificada pelo locatário —, <strong>do</strong> contrato de<br />

locação — o loca<strong>do</strong>r obriga-se a conceder ao locatário o gozo <strong>do</strong> bem para os fins a que se destina mediante o<br />

pagamento pelo locatário das rendas correspondentes —, e <strong>do</strong> contrato de mútuo — o loca<strong>do</strong>r financia ao locatário<br />

os meios próprios para vir a adquirir a coisa, pelo que, sobre este, passará a recair a obrigação de restituir outro<br />

tanto <strong>do</strong> mesmo género e qualidade.<br />

227


228<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

Trata-se, assim, de um contrato oneroso, bilateral e sinalagmático, através <strong>do</strong> qual a<br />

entidade loca<strong>do</strong>ra se obriga a adquirir ou construir o bem por solicitação expressa <strong>do</strong> locatário e<br />

a locá-lo como contrapartida <strong>do</strong> pagamento de uma renda, fican<strong>do</strong> reserva<strong>do</strong> ao locatário o<br />

direito de decidir unilateralmente se pretende adquirir a coisa locada pelo seu valor residual 757 .<br />

O contrato de locação financeira tem como sujeitos um loca<strong>do</strong>r (regra geral, uma<br />

sociedade de locação financeira) e um locatário, embora, normalmente, se verifique a<br />

intervenção de um fornece<strong>do</strong>r que entrega a coisa ao loca<strong>do</strong>r, sen<strong>do</strong> certo que o locatário tem o<br />

direito de exercer contra o fornece<strong>do</strong>r to<strong>do</strong>s os direitos relativos à coisa locada 758 759 . De to<strong>do</strong> o<br />

Em relação à tese da natureza atípica ou sui generis, o contrato de locação financeira, embora partilhe<br />

elementos de cada um <strong>do</strong>s contratos referi<strong>do</strong>s supra, apresenta uma estrutura autónoma própria (quanto à noção e<br />

caracterização <strong>do</strong>s contratos atípicos, vide LEITÃO, Luís Menezes, Direito das Obrigações, vol. I, ob. cit., p. 210).<br />

Nesta medida, seguin<strong>do</strong> de perto PESTANA DE VASCONCELOS, o contrato de locação financeira deve ser<br />

qualifica<strong>do</strong> como “um contrato «sui generis», de natureza complexa e original onde sobressai a função<br />

financiamento, estruturada em uma locação <strong>do</strong> bem acompanha de uma promessa unilateral de venda (…) e onde<br />

a manutenção da propriedade jurídica <strong>do</strong> bem pela sociedade loca<strong>do</strong>ra, é resultante da máxima garantia em função<br />

<strong>do</strong> financiamento presta<strong>do</strong>.” (VASCONCELOS, Duarte Vieira Pestana de, «A locação financeira», ob. cit., p. 272).<br />

755 Em termos nucleares, o contrato de locação financeira é “integra<strong>do</strong> pela obrigação de o loca<strong>do</strong>r ceder o<br />

uso da coisa, durante um certo perío<strong>do</strong>; com o correlativo direito de exigir a entrega de uma contraprestação; e pelo<br />

direito de o locatário exigir a entrega da coisa, usan<strong>do</strong>-a de acor<strong>do</strong> com o fim a que se destina durante o perío<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

contrato; e o correlativo dever de entregar as rendas” (CAMPOS, Diogo Leite de, A Locação Financeira, Lex, Lisboa,<br />

1994, p. 142).<br />

756 Quanto às diversas modalidades de locação financeira, vide MARTINEZ, Pedro Romano; PONTE, Pedro<br />

Fuzeta da, Garantias <strong>do</strong> Cumprimento, ob. cit., pp. 227 e 228. Vide, também, VASCONCELOS, Duarte Vieira<br />

Pestana de, «A locação financeira», in ROA, ano 45.º, vol. I, 1985, segun<strong>do</strong> o qual o contrato de locação financeira<br />

pode revestir duas modalidades essenciais: o operating leasing, o qual constitui um contrato pelo qual uma das<br />

partes coloca o bem à disposição <strong>do</strong> locatário por um determina<strong>do</strong> perío<strong>do</strong> de tempo, preven<strong>do</strong> ou não a opção de<br />

compra no final, e que é normalmente acompanha<strong>do</strong> da prestação de serviços colaterais; e o financial lease, o qual<br />

representa a modalidade <strong>do</strong> leasing regula<strong>do</strong> na ordem jurídica portuguesa, consistin<strong>do</strong> no contrato de natureza<br />

eminentemente financeira pelo qual um bem é adquiri<strong>do</strong> pela entidade loca<strong>do</strong>ra de acor<strong>do</strong> com as indicações e<br />

solicitações expressas <strong>do</strong> loca<strong>do</strong>r – intervin<strong>do</strong>, consequentemente, neste contrato como financia<strong>do</strong>ra –, fican<strong>do</strong><br />

estabelecida nesse contrato a possibilidade de aquisição <strong>do</strong> bem no termo <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> contratual e em função <strong>do</strong><br />

seu valor residual.<br />

757 VASCONCELOS, Duarte Vieira Pestana de, «A locação financeira», ob. cit., p. 268.<br />

758 Cfr. MESQUITA, José Andrade de, Direitos Pessoais de Gozo, ob. cit., p. 39.<br />

759 Nos termos <strong>do</strong> art. 1.º <strong>do</strong> Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Julho, pertence ao locatário o direito de<br />

escolher o bem em função das suas necessidades. No que concerne à responsabilidade contratual pelo


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

mo<strong>do</strong>, o fornece<strong>do</strong>r não intervém directamente na relação contratual de leasing, existin<strong>do</strong>, ao<br />

invés, uma relação contratual paralela entre o loca<strong>do</strong>r e o fornece<strong>do</strong>r, já que este último se<br />

obriga a produzir ou a adquirir a coisa junto de um produtor/fornece<strong>do</strong>r em conformidade com<br />

uma solicitação expressa <strong>do</strong> futuro locatário. É certo que o art. 12.º estipula que o loca<strong>do</strong>r não<br />

responde pelos vícios <strong>do</strong> bem loca<strong>do</strong> ou pela sua inadequação face aos fins <strong>do</strong> contrato.<br />

Todavia, essa desresponsabilização <strong>do</strong> loca<strong>do</strong>r resulta da circunstância de ser imputável ao<br />

locatário a escolha específica <strong>do</strong> bem, a qual é feita sob a sua responsabilidade exclusiva 760 .<br />

Nesta medida, o art. 13.º vem permitir expressamente ao locatário a possibilidade de exercer<br />

contra o vende<strong>do</strong>r ou o empreiteiro, conforme o bem tenha si<strong>do</strong>, respectivamente, adquiri<strong>do</strong> ou<br />

construí<strong>do</strong>, to<strong>do</strong>s os direitos relativos ao bem loca<strong>do</strong> ou resultantes <strong>do</strong> contrato de compra e<br />

venda ou de empreitada.<br />

No que concerne aos direitos e obrigações contratuais emergentes <strong>do</strong> contrato de<br />

locação financeira, destaca-se, quanto ao loca<strong>do</strong>r, o dever de conceder ao locatário o gozo<br />

temporário <strong>do</strong> bem para os fins a que se destina mediante a entrega de uma contraprestação,<br />

bem como o de o vender no final <strong>do</strong> contrato caso o locatário pretenda exercer semelhante<br />

direito [art. 9.º, n.º 1, a) e b)]. Por sua vez, o locatário tem o direito de exigir a entrega da coisa,<br />

poden<strong>do</strong> usá-la, durante o perío<strong>do</strong> <strong>do</strong> contrato, em conformidade com o fim a que a mesma se<br />

destina, recain<strong>do</strong> sobre si o dever, entre outros, de pagar as rendas e de avisar imediatamente o<br />

loca<strong>do</strong>r, sempre que tenha conhecimento da existência de terceiros que arrogam direitos em<br />

relação ao bem — desde que o facto seja ignora<strong>do</strong> pelo loca<strong>do</strong>r — [art. 10.º, n.º 1, i)] e<br />

defender a integridade <strong>do</strong> bem e o seu gozo nos termos <strong>do</strong> seu direito [art. 10.º, n.º 2, b)].<br />

Quanto ao seu objecto, o contrato de locação financeira tem por finalidade ceder o uso<br />

da coisa mediante o pagamento de uma retribuição, e não a transferência da propriedade da<br />

coisa, embora este contrato tenha como particularidade o facto de prever a obrigatoriedade de<br />

fornecimento <strong>do</strong> bem, impõe-se salientar que, se o bem for forneci<strong>do</strong> pelo loca<strong>do</strong>r, é sobre ele que recai a<br />

responsabilidade perante o locatário pelo próprio bem. Por sua vez, se o bem tiver si<strong>do</strong> forneci<strong>do</strong> por um terceiro,<br />

existe uma única vinculação jurídica entre o terceiro e o locatário, pelo que não pode ser assacada qualquer<br />

responsabilidade em relação ao loca<strong>do</strong>r relativamente aos vícios de que a coisa enferme (cfr., nesse senti<strong>do</strong>,<br />

CAMPOS, Diogo Leite de, «Locação Financeira (Leasing) e Locação», in ROA, ano 62.º, vol. III, 2002).<br />

760 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, VASCONCELOS, Duarte Vieira Pestana de, «A locação financeira», in ROA, ano 45.º,<br />

vol. I, 1985, p. 269.<br />

229


230<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

uma opção de compra da coisa pelo seu valor residual (promessa unilateral de compra e venda)<br />

761 a favor <strong>do</strong> locatário no final <strong>do</strong> contrato 762.<br />

6.2.2. TUTELA DA LOCAÇÃO FINANCEIRA EM SEDE DE EMBARGOS DE TERCEIRO<br />

De acor<strong>do</strong> com REMÉDIO MARQUES, o locatário financeiro não pode embargar de<br />

terceiro quan<strong>do</strong> os embargos se fundam exclusivamente na ofensa de um direito incompatível, já<br />

que este é apenas titular <strong>do</strong> direito pessoal de gozo resultante da sua posição jurídica. No<br />

entanto, o locatário financeiro poderá embargar de terceiro desde que alegue a ofensa da posse<br />

<strong>do</strong> terceiro em nome de quem possui e desde que este não seja executa<strong>do</strong> 763.<br />

O loca<strong>do</strong>r financeiro, por sua vez, pode deduzir embargos de terceiro contra a penhora<br />

da coisa locada em execução movida contra o locatário, já que mantém a titularidade da posse<br />

efectiva <strong>do</strong>s bens objecto <strong>do</strong> contrato, embora a exerça através <strong>do</strong> locatário 764 . Na verdade, sen<strong>do</strong><br />

o loca<strong>do</strong>r financeiro possui<strong>do</strong>r em nome próprio em relação ao direito de propriedade sobre a<br />

coisa locada, este pode deduzir embargos de terceiro contra a penhora <strong>do</strong> bem loca<strong>do</strong> em acção<br />

executiva movida contra o locatário, embora já não o possa fazer quan<strong>do</strong> seja apenas penhorada<br />

a mera expectativa de aquisição 765 . Sen<strong>do</strong> assim, será lícito ao <strong>do</strong>no de uma máquina que<br />

celebrou um contrato de leasing desse bem com o executa<strong>do</strong> deduzir embargos de terceiro<br />

contra a penhora da máquina locada no âmbito de uma acção executiva movida contra o<br />

locatário, mesmo que tal contrato de locação tenha si<strong>do</strong> resolvi<strong>do</strong> unilateralmente 766 .<br />

761 CAMPOS, Diogo Leite de, «Locação Financeira (Leasing) e Locação», in ROA, Ano 62.º, vol. III, 2002.<br />

762 Cfr., a este propósito, o Ac, <strong>do</strong> TRL, de 24 de Junho de 1999, in www.dgsi.pt, segun<strong>do</strong> o qual “[N]a<br />

locação financeira o loca<strong>do</strong>r obriga-se a adquirir ou a mandar construir o bem a locar; no aluguer de longa duração<br />

o loca<strong>do</strong>r só se obriga a proporcionar o gozo da coisa. Na locação financeira o locatário, no fim <strong>do</strong> contrato, tem o<br />

direito potestativo de adquirir o bem loca<strong>do</strong> pelo preço previamente estipula<strong>do</strong>; no aluguer tal não se verifica.”<br />

331.<br />

763 MARQUES, J. P. Remédio, Curso de Processo Executivo à Face <strong>do</strong> Código Revisto, ob. cit., pp. 329 a<br />

764 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 15 de Outubro de 1996, in BMJ, 460.º, p. 819.<br />

765 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 4 de Dezembro de 2007, proc. 0724967, in www.dgsi.pt, o Ac. <strong>do</strong> STA, de 8 de<br />

Novembro de 1995, proc. 19714, in BMJ, 451.º, 1995, p. 196, o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 15 de Outubro de 1996, in CJ,<br />

tomo IV, 1996, p. 39 e o Ac. <strong>do</strong> STA, de 12 de Abril de 2000, proc. 24848, in BMJ, 496.º, 2000, p. 299.<br />

766 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 7 de Outubro de 1996, proc. 965247, in www.dgsi.pt.


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

Estan<strong>do</strong> em causa uma locação financeira de natureza restitutiva (lease back) — caso<br />

em que o proprietário de um bem transfere a propriedade para uma sociedade de locação<br />

financeira, a qual, por sua vez, cede esse bem em regime de leasing ao anterior proprietário 767<br />

— é admissível a dedução de embargos de terceiro pela sociedade de locação financeira contra<br />

a penhora desse bem em acção executiva movida contra o locatário, da<strong>do</strong> que se trata de um<br />

direito que não se extingue com a venda executiva <strong>do</strong> bem, assumin<strong>do</strong>, consequentemente, uma<br />

natureza incompatível e impeditiva quanto à realização dessa diligência.<br />

6.3. COMODATO<br />

6.3.1. REGIME JURÍDICO<br />

Diz-se comodato 768 o contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa<br />

coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir (art. 1129.º <strong>do</strong><br />

CC) 769 . Deste mo<strong>do</strong>, com a celebração desse contrato, o comodatário adquire um direito pessoal<br />

de gozo sobre a coisa comodatada, sen<strong>do</strong> certo que se trata de um contrato real e gratuito: real<br />

porque a entrega da coisa é determinante para que o contrato se tenha por constituí<strong>do</strong>; gratuito<br />

já que, ao contrário <strong>do</strong> que se verifica no caso da locação, o comodatário não está obriga<strong>do</strong> ao<br />

pagamento de qualquer retribuição pelo pagamento <strong>do</strong> uso da coisa.<br />

Nos termos <strong>do</strong> art. 1133.º <strong>do</strong> CC, o comodante deve abster-se de praticar actos que<br />

impeçam ou restrinjam o uso da coisa pelo comodatário, sen<strong>do</strong> certo que ao abrigo <strong>do</strong> disposto<br />

no art. 1133.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC, se o comodatário for priva<strong>do</strong> <strong>do</strong>s seus direitos ou perturba<strong>do</strong> no<br />

exercício deles, pode usar, mesmo contra o comodante, <strong>do</strong>s meios faculta<strong>do</strong>s ao possui<strong>do</strong>r nos<br />

arts. 1276.º e seguintes <strong>do</strong> Código Civil. De to<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong>, não é lícito ao comodatário opor o seu<br />

767 A este propósito cfr. MARTINEZ, Pedro Romano; PONTE, Pedro Fuzeta da, Garantias <strong>do</strong> Cumprimento,<br />

ob. cit., pp. 227 e 228.<br />

768 Tal como salienta ALMEIDA COSTA, no <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> Código Civil de 1867 o comodato surgia como uma<br />

subespécie <strong>do</strong> contrato de empréstimo, então regula<strong>do</strong> no art. 1506.º, que a<strong>do</strong>ptava a designação de comodato, se<br />

o objecto empresta<strong>do</strong> não tivesse natureza fungível, ou mútuo, se tivesse por objecto uma coisa fungível COSTA,<br />

Mário Júlio de Almeida, Noções Fundamentais de Direito Civil, ob. cit., p. 366).<br />

769 No <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> Código Civil Francês, o comodato surge configura<strong>do</strong> como o contrato pelo qual uma das<br />

partes entrega uma coisa à outra para que esta se sirva dela, fican<strong>do</strong> o comodatário responsável pela sua devolução<br />

depois de a utilizar (art. 1874 <strong>do</strong> CC Fr).<br />

231


232<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

direito a um terceiro a quem o comodante tenha aliena<strong>do</strong> a coisa comodatada antes <strong>do</strong> final <strong>do</strong><br />

contrato, já que a solução prevista no art. 1057.º <strong>do</strong> CC quanto à locação — emptio non tollit<br />

locatio — apresenta um carácter excepcional que não permite a sua aplicação, ainda que<br />

analógica, aos demais direitos pessoais de gozo 770 .<br />

Quanto aos deveres que impendem sobre o comodatário, destaca-se a obrigação de<br />

avisar imediatamente o comodante quan<strong>do</strong> tiver conhecimento de que algum terceiro se arroga<br />

direitos em relação à coisa, desde que tal facto não seja conheci<strong>do</strong> pelo comodante (art. 1135.º<br />

<strong>do</strong> CC).<br />

No que concerne aos direitos que resultam para o comodatário em consequência da<br />

celebração <strong>do</strong> contrato de comodato, destacam-se o direito de gozar a coisa quan<strong>do</strong> exista<br />

convenção expressa nesse senti<strong>do</strong> (arts. 1129.º, 1131.º, 1132.º e 1135.º, to<strong>do</strong>s <strong>do</strong> CC), o de<br />

proporcionar o uso da coisa a um terceiro desde que o comodante assim o autorize (art. 1135.º<br />

<strong>do</strong> CC) e o de possuir a coisa (art. 1133.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC).<br />

6.3.2. A TUTELA DO COMODATÁRIO EM SEDE DE EMBARGOS DE TERCEIRO<br />

A <strong>do</strong>utrina e a jurisprudência apresentam soluções distintas quanto à questão de saber<br />

se o comodatário pode deduzir embargos de terceiro contra a penhora da coisa comodatada em<br />

execução movida apenas contra o comodante 771.<br />

Com efeito, no regime anterior à reforma de 95/96 — em que os embargos eram<br />

qualifica<strong>do</strong>s enquanto meio exclusivo para a tutela possessória —, a jurisprudência era<br />

maioritária no senti<strong>do</strong> de vedar ao comodatário a dedução de embargos de terceiro com o<br />

fundamento de se tratar de um possui<strong>do</strong>r precário e em nome alheio face à execução em que é<br />

ordenada a penhora <strong>do</strong> bem comodata<strong>do</strong> 772 .<br />

770 MESQUITA, Manuel Henrique, Obrigações e Ónus Reais, ob. cit., pp. 50 e 51.<br />

771 Na vigência <strong>do</strong> Código Civil de 1867 entendia-se que estava vedada ao comodatário a possibilidade de<br />

deduzir embargos de terceiro, da<strong>do</strong> que não possuía em nome próprio, pelo que não podia fazer valer-se de<br />

qualquer um <strong>do</strong>s meios previstos na lei para defender a sua posse (cfr. FERREIRA, José Dias, Código Civil<br />

Portuguez, vol. II, ob. cit., p. 6).<br />

772 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 1 de Março de 1994, in CJ, tomo II, 1994, p. 8.


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

Porém, actualmente o art. 831.º, n.º 1, <strong>do</strong> CPC preceitua que “os bens <strong>do</strong> executa<strong>do</strong><br />

são apreendi<strong>do</strong>s ainda que, por qualquer título, se encontrem em poder de terceiro, sem<br />

prejuízo, porém, <strong>do</strong>s direitos a que este seja lícito opor ao exequente” 773.<br />

Ora, a este propósito, REMÉDIO MARQUES sustenta que, ten<strong>do</strong> em conta a natureza <strong>do</strong><br />

vínculo obrigacional <strong>do</strong> qual resulta o direito <strong>do</strong> comodatário, este não pode opor com sucesso o<br />

seu direito em sede de embargos de terceiro ao direito real de garantia constituí<strong>do</strong> pela penhora,<br />

salvo nos casos em que invoque uma posse em nome alheio relativamente a uma pessoa<br />

diversa <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> 774 775 .<br />

Por sua vez, de acor<strong>do</strong> com TEIXEIRA DE SOUSA, o comodatário não pode, em regra,<br />

embargar de terceiro contra a diligência de penhora que atinja o bem possuí<strong>do</strong>, mesmo que tal<br />

direito tenha si<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong> antes da realização da penhora, porquanto ainda que o venha a<br />

fazer, a exceptio <strong>do</strong>minii invocada pelo embarga<strong>do</strong> prevalece forçosamente sobre a posse <strong>do</strong><br />

comodatário embargante 776 . Deste mo<strong>do</strong>, se A comodata o bem a B e se C penhora esse bem<br />

773 A este propósito sustenta LOPES DO REGO que “a mera detenção material <strong>do</strong>s bens a penhorar por<br />

terceiro não obsta à realização da penhora. Porém, a admissibilidade ou o âmbito desta poderá ser afectada pela<br />

invocação pelo terceiro de um direito que — sen<strong>do</strong> oponível ao exequente, segun<strong>do</strong> as regras <strong>do</strong> direito material —<br />

prevalece sobre o direito deste a efectivar a garantia geral <strong>do</strong> crédito de que é titular” (REGO, Lopes <strong>do</strong>,<br />

Comentários <strong>do</strong> Código de Processo Civil, vol. II, ob. cit., p. 62).<br />

774 MARQUES, J. P. Remédio, Curso de Processo Executivo à Face <strong>do</strong> Código Revisto, pp. 321 e 322.<br />

775 A este propósito, SALVADOR DA COSTA sustenta que ten<strong>do</strong> em conta a posição jurídica <strong>do</strong> comodatário<br />

bem como a configuração da acção executiva, não lhe é lícito deduzir embargos de terceiro, da<strong>do</strong> que a lei não<br />

estabelece qualquer distinção quanto à qualidade em que o comodatário exerce a sua posse e fundamentalmente<br />

porque se trata de um possui<strong>do</strong>r em nome precário (cfr. COSTA, Salva<strong>do</strong>r da, Os Incidentes da Instância, ob. cit., p.<br />

207). Por sua vez, LOPES DO REGO defende que o comodatário, sen<strong>do</strong> tão só titular de um direito pessoal de gozo,<br />

não possui um direito oponível ao exequente e susceptível de inviabilizar a penhora integral <strong>do</strong> bem, pelo que carece<br />

de legitimidade para deduzir embargos de terceiro (REGO, Lopes <strong>do</strong>, Comentários <strong>do</strong> Código de Processo Civil, vol.<br />

II, 2.ª ed., Almedina, 2004, p. 62). Do mesmo mo<strong>do</strong>, RUI PINTO sustenta que o comodato, constituin<strong>do</strong> um direito<br />

de crédito que confere o gozo da coisa, não é oponível a terceiros adquirentes, motivo pelo qual não permite a<br />

dedução de embargos de terceiro (PINTO, Rui, «A Execução e terceiros – Em especial na penhora e na venda», ob.<br />

cit., p. 261). Cfr., no mesmo senti<strong>do</strong>, FREITAS, José Lebre de, «A penhora <strong>do</strong> direito ao arrendamento e ao<br />

trespasse», ob. cit., p. 599.<br />

p. 83.<br />

776 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, SOUSA, Miguel Teixeira de, «A Penhora de bens na posse de terceiros», ob. cit.,<br />

233


234<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

em execução movida contra A, B não poderá deduzir embargos de terceiro contra essa penhora<br />

porquanto A e C poderão invocar procedentemente a exceptio <strong>do</strong>minii <strong>do</strong> bem penhora<strong>do</strong> 777.<br />

Ademais, B não poderá sustentar os embargos de terceiro com base na ofensa da sua<br />

posse porquanto a lei processual determina que os bens <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> podem ser penhora<strong>do</strong>s<br />

ainda que se encontrem na posse de um terceiro.<br />

O comodatário também não poderá deduzir embargos de terceiro para defesa da sua<br />

posse quan<strong>do</strong> esta puder ser extinta a qualquer momento pelo titular <strong>do</strong> direito de fun<strong>do</strong>, ou<br />

seja, quan<strong>do</strong> estiver em causa uma obrigação pura (art. 1137.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC). Deste mo<strong>do</strong>, se A<br />

comodata x a B e fica convenciona<strong>do</strong> que este deverá restituir a coisa logo que tal lhe seja<br />

solicita<strong>do</strong>, B carece de legitimidade para deduzir embargos de terceiro contra a penhora da coisa<br />

ou contra a acção executiva para entrega de coisa certa 778 .<br />

Além disso, mesmo que tenha si<strong>do</strong> convenciona<strong>do</strong> no contrato de comodato um dever<br />

de restituição da coisa comodatada em determina<strong>do</strong> prazo certo, também em tal circunstância<br />

não será lícito ao comodatário deduzir embargos de terceiro. Com efeito, conservan<strong>do</strong> o<br />

comodante a propriedade da coisa, este mantém o poder de disposição da coisa penhorada ou<br />

apreendida judicialmente, mesmo que esta se encontre na posse de um terceiro, sen<strong>do</strong> certo<br />

que o comodatário é tão só titular de um direito pessoal de gozo que não se revela, por si só,<br />

suficientemente forte para obstar à venda executiva <strong>do</strong> bem comodata<strong>do</strong>.<br />

Todavia, em determinadas situações específicas poderá vir a admitir-se a possibilidade<br />

de o comodatário deduzir embargos de terceiro. Suponha-se, por exemplo, que A vem deduzir<br />

embargos contra a penhora de um bem que comodatou ao executa<strong>do</strong> B e que foi apreendi<strong>do</strong><br />

pelo facto de se encontrar na posse <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> aquan<strong>do</strong> da realização dessa diligência de<br />

penhora. Nessa situação em concreto, o comodante (A) assume a qualidade de possui<strong>do</strong>r em<br />

nome próprio enquanto o executa<strong>do</strong> (B) é tão só um mero detentor ou um possui<strong>do</strong>r em nome<br />

alheio da<strong>do</strong> que possui em nome <strong>do</strong> próprio embargante (art. 1252.º, n.º 1, <strong>do</strong> CC). Ora,<br />

provan<strong>do</strong> o embargante que celebrou com o executa<strong>do</strong> um contrato de comodato e que esse<br />

contrato é anterior à diligência de penhora da qual resultou a agressão <strong>do</strong> bem comodata<strong>do</strong>,<br />

devem os embargos ser julga<strong>do</strong>s procedentes com o consequente levantamento da penhora<br />

777 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 1 de Março de 1994, in CJ, tomo II, 1994, p. 8.<br />

778 SOUSA, Miguel Teixeira de, «A Penhora de bens na posse de terceiros», ob. cit., p. 78.


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

da<strong>do</strong> que apenas estão sujeitos à penhora os bens <strong>do</strong> executa<strong>do</strong>, independentemente da sua<br />

qualidade perante o exequente 779.<br />

A dedução de embargos de terceiro será ainda de admitir se a diligência ofensiva da<br />

posse não se destinar a preparar a venda executiva <strong>do</strong> bem sobre o qual recai tal direito, já que<br />

em tal circunstância não se verifica o desapossamento <strong>do</strong> bem que se encontrar na posse <strong>do</strong><br />

comodatário (ex. arrolamento <strong>do</strong> bem) 780.<br />

Ademais, o comodatário poderá ainda deduzir embargos de terceiro quan<strong>do</strong> o faça, não<br />

em seu nome, mas em nome de um terceiro proprietário <strong>do</strong> bem que não intervenha como parte<br />

na acção principal, assumin<strong>do</strong>, consequentemente, a posição de substituto processual em<br />

relação a esse terceiro 781. Assim, se A comodata um bem a B, e se C penhora esse bem em<br />

execução movida contra D, B poderá deduzir embargos de terceiro com base na ofensa da sua<br />

posse (sen<strong>do</strong> certo que no caso em concreto não poderá ser invocada a exceptio <strong>do</strong>minii sobre o<br />

bem penhora<strong>do</strong>), ou, em sub-rogação de A, com fundamento da violação <strong>do</strong> direito de<br />

propriedade em relação ao bem objecto de execução.<br />

Por último, importa referir a possibilidade de o cre<strong>do</strong>r comodatário poder deduzir<br />

embargos de terceiro em sede de acção executiva para entrega de coisa certa se, estan<strong>do</strong><br />

obriga<strong>do</strong> a entregar a coisa, gozar <strong>do</strong> direito de retenção em virtude da realização de benfeitorias<br />

no bem imóvel comodata<strong>do</strong> se estas não forem passíveis de levantamento sem detrimento delas<br />

ou da fracção predial 782.<br />

p. 627.<br />

779 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 30 de Outubro de 2003, proc. 0334119, in www.dgsi.pt<br />

780 SOUSA, Miguel Teixeira de, Acção Executiva Singular, ob. cit., p. 312.<br />

781 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, FREITAS, José Lebre de, «A penhora de bens na posse de terceiros», ob. cit.,<br />

782 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 9 de Fevereiro de 2006, proc. 14/06 – 7.ª secção, in www.dgsi.pt: “A entrega da<br />

fracção predial à respectiva proprietária, a quem foi adjudicada em inventário de partilha de bens <strong>do</strong> casal,<br />

ordenada em acção executiva para entrega de coisa certa, é incompatível com o direito de retenção da comodatária,<br />

o que constitui fundamento da procedência <strong>do</strong>s embargos de terceiro em causa.”<br />

235


236<br />

6.4. DEPÓSITO<br />

6.4.1. REGIME JURÍDICO<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

Conforme resulta <strong>do</strong> art. 1185.º <strong>do</strong> CC, depósito é o contrato pelo qual uma das partes<br />

entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que esta a guarde e a restitua quan<strong>do</strong> for<br />

exigida 783 . Para que este contrato se torne eficaz é necessário que a coisa seja entregue<br />

efectivamente ao depositário.<br />

Atenta a sua configuração jurídica, as obrigações <strong>do</strong> depositário reconduzem-se<br />

fundamentalmente à de guardar a coisa depositada 784 e de a restituir quan<strong>do</strong> lhe for exigi<strong>do</strong>, pelo<br />

que, a não ser que o proprietário da coisa o autorize a fazer uso dela, o depositário carece de<br />

um direito de gozo efectivo 785. Tal como se verifica no <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> contrato de comodato, o<br />

depositário tem a obrigação de avisar imediatamente o depositante quan<strong>do</strong> saiba de algum<br />

perigo que a ameaça ou de que um terceiro se arroga direitos em relação a ela, desde que esse<br />

facto seja ignora<strong>do</strong> pelo depositante (art. 1187.º <strong>do</strong> CC).<br />

6.4.2. A TUTELA DO DEPOSITÁRIO EM SEDE DE EMBARGOS DE TERCEIRO<br />

No que concerne à questão de saber se o depositário pode deduzir embargos de<br />

terceiro 786 , a esta questão deve ser dada, em regra, uma resposta negativa.<br />

Com efeito, é certo que o art. 1188.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC, à semelhança <strong>do</strong> que sucede quanto<br />

à protecção conferida ao comodatário, preceitua que se o depositário for priva<strong>do</strong> da detenção da<br />

783 No mesmo senti<strong>do</strong>, os arts. 1915. e 1917. <strong>do</strong> CC Fr. determinam que o depósito é um contrato gratuito<br />

pelo qual alguém recebe uma coisa móvel com a obrigação de a guardar e de a restituir em espécie.<br />

784 Tal como salienta o legisla<strong>do</strong>r francês, o depositário tem a obrigação de guardar a coisa depositada com<br />

o mesmo cuida<strong>do</strong> com que guarda as suas próprias coisas (art. 1927. <strong>do</strong> CC Fr.).<br />

785 MESQUITA, José Andrade de, Direitos Pessoais de Gozo, Livraria Almedina, Coimbra, 1999, p. 21.<br />

786 No <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> Código de Seabra sustentava-se que o depositário não podia fazer valer-se de qualquer<br />

um <strong>do</strong>s meios previstos na lei para defender a sua posse porque não possuía em seu nome (cfr. FERREIRA, José<br />

Dias, Código Civil Portuguez, vol. II, ob. cit., p. 6).


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

coisa ou perturba<strong>do</strong> no exercício <strong>do</strong>s seus direitos, pode usar, mesmo contra o depositante, <strong>do</strong>s<br />

meios possessórios previstos nos arts. 1276.º e seguintes <strong>do</strong> Código Civil 787<br />

Todavia, o depositário, além de ser possui<strong>do</strong>r em nome alheio, é apenas titular de um<br />

direito de crédito, direito esse que deve ceder face ao direito real de garantia emergente da<br />

penhora 788. Nessa exacta medida, não sen<strong>do</strong> o depositário titular de um direito incompatível com<br />

a penhora ou com a realização ou o âmbito da diligência, isto é, susceptível de obstar à venda<br />

executiva da coisa comodatada, não lhe é lícito deduzir embargos de terceiro com vista à tutela<br />

da sua posse ou <strong>do</strong> seu direito.<br />

A este propósito, TEXEIRA DE SOUSA propõe a a<strong>do</strong>pção <strong>do</strong> critério <strong>do</strong> interesse na<br />

posse. Deste mo<strong>do</strong>, se a posse não for interessada, ou seja, se não satisfaz qualquer<br />

necessidade ou interesse <strong>do</strong> possui<strong>do</strong>r, não é admissível a sua defesa em sede de embargos de<br />

terceiro porquanto a ordem jurídica não pode tutelar uma posse à qual não corresponde<br />

qualquer interesse por parte <strong>do</strong> respectivo titular. Acresce ainda que, ao abrigo <strong>do</strong> disposto nos<br />

arts. 1185.º e 1187.º, c), <strong>do</strong> CC, o depositário tem o dever de restituir a coisa depositada logo<br />

que tal lhe seja exigi<strong>do</strong>, quer pelo depositante, quer pelo tribunal (em sede de sub-rogação) 789 .<br />

Todavia, se o depositário tiver uma posse interessada sobre a coisa depositada — e.g. porque<br />

pode utilizar a coisa depositada mediante autorização <strong>do</strong> depositante (art. 1189.º <strong>do</strong> CC) —<br />

então, nesse caso, a sua posse já merecerá a tutela <strong>do</strong> direito em sede de defesa mediante<br />

embargos de terceiro 790.<br />

787 Quanto a esta questão, MENEZES CORDEIRO sustenta que o depositário só pode socorrer-se das<br />

acções possessórias, não em nome próprio, mas em representação <strong>do</strong> próprio depositante. Na verdade, não ten<strong>do</strong><br />

o depositário a posse da coisa, este será tão só um mero detentor ao abrigo <strong>do</strong> disposto no art. 1252.º, c), <strong>do</strong> CC,<br />

pelo que lhe estará vedada a possibilidade de socorrer-se desses meios de tutela possessória (cfr. CORDEIRO, A.<br />

Menezes, Direitos Reais, ob. cit., p. 705).<br />

788 No mesmo senti<strong>do</strong>, REMÉDIO MARQUES sustenta que o depositário não pode embargar de terceiro se<br />

fundar os embargos apenas no seu direito porquanto o direito real de garantia constituí<strong>do</strong> a favor <strong>do</strong> exequente em<br />

resulta<strong>do</strong> da penhora <strong>do</strong> bem prevalece sobre o vínculo obrigacional <strong>do</strong> qual emerge o direito <strong>do</strong> depositário<br />

(MARQUES, J. P. Remédio, Curso de Processo Executivo à Face <strong>do</strong> Código Revisto, pp. 321 e 322). Vide, também,<br />

em defesa da mesma tese, FREITAS, José Lebre de, «A penhora de bens na posse de terceiros», ob. cit., p. 626.<br />

789 Cfr. PALMA, Augusta Ferreira, Embargos de Terceiro, ob. cit., p. 71.<br />

790 SOUSA, Miguel Teixeira de, «A Penhora de bens na posse de terceiros», ob. cit., pp. 78 e 79. Vide, no<br />

mesmo senti<strong>do</strong>, CORDEIRO, A. Menezes, Direitos Reais, ob. cit., p. 706.<br />

237


238<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

Ora, da configuração jurídica <strong>do</strong> contrato de depósito resulta para o depositário a<br />

obrigação de guardar a coisa e a de a restituir quan<strong>do</strong> tal lhe seja exigi<strong>do</strong>. Deste mo<strong>do</strong>, o<br />

depositário não pode obstar à entrega efectiva da coisa em caso de penhora da mesma, já que<br />

não tem um direito suficientemente forte para prevalecer sobre o direito real de garantia<br />

adquiri<strong>do</strong> pelo exequente. Ademais, partin<strong>do</strong> da noção de “direito incompatível com a finalidade<br />

ou o âmbito da diligência” não se afigura que o direito pessoal de gozo <strong>do</strong> depositário revista<br />

semelhante incompatibilidade, já que o mesmo 791 — ao contrário <strong>do</strong> que sucede, por exemplo —<br />

na locação, não deve acompanhar a coisa vendida judicialmente em virtude da sua caducidade<br />

por efeito <strong>do</strong> disposto no art. 824.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC 792.<br />

Estan<strong>do</strong> em causa um depósito oneroso e ainda que o depositário adquira um direito de<br />

crédito contra o proprietário da coisa — circunstância que lhe permite exercer um direito de<br />

retenção sobre a coisa depositada para garantia <strong>do</strong> pagamento desse crédito — ainda assim não<br />

será lícito ao depositário deduzir embargos de terceiro com vista à tutela desse direito de crédito<br />

porquanto o mesmo poderá ser efectiva<strong>do</strong> em sede de reclamação de créditos (art. 864.º <strong>do</strong><br />

CPC) porquanto o depositário, agora na “veste” de retentor, tornar-se-á conheci<strong>do</strong> da execução<br />

aquan<strong>do</strong> da apreensão efectiva da coisa depositada (art. 831.º, n.º 2, <strong>do</strong> CPC).<br />

Embora, em regra, o depositário não possa deduzir embargos de terceiro, o certo é que<br />

o depositário poderá recorrer de forma procedente aos embargos caso venha invoque uma<br />

posse em nome alheio relativamente a uma pessoa diversa <strong>do</strong> executa<strong>do</strong>, isto é, quan<strong>do</strong> em<br />

substituição processual, venha à acção executiva tutelar o interesse (em nome de quem possui)<br />

que não é o executa<strong>do</strong> 793 .<br />

791 Consideran<strong>do</strong> que o depositário é titular de um direito pessoal de gozo, já que o depositário “não é<br />

destinatário de uma permissão normativa de aproveitamento das qualidades de coisa corpórea, mas antes<br />

destinatário de uma norma de obrigação que lhe impõe a conservação da coisa”, vide CORDEIRO, A. Menezes,<br />

Direitos Reais, ob. cit., p. 704.<br />

792 Cfr., no mesmo senti<strong>do</strong>, FREITAS, José Lebre de, «A penhora <strong>do</strong> direito ao arrendamento e ao<br />

trespasse», ob. cit., p. 599.<br />

p. 627.<br />

793 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, FREITAS, José Lebre de, «A penhora de bens na posse de terceiros», ob. cit.,


6.5. PARCERIA PECUÁRIA<br />

6.5.1. REGIME JURÍDICO<br />

Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

Ao abrigo <strong>do</strong> disposto no art. 1121.º <strong>do</strong> CC, entende-se por parceira pecuária o contrato<br />

pelo qual uma ou mais pessoas entregam a outra ou a outras um animal ou certo número deles,<br />

para estes os criarem, pensarem e vigiarem, com o ajuste de repartirem entre si os lucros<br />

futuros em certa proporção 794 795 . Trata-se, na verdade, de um contrato real porquanto só se torna<br />

796 797 perfeito com a entrega <strong>do</strong>s animais pelo parceiro proprietário ao parceiro pensa<strong>do</strong>r 798.<br />

Deste mo<strong>do</strong>, atenta a sua configuração jurídica, o parceiro pensa<strong>do</strong>r é titular de um<br />

verdadeiro direito pessoal de gozo 799 porquanto “acede imediatamente, pela sua actividade, a<br />

determinada proporção das utilidades das coisas objecto <strong>do</strong> contrato” 800.<br />

Quanto aos direitos que resultam para o parceiro pensa<strong>do</strong>r deste contrato, destacam-se<br />

o direito de gozo <strong>do</strong> animal — tanto no que se refere ao direito de uso da coisa (art. 1125.º, n.º<br />

794 Na vigência <strong>do</strong> Código Civil de 1867, a parceria pecuária, de acor<strong>do</strong> com o disposto no art. 1304.º,<br />

constituía uma subdivisão <strong>do</strong> contrato de parceria rural.<br />

795 Vide, em senti<strong>do</strong> idêntico, o regime previsto no art. 2171.º <strong>do</strong> CC It.<br />

796 Cfr. COSTA, Mário Júlio de Almeida, Noções Fundamentais de Direito Civil, ob. cit., p. 364.<br />

797 A <strong>do</strong>utrina tem-se dividi<strong>do</strong> quanto à caracterização <strong>do</strong> contrato de parceria pecuária, destacan<strong>do</strong>-se,<br />

fundamentalmente, três teses distintas: a parceria de pecuária seria um contrato de sociedade, uma vez que tanto o<br />

proprietário <strong>do</strong>s animais como o parceiro pensa<strong>do</strong>r contribuiriam de igual forma e em sociedade com vista à<br />

repartição <strong>do</strong>s lucros; a parceria pecuária seria um contrato de prestação de serviços, na medida em que o parceiro<br />

pensa<strong>do</strong>r ficaria encarregue de pensar e cuidar os animais em troca de uma retribuição pelo serviço presta<strong>do</strong>; a<br />

parceria pecuária seria uma modalidade <strong>do</strong> contrato de locação, já que o parceiro pensa<strong>do</strong>r teria o gozo da coisa e<br />

ficaria onera<strong>do</strong> com a obrigação de pagar uma renda e de restituir a coisa no final desse contrato (cfr. CORDEIRO,<br />

A. Menezes, Direitos Reais, ob. cit., pp. 627 e 628).<br />

798 Trata-se, assim, de um contrato real quoad constitutionem, porquanto a sua formação depende da<br />

entrega da coisa de que são objecto. Quanto à distinção entre contratos reais quoad constitutionem e contratos<br />

consensuais, vide LEITÃO, Luís Menezes, Direito das Obrigações, vol. I, ob. cit., p. 193.<br />

799 Configuran<strong>do</strong> o direito <strong>do</strong> parceiro pensa<strong>do</strong>r como um verdadeiro direito real de gozo pelo facto de o<br />

parceiro pensa<strong>do</strong>r ter a posse <strong>do</strong> animal, verifican<strong>do</strong>-se, consequentemente, uma afectação jurídica de uma coisa<br />

corpórea, vide CORDEIRO, A. Menezes, Direitos Reais, ob. cit., p. 699.<br />

800 MESQUITA, Manuel Henrique, Obrigações Reais e Ónus Reais, ob. cit., p. 73.<br />

239


240<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

1, <strong>do</strong> CC), como em relação ao direito de fruição, ainda que em certa proporção (art. 1121.º <strong>do</strong><br />

CC) — assim como a posse sobre o animal (art. 1125.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC).<br />

No que concerne às obrigações emergentes deste contrato, destaca-se o dever <strong>do</strong><br />

parceiro pensa<strong>do</strong>r empregar na guarda e tratamento <strong>do</strong>s animais o cuida<strong>do</strong> de um pensa<strong>do</strong>r<br />

diligente (art. 1124.º <strong>do</strong> CC).<br />

Por sua vez, sobre o parceiro proprietário incide a obrigação de assegurar a utilização<br />

<strong>do</strong>s animais ao parceiro pensa<strong>do</strong>r (art. 1125.º, n.º 1, <strong>do</strong> CC).<br />

6.5.2. TUTELA DA PARCERIA PECUÁRIA EM SEDE DE EMBARGOS DE TERCEIRO<br />

Embora seja um mero detentor ou um possui<strong>do</strong>r formal, ao parceiro pensa<strong>do</strong>r é<br />

atribuí<strong>do</strong> o direito de utilizar os meios de defesa da posse faculta<strong>do</strong>s ao possui<strong>do</strong>r (art. 1276.º<br />

<strong>do</strong> CC) sempre que seja priva<strong>do</strong> <strong>do</strong>s seus direitos ou perturba<strong>do</strong> no exercício deles.<br />

Nessa exacta medida, coloca-se a questão de saber se o parceiro pensa<strong>do</strong>r pode deduzir<br />

embargos de terceiro contra a penhora <strong>do</strong>s animais que se encontrem na sua posse no âmbito<br />

de uma execução movida contra o parceiro proprietário.<br />

Quanto a esta questão, REMÉDIO MARQUES, à semelhança <strong>do</strong> que sucede em relação à<br />

locação, ao depósito e ao comodato, entende que também na parceria pecuária está veda<strong>do</strong> ao<br />

parceiro pensa<strong>do</strong>r defender o seu direito em sede de embargos de terceiro, porque este é tão só<br />

titular de um direito de crédito, salvo quan<strong>do</strong> funde esses embargos na posse em nome alheio 801 .<br />

Na verdade, o parceiro pensa<strong>do</strong>r é titular de um direito pessoal de gozo sobre os<br />

animais atingi<strong>do</strong>s pela diligência. Ademais, o parceiro pensa<strong>do</strong>r não actua investi<strong>do</strong> na qualidade<br />

de possui<strong>do</strong>r, mas tão só na de mero detentor ou possui<strong>do</strong>r precário 802 .<br />

Deste mo<strong>do</strong>, tal como sucede no caso <strong>do</strong> depositário, também ao parceiro pensa<strong>do</strong>r se<br />

encontra vedada a possibilidade de deduzir embargos de terceiro contra a penhora ou outra<br />

e 322.<br />

p. 626.<br />

801 MARQUES, J. P. Remédio, Curso de Processo Executivo à Face <strong>do</strong> Código Revisto, ob. cit., pp. 321<br />

802 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, FREITAS, José Lebre de, «A penhora de bens na posse de terceiros», ob. cit.,


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

diligência judicialmente ordenada porquanto o seu direito não se revela incompatível com a<br />

finalidade ou a realização dessa diligência 803.<br />

Acresce a isto que ainda que o parceiro pensa<strong>do</strong>r seja titular de um direito de crédito<br />

sobre o parceiro proprietário, não poderá fazê-lo valer como fundamento para obstar à penhora<br />

ou à efectivação da diligência (art. 831.º, n.º 1, <strong>do</strong> CPC), não lhe restan<strong>do</strong> outra alternativa que<br />

não seja a de reclamar o respectivo crédito.<br />

De to<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong>, será admissível a dedução de embargos de terceiro pelo parceiro<br />

proprietário quan<strong>do</strong> actue em substituição processual <strong>do</strong> proprietário <strong>do</strong>s animais que não seja<br />

executa<strong>do</strong> no processo principal de que resultou a diligência de penhora 804.<br />

7. SITUAÇÕES PARTICULARES<br />

7.1. PENHORA DE DIREITOS DE CRÉDITO SOBRE TERCEIROS<br />

A penhora de créditos <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r sobre terceiros (debitor debitoris) encontra-se<br />

consagrada no regime da penhora de direitos. Com efeito, o cre<strong>do</strong>r exequente pode optar por<br />

penhorar um direito de crédito de que o executa<strong>do</strong> seja titular em relação a um terceiro, sen<strong>do</strong><br />

certo que, ao abrigo <strong>do</strong> disposto no art. 856.º <strong>do</strong> CPC, a penhora de créditos é efectuada<br />

mediante a notificação ao deve<strong>do</strong>r de que o crédito fica à ordem <strong>do</strong> agente de execução 805. Esta<br />

penhora abrange, em regra, o direito <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> em relação à realização de uma prestação de<br />

natureza pecuniária, à entrega de coisa certa ou à manutenção <strong>do</strong> gozo de uma coisa 806 .<br />

Com a efectivação da penhora de um crédito, através da qual o terceiro é notifica<strong>do</strong>,<br />

designadamente, para declarar se esse crédito existe e para tomar conhecimento de que o<br />

803 Cfr., no mesmo senti<strong>do</strong>, FREITAS, José Lebre de, «A penhora <strong>do</strong> direito ao arrendamento e ao<br />

trespasse», ob. cit., p. 599.<br />

p. 627.<br />

804 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, FREITAS, José Lebre de, «A penhora de bens na posse de terceiros», ob. cit.,<br />

805 Cfr., a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 25 de Maio de 1994, in BMJ, 437.º, p. 471: “A penhora de<br />

créditos considera-se efectuada no momento em que o deve<strong>do</strong>r é notifica<strong>do</strong> de que o credito fica à ordem <strong>do</strong><br />

tribunal e não depois de produzir as declarações que tiver por convenientes e ter procedi<strong>do</strong> ao depósito a que se<br />

refere o art. 860.º <strong>do</strong> CPC.”<br />

806 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, MARQUES, João Paulo Remédio, «A penhora de créditos na reforma processual de<br />

2003, referência à penhora de depósitos bancários», in Themis, ano V, n.º 9, 2004, p. 143.<br />

241


242<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

mesmo fica à ordem da execução, o terceiro passa a intervir no processo, ainda que não<br />

assuma processualmente a posição de parte na causa 807.<br />

No regime anterior à reforma de 95/96 — em que os embargos de terceiro eram<br />

juridicamente enquadra<strong>do</strong>s como meio de reacção contra a penhora de um bem susceptível de<br />

posse real e efectiva — a jurisprudência era maioritária em sufragar o entendimento segun<strong>do</strong> o<br />

qual o direito de crédito era insusceptível de ser defendi<strong>do</strong> em sede de embargos de terceiro 808.<br />

Sen<strong>do</strong> assim, não podia reagir-se através de embargos de terceiro contra, por exemplo, a<br />

penhora de uma renda — enquanto direito de crédito, insusceptível de posse 809 —, mas apenas<br />

através da adequada acção declarativa 810.<br />

Actualmente, uma vez que o art. 351.º <strong>do</strong> CPC permite a dedução de embargos de<br />

terceiro como meio de defesa da posse (seja ela jurídica ou efectiva) ou de qualquer direito<br />

incompatível com o âmbito ou a finalidade da diligência, não restam dúvidas de que a lei permite<br />

a dedução de embargos de terceiro contra a penhora de créditos. Assim, se A, em execução<br />

movida contra B, penhora o crédito de que este é titular sobre C, este, uma vez notifica<strong>do</strong> na<br />

qualidade de deve<strong>do</strong>r para vir declarar se o crédito existe, pode deduzir embargos de terceiro<br />

contra essa penhora no caso de se arrogar ele próprio (e não o executa<strong>do</strong>) verdadeiro cre<strong>do</strong>r <strong>do</strong><br />

crédito penhora<strong>do</strong>. Em contrapartida, se C negar a existência desse crédito já não poderá<br />

deduzir embargos de terceiro porquanto não é possível defender por essa via um crédito cuja<br />

existência não é reconhecida 811.<br />

Quid iuris, porém, se esse crédito tiver si<strong>do</strong> cedi<strong>do</strong> a um terceiro antes da sua penhora?<br />

Nesse caso, é conferida legitimidade ao terceiro para deduzir embargos de terceiro contra esse<br />

807 Cfr., a este propósito, o art. 543. <strong>do</strong> CPC It., segun<strong>do</strong> o qual “[I]l pignoramento di crediti del debitore<br />

verso terzi o di cose del debitore che sono in possesso di terzi, si esegue mediante atto notificato personalmente al<br />

terzo e al debitore a norma degli articoli 137 e seguenti.” Deste mo<strong>do</strong>, na legislação italiana, a penhora de créditos<br />

abrange duas modalidades distintas, ou seja, a penhora de créditos <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> sobre o deve<strong>do</strong>r e a penhora de<br />

coisas moveis <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r que se encontrem na posse de um terceiro.<br />

808 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 6 de Março de 1996, proc. 0000532, in www.dgsi.pt: “Os direitos de crédito não<br />

são defensáveis através das acções possessórias, nomeadamente por via de embargos de terceiro.”<br />

809 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 20 de Novembro de 1995, in BMJ, 451.º, p. 510: “Não pode haver posse de um<br />

direito de crédito pois que, aqui, inexiste a actuação <strong>do</strong> seu titular «por forma correspondente ao exercício <strong>do</strong> direito<br />

de propriedade ou de outro direito real», nos termos <strong>do</strong> preceitua<strong>do</strong> no art. 1251.º <strong>do</strong> CC.”<br />

810 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 10 de Janeiro de 1989, in BMJ, 383.º, p. 622.<br />

811 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 3 de Julho de 2001, proc. 0013711, in www.dgsi.pt.


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

acto ofensivo <strong>do</strong> seu direito 812 , embora o embarga<strong>do</strong> possa invocar em sede de contestação<br />

qualquer causa de nulidade ou de anulabilidade da cessão <strong>do</strong> crédito, ou intentar uma acção de<br />

impugnação pauliana 813.<br />

7.2. PENHORA DE TÍTULOS DE CRÉDITO E DE VALORES MOBILIÁRIOS<br />

Dispõe o art. 857.º <strong>do</strong> CPC que a penhora de direitos incorpora<strong>do</strong>s em títulos de crédito<br />

e valores mobiliários titula<strong>do</strong>s 814 não abrangi<strong>do</strong>s pelo n.º 14 <strong>do</strong> artigo 861.º-A realiza-se mediante<br />

a apreensão <strong>do</strong> título 815, ordenan<strong>do</strong>-se ainda, sempre que possível, o averbamento <strong>do</strong> ónus<br />

resultante dessa penhora. Aplica-se, consequentemente, o princípio “posse vale título”<br />

porquanto a apreensão é condição essencial para a efectivação da penhora 816 . Deste mo<strong>do</strong>,<br />

encontran<strong>do</strong>-se o título na posse <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r ou de terceiro, o solicita<strong>do</strong>r de execução deve<br />

proceder à sua apreensão material efectiva, sem prejuízo <strong>do</strong>s direitos que o executa<strong>do</strong> ou o<br />

terceiro possam vir a opor à execução.<br />

Os títulos de créditos que forem efectivamente apreendi<strong>do</strong>s devem ser deposita<strong>do</strong>s em<br />

instituições de crédito à ordem <strong>do</strong> agente de execução ou, nos casos em que as diligências de<br />

execução são realizadas por oficial de justiça, na secretaria.<br />

No que concerne à tutela <strong>do</strong>s interesses de terceiros que possam vir a ficar prejudica<strong>do</strong>s<br />

em consequência dessa penhora, na verdade nada impede que um terceiro venha opor<br />

812 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 13 de Maio de 1999, in CJ, tomo III, 1999, p. 65, ao abrigo <strong>do</strong><br />

qual “[É] possível deduzir embargos de terceiro contra o arresto de créditos quan<strong>do</strong> estes já tenham si<strong>do</strong> cedi<strong>do</strong>s<br />

pelo cre<strong>do</strong>r a uma outra sociedade, através <strong>do</strong> contrato de factoring.”<br />

e 327.<br />

813 Cfr. MARQUES, J. P. Remédio, Curso de Processo Executivo à Face <strong>do</strong> Código Revisto, ob. cit., pp. 326<br />

814 Nos termos <strong>do</strong> art. 46.º, n.º 1, <strong>do</strong> CVM, os valores mobiliários, quanto à forma de representação,<br />

podem ser titula<strong>do</strong>s ou escriturais. Enquanto os valores mobiliários titula<strong>do</strong>s são representa<strong>do</strong>s <strong>do</strong>cumentalmente<br />

em suporte de papel, pelo contrário os escriturais são representa<strong>do</strong>s através de um registo em conta aberta num<br />

intermediário financeiro<br />

815 A este propósito, RUI PINTO salienta que a penhora, ao implicar a apreensão <strong>do</strong> título, traduz-se na<br />

transferência efectiva <strong>do</strong> exercício <strong>do</strong>s poderes de facto para o agente de execução (PINTO, Rui, «Penhora e<br />

alienação de outros direitos – Execução especializada sobre créditos e execução especializada sobre direitos não<br />

creditícios na reforma da acção executiva», in Themis, ano V, n.º 9, 2004, p. 137).<br />

cit., p. 453.<br />

816 Cfr. FREITAS, José Lebre de; MENDES, Armin<strong>do</strong> Ribeiro, Código de Processo Civil Anota<strong>do</strong>, vol. 3.º, ob.<br />

243


244<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

embargos de terceiro contra a penhora e consequente apreensão <strong>do</strong> título de crédito com<br />

fundamento, nomeadamente, no exercício <strong>do</strong> seu direito de propriedade sobre esse título. De<br />

to<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong>, estan<strong>do</strong> em causa a penhora de títulos representativos de acções societárias,<br />

importa verificar se estes são nominativos ou ao porta<strong>do</strong>r. Quanto a esta matéria, o problema<br />

põe-se com particular acuidade em relação ao título ao porta<strong>do</strong>r, porquanto a sua transmissão é<br />

realizada por mero efeito da tradição. Vale isto por dizer que, para que se opere a transmissão<br />

<strong>do</strong> direito, é suficiente a entrega de um título ao porta<strong>do</strong>r a um terceiro, já que dele não consta a<br />

designação <strong>do</strong> respectivo proprietário, circunstância que lhe permitirá deduzir com maior grau<br />

de certeza quanto à sua procedência eventuais embargos de terceiro contra a penhora ilícita de<br />

um título que não pertencerá ao executa<strong>do</strong> 817.<br />

7.3. PENHORA DE DEPÓSITOS BANCÁRIOS<br />

Nos termos <strong>do</strong> art. 834.º, n.º 1, <strong>do</strong> CPC, a penhora deve começar pelos bens cujo valor<br />

pecuniário seja de mais fácil realização (gradus executionis), sen<strong>do</strong> certo que os depósitos<br />

bancários e os valores mobiliários constituem os <strong>do</strong>is tipos de bens que têm um valor mais<br />

facilmente realizável 818 .<br />

No que concerne ao regime jurídico da penhora de conta bancária, determina o art.<br />

861.º-A <strong>do</strong> CPC que esta diligência deve ser efectuada, preferencialmente, através de<br />

comunicação electrónica e mediante um despacho judicial prévio (art. 809.º <strong>do</strong> CPC), deven<strong>do</strong><br />

ser aplicadas as regras previstas para a penhora de créditos, isto é, a penhora deve ser<br />

efectuada através de notificação directa às instituições de crédito 819, com a menção expressa de<br />

que o sal<strong>do</strong> existente na conta bancária, ou, estan<strong>do</strong> em causa uma conta com mais <strong>do</strong> que um<br />

817 Cfr. CORDEIRO, António Menezes, A Posse: Perspectivas Dogmáticas Actuais, ob. cit., p. 73, bem como<br />

o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 21 de Dezembro de 1982, in CJ, tomo VII, 1982, p. 143 e o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 22 de Fevereiro de<br />

1984, in BMJ, 334.º, 1984, p. 430.<br />

818 Cfr., a este propósito, FREITAS, José Lebre de; MENDES, Armin<strong>do</strong> Ribeiro, Código de Processo Civil<br />

Anota<strong>do</strong>, vol. 3.º, ob. cit., p. 394.<br />

819 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRE, de 4 de Novembro de 1997, in CJ, tomo V, 1997, p. 258: “(…) II – A penhora de<br />

créditos deve considerar-se efectuada quan<strong>do</strong> o deve<strong>do</strong>r é dela notifica<strong>do</strong>. III – As declarações a prestar pelo<br />

deve<strong>do</strong>r integram-se no formalismo da penhora de créditos, constituin<strong>do</strong> uma consequência necessária. IV – Sen<strong>do</strong><br />

o deve<strong>do</strong>r um Banco, não se verifica uma derrogação ao segre<strong>do</strong> bancário quan<strong>do</strong> são prestadas as declarações.”


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

titular, de que a quota-parte <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> nesse sal<strong>do</strong> fica cativa desde a data da notificação da<br />

penhora e à ordem <strong>do</strong> solicita<strong>do</strong>r de execução (art. 861.º-A, n.º 2, <strong>do</strong> CPC).<br />

Sen<strong>do</strong> penhorada uma conta bancária com mais <strong>do</strong> que um titular, preceitua o art.<br />

861.º-A, n.º 2, <strong>do</strong> CPC, que a penhora deve incidir sobre a respectiva quota-parte <strong>do</strong> executa<strong>do</strong><br />

nessa conta comum, presumin<strong>do</strong>-se, iuris tantum, que as quotas <strong>do</strong>s diversos contitulares são<br />

iguais.<br />

A partir <strong>do</strong> momento em que ocorre a notificação da penhora, o sal<strong>do</strong> da conta bancária<br />

fica cativo (art. 861.º-A, n.º 6, <strong>do</strong> CPC), sen<strong>do</strong> certo, no entanto, que esse sal<strong>do</strong> pode ser<br />

afecta<strong>do</strong>, quer por operações de crédito resultantes <strong>do</strong> lançamento de valores que tenham si<strong>do</strong><br />

entregues anteriormente, mas que ainda não se encontrem credita<strong>do</strong>s na conta, quer por<br />

operações de débito decorrentes da apresentação a pagamento, em data anterior à penhora, de<br />

cheques ou realização de pagamentos cujas importâncias hajam si<strong>do</strong> efectivamente creditadas<br />

aos respectivos beneficiários em data anterior à penhora (art. 861.º-A, n.º 10, <strong>do</strong> CPC).<br />

Note-se, por outro la<strong>do</strong>, que qualquer acto que venha a afectar o sal<strong>do</strong> penhora<strong>do</strong> e que<br />

não resulte das operações previstas no n.º 10 <strong>do</strong> art. 861.º-A <strong>do</strong> CPC é inoponível à execução<br />

(e.g. levantamento de dinheiro cujo montante afecte o sal<strong>do</strong> cativo ou a realização de uma<br />

transferência bancária para a conta de um terceiro em relação à execução).<br />

Estan<strong>do</strong> em causa a penhora de uma conta bancária em regime de contitularidade,<br />

embora o legisla<strong>do</strong>r presuma que as quotas-partes <strong>do</strong>s respectivos titulares são iguais (pense-se,<br />

e.g., na conta bancária detida em comum pelo casal), a verdade é que esse presunção pode ser<br />

ilidida perante o tribunal, quer pelo executa<strong>do</strong> em sede de oposição à penhora, quer pelo<br />

terceiro através de embargos de terceiro caso alegue e prove que a sua quota-parte na conta é<br />

superior, sen<strong>do</strong> <strong>do</strong>is os titulares, a metade <strong>do</strong> sal<strong>do</strong> nela existente 820 .<br />

7.4. PENHORA DE DIREITO A BENS INDIVISOS E DE QUOTAS EM SOCIEDADE<br />

Recain<strong>do</strong> a penhora sobre um quinhão <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> num património autónomo (e.g.<br />

herança jacente ou massa falida) ou em relação a um direito indiviso que não se encontre sujeito<br />

a registo (e.g. bem deti<strong>do</strong> em regime de compropriedade), essa diligência realiza-se através da<br />

820 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 13 de Novembro de 2000, in CJ, tomo V, 2000, p. 188, bem<br />

como MARQUES, João Paulo Remédio, «A penhora de créditos na reforma processual de 2003, referência à<br />

penhora de depósitos bancários», in Themis, ano V, n.º 9, 2004, pp. 146 e 147.<br />

245


246<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

notificação desse facto à entidade responsável pela administração <strong>do</strong>s bens e com a advertência<br />

expressa de que o direito <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> fica à ordem <strong>do</strong> solicita<strong>do</strong>r de execução (art. 862.º, n.º 1,<br />

<strong>do</strong> CPC).<br />

A herança jacente representa um património autónomo, já que tem activo e passivo<br />

próprio. Na verdade, caracterizan<strong>do</strong>-se a herança pela sua autonomia patrimonial, os respectivos<br />

bens que a compõem estão afectos ao cumprimento das obrigações da herança num duplo<br />

senti<strong>do</strong>: os bens que compõem a herança só respondem pelo seu passivo, e pelas dívidas da<br />

herança só reponde a massa patrimonial que a compõe 821 .<br />

Por outro la<strong>do</strong>, até que se verifique a partilha pelos respectivos sucessores <strong>do</strong>s bens que<br />

integram o acervo patrimonial da herança, estes bens conservam a sua unidade e autonomia,<br />

constituin<strong>do</strong> parte integrante de um to<strong>do</strong> que não pode ser concretamente especifica<strong>do</strong> a não<br />

ser em termos jurídicos ou ideais.<br />

Deste mo<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> movida uma acção executiva contra algum <strong>do</strong>s contitulares de um<br />

património autónomo, só pode ser penhorada a quota-parte “jurídica” <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> em relação<br />

a esse património. Assim, se a penhora vier a recair sobre um bem especifica<strong>do</strong> de uma<br />

herança jacente em execução movida contra um <strong>do</strong>s herdeiros, é lícito à herança jacente (art.<br />

6.º <strong>do</strong> CPC), ainda que representada pela cabeça-de-casal, deduzir embargos de terceiro contra<br />

a penhora de um bem especifica<strong>do</strong> da herança 822 , da<strong>do</strong> que a mesma veio ofender um<br />

património que não responde na sua plenitude pelo pagamento da dívida exequenda 823.<br />

No que concerne à penhora de quotas sociais, esta diligência, para além da<br />

comunicação à conservatória <strong>do</strong> registo competente, deve ainda ser notificada à respectiva<br />

sociedade de que essa quota se encontra penhorada à ordem <strong>do</strong> solicita<strong>do</strong>r de execução. As<br />

quotas sociais são susceptíveis de posse, já que, embora o sócio não detenha fisicamente a<br />

quota, tem, contu<strong>do</strong>, a sua fruição e exerce os direitos que lhe são inerentes (art. 862.º <strong>do</strong><br />

821 Cfr. COSTA, Mário Júlio de Almeida, Direito das Obrigações, ob. cit., p. 785.<br />

822 “Sen<strong>do</strong> penhora<strong>do</strong> o direito de acção a uma herança indivisa, o qual fora anteriormente aliena<strong>do</strong> pelo<br />

executa<strong>do</strong>, não pode o adquirente deduzir embargos de terceiro por aquele direito ser insusceptível de posse” (Cfr.<br />

o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 4 de Fevereiro de 1988, in BMJ, 374.º, p. 537).<br />

823 Cfr., a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 10 de Julho de 1908: “Nos embargos de terceiro não se pode<br />

discutir se o embargante tinha ou não direito a herdar os bens penhora<strong>do</strong>s” (GENTIL, Francisco, Dicionário <strong>do</strong><br />

Supremo Tribunal de Justiça, ob. cit., Lisboa, 1933, p. 461).


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

CPC) 824 . Assim, sen<strong>do</strong> penhorada uma quota social como se pertencesse ao executa<strong>do</strong> e<br />

pertencen<strong>do</strong> a mesma a um terceiro, este titular da quota pode deduzir embargos de terceiro<br />

contra a diligência de penhora que a tenha ofendi<strong>do</strong>, da<strong>do</strong> que, embora não tenha a posse física<br />

da quota, detém, no entanto, a sua fruição 825 , além de ser titular de um direito incompatível com<br />

a penhora. Sen<strong>do</strong> assim, é lícita a dedução de embargos de terceiro contra a penhora de uma<br />

quota social 826.<br />

7.5. PENHORA DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL<br />

7.5.1. REGIME JURÍDICO<br />

A procura de uma noção consensual de “estabelecimento comercial” tem vin<strong>do</strong> a<br />

suscitar o surgimento de posições díspares na <strong>do</strong>utrina. Sustenta-se, por um la<strong>do</strong> que o<br />

estabelecimento comercial é “um complexo organiza<strong>do</strong> de bens ou serviços, juridicamente uma<br />

universalidade, actuante ou apta a entrar em movimento, relacionan<strong>do</strong>-se com o público, a sua<br />

clientela, apta a gerar lucros” 827 . Por outro la<strong>do</strong>, ainda que seja considera<strong>do</strong> como uma<br />

universalidade, coloca-se a questão de saber se se trata de uma universalidade de facto, de<br />

direito 828 ou mista. A este propósito, COUTINHO DE ABREU sustenta que o estabelecimento<br />

comercial (em senti<strong>do</strong> objectivo) consiste numa “unidade jurídica fundada em organização de<br />

824 No mesmo senti<strong>do</strong>, vide FERREIRA, Durval, Posse e Usucapião, ob. cit., p. 25. Em senti<strong>do</strong> contrário,<br />

vide a posição de ANSELMO DE CASTRO, segun<strong>do</strong> o qual não é admissível a dedução de embargos de terceiro em<br />

relação à penhora de quotas de sociedade, já que se tratam de direitos imateriais, pelo que a sua usufruição não é<br />

equivalente ao corpus exigi<strong>do</strong> para a posse (CASTRO, Artur Anselmo de, A Acção Executiva Singular, Comum e<br />

Especial, ob. cit., p. 350). Vide também quanto à inadmissibilidade da posse em relação a quotas societárias o Ac.<br />

<strong>do</strong> STJ, de 10 de Novembro de 1992, in BMJ, 421.º, 1992, p. 456, bem como ALMEIDA, L. P Moitinho, Restituição<br />

de Posse e Ocupação de Imóveis, ob. cit., p. 38.<br />

825 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 6 de Maio de 1998, proc. 395/08 – 1.ª secção, in www.dgsi.pt.<br />

826 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 19 de Fevereiro de 1987, in CJ, tomo I, 1987, p. 239, bem como o Ac. <strong>do</strong> STJ, de<br />

14 de Janeiro de 1998, in CJ, 1998, p. 62.<br />

827 DOMINGUES, Paulo Tarso, in “Revista de Direito e Economia”, Anos XVI a XIX, 1990 a 1993, p. 547.<br />

828 Quanto à configuração <strong>do</strong> estabelecimento comercial enquanto unidade jurídica, vide cfr. COELHO,<br />

Pinto, O Trespasse <strong>do</strong> Estabelecimento e a Transmissão das Letras, Coimbra, 1946, pp. 11 e 12.<br />

247


248<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

meios que constituem um instrumento de exercício relativamente estável e autónomo de uma<br />

actividade comercial” 829.<br />

O estabelecimento comercial, configura<strong>do</strong> enquanto universalidade, não é um bem<br />

incorpóreo, da<strong>do</strong> que é forma<strong>do</strong> por um conjunto de bens que externamente o individualizam,<br />

bens esses sem os quais o estabelecimento comercial não existe enquanto objecto de tutela <strong>do</strong><br />

direito. Na verdade, o estabelecimento comercial é um complexo organiza<strong>do</strong> de bens ou<br />

serviços, juridicamente uma universalidade, actuante ou apta a entrar em movimento visan<strong>do</strong><br />

gerar lucros 830 . O estabelecimento comercial, ainda que seja também constituí<strong>do</strong> por coisas<br />

incorpóreas, pode ser objecto de direito de propriedade e de posse 831.<br />

O Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, veio introduzir o art. 862.º-A <strong>do</strong> CPC,<br />

sen<strong>do</strong> certo que esta norma permitiu, de uma vez por todas, clarificar a divergência <strong>do</strong>utrinal e<br />

jurisprudencial quanto à susceptibilidade de penhora <strong>do</strong> estabelecimento comercial.<br />

Atenta a sua natureza jurídica, o art. 862.º-A <strong>do</strong> CPC regula a penhora <strong>do</strong><br />

estabelecimento comercial enquanto universalidade, isto é, enquanto universalidade que engloba<br />

coisas corpóreas e direitos, entre os quais se destaca o direito ao arrendamento e ao<br />

trespasse 832 . Nessa exacta medida, de acor<strong>do</strong> com esta disposição legal, a penhora <strong>do</strong><br />

estabelecimento comercial é efectuada por auto, no qual se relacionam os bens que<br />

essencialmente o integram, aplican<strong>do</strong>-se ainda o regime jurídico previsto para a penhora de<br />

créditos, se <strong>do</strong> estabelecimento fizerem parte bens dessa natureza, incluin<strong>do</strong> o direito ao<br />

829 ABREU, Jorge Manuel Coutinho de, Curso de Direito Comercial, vol. I, 3.ª ed., Almedina, 2002, p. 123.<br />

830 Ac. <strong>do</strong> TRP, de 7 de Julho de 2003, proc. 0353598, in www.dgsi.pt.<br />

831 Cfr. CARVALHO, Orlan<strong>do</strong> de, «Introdução à Posse», in RLJ, 122.º, p. 107: “Passíveis de posse são to<strong>do</strong>s<br />

os bens passíveis de <strong>do</strong>mínio, ou seja, e genericamente, todas as coisas. Na possessio rei, como sabemos, só o<br />

eram as coisas corpóreas e simples – as unitae corporales – mas a sensibilidade <strong>do</strong>minial evoluiu, e hoje, salvo nos<br />

direitos alemão e suíço, o conceito de coisa estende-se às coisas incorpóreas e complexas (mormente às coisas<br />

compostas funcionais, em que se inclui o estabelecimento mercantil)”. Em senti<strong>do</strong> contrário, MOITINHO DE<br />

ALMEIDA sustenta que o estabelecimento comercial não é susceptível de posse, já que esta não pode ser exercida<br />

sobre coisas imateriais, embora admita a possibilidade da posse ser exercida sobre os bens, considera<strong>do</strong>s concreta<br />

e autonomamente, que constituem o estabelecimento comercial. No mesmo senti<strong>do</strong>, vide o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 25 de<br />

Junho de 1985, in BMJ, 348.º, p. 384, segun<strong>do</strong> o qual “consistin<strong>do</strong> o estabelecimento comercial numa unidade<br />

jurídica que aglutina elementos corpóreos e incorpóreos afectos ao exercício da actividade mercantil, não sen<strong>do</strong>, por<br />

isso, possível dissociar uma parte <strong>do</strong> to<strong>do</strong>, não pode o local onde se exerce essa actividade ser objecto de posse tal<br />

como a define o art. 1251.º <strong>do</strong> CC.”<br />

832 Cfr. FREITAS, José Lebre de, «A penhora <strong>do</strong> direito ao arrendamento e ao trespasse», ob. cit., p. 597.


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

arrendamento. Por outro la<strong>do</strong>, face à sua natureza, o legisla<strong>do</strong>r determina que a penhora <strong>do</strong><br />

estabelecimento comercial, enquanto universalidade, não afecta a penhora que anteriormente<br />

tenha si<strong>do</strong> realizada sobre bens que o integrem, mas impede a penhora posterior desses bens<br />

(art. 862.º-A, n.º 5, <strong>do</strong> CPC).<br />

No que concerne aos efeitos da penhora <strong>do</strong> estabelecimento comercial, importa<br />

considerar três situações distintas:<br />

— Se não for deduzida qualquer oposição pelo exequente, o estabelecimento comercial<br />

pode prosseguir o seu normal funcionamento, sob a gestão <strong>do</strong> próprio executa<strong>do</strong>, poden<strong>do</strong> ser<br />

nomea<strong>do</strong> um terceiro que ficará incumbi<strong>do</strong> de fiscalizar a gestão <strong>do</strong> estabelecimento comercial;<br />

— Caso o exequente se oponha a que a exploração <strong>do</strong> estabelecimento comercial<br />

continue a ser efectuada pelo executa<strong>do</strong> — nomeadamente por não oferecer a confiança<br />

necessária para desempenhar diligentemente essa função —, então será designa<strong>do</strong> um terceiro<br />

que ficará incumbi<strong>do</strong> de administrar o estabelecimento comercial com vista a permitir que a<br />

empresa possa prosseguir com a sua normal actividade;<br />

— Se à data da penhora já se encontrar paralisada ou dever ser suspensa a actividade<br />

<strong>do</strong> estabelecimento comercial, deve ser designa<strong>do</strong> um depositário para proceder à<br />

administração <strong>do</strong>s bens que integram o integram.<br />

7.5.2. A SITUAÇÃO PARTICULAR DA PENHORA DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL<br />

INSTALADO EM CENTRO COMERCIAL<br />

A questão da (in)susceptibilidade de penhora de estabelecimentos comerciais instala<strong>do</strong>s<br />

em centros comerciais (shopping centers) 833 coloca-se com especial acuidade no âmbito <strong>do</strong>s<br />

embargos de terceiro.<br />

No que respeita à natureza jurídica deste contrato, inicialmente começou por ser<br />

configura<strong>do</strong> com um simples contrato de arrendamento 834 . Porém, tal como salienta ANTUNES<br />

833 A noção legal de “centro comercial” consta da Portaria n.º 424/85, de 5 de Julho. Por sua vez, o<br />

Decreto-Lei n.º 190/89, de 6 de Junho, veio estabelecer a necessidade de autorização prévia quanto à localização<br />

de grandes superfícies comerciais.<br />

834 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 26 de Abril de 1984, in BMJ, 336.º, p. 406: “O arrendamento,<br />

para comercio, de um local urbano nu, desprovi<strong>do</strong> de instalações, utensílios e merca<strong>do</strong>rias, sem actividade<br />

mercantil e clientela, isto e desprovi<strong>do</strong> de quaisquer elementos integra<strong>do</strong>res duma existente unidade económica<br />

249


250<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

VARELA, a prestação que é realizada pela entidade organiza<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> centro comercial extravasa<br />

em muito o âmbito <strong>do</strong> contrato de arrendamento da<strong>do</strong> que o senhorio não se limita nessa sua<br />

actividade a proporcionar ao arrendatário o gozo da coisa de forma temporária 835.<br />

Actualmente a jurisprudência e a <strong>do</strong>utrina têm sufraga<strong>do</strong> de forma praticamente<br />

unânime o entendimento de que o contrato celebra<strong>do</strong> entre uma sociedade gestora de um<br />

centro comercial e um lojista que nele se instala não constitui um simples contrato de<br />

arrendamento para o exercício <strong>do</strong> comércio nem tão pouco um simples contrato de locação de<br />

estabelecimento comercial 836 . Na verdade, face à ausência de um regulamentação legal sobre<br />

essa relação contratual, tem-se entendi<strong>do</strong> que se trata um contrato inomina<strong>do</strong> ou atípico 837, que<br />

se poderá designar por contrato de lojista em centro comercial, o qual é livremente regula<strong>do</strong><br />

pelas partes no <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> exercício da sua autonomia contratual, não se encontran<strong>do</strong>,<br />

consequentemente, vincula<strong>do</strong> ao regime <strong>do</strong> contrato de arrendamento 838 839. Deste mo<strong>do</strong>, o direito<br />

à utilização da loja instalada no centro comercial não acompanha o direito de trespasse sem o<br />

840 necessário consentimento da entidade gestora <strong>do</strong> centro comercial 841.<br />

complexa e caracteriza<strong>do</strong>ra da universalidade designada juridicamente por Estabelecimento Comercial, integra a<br />

figura <strong>do</strong> contrato de arrendamento para comercio (artigo 1112 <strong>do</strong> Código Civil) e não a de cessão de exploração de<br />

estabelecimento (artigo 1085)”.<br />

835 VARELA, João de Matos Antunes, Das Obrigações em Geral, vol. I, ob. cit., p. 298.<br />

836 Quanto à noção de contrato de arrendamento comercial como o contrato pelo qual o loca<strong>do</strong>r transfere<br />

para o locatário o gozo de um prédio urbano para um fim directamente relaciona<strong>do</strong> com o exercício de uma<br />

actividade comercial, vide o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 26 de Abril de 1994, proc. 084898, in www.dgsi.pt.<br />

837 Cfr., neste senti<strong>do</strong>, VARELA, João de Matos Antunes, Das Obrigações em Geral, vol. I, ob. cit., p. 299.<br />

838 Cfr. FREITAS, José Lebre de, «Da impenhorabilidade <strong>do</strong> direito <strong>do</strong> lojista de centro comercial», in<br />

Estu<strong>do</strong>s sobre Direito Civil e Processo Civil, ob. cit., p. 594.<br />

839 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 26 de Fevereiro de 1991, proc. 079887, in www.dgsi.pt: “I - Para além <strong>do</strong><br />

arrendamento ou subarrendamento para o exercício <strong>do</strong> comércio ou indústria regula<strong>do</strong> no artigo 1112 <strong>do</strong> Código<br />

Civil e a locação <strong>do</strong> estabelecimento comercial coloca<strong>do</strong> pelo artigo 1085 <strong>do</strong> mesmo Código fora da primeira<br />

categoria, podem existir, e existem, outras realidades conhecidas em Portugal (o caso <strong>do</strong>s centros comerciais e o<br />

<strong>do</strong>s chama<strong>do</strong>s meios complementares de alojamento turístico). II - A cedência de lojas integradas nos centros<br />

comerciais, mesmo quan<strong>do</strong> são os lojistas a instalarem os estabelecimentos, é um contrato atípico submeti<strong>do</strong> a<br />

mais ampla liberdade contratual.” Cfr., no mesmo senti<strong>do</strong>, Ac. <strong>do</strong> STJ, de 26 de Abril de 1994, proc. 084898, in<br />

www.dgsi.pt., o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 27 de Outubro de 1998, proc. 834/98 - 1.ª secção, in www.dgsi.pt, e o Ac. <strong>do</strong> STA,<br />

de 13 de Maio de 2003, proc. 883/2003 – 7, in www.dgsi.pt.<br />

840 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, FREITAS, José Lebre de, «Da impenhorabilidade <strong>do</strong> direito <strong>do</strong> lojista de centro<br />

comercial», ob. cit., p. 594, bem como ASCENSÃO, José de Oliveira, «Lojas em centros comerciais; integração


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

Com efeito, o contrato de instalação de loja em estabelecimento comercial apresenta<br />

cláusulas próprias <strong>do</strong> contrato de arrendamento, mas também <strong>do</strong> contrato de concessão. Na<br />

verdade, neste tipo de contrato surgem frequentemente, entre outras, cláusulas respeitantes à<br />

cedência da utilização <strong>do</strong> espaço onde será instala<strong>do</strong> o estabelecimento comercial, à retribuição<br />

devida como contrapartida pela utilização desse espaço, ao respectivo prazo de utilização, ao<br />

objecto da actividade comercial da loja, à obrigação <strong>do</strong> lojista manter em funcionamento a loja<br />

por um determina<strong>do</strong> perío<strong>do</strong> de tempo, ao horário de funcionamento da loja, à obrigação de<br />

contribuir para as despesas respeitantes à conservação e manutenção das infra-estruturas <strong>do</strong><br />

centro comercial, à forma e prazo de denúncia <strong>do</strong> contrato por parte <strong>do</strong> cedente e <strong>do</strong> cessionário<br />

e à resolução <strong>do</strong> contrato com fundamento na falta de pagamento de rendas ou da quota-parte<br />

da loja relativamente às despesas correntes de funcionamento <strong>do</strong> centro comercial.<br />

Ora, atenta a multiplicidade e diversidade de lojas que surgem normalmente integradas<br />

nos centros comerciais, a característica <strong>do</strong>minante destes espaços comerciais traduz-se na<br />

exploração dinâmica de diferentes actividades comerciais “num único espaço comercial por<br />

vários lojistas congrega<strong>do</strong>s, sob a organização, administração, promoção publicitária, direcção e<br />

fiscalização de funcionamento por uma sociedade gestora <strong>do</strong> Centro, em ordem a rentabilizar as<br />

sinergia de cada uma das lojas.” 842<br />

Deste mo<strong>do</strong>, o carácter atípico ou inomina<strong>do</strong> deste contrato denuncia uma realidade<br />

distinta da relação jurídica resultante de um contrato de arrendamento comercial considera<strong>do</strong> de<br />

forma isolada e autónoma. Assim, não se tratan<strong>do</strong> de um contrato de arrendamento comercial<br />

empresarial; forma», in ROA, ano 54.º, vol. III, 1994, p. 836, o qual, embora apresentan<strong>do</strong> algumas reservas, vem<br />

propor que esta figura jurídica seja qualificada como se tratan<strong>do</strong> de um “contrato de integração empresarial”, não<br />

só em virtude da existência de uma relação eminentemente inter-empresarial, como também pelo facto de o<br />

contrato pressupor “um to<strong>do</strong> mais vasto que a empresa singular que se localiza na loja, to<strong>do</strong> em que essa empresa<br />

se vai integrar”.<br />

841 Cfr., a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 27 de Outubro de 1998, proc. 834/98 - 1.ª secção, in<br />

www.dgsi.pt: “Este contrato rege-se, em princípio, pelo estipula<strong>do</strong> pelas partes, face ao princípio da liberdade<br />

contratual e, depois, pelas regras <strong>do</strong>s contratos típicos afins onde houver analogia. É assim válida a cláusula<br />

contratual na qual o lojista se obriga a não ceder, no to<strong>do</strong> ou em parte, os poderes que lhe foram concedi<strong>do</strong>s nesse<br />

contrato, sem autorização escrita da embargante, designadamente a cláusula que impede o trespasse <strong>do</strong><br />

estabelecimento a instalar pelo lojista no espaço sem que o organiza<strong>do</strong>r e contraparte o tenha autoriza<strong>do</strong>. Também,<br />

por isso, não é possível a penhora <strong>do</strong> estabelecimento por ele instala<strong>do</strong> na loja <strong>do</strong> centro comercial, uma vez que tal<br />

penhora ofende a posse da embargante e proprietária da loja onde está instala<strong>do</strong> o estabelecimento da executada.”<br />

842 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 13 de Maio de 2003, proc. 883/2003-7, in www.dgsi.pt.<br />

251


252<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

strictu sensu, o trespasse, isto é, a transmissão definitiva <strong>do</strong> direito de utilização <strong>do</strong> espaço em<br />

centro comercial carece necessariamente <strong>do</strong> consentimento ou da autorização da entidade<br />

gestora <strong>do</strong> centro comercial 843, tratan<strong>do</strong>-se, consequentemente, de um direito inalienável e, como<br />

tal, absolutamente impenhorável [art. 822.º, a), <strong>do</strong> CC] 844 .<br />

Nesta medida, se em execução movida contra a pessoa, singular ou colectiva,<br />

proprietária <strong>do</strong> estabelecimento comercial instala<strong>do</strong> num centro comercial, for penhora<strong>do</strong> o<br />

direito à utilização <strong>do</strong> estabelecimento integra<strong>do</strong> no centro comercial, a entidade gestora <strong>do</strong><br />

centro, sen<strong>do</strong> uma entidade terceira em relação à execução, pode opor-se a essa penhora<br />

lançan<strong>do</strong> mão <strong>do</strong> incidente de embargos de terceiro 845.<br />

TERCEIRO<br />

7.5.3. TUTELA DO ESTABELECIMENTO COMERCIAL EM SEDE DE EMBARGOS DE<br />

7.5.3.1. O ESTABELECIMENTO COMERCIAL PERTENCE A UM TERCEIRO<br />

Sen<strong>do</strong> ponto assente que o estabelecimento comercial é uma universalidade jurídica,<br />

composta fundamentalmente por coisas corpóreas, não deve constituir fundamento de rejeição<br />

liminar <strong>do</strong>s embargos de terceiro a invocação de que o estabelecimento comercial não é<br />

susceptível de tutela possessória 846.<br />

843 Nos termos <strong>do</strong> disposto no art. 424.º, n.º 1, <strong>do</strong> CC, no contrato com prestações recíprocas, qualquer<br />

das partes tem a faculdade de transmitir a um terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente,<br />

antes ou depois da celebração <strong>do</strong> contrato, consinta na transmissão.<br />

844 A este propósito importa não esquecer que, nos termos <strong>do</strong> disposto no art. 821.º, n.º 1, <strong>do</strong> CPC, só<br />

estão sujeitos à execução os bens <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> que, nos termos da lei substantiva, respondam pela dívida<br />

exequenda.<br />

845 No senti<strong>do</strong> de não ser admissível a penhora de um estabelecimento comercial que se encontre<br />

integra<strong>do</strong> num centro comercial ao abrigo de um contrato atípico ou inomina<strong>do</strong>, vide o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 20 de Janeiro<br />

de 1998, proc. 97A949, in www.dgsi.pt: “O contrato inomina<strong>do</strong> de instalação de lojista tem expressão por si próprio<br />

enquanto integra<strong>do</strong> no centro comercial mas, por não ser possível impor o seu trespasse sem autorização da outra<br />

parte, não constitui só por si garantia de pagamento <strong>do</strong>s seus cre<strong>do</strong>res mediante execução <strong>do</strong> respectivo<br />

património, o que inviabiliza o acto da penhora.”<br />

846 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 28 de Abril de 1987, in BMJ, 366.º, p. 567. Quanto ao facto de o estabelecimento<br />

comercial ser susceptível de posse, vide o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 30 de Outubro de 1990, in CJ, 1990, p. 162 e o Ac. <strong>do</strong><br />

mesmo tribunal, de 9 de Junho de 1994, in CJ, 1994, p. 115. A este propósito, o Tribunal da Relação <strong>do</strong> Porto, por


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

Com efeito, o estabelecimento comercial constitui uma universalidade jurídica, composta<br />

fundamentalmente por coisas corpóreas, motivo pelo qual o terceiro a quem o mesmo tenha<br />

si<strong>do</strong> penhora<strong>do</strong> tem legitimidade para deduzir embargos de terceiro.<br />

No que concerne à causa de pedir que permite sustentar a dedução <strong>do</strong>s embargos, o<br />

terceiro tanto pode invocar a ofensa da sua posse 847 como a violação de um direito que se revele<br />

incompatível com a finalidade ou o âmbito da diligência 848.<br />

Importa, contu<strong>do</strong>, salientar, que embora constitua uma universalidade, o<br />

estabelecimento comercial não se confunde com o próprio prédio onde aquele se encontra<br />

instala<strong>do</strong>. Deste mo<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> penhora<strong>do</strong> o estabelecimento comercial, carece de legitimidade<br />

para embargar de terceiro o proprietário <strong>do</strong> imóvel onde se encontra instala<strong>do</strong> o respectivo<br />

estabelecimento comercial 849 .<br />

acórdão de 1 de Fevereiro de 1990, sustentou que sen<strong>do</strong> o estabelecimento comercial susceptível de tutela<br />

possessória, é admissível a dedução de embargos de terceiro contra uma diligência judicial ofensiva (Ac. <strong>do</strong> TRP, de<br />

1 de Fevereiro de 1990, in CJ, tomo I, 1990, p. 238. Vide, no mesmo senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 8 de Junho de<br />

1994, in CJ, tomo III, 1994, p. 115, e o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 3 de Outubro de 1996, in CJ, tomo IV, 1996, p. 122).<br />

Contu<strong>do</strong>, nem sempre a jurisprudência admitiu a tutela possessória <strong>do</strong> estabelecimento comercial. No senti<strong>do</strong> de<br />

não ser admissível a dedução de embargos de terceiro face à penhora <strong>do</strong> estabelecimento comercial pelo facto de o<br />

mesmo não ser susceptível de posse, vide o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 6 de Julho de 1993, proc. 084042, in www.dgsi.pt: “O<br />

estabelecimento comercial é uma unidade jurídica e, como tal, insusceptível de posse; por isso que não têm<br />

viabilidade os embargos de terceiro, quan<strong>do</strong> basea<strong>do</strong>s na pretensa posse <strong>do</strong> mesmo”, bem como o Ac. STJ, de 8<br />

de Março de 1994, proc. 084886, in www.dgsi.pt: “I – Constituin<strong>do</strong> o estabelecimento comercial uma unidade<br />

jurídica que aglutina elementos corpóreos e incorpóreos afectos ao exercício da actividade mercantil e que, por isso,<br />

não é possível dissociar de to<strong>do</strong>, não pode o respectivo local onde se exerce essa actividade ser objecto de posse tal<br />

como a define o artigo 1251 <strong>do</strong> Código Civil. II – Assim, é veda<strong>do</strong> o recurso aos meios possessórios para obter a<br />

restituição da posse.”<br />

Quanto à variação das correntes jurisprudenciais sobre esta temática, vide, por to<strong>do</strong>s, CORDEIRO, António<br />

Menezes, A Posse: Perspectivas Dogmáticas Actuais, ob. cit., p. 80.<br />

847 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 8 de Março de 1994, proc. 0070021, in www.dgsi.pt, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 3 de<br />

Outubro de 1996, proc. 0013162, in www.dgsi.pt, e o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 7 de Julho de 2003, proc. 0353598, in<br />

www.dgsi.pt: “Aquele que vê a sua posse ameaçada pode, preventivamente, lançar mão de embargos de terceiros.”<br />

848 Cfr. COSTA, Salva<strong>do</strong>r da, Os Incidentes da Instância, ob. cit., p. 208.<br />

849 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 6 de Novembro de 1990, in CJ, tomo V, 1990, p. 38.<br />

253


254<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

Mesmo que seja penhora<strong>do</strong> o direito ao trespasse 850 e arrendamento de estabelecimento<br />

comercial, essa penhora não ofende a posse <strong>do</strong> respectivo proprietário senhorio 851. Alias, importa<br />

salientar a este propósito que, em bom rigor, a nomeação à penhora <strong>do</strong> direito ao trespasse e ao<br />

arrendamento <strong>do</strong> local onde se encontra instala<strong>do</strong> o estabelecimento comercial equivale à<br />

penhora <strong>do</strong> próprio estabelecimento comercial 852, sen<strong>do</strong> certo, aliás, que essa imprecisão quanto<br />

ao objecto da penhora acabou por ser clarificada com a redacção que foi dada ao art. 862.º-A <strong>do</strong><br />

CPC por força <strong>do</strong> Decreto-Lei n.º 38/2003, de 08 de Março. Na verdade, em virtude dessa<br />

alteração legislativa, o legisla<strong>do</strong>r veio clarificar que a penhora <strong>do</strong> direito ao arrendamento <strong>do</strong><br />

local onde se encontra instala<strong>do</strong> o estabelecimento comercial efectua-se através de notificação<br />

ao senhorio 853 de acor<strong>do</strong> com o regime da penhora de créditos. Uma vez recebida essa<br />

notificação, incumbe ao senhorio declarar se esse arrendamento existe, qual o prazo de duração<br />

e respectivo montante da renda, assim como outras circunstâncias que possam ter relevância<br />

para a execução. Ora, se o senhorio nada declarar face a essa notificação, o seu silêncio<br />

equivale a reconhecimento da existência de uma relação jurídica de arrendamento, pelo que lhe<br />

850 O trespasse compreende to<strong>do</strong>s os móveis e utensílios que compõem o estabelecimento comercial, o<br />

alvará e demais licenças e o direito ao respectivo contrato de arrendamento (cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 11<br />

de Maio de 1995, proc. 086186, in www.dgsi.pt).<br />

851 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 3 de Junho de 1992, proc. 080762, in www.dgsi.pt: “São de rejeitar os embargos<br />

de terceiro intenta<strong>do</strong>s pelo senhorio contra a penhora <strong>do</strong> direito ao trespasse e arrendamento, por, além <strong>do</strong> mais,<br />

não ter si<strong>do</strong> ofendida a posse <strong>do</strong> senhorio.” Vide, no mesmo senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 12 de Janeiro de 1999, proc.<br />

9821196, in www.dgsi.pt: “I - A penhora <strong>do</strong> direito ao trespasse e arrendamento em execução movida contra o<br />

inquilino, deixa invocada a posição <strong>do</strong> senhorio, em nada a afectan<strong>do</strong>. II - Por isso, são de indeferir liminarmente os<br />

embargos de terceiro deduzi<strong>do</strong>s pelo senhorio de local arrenda<strong>do</strong> que faz parte <strong>do</strong> estabelecimento comercial<br />

pertencente ao inquilino, entretanto penhora<strong>do</strong>.”<br />

852 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, MESQUITA, Miguel, Apreensão de Bens em Processo Executivo e Oposição de<br />

Terceiro, ob. cit., p. 248, bem como o parecer da PGR, n.º 110/84, de 25 de Julho de 1985, in BMJ, 352.º, p. 95.<br />

Quanto ao facto da penhora <strong>do</strong> estabelecimento comercial como unidade jurídica conter o direito ao trespasse <strong>do</strong><br />

estabelecimento e pode conter o direito ao arrendamento <strong>do</strong> local onde está instala<strong>do</strong>, caso se trate de<br />

estabelecimento em prédio arrenda<strong>do</strong>, vide ainda o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 3 de Junho de 1992, proc. 080762, in<br />

www.dgsi.pt.<br />

853 A notificação ao senhorio da penhora <strong>do</strong> direito ao arrendamento apresenta um verdadeiro efeito<br />

constitutivo quanto à penhora da posição jurídica <strong>do</strong> arrendatário <strong>do</strong> local onde funciona o estabelecimento<br />

comercial (Ac. <strong>do</strong> TRC, de 14 de Outubro de 2008, proc. 5174/03.6, in www.dgsi.pt).


Direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência<br />

fica vedada a possibilidade de vir posteriormente deduzir embargos de terceiro em relação à<br />

penhora <strong>do</strong> direito de crédito.<br />

7.5.3.2. O ESTABELECIMENTO COMERCIAL PERTENCE AO EXECUTADO, MAS<br />

ENCONTRA-SE LOCADO A UM TERCEIRO<br />

Conforme se referiu supra, pelo cumprimento da obrigação respondem to<strong>do</strong>s os bens <strong>do</strong><br />

deve<strong>do</strong>r susceptíveis de penhora (art. 601.º <strong>do</strong> CC), sen<strong>do</strong> certo que os bens <strong>do</strong> executa<strong>do</strong><br />

devem ser apreendi<strong>do</strong>s ainda que, por qualquer título, se encontrem em poder de terceiro, sem<br />

prejuízo, no entanto, <strong>do</strong>s direitos que a este seja lícito opor ao exequente (art. 831.º <strong>do</strong> CPC).<br />

Ora, pertencen<strong>do</strong> o estabelecimento comercial ao próprio executa<strong>do</strong>, e sen<strong>do</strong> uma<br />

universalidade susceptível de responder pelas suas dívidas, dúvidas não existem de que o<br />

estabelecimento comercial é susceptível de penhora (art. 862.º-A <strong>do</strong> CPC), encontran<strong>do</strong>-se,<br />

consequentemente, sujeito à venda executiva.<br />

Porém, caso o estabelecimento comercial se encontre loca<strong>do</strong> a um terceiro, sen<strong>do</strong><br />

efectuada a penhora <strong>do</strong> estabelecimento, coloca-se a questão de saber se o terceiro locatário<br />

pode reagir contra esse acto de agressão patrimonial.<br />

Quanto a esta questão, importa atender ao momento da constituição <strong>do</strong> direito pessoal<br />

de gozo a favor <strong>do</strong> terceiro. Com efeito, se a locação tiver si<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong> em momento posterior<br />

à penhora <strong>do</strong> estabelecimento comercial, fica vedada ao terceiro a possibilidade de deduzir<br />

embargos contra a penhora, ainda que com fundamento na ofensa de um direito incompatível<br />

com a diligência, porquanto o arrendamento de bens penhora<strong>do</strong>s não é oponível em relação à<br />

execução (art. 819.º <strong>do</strong> CC). Por sua vez, se a locação tiver si<strong>do</strong> constituída em momento<br />

anterior à penhora, nesse caso o direito <strong>do</strong> locatário não se extingue com a venda executiva,<br />

motivo pelo qual poderá deduzir embargos de terceiro contra a execução a fim de assegurar o<br />

reconhecimento da sua posição contratual em sede de venda executiva.<br />

255


256<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva


Actos que não admitem a dedução de embargos de terceiro<br />

SECÇÃO III<br />

ACTOS QUE NÃO ADMITEM A DEDUÇÃO DE EMBARGOS DE TERCEIRO<br />

Sumário: 1. Apreensão de bens no âmbito de processo de<br />

insolvência ou de recuperação de empresa. 2. Apreensão de bens no âmbito<br />

<strong>do</strong> processo criminal.<br />

1. APREENSÃO DE BENS NO ÂMBITO DE PROCESSO DE INSOLVÊNCIA OU DE RECUPERAÇÃO<br />

DE EMPRESA<br />

Conforme resulta <strong>do</strong> art. 351.º <strong>do</strong> CPC, os embargos de terceiro não se restringem<br />

apenas à penhora, poden<strong>do</strong> ser deduzi<strong>do</strong>s sempre que esteja em causa a reacção contra um<br />

acto judicialmente ordena<strong>do</strong> de apreensão ou de entrega de bens.<br />

Deste mo<strong>do</strong>, sempre que esteja em causa a realização de uma diligência judicial que<br />

implique a ofensa da posse ou de um direito incompatível com a finalidade ou o âmbito de tal<br />

diligência, é lícito ao terceiro recorrer aos embargos para tutelar a sua posse ou o seu direito.<br />

Ocorre, porém, que nem todas as diligências judiciais facultam o recurso a tal incidente.<br />

Na verdade, determina o n.º 2 <strong>do</strong> art. 351.º <strong>do</strong> CPC que não é admitida a dedução de embargos<br />

de terceiro quanto aos actos de apreensão de bens no âmbito <strong>do</strong> processo especial de<br />

recuperação da empresa e de falência 854 .<br />

Com efeito, nos termos <strong>do</strong> art. 139.º <strong>do</strong> CIRE, sen<strong>do</strong> proferida a sentença declaratória<br />

da insolvência, são imediatamente apreendi<strong>do</strong>s to<strong>do</strong>s os bens <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r integrantes da massa<br />

854 Quanto à natureza mista <strong>do</strong> processo de falência, o qual reúne caracteres próprios <strong>do</strong> processo<br />

declarativo e <strong>do</strong> processo executivo, vide FREITAS, José Lebre de, «Apreensão, restituição, separação e venda de<br />

bens no processo de falência», in Estu<strong>do</strong>s sobre Direito Civil e Processo Civil, ob. cit., p. 656. Na verdade, se e certo<br />

que o processo de falência se inicia com uma fase declarativa destinada a apreciar o requerimento de falência e a<br />

eventual oposição que contra ele venha a ser deduzida, não é menos verdade que este processo, uma vez<br />

decretada a falência, encerra diligências de natureza executiva destinadas à apreensão <strong>do</strong>s bens que integrarão a<br />

massa falida com vista à venda posterior e respectivo pagamento <strong>do</strong>s créditos <strong>do</strong>s cre<strong>do</strong>res reclamantes em<br />

execução universal.<br />

257


258<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

insolvente, ainda que estes tenham si<strong>do</strong> arresta<strong>do</strong>s, penhora<strong>do</strong>s, ou por qualquer forma<br />

apreendi<strong>do</strong>s ou deti<strong>do</strong>s, ou o produto da venda se os bens já tiverem si<strong>do</strong> vendi<strong>do</strong>s.<br />

A questão que se coloca é, assim, a de saber se o terceiro que vê um bem que lhe<br />

pertence ser indevidamente integra<strong>do</strong> na massa falida poderá recorrer ao incidente de embargos<br />

de terceiro para tutelar o seu direito e obstar à inclusão desse bem naquele património.<br />

Embora, em princípio, a resposta devesse ser afirmativa, já que se trata de uma<br />

diligência judicial de apreensão de bens que se revela ofensiva da sua posse e/ou <strong>do</strong> seu direito<br />

de propriedade, a verdade é que, como vimos supra, o legisla<strong>do</strong>r consagrou expressamente a<br />

impossibilidade de recurso a tal incidente (art. 351.º, n.º 2, <strong>do</strong> CPC) 855. Deste mo<strong>do</strong>, se um<br />

terceiro se sentir lesa<strong>do</strong> na sua posse ou propriedade em consequência da apreensão de bens<br />

efectivada pelo administra<strong>do</strong>r de insolvência na sequência de uma sentença declaratória de<br />

insolvência que tenha decreta<strong>do</strong> a apreensão <strong>do</strong>s bens <strong>do</strong> insolvente [art. 36.º, n.º 1, g), <strong>do</strong><br />

CIRE], deverá recorrer aos procedimentos destina<strong>do</strong>s à restituição e separação de bens que se<br />

encontram previstos no art. 141.º e ss <strong>do</strong> CIRE 856. Na verdade, esta disposição legal prevê a<br />

possibilidade de ser deduzida:<br />

a) Reclamação e verificação <strong>do</strong> direito de restituição, a seus <strong>do</strong>nos, <strong>do</strong>s bens<br />

apreendi<strong>do</strong>s para a massa insolvente, mas de que o insolvente fosse mero possui<strong>do</strong>r em nome<br />

alheio;<br />

b) Reclamação e verificação <strong>do</strong> direito que tenha o cônjuge a separar da massa<br />

insolvente os seus bens próprios e a sua meação nos bens comuns;<br />

c) Reclamação destinada a separar da massa os bens de terceiro indevidamente<br />

apreendi<strong>do</strong>s e quaisquer outros bens, <strong>do</strong>s quais o insolvente não tenha a plena e exclusiva<br />

propriedade, ou sejam estranhos à insolvência ou insusceptíveis de apreensão para a massa.<br />

Deste mo<strong>do</strong>, o art. 351.º, n.º 2, <strong>do</strong> CPC configura uma norma de natureza especial, e<br />

não excepcional, já que ela “deixa a porta aberta para a defesa de terceiros ser regulada em<br />

diploma próprio <strong>do</strong> instituto falimentar. Pretendeu-se com ela acautelar a especificidade daquele<br />

instituto e que a restituição e separação de bens tivesse lugar em sede própria e a sua<br />

855 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 21 de Maio de 2007, proc. 0752000, in www.dgsi.pt.<br />

856 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 19 de Outubro de 2006, proc. 7566/2006-8, in www.dgsi.pt.


Actos que não admitem a dedução de embargos de terceiro<br />

regulamentação, já de si revela<strong>do</strong>ra de particularidades muito próprias, não andasse dispersa,<br />

antes fosse compendiada num só diploma” 857.<br />

Importa ainda salientar que o art. 145.º <strong>do</strong> CIRE prevê, a título cautelar, a possibilidade<br />

de ser deferida a entrega provisória de coisas móveis ao respectivo reclamante mediante a<br />

prestação de caução.<br />

Impõe-se, todavia, questionar se será possível a dedução de embargos de terceiro com<br />

finalidade preventiva contra a apreensão a favor da massa falida atento o facto da disposição <strong>do</strong><br />

art. 351.º, n.º 2, <strong>do</strong> CPC se encontrar sistematizada no âmbito <strong>do</strong>s embargos de terceiro com<br />

finalidade repressiva 858.<br />

Relativamente a esta questão, torna-se desde logo necessário recorrer ao preâmbulo <strong>do</strong><br />

Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, segun<strong>do</strong> o qual, o que caracteriza os embargos<br />

de terceiro, não é tanto o carácter especial da sua tramitação — que se molda essencialmente<br />

na matriz <strong>do</strong> processo declaratório, com a particularidade de ocorrer uma fase introdutória de<br />

apreciação da viabilidade da pretensão <strong>do</strong> embargante —, mas na circunstância de uma<br />

pretensão <strong>do</strong> embargante se enxertar num processo pendente entre outras partes e visar a<br />

efectivação de um direito incompatível com a subsistência <strong>do</strong>s efeitos de um acto de agressão<br />

patrimonial.<br />

857 Ac. <strong>do</strong> STJ, de 23 de Abril de 2002, proc. 02A818, in www.dgsi.pt: “A reclamação e a reivindicação são<br />

os meios próprios para se fazer valer o direito real de gozo sobre os bens apreendi<strong>do</strong>s em processo de falência e a<br />

lei não prevê — porque não quis concedê-la — qualquer providência cautelar a instaurar por quem se arroga ou virá<br />

a arrogar-se como reclamante ou reivindicante. Nem tinha a lei que tratar como igual aquilo que é desigual nem<br />

devia descurar quer o carácter <strong>do</strong> processo de falência quer o equilíbrio entre os vários interesses que aí se<br />

debatem. Desnecessária é qualquer outra fundamentação pois a expendida pela embargante não o exige.”<br />

858 A questão colocou-se recentemente num Acórdão <strong>do</strong> Tribunal da Relação <strong>do</strong> Porto, de 21 de Maio de<br />

2007. Uma sociedade comercial veio intentar contra a massa falida de uma outra sociedade comercial embargos de<br />

terceiro preventivos face ao receio de o administra<strong>do</strong>r de insolência da requerida apreender as máquinas<br />

pertencentes à insolvente, mas que se encontravam na posse da requerente, inibin<strong>do</strong>-a, consequentemente, de<br />

continuar o seu processo produtivo. Face ao indeferimento liminar de tal providência com fundamento no art. 351.º,<br />

n.º 2, <strong>do</strong> CPC, a requerente interpôs recurso de tal despacho, sustentan<strong>do</strong>, fundamentalmente, que os embargos de<br />

terceiro com finalidade preventiva e repressiva têm regimes distintos, razão pela qual o disposto no art. 351.º, n.º 2,<br />

<strong>do</strong> CPC, atenta a sua sistematização e o facto de prever a apreensão efectiva <strong>do</strong>s bens, apenas seria aplicável aos<br />

embargos com finalidade repressiva.<br />

259


260<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

Ora, o art. 351º, n.º 2, <strong>do</strong> CPC não distingue entre embargos de terceiro com função<br />

repressiva e preventiva, sen<strong>do</strong> certo que certamente o legisla<strong>do</strong>r o saberia dizer, caso assim o<br />

entendesse. Assim, carece por completo de fundamento o argumento de que o regime <strong>do</strong> art.<br />

351.º, n.º 2, <strong>do</strong> CPC apenas se aplicaria aos embargos de terceiro com finalidade repressiva, já<br />

que, para além de não existir qualquer fundamento legal para tal interpretação, a unidade <strong>do</strong><br />

859 sistema jurídico impõe a necessidade de rejeição de semelhante raciocínio 860.<br />

Deste mo<strong>do</strong>, o art. 351.º, n.º 2, <strong>do</strong> CPC aplica-se tanto aos embargos de natureza<br />

repressiva, como aos de natureza preventiva 861 .<br />

2. APREENSÃO DE BENS NO ÂMBITO DO PROCESSO CRIMINAL<br />

Nos termos <strong>do</strong> art. 109.º <strong>do</strong> Código Penal, são declara<strong>do</strong>s perdi<strong>do</strong>s a favor <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> os<br />

objectos que tiverem servi<strong>do</strong> ou estivessem destina<strong>do</strong>s a servir para a prática de um facto ilícito<br />

típico, ou que por este tiverem si<strong>do</strong> produzi<strong>do</strong>s, quan<strong>do</strong>, pela sua natureza ou pelas<br />

circunstâncias <strong>do</strong> caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem<br />

públicas, ou oferecerem sério risco de ser utiliza<strong>do</strong>s para o cometimento de novos factos ilícitos<br />

típicos.<br />

Ora, verifican<strong>do</strong>-se a apreensão de bens que tenham si<strong>do</strong> instrumento, produto ou<br />

objecto de crimes, não é lícito ao terceiro proprietário desses bens ou titular de outro direito real<br />

ou pessoal de gozo deduzir embargos de terceiro, da<strong>do</strong> que tal incidente se mostra incompatível<br />

859 A este propósito, o Tribunal Constitucional considerou não ser inconstitucional a norma constante <strong>do</strong><br />

art. 359.º <strong>do</strong> CPC (relativamente aos embargos preventivos), conjugada com o art. 351.º, n.º 2, <strong>do</strong> CPC, quan<strong>do</strong><br />

interpretada no senti<strong>do</strong> de não ser admissível a dedução de embargos de terceiro, com natureza preventiva, no<br />

processo de recuperação de empresa e de falência (Ac. <strong>do</strong> TC n.º 63/03, in DR, 2ª Série, de 22 de Abril de 2003).<br />

860 Vide, a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 20 de Fevereiro de 2003, proc. 0330461, in www.dgsi.pt: “Em<br />

processo de recuperação de empresa e de falência no qual seja decretada a falência e ordenada a apreensão de<br />

bens e eventual decisão <strong>do</strong> encerramento <strong>do</strong> estabelecimento da falida, a reacção contra tal apreensão e fecho <strong>do</strong><br />

estabelecimento aludi<strong>do</strong> não pode efectivar-se através de embargos de terceiro, ainda que com força preventiva,<br />

antes deve recorrer-se aos meios previstos no Código <strong>do</strong>s Processos Especiais de Recuperação de Empresas e de<br />

Falência.”<br />

861 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 23 de Abril de 2002, proc. 02A818, in www.dgsi.pt, o Ac. <strong>do</strong> TRP,<br />

de 16 de Dezembro de 2004, proc. 0436633, in www.dgsi.pt, e o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 21 de Maio de 2007, proc.<br />

0000721, in www.dgsi.pt.


Actos que não admitem a dedução de embargos de terceiro<br />

com os princípios <strong>do</strong> processo penal e com os fins por ele visa<strong>do</strong>s, nomeadamente no que<br />

concerne às finalidades e aos objectivos da tutela penal 862.<br />

862 Cfr. COSTA, Salva<strong>do</strong>r da, Os Incidentes da Instância, ob. cit., p. 214. Vide também o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 16<br />

de Fevereiro de 1993, in CJ, tomo I, 1993, p. 45.<br />

261


262<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva


Meios conservatórios de garantia patrimonial contra embargos de terceiro com finalidade ilícita<br />

1. RAZÃO DE ORDEM<br />

SECÇAO IV<br />

MEIOS CONSERVATÓRIOS DE GARANTIA PATRIMONIAL<br />

CONTRA EMBARGOS DE TERCEIRO COM FINALIDADE ILÍCITA<br />

Sumário: 1. Razão de ordem. 2. Declaração de nulidade.<br />

3. Impugnação pauliana.<br />

Conforme se referiu supra, não sen<strong>do</strong> voluntariamente cumprida a obrigação <strong>do</strong><br />

deve<strong>do</strong>r, tem o cre<strong>do</strong>r o direito de exigir judicialmente o cumprimento da obrigação e de<br />

executar o património <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r na exacta medida <strong>do</strong> seu crédito (art. 817.º <strong>do</strong> CC). Para esse<br />

efeito, o legisla<strong>do</strong>r consagrou o princípio da responsabilidade patrimonial <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r pelo<br />

cumprimento das suas obrigações (art. 601.º <strong>do</strong> CC).<br />

A via normal pela qual o cre<strong>do</strong>r tenta obter a satisfação <strong>do</strong> seu direito de crédito é a<br />

acção executiva, enquanto providência que coloca ao serviço <strong>do</strong> exequente os meios coercivos<br />

necessários com vista à execução coactiva de uma obrigação <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r executa<strong>do</strong>.<br />

Pode, no entanto, suceder que o deve<strong>do</strong>r procure subtrair o seu património, anteven<strong>do</strong> a<br />

execução patrimonial <strong>do</strong> seu crédito em consequência <strong>do</strong> incumprimento voluntário da<br />

obrigação. Na verdade, o deve<strong>do</strong>r poderá, nomeadamente, simular uma venda <strong>do</strong> seu<br />

património a um terceiro, ou dissipá-lo por contrato váli<strong>do</strong>, mas com a participação <strong>do</strong><br />

adquirente, o qual, de má-fé, pretende auxiliar o deve<strong>do</strong>r a ocultar o seu património, pelo que o<br />

exequente que pretenda agredir o património <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r com vista à satisfação <strong>do</strong> seu direito de<br />

crédito ficará sujeito à dedução de embargos de terceiro pelo compra<strong>do</strong>r fictício ou de má-fé<br />

desse património 863.<br />

863 Cfr., a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 24 de Setembro de 2002, proc. 2182/02 – 1.ª secção, in<br />

www.dgsi.pt, onde se julgou que actuou com abuso de direito (venire contra factum proprium) um cre<strong>do</strong>r que, em<br />

execução, adquiriu bens <strong>do</strong> executa<strong>do</strong>, a pedi<strong>do</strong> deste, não para satisfazer o seu crédito mas para impedir que um<br />

outro cre<strong>do</strong>r, exequente noutro processo, pudesse ver liquida<strong>do</strong> o respectivo crédito, e que na execução instaurada<br />

por este outro cre<strong>do</strong>r vem deduzir embargos de terceiro contra a penhora <strong>do</strong>s bens que adquiriu. A ilegitimidade <strong>do</strong><br />

263


264<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

Ora, face a essa circunstância, o legisla<strong>do</strong>r veio estabelecer mecanismos legais com<br />

vista à conservação da garantia patrimonial <strong>do</strong> crédito e à protecção <strong>do</strong>s interesses patrimoniais<br />

<strong>do</strong>s cre<strong>do</strong>res face a actos de disposição fraudulenta de bens <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r. Reportan<strong>do</strong>-nos ao<br />

objecto <strong>do</strong> presente estu<strong>do</strong>, importa fazer uma breve referência aos regimes da declaração de<br />

nulidade e da impugnação pauliana.<br />

2. DECLARAÇÃO DE NULIDADE<br />

Dispõe o art. 605.º, n.º 1, <strong>do</strong> CC, que os cre<strong>do</strong>res têm legitimidade para invocar a<br />

nulidade <strong>do</strong>s actos pratica<strong>do</strong>s pelo deve<strong>do</strong>r, quer estes sejam anteriores, quer posteriores à<br />

constituição <strong>do</strong> crédito. Para o efeito, é imprescindível que os cre<strong>do</strong>res tenham interesse na<br />

declaração de nulidade, não sen<strong>do</strong> necessário que o acto produza ou agrave a insolvência <strong>do</strong><br />

deve<strong>do</strong>r. Deste mo<strong>do</strong>, é suficiente que o cre<strong>do</strong>r tenha um interesse efectivo na declaração de<br />

nulidade desse negócio jurídico, sen<strong>do</strong> bastante a prova de que esse acto de disposição ou<br />

oneração de bens representou uma maior dificuldade quanto às condições de solvabilidade da<br />

empresa. Além disso, ao contrário <strong>do</strong> que sucede no regime jurídico da impugnação pauliana,<br />

em que um <strong>do</strong>s seus requisitos assenta na anterioridade <strong>do</strong> crédito, no caso da nulidade por<br />

simulação, o crédito sobre o deve<strong>do</strong>r pode ser anterior ou posterior a esse acto de alienação.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, resulta <strong>do</strong> n.º 2 da referida disposição legal que essa declaração de<br />

nulidade tem um efeito universal, porquanto aproveita não só ao cre<strong>do</strong>r que tenha invoca<strong>do</strong> a<br />

nulidade, como também aos demais cre<strong>do</strong>res <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r.<br />

Deste mo<strong>do</strong>, se o deve<strong>do</strong>r realizar um acto de disposição de bens que se encontre<br />

vicia<strong>do</strong> por nulidade (e.g., por violação da forma legalmente prevista para o acto jurídico ou por<br />

falta da vontade), o cre<strong>do</strong>r tem o direito de arguir judicialmente a nulidade desse acto. O caso<br />

paradigmático e com maior relevância em sede de embargos de terceiro prende-se com a<br />

exercício <strong>do</strong> direito a embargar impede-o, in casu, de ver proceder o seu pedi<strong>do</strong> de tutela <strong>do</strong> direito de propriedade,<br />

consequência que se assemelha à eficácia de uma impugnação pauliana. Vide, também, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 12 de<br />

Novembro de 2002, proc. 3337/02 – 6.ª secção, in www.dgsi.pt, no qual se considerou que a circunstância de a<br />

executada e a autora <strong>do</strong>s embargos de terceiro, ambas sociedades por quotas, terem a mesma gerente, acresci<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> decaimento na prova em relação à propriedade exclusiva sobre os bens por parte da embargante, são suficientes<br />

para concluir que esta deduziu pretensão cuja falta de fundamento não ignorava, recain<strong>do</strong> sobre a gerente a<br />

responsabilidade pela condenação como litigante de má fé.”


Meios conservatórios de garantia patrimonial contra embargos de terceiro com finalidade ilícita<br />

simulação de um negócio jurídico de disposição de bens <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r com vista a ocultar o seu<br />

património face à iminência da sua execução coactiva por incumprimento voluntário da<br />

obrigação. Com efeito, nos termos <strong>do</strong> art. 240.º, n.º 1, <strong>do</strong> CC, um negócio diz-se simula<strong>do</strong><br />

quan<strong>do</strong>, por acor<strong>do</strong> entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver<br />

divergência entre a declaração negocial e a vontade real <strong>do</strong> declaratário. Sen<strong>do</strong> o negócio<br />

simula<strong>do</strong> nulo (art. 240.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC), a nulidade pode ser invocada a to<strong>do</strong> o tempo e por<br />

qualquer interessa<strong>do</strong>, designadamente qualquer cre<strong>do</strong>r, poden<strong>do</strong> ser ainda declarada<br />

oficiosamente pelo próprio tribunal (art. 286.º <strong>do</strong> CC).<br />

Deste mo<strong>do</strong>, se A, com o intuito de enganar o seu cre<strong>do</strong>r B, simular a venda de um<br />

imóvel a C ou a existência de uma dívida fictícia em relação a D, crian<strong>do</strong>, desse mo<strong>do</strong>, um<br />

cre<strong>do</strong>r concorrente com B, é lícito ao cre<strong>do</strong>r vir invocar a nulidade desses negócios com base<br />

em simulação contratual.<br />

Nessa exacta medida, se em execução movida por B contra A vier a ser penhora<strong>do</strong> o<br />

imóvel (ainda regista<strong>do</strong> em nome de A) aliena<strong>do</strong> ficticiamente a C, e se este, por sua vez, vier<br />

deduzir embargos de terceiro contra a penhora com fundamento na ofensa <strong>do</strong> seu direito de<br />

propriedade sobre o bem penhora<strong>do</strong>, nada obsta a que o embarga<strong>do</strong> B venha invocar em sede<br />

de contestação aos embargos de terceiro a nulidade, por simulação, <strong>do</strong> negócio jurídico de<br />

transmissão patrimonial <strong>do</strong> imóvel a favor de C. Nessa hipótese, caso venha a ser julgada<br />

procedente a invocação da simulação contratual, os embargos de terceiro devem improceder,<br />

regressan<strong>do</strong> o bem imóvel ao património <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> a fim de ser satisfeito o crédito<br />

exequen<strong>do</strong>.<br />

3. IMPUGNAÇÃO PAULIANA<br />

Para além <strong>do</strong>s actos jurídicos vicia<strong>do</strong>s de nulidade, pode ainda suceder que o deve<strong>do</strong>r<br />

venha a realizar negócios váli<strong>do</strong>s, mas com o único propósito de lesar os interesses patrimoniais<br />

<strong>do</strong>s seus cre<strong>do</strong>res. Ora, sempre que o acto dispositivo tenha em vista a lesão <strong>do</strong>s interesses<br />

patrimoniais <strong>do</strong>s cre<strong>do</strong>res, o legisla<strong>do</strong>r faculta a possibilidade de impugnar esse acto através da<br />

impugnação pauliana 864. Com efeito, dispõe o art. 610.º <strong>do</strong> CC que os actos que envolvam<br />

864 A acção de impugnação pauliana, enquanto meio conservatório da garantia patrimonial, consiste num<br />

meio destina<strong>do</strong> a “evitar a sonegação ou dissipação de bens <strong>do</strong> património <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r”. Por outro la<strong>do</strong>, a lei<br />

permite ao cre<strong>do</strong>r recorrer alternativamente à acção de nulidade por simulação ou à acção de impugnação pauliana,<br />

265


266<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

diminuição da garantia patrimonial <strong>do</strong> crédito e não sejam de natureza pessoal podem ser<br />

impugna<strong>do</strong>s pelo cre<strong>do</strong>r, desde que se verifiquem <strong>do</strong>is requisitos cumulativos 865:<br />

a) Ser o crédito anterior ao acto 866 ou, sen<strong>do</strong> posterior, ter si<strong>do</strong> o acto realiza<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong>losamente com o fim de impedir a satisfação <strong>do</strong> direito <strong>do</strong> futuro cre<strong>do</strong>r;<br />

b) Resultar desse acto a impossibilidade, para o cre<strong>do</strong>r, de obter a satisfação integral <strong>do</strong><br />

seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade.<br />

Estan<strong>do</strong> em causa um acto de natureza onerosa, a impugnação pauliana só poderá ser<br />

julgada procedente se o deve<strong>do</strong>r e o terceiro tiverem agi<strong>do</strong> de má-fé (art. 612.º, n.º 1, 1.ª parte,<br />

<strong>do</strong> CC), entenden<strong>do</strong>-se por má-fé a consciência <strong>do</strong> prejuízo que o acto causa ao cre<strong>do</strong>r, sen<strong>do</strong><br />

bastante a mera representação da possibilidade de produção <strong>do</strong> facto danoso em consequência<br />

da conduta <strong>do</strong> agente (art. 612.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC) 867 868 . Em contrapartida, sen<strong>do</strong> impugna<strong>do</strong> um<br />

acto de natureza gratuita, a impugnação pauliana deve ser julgada procedente mesmo que o<br />

alienante e o adquirente se encontrem de boa fé (art. 612.º, n.º 1, 2.ª parte, <strong>do</strong> CC).<br />

sen<strong>do</strong> certo que a primeira se revela de especial dificuldade em sede probatória (cfr., nesse senti<strong>do</strong>, MARTINEZ,<br />

Pedro Romano; PONTE, Pedro Fuzeta da, Garantias <strong>do</strong> Cumprimento, ob. cit., pp. 14 e 19).<br />

Sobre o instituto jurídico da impugnação pauliana (accíon revocatória o pauliana) e quanto à sua função<br />

reconvencional no direito espanhol, vide ANGEL FERNANDEZ, Miguel, Derecho Procesal Civil III, ob. cit., p. 95. Vide,<br />

a este propósito, o art. 1276. <strong>do</strong> CC Es., segun<strong>do</strong> o qual “La expresión de una causa falsa en los contratos dará<br />

lugar a la nulidad, si no se probase que estaban funda<strong>do</strong>s en otra verdadera y lícita.”<br />

865 Quanto aos requisitos da impugnação pauliana, cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 3 de Dezembro de 1999, proc.<br />

1178/98, in www.dgsi.pt.<br />

866 Compreende-se que assim o seja, já que o cre<strong>do</strong>r apenas poderá ter uma expectativa juridicamente<br />

atendível em relação aos bens que compunham o património <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r à data da constituição da obrigação (cfr.,<br />

nesse senti<strong>do</strong>, COSTA, Mário Júlio de Almeida, Direito das Obrigações, ob. cit., p. 800).<br />

867 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ Br., de 12 de Agosto de 2008, in www.stj.gov.br, segun<strong>do</strong> o qual<br />

“Evidencia-se a boa-fé <strong>do</strong> adquirente se não prova<strong>do</strong> o <strong>do</strong>lo <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r ou o conluio entre os interessa<strong>do</strong>s pelo<br />

exeqüente. Ocorrida a alienação <strong>do</strong> bem antes da citação <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r é incabível falar em fraude à execução.”<br />

868 Cfr., a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 9 de Abril de 2002, proc. 747/02 – 6.ª secção, in www.dgsi.pt,<br />

bem como o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 20 de Junho de 2006 proc. 922/06 – 1.ª secção, in www.dgsi.pt: “Provan<strong>do</strong>-se que o<br />

embargante e o executa<strong>do</strong> e mulher (que não é parte) acordaram na venda para evitarem a execução <strong>do</strong> prédio<br />

para pagamento de dívida <strong>do</strong> mesmo executa<strong>do</strong> a terceiros, com o que a embargada-exequente tem mais<br />

dificuldades em cobrar o seu crédito, o que aqueles pretenderam, pode qualificar-se a actuação <strong>do</strong>s recorri<strong>do</strong>s<br />

intervenientes no negócio como <strong>do</strong>losa.”


Meios conservatórios de garantia patrimonial contra embargos de terceiro com finalidade ilícita<br />

Deste mo<strong>do</strong>, o cre<strong>do</strong>r poderá recorrer à impugnação pauliana quan<strong>do</strong> esteja em causa<br />

um acto de afectação <strong>do</strong> património <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r, sen<strong>do</strong> certo que a impugnação não é atingida<br />

pela eventual nulidade <strong>do</strong> acto realiza<strong>do</strong> pelo deve<strong>do</strong>r (art. 615.º, n.º 1, <strong>do</strong> CC) 869.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, importa referir que recai sobre o cre<strong>do</strong>r uma verdadeira prova diabólica<br />

quanto à prova, por um la<strong>do</strong>, da má-fé <strong>do</strong> adquirente <strong>do</strong> bem, assim como da impossibilidade de<br />

satisfação integral <strong>do</strong> crédito em consequência <strong>do</strong> acto dispositivo de bens <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r.<br />

Sen<strong>do</strong> julgada procedente a impugnação pauliana, o cre<strong>do</strong>r obtém o direito à restituição<br />

<strong>do</strong>s bens objecto <strong>do</strong> contrato impugna<strong>do</strong> na medida <strong>do</strong> seu interesse 870 , poden<strong>do</strong> ainda executá-<br />

los no património <strong>do</strong> obriga<strong>do</strong> à restituição, bem como praticar os actos de conservação da<br />

garantia patrimonial autoriza<strong>do</strong>s por lei (art. 616.º, n.º 1, <strong>do</strong> CC) 871. Por outro la<strong>do</strong>, nesse caso o<br />

embargante deve ser condena<strong>do</strong> como litigante de má-fé pelo facto de fazer <strong>do</strong> processo um uso<br />

manifestamente reprovável, deduzin<strong>do</strong> uma oposição cuja falta de fundamento não podia<br />

ignorar 872 .<br />

Nessa exacta medida, reportan<strong>do</strong>-nos ao tema objecto <strong>do</strong> nosso estu<strong>do</strong>, se o terceiro<br />

adquirente <strong>do</strong> bem vier deduzir embargos de terceiro contra a penhora <strong>do</strong> bem em acção<br />

executiva movida contra o deve<strong>do</strong>r alienante, pode o cre<strong>do</strong>r embarga<strong>do</strong> deduzir contestação aos<br />

embargos de terceiro quan<strong>do</strong> sustente que a alienação <strong>do</strong> bem ao terceiro embargante teve tão<br />

só como único propósito a ocultação <strong>do</strong>losa <strong>do</strong> património <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> e que essa actuação foi<br />

873 facilitada pela atitude <strong>do</strong> terceiro ora embargante 874.<br />

869 Pon<strong>do</strong> termo a divergências <strong>do</strong>utrinais quanto à sujeição da acção de impugnação pauliana a registo, o<br />

art. 3.º, n.º 1, a) <strong>do</strong> CRPred. passou a determinar que esta acção se encontra sujeita a registo.<br />

870 Cfr., a este propósito, VARELA, Antunes, Das Obrigações em Geral, vol. II, ob. cit., p. 457.<br />

871 Cfr., a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 4 de Janeiro de 1994, in BMJ, 433.º, p. 618: “Os bens cuja<br />

alienação foi impugnada, não regressam, por força da procedência da impugnação, ao património <strong>do</strong> alienante,<br />

perduran<strong>do</strong> o direito real transmiti<strong>do</strong> a terceiro; o exequente é que, na exacta medida <strong>do</strong> seu interesse, poderá<br />

executá-lo ao abrigo <strong>do</strong> art. 818.º <strong>do</strong> Cód. Civil.”<br />

872 Cfr. quanto à litigância de má-fé pelo oponente em sede de embargos de terceiro, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 20<br />

de Junho de 2006, proc. 922/06 – 1.ª secção, in www.dgsi.pt.<br />

873 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 28 de Março de 2007, proc. 208-A/2002, in www.dgsi.pt.<br />

874 Deste mo<strong>do</strong>, se o terceiro vier deduzir embargos pelo facto da penhora ter recaí<strong>do</strong> sobre um bem que<br />

adquirira ao executa<strong>do</strong>, é lícito ao exequente embarga<strong>do</strong> invocar a impugnação pauliana contra esse acto de<br />

disposição patrimonial se essa venda implicar, na prática, a impossibilidade <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r exequente obter a satisfação<br />

<strong>do</strong> seu crédito (cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 28 de Março de 2006, proc. 442/05 – 6.ª secção, in<br />

www.dgsi.pt).<br />

267


268<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

A este respeito impõe-se referir que o art. 1041.º <strong>do</strong> CPC 1961 previa a possibilidade de<br />

rejeição liminar <strong>do</strong>s embargos de terceiro com fundamento na aplicação de um regime<br />

semelhante ao da impugnação pauliana, se bem que menos rigoroso no que concerne aos<br />

pressupostos necessários para a impugnação eficaz <strong>do</strong> acto 875 . Na verdade, preceituava a<br />

referida disposição legal que a rejeição <strong>do</strong>s embargos podia fundamentar-se em qualquer facto<br />

susceptível de comprometer o êxito <strong>do</strong>s embargos, designadamente no caso da posse <strong>do</strong><br />

embargante se fundar em transmissão feita por aquele contra quem fosse promovida a diligência<br />

judicial, se fosse manifesto, pela data em que o acto foi realiza<strong>do</strong> ou por quaisquer outras<br />

circunstâncias, que essa transmissão havia si<strong>do</strong> efectuada com o propósito <strong>do</strong> transmitente se<br />

poder subtrair à sua responsabilidade 876.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, importa salientar que, em sede de embargos de terceiro, para que<br />

impugnação pauliana da venda ao embargante venha a ser julgada procedente, não se exige o<br />

<strong>do</strong>lo por parte <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r alienante. Na verdade, sen<strong>do</strong> o crédito <strong>do</strong> exequente anterior ao acto<br />

de disposição patrimonial, para a procedência da impugnação é suficiente a onerosidade <strong>do</strong> acto<br />

associada ao conhecimento da inexistência de outros bens no património <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r executa<strong>do</strong><br />

que garantam a satisfação <strong>do</strong> crédito exequen<strong>do</strong> 877 .<br />

875 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, REIS, José Alberto <strong>do</strong>s, Processos Especiais, vol. I, ob. cit., p. 444.<br />

876 A este propósito escreveu ALBERTO DOS REIS: “(na base desta disposição) não está a ideia de se<br />

frustrar um acto simula<strong>do</strong>; a transmissão pode deixar de ser fictícia, pode constituir um acto verdadeiro; mas<br />

porque foi pratica<strong>do</strong> com o propósito manifesto de ludibriar o cre<strong>do</strong>r, rejeitam-se os embargos que nele se apoiam”<br />

(REIS, José Alberto <strong>do</strong>s, Processos Especiais, vol. I, ob. cit., p. 444).<br />

877 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 28 de Março de 2006, proc. 442/05 – 6.ª secção, in www.dgsi.pt.


Meios conservatórios de garantia patrimonial contra embargos de terceiro com finalidade ilícita<br />

PARTE II<br />

ÂMBITO ADJECTIVO DOS EMBARGOS DE TERCEIRO<br />

269


270<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva


Legitimidade<br />

CAPÍTULO I<br />

PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS<br />

SECÇÃO I<br />

LEGITIMIDADE<br />

Sumário: 1. Legitimidade processual activa. 1.1. Âmbito. 1.2. O<br />

princípio da legitimidade processual formal em sede executiva. 1.3. Desvios<br />

ao princípio da legitimidade processual formal. 1.3.1. Sucessão no direito ou<br />

na obrigação. 1.3.2. Execução de bens onera<strong>do</strong>s com garantia real.<br />

1.3.3. Execução contra o terceiro possui<strong>do</strong>r de bens pertencentes ao<br />

executa<strong>do</strong>. 2. Legitimidade processual <strong>do</strong> cônjuge. 2.1. Situações em que é<br />

admissível a dedução de embargos de terceiro. 2.2. Situações em que não é<br />

admissível a dedução de embargos de terceiro. 3. Legitimidade processual<br />

passiva.<br />

1. LEGITIMIDADE PROCESSUAL ACTIVA<br />

1.1. ÂMBITO<br />

A legitimidade processual consiste na posição da parte numa determinada acção 878 ,<br />

dispon<strong>do</strong> o art. 26.º <strong>do</strong> CPC que o autor é parte legítima quan<strong>do</strong> tem interesse directo em<br />

demandar, sen<strong>do</strong> que tal interesse se exprime pela utilidade derivada da procedência da acção.<br />

Com efeito, a legitimidade processual, não sen<strong>do</strong> uma qualidade pessoal das partes, exprime-se<br />

pela relação intrínseca entre elas e o objecto <strong>do</strong> processo, em termos da pretensão que se<br />

pretende ver acolhida 879.<br />

878 AMARAL, José Augusto Pais <strong>do</strong>, Direito Processual Civil, 6.ª ed., Almedina, 2006, p. 87.<br />

879 Ac. <strong>do</strong> STJ, de 9 de Maio de 2006, proc. 1537/2006 – 7, in www.dgsi.pt.<br />

271


272<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

Nos termos <strong>do</strong> art. 351.º, n.º 1, <strong>do</strong> CPC, os embargos de terceiro podem ser deduzi<strong>do</strong>s<br />

por qualquer terceiro que não seja parte na causa em que tal meio de defesa é deduzi<strong>do</strong> 880.<br />

Deste mo<strong>do</strong>, para que alguém possa desencadear semelhante incidente, este tem de assumir no<br />

processo a posição de terceiro, isto é, não pode intervir na causa na qualidade de parte<br />

881 processual 882.<br />

880 Nos termos <strong>do</strong> art. 595. da LEC, “[P]odrá interponer teceria de <strong>do</strong>mínio, en forma de demanda, quien,<br />

sin ser parte en la ejecución, afirme ser dueño de un bien embarga<strong>do</strong> como perteneciente al ejecuta<strong>do</strong> y que no há<br />

adquiri<strong>do</strong> de este una vez traba<strong>do</strong> el embargo.”<br />

881 O Código de Processo Civil de 1876 determinava no seu art. 922.º que tinha legitimidade para deduzir<br />

embargos de terceiro quem não tivesse si<strong>do</strong> ouvi<strong>do</strong> ou convenci<strong>do</strong> na acção, nem representasse quem nela fora<br />

condena<strong>do</strong>.<br />

Posteriormente, o Código de Processo Civil de 1939 veio determinar que o terceiro é aquele que não<br />

interveio no processo ou no acto jurídico de que emana a diligência judicial, nem representa quem foi condena<strong>do</strong><br />

nele ou quem nele se obrigou (arts. 1036.º, § 1.º, <strong>do</strong> CPC 1939). Nessa exacta medida, se a diligência de penhora<br />

resultasse, e.g., da execução de uma sentença condenatória, o embargante teria a posição de terceiro se a<br />

sentença não constituísse caso julga<strong>do</strong> quanto a si, pois, em tal caso, ao terceiro seria lícito subtrair-se aos efeitos<br />

da sentença condenatória. No mesmo senti<strong>do</strong>, estan<strong>do</strong> em causa a execução de um título executivo extrajudicial, o<br />

terceiro teria legitimidade para embargar se não tivesse assumi<strong>do</strong> qualquer obrigação jurídica perante o título que<br />

sustentasse a execução. Significa isto que, no <strong>do</strong>mínio da acção executiva, o critério relevante era que o terceiro,<br />

independentemente de se encontrar nomea<strong>do</strong> no processo executivo como participante processual (maxime como<br />

cre<strong>do</strong>r ou deve<strong>do</strong>r <strong>do</strong> executa<strong>do</strong>), não figurasse no processo com o estatuto processual de executa<strong>do</strong> 881 . Podia, no<br />

entanto, suceder que o condena<strong>do</strong> em acção judicial ou o obriga<strong>do</strong> em acto jurídico <strong>do</strong> qual resultasse a diligência<br />

de ofensa da posse ou de um direito incompatível com a sua finalidade, conservasse a posição de terceiro com a<br />

inerente faculdade de deduzir embargos de terceiro. Pense-se, e.g., no caso <strong>do</strong> herdeiro, executa<strong>do</strong> por dívidas <strong>do</strong><br />

autor da herança, nas situações em que a penhora atinja os seus bens próprios 881 .<br />

Por outro la<strong>do</strong>, importa referir que o § 1 <strong>do</strong> art. 1036.º <strong>do</strong> CPC 1939 previa a possibilidade de dedução de<br />

embargos de terceiro pelo próprio condena<strong>do</strong> ou obriga<strong>do</strong> relativamente aos bens que não devessem ser atingi<strong>do</strong>s<br />

pela diligência ordenada em virtude <strong>do</strong> título da sua aquisição ou da qualidade em que os possuísse.<br />

O Código de Processo Civil de 1961 manteve a mesma configuração jurídica de legitimidade para efeitos<br />

de dedução <strong>do</strong> processo especial de embargos de terceiro, conforme melhor resulta <strong>do</strong> art. 1037.º, n.º 2, <strong>do</strong><br />

CPC 1961. Com efeito, ao abrigo dessa disposição legal, o embargante tinha a posição de terceiro se a sentença<br />

declarativa não constituísse caso julga<strong>do</strong> contra ele, ou, estan<strong>do</strong> em causa um título executivo extrajudicial, não<br />

tivesse assumi<strong>do</strong> qualquer obrigação perante o título (cfr., a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 29 de Abril de 1992,<br />

proc. 0075194, www.dgsi.pt, segun<strong>do</strong> o qual “considera-se terceiro aquele que não tenha intervin<strong>do</strong> no processo ou<br />

no acto jurídico de que emana a diligência judicial, nem represente quem foi condena<strong>do</strong> no processo ou quem no<br />

acto se obrigou”; cfr. ainda o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 6 de Maio de 1993, proc. 083764, in www.dgsi.pt, segun<strong>do</strong> o qual “[O]<br />

embargante tem posição de terceiro desde que nem a sentença nem o acto jurídico constituam para ele fonte de


Legitimidade<br />

Por outro la<strong>do</strong>, a reforma processual de 95/96 veio alargar substancialmente a<br />

legitimidade activa para a dedução de embargos de terceiro, da<strong>do</strong> que, por um la<strong>do</strong>,<br />

desvinculou-a da posse, admitin<strong>do</strong>-se, agora, que os embargos tenham por fundamento um<br />

direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, e, por outro, atribuiu-a a<br />

qualquer possui<strong>do</strong>r, seja ele em nome próprio ou alheio 883.<br />

obrigação.”). Deste mo<strong>do</strong>, a legitimidade processual activa para a dedução de embargos de terceiro implicava o<br />

preenchimento cumulativo de <strong>do</strong>is pressupostos ou requisitos processuais, a saber: por um la<strong>do</strong>, de acor<strong>do</strong> com o<br />

disposto no art. 1037.º, n.º 2, primeira parte, <strong>do</strong> CPC 1961, que o embargante fosse “terceiro”, isto é, que não tivesse<br />

intervin<strong>do</strong> no processo ou no acto jurídico de que emanasse a diligência judicial, nem representasse quem fosse<br />

condena<strong>do</strong> no processo ou quem no acto se tivesse obriga<strong>do</strong> ― embora, os embargos de terceiro pudessem ser<br />

deduzi<strong>do</strong>s pelo próprio executa<strong>do</strong> no caso especial previsto no art. 1037.º, n.º 2, in fine, <strong>do</strong> CPC 1961, ou seja, quanto<br />

aos bens que, pelo título da sua aquisição ou pela qualidade em que os possuísse, não devessem ser atingi<strong>do</strong>s pela<br />

diligência ordenada ― ; e, por outro la<strong>do</strong>, que o embargante tivesse a posse <strong>do</strong>s bens penhora<strong>do</strong>s e que essa<br />

posse 881 tivesse si<strong>do</strong> indevidamente atingida pela diligência judicial.<br />

Conforme denota LOPES CARDOSO, o art. 1037.º, n.º 2, atento o seu elemento literal, permitia a<br />

formulação de duas conclusões:<br />

- por um la<strong>do</strong>, quem fosse condena<strong>do</strong> pela sentença exequenda ou se tivesse obriga<strong>do</strong> no título executivo,<br />

se este for diverso de sentença, não podia deduzir embargos de terceiro, ainda que a execução não tivesse si<strong>do</strong><br />

movida contra ele;<br />

- por outro la<strong>do</strong>, quem não tivesse si<strong>do</strong> condena<strong>do</strong> na sentença ou não se tivesse obriga<strong>do</strong> no título<br />

executivo, mas tivesse si<strong>do</strong> executa<strong>do</strong>, podia deduzir embargos de terceiro em vez de deduzir embargos de<br />

executa<strong>do</strong>.<br />

Com efeito, esta interpretação resultava <strong>do</strong> facto de a legitimidade para embargar de terceiro ser aferida<br />

em função <strong>do</strong> título e não da execução, situação que levava a resulta<strong>do</strong>s indesejáveis. Deste mo<strong>do</strong>, na primeira<br />

situação devia entender-se que, se a acção executiva não tivesse si<strong>do</strong> movida contra o obriga<strong>do</strong> no título, este<br />

conservava a posição de terceiro, pelo que podia deduzir embargos contra a penhora <strong>do</strong>s seus bens. Quanto à<br />

segunda situação, se a execução tivesse si<strong>do</strong> movida contra quem não se tivesse obriga<strong>do</strong> no título, sen<strong>do</strong> este<br />

parte na acção, estava-lhe vedada a possibilidade de deduzir embargos de terceiro, só lhe restan<strong>do</strong> os embargos de<br />

executa<strong>do</strong> (cfr. CARDOSO, Eurico Lopes, Manual da Acção Executiva, ob. cit., pp. 383 e 384).<br />

882 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 26 de Maio de 1994, proc. 9351201, in www.dgsi.pt, bem como o Ac. <strong>do</strong> TRP, de<br />

6 de Dezembro de 2001, proc. 0131642, in www.dgsi.pt: “É terceiro quem não é parte na causa, isto é, quem não<br />

tiver si<strong>do</strong> acciona<strong>do</strong> ou requeri<strong>do</strong> em qualquer processo, abrangen<strong>do</strong> os procedimentos cautelares.”<br />

www.dgsi.pt.<br />

883 Cfr., neste senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 19 de Setembro de 2002, proc. 2011/02 – 7.ª secção, in<br />

273


274<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

Importa, pois, determinar em que situações um terceiro possui<strong>do</strong>r ou titular de um<br />

direito incompatível pode socorrer-se <strong>do</strong>s embargos de terceiro.<br />

Com a reforma processual civil de 95/96, o art. 351.º <strong>do</strong> CPC veio estabelecer que o<br />

terceiro é o titular <strong>do</strong> direito incompatível ou que viu a sua posse ofendida pela penhora, sen<strong>do</strong><br />

certo que não pode ser parte na acção executiva. Vale isto por dizer que o terceiro só poderá<br />

embargar desde que não seja parte na acção principal 884 ou um sucessor jurídico da parte 885,<br />

ainda que, em certos casos, pudesse ser parte na causa por se encontrar obriga<strong>do</strong> no título<br />

executivo que serve de fundamento à execução 886 887 888 . Deste mo<strong>do</strong>, encontra-se vedada ao<br />

884 Do mesmo mo<strong>do</strong>, no âmbito da LEC espanhola, a oposição de terceiro só pode ser deduzida por quem<br />

não seja parte na causa. Nessa exacta medida, uma vez que a legitimidade é definida em função da acção executiva<br />

e não <strong>do</strong> respectivo título, quem não apareça no título executivo, mas apesar disso venha a ser demanda<strong>do</strong> para a<br />

acção executiva, passa a assumir a posição de parte na acção, motivo pelo qual só poderá deduzir oposição na<br />

qualidade de executa<strong>do</strong> e não de terceiro – art. 538.2 da LEC (MONTERO AROCA, Juan, El Nuevo Proceso Civil –<br />

Ley 1/2000, ob. cit., p. 764).<br />

885 Cfr., a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 27 de Janeiro de 2005, proc. 4364/04 – 6.ª secção, in<br />

www.dgsi.pt: “Não tem a qualidade de terceiro para efeitos de dedução <strong>do</strong>s embargos correspondentes, sen<strong>do</strong> pois<br />

parte ilegítima, a associação que foi constituída para ser a proprietária da associação executada, ten<strong>do</strong>-lhe sucedi<strong>do</strong><br />

nos respectivos direitos e obrigações. Vin<strong>do</strong> a nova associação a absorver a associação executada, fican<strong>do</strong> com to<strong>do</strong><br />

o seu património e ten<strong>do</strong> os mesmo representantes legais, impõe o princípio da boa fé que se faça o levantamento<br />

da personalidade de mo<strong>do</strong> a atender aos valores fundamentais <strong>do</strong> sistema jurídico”.<br />

886 Será o caso, e.g., <strong>do</strong> cônjuge <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> condena<strong>do</strong> em acção declarativa de condenação, mas que<br />

não viu ser movida contra ele a respectiva acção executiva, ou o terceiro que ten<strong>do</strong> onera<strong>do</strong> um bem próprio para<br />

garantir o cumprimento da obrigação <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r vê o exequente mover apenas a execução contra o deve<strong>do</strong>r pelo<br />

facto de prescindir dessa garantia. Deste mo<strong>do</strong>, enquanto o regime processual anterior à reforma de 95/96<br />

configurava a legitimidade processual <strong>do</strong> terceiro em função da vinculação em relação ao título executivo e<br />

independentemente de quem fosse parte na acção executiva, já o novo regime processual veio aferir a legitimidade<br />

<strong>do</strong> terceiro em conformidade com as partes demandadas na causa e independentemente da sujeição <strong>do</strong> sujeito ao<br />

título (cfr., a este propósito, CASTRO, Artur Anselmo de, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, ob. cit.,<br />

p. 356).<br />

887 A este propósito, não podemos concordar com o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 21 de Novembro de 2006, proc.<br />

3740/06 – 6.ª secção, in www.dgsi.pt, o qual veio determinar que “Terceiro - agora quem não é parte na causa - é<br />

o mesmo que antes: é aquele que não interveio no processo ou no acto jurídico de que emana a diligência judicial<br />

nem representa quem foi condena<strong>do</strong> no processo ou no acto se obrigou”. Na verdade, o critério actualmente<br />

a<strong>do</strong>pta<strong>do</strong> para se aferir da legitimidade processual activa é diametralmente oposto <strong>do</strong> que se verificava no regime<br />

anterior à reforma de 95/96, já que, actualmente, a qualidade de terceiro resulta <strong>do</strong> simples facto de não ser parte<br />

na causa principal da qual resultou a penhora ou a diligência ofensiva, independentemente de o terceiro ter ou não


Legitimidade<br />

executa<strong>do</strong> a possibilidade de deduzir embargos de terceiro com o intuito de se opor a penhora<br />

realizada no processo executivo, da<strong>do</strong> que a lei processual coloca à sua disposição outros meios<br />

que lhe permitem opor-se à execução ilegal <strong>do</strong> bem e à tutela <strong>do</strong> seu direito 889.<br />

De acor<strong>do</strong> com o actual regime processual, a legitimidade <strong>do</strong> terceiro deve ser aferida<br />

nos termos gerais (arts. 26.º, n. os 1 e 3 <strong>do</strong> CPC) 890. Assim, assumirá a posição jurídica de terceiro<br />

quem não for parte na acção principal ou no procedimento <strong>do</strong> qual resultou a diligência ofensiva<br />

da posse ou <strong>do</strong> direito <strong>do</strong> terceiro que se revele incompatível com a finalidade ou o âmbito dessa<br />

diligência 891 . Nessa medida, será terceiro to<strong>do</strong> aquele que não seja parte no processo de que<br />

emanou a penhora ou a diligência judicial 892, independentemente da circunstância de se<br />

encontrar ou não obriga<strong>do</strong> no título executivo que a fundamenta 893.<br />

O facto de se exigir que o terceiro não seja parte na acção principal ou no respectivo<br />

procedimento não implica que os embargos de terceiro não possam ser deduzi<strong>do</strong>s por quem já<br />

tenha si<strong>do</strong> parte na acção, embora actualmente já não o seja. Pense-se, por exemplo, no caso<br />

de uma acção executiva movida contra <strong>do</strong>is executa<strong>do</strong>s em que um deles tenha si<strong>do</strong> absolvi<strong>do</strong><br />

da instância por ser parte ilegítima e em que, posteriormente, a penhora venha atingir bens de<br />

que este seja exclusivo proprietário. Deste mo<strong>do</strong>, a legitimidade processual para a dedução de<br />

intervin<strong>do</strong> no processo <strong>do</strong> qual resultou a diligência judicial ou <strong>do</strong> facto de representar ou não quem foi condena<strong>do</strong><br />

no processo ou de se ter obriga<strong>do</strong> no acto.<br />

888 Em senti<strong>do</strong> contrário, cfr., a propósito <strong>do</strong> ordenamento jurídico italiano, FREDERICO CARPI; MICHELE<br />

TARUFFO, Commentario Breve al Codice di Procedura Civile, ob. cit., p. 1842, segun<strong>do</strong> os quais a legitimidade em<br />

sede de oposição de terceiro implica que não exista qualquer vínculo jurídico ou obrigação entre o terceiro e o<br />

cre<strong>do</strong>r exequente.<br />

889 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 6 de Outubro de 1997, proc. 9750647, in www.dgsi.pt, bem como<br />

o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 1 de Março de 2007, proc. 5651/06-2, in www.dgsi.pt. “O executa<strong>do</strong> carece de legitimidade activa<br />

para intervir em embargos de terceiro a fim de defender a posse (quer em nome e agin<strong>do</strong> no interesse <strong>do</strong>s<br />

proprietários, quer invocan<strong>do</strong> a qualidade de possui<strong>do</strong>r precário) relativamente a acto de penhora, atenta a sua<br />

qualidade de parte no processo executivo. Para tal efeito a lei criou um novo meio de tutela da posição <strong>do</strong> executa<strong>do</strong><br />

– a oposição à penhora regulada no art.º 863º-A, <strong>do</strong> CPC.”<br />

890 SOUSA, Miguel Teixeira de, Acção Executiva Singular, ob. cit., p. 301.<br />

891 Vide, a este propósito, COSTA, Salva<strong>do</strong>r da, Os Incidentes da Instância, ob. cit., p. 205.<br />

892 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 22 de Junho de 2005, in CJ, tomo II, 2005, p. 141.<br />

893 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 4 de Novembro de 1952, in BMJ, 33.º, p. 296: «terceiro, em relação penhora, é<br />

to<strong>do</strong> aquele que não é exequente nem executa<strong>do</strong>».<br />

275


276<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

embargos de terceiro deve ser determinada em função <strong>do</strong> momento em que foi realizada a<br />

diligência ofensiva 894.<br />

Não é lícito ao próprio executa<strong>do</strong> vir deduzir embargos de terceiro com o fundamento de<br />

que os bens penhora<strong>do</strong>s pertencem a um terceiro ou para defender a sua posse em nome de<br />

um terceiro proprietário ou na qualidade de possui<strong>do</strong>r precário, da<strong>do</strong> que assume a posição<br />

processual de parte na acção judicial de que resultou esse acto ofensivo 895.<br />

Saliente-se, por último, a possibilidade de um cre<strong>do</strong>r deduzir embargos de terceiro em<br />

sub-rogação e em nome de um deve<strong>do</strong>r. Na verdade, sen<strong>do</strong> a sub-rogação um instituto jurídico<br />

que permite ao cre<strong>do</strong>r substituir-se ao deve<strong>do</strong>r que não age, com vista à salvaguarda <strong>do</strong> seu<br />

crédito sobre terceiros, nesse caso o cre<strong>do</strong>r age na qualidade de representante ou substituto<br />

legal <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r, pelo que tem legitimidade para deduzir embargos de terceiro contra uma<br />

penhora ou um acto judicialmente ordena<strong>do</strong> que tenha ofendi<strong>do</strong> a posse ou um direito<br />

incompatível <strong>do</strong> seu deve<strong>do</strong>r 896 .<br />

1.2. O PRINCÍPIO DA LEGITIMIDADE PROCESSUAL FORMAL EM SEDE EXECUTIVA<br />

Ten<strong>do</strong> em conta a relevância da penhora enquanto diligência susceptível de desencadear<br />

a dedução de embargos de terceiro, importa tecer uma breve consideração quanto à<br />

legitimidade processual em sede executiva.<br />

Com efeito, na acção executiva a legitimidade processual é definida em função <strong>do</strong> título<br />

executivo. Na verdade, nos termos <strong>do</strong> art. 55.º <strong>do</strong> CPC, o qual consagra o princípio da<br />

legitimidade processual formal, a execução deve ser intentada pela pessoa que no título<br />

executivo figure como cre<strong>do</strong>r e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição<br />

de deve<strong>do</strong>r 897 . Deste mo<strong>do</strong>, ao contrário <strong>do</strong> que sucede no processo declarativo, em que o<br />

legisla<strong>do</strong>r configura a legitimidade processual em função <strong>do</strong> interesse da parte quanto à<br />

procedência ou improcedência da demanda, no processo executivo essa legitimidade é aferida<br />

894 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 14 de Janeiro de 2003, in CJ, tomo I, 2003, p. 5.<br />

895 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, COSTA, Salva<strong>do</strong>r da, Os Incidentes da Instância, ob. cit., p. 205.<br />

896 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 22 de Junho de 1996, proc. 0633118, in www.dgsi.pt.<br />

897 Do mesmo mo<strong>do</strong>, no ordenamento jurídico espanhol, “(las) partes en ele proceso de ejecucíon son<br />

quienes aparecen legitimidas activa y pasivamente en el título ejecutivo” (cfr. ANGEL FERNANDEZ, Miguel, Derecho<br />

Procesal Civil III, ob. cit., p. 69).


Legitimidade<br />

mediante uma relação de concordância ou de coincidência entre a parte a pessoa assim<br />

designada no respectivo título 898.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, ao contrário <strong>do</strong> que se verifica no art. 26.º, n.º 3, <strong>do</strong> CPC, em que o<br />

legisla<strong>do</strong>r permite a ampliação subjectiva da lide para além <strong>do</strong> âmbito restrito da relação<br />

material controvertida, no <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> processo executivo não é permitida a ampliação <strong>do</strong><br />

conteú<strong>do</strong> da relação processual — a acção deve ser promovida por quem figura no título como<br />

cre<strong>do</strong>r e deve ser proposta contra quem nele figura como deve<strong>do</strong>r —, ou seja, a legitimidade é<br />

expressamente determinada pelo título 899 .<br />

Uma vez que só podem ser penhora<strong>do</strong>s em sede executiva os bens pertencentes ao<br />

executa<strong>do</strong> (seja ele ou não o deve<strong>do</strong>r principal), caso sejam afecta<strong>do</strong>s bens de um terceiro, isto<br />

é, de quem não figure como parte em sede executiva, ser-lhe-á lícito reagir contra essa agressão<br />

patrimonial, quer em sede de embargos de terceiro (art. 351.º <strong>do</strong> CPC), quer por oposição<br />

mediante simples requerimento ou através da instauração de uma acção de reivindicação (arts.<br />

1311.º, n.º 1, e 1315.º, ambos <strong>do</strong> CC).<br />

1.3. DESVIOS AO PRINCÍPIO DA LEGITIMIDADE PROCESSUAL FORMAL<br />

O art. 56.º <strong>do</strong> CPC consagra desvios à regra geral da determinação da legitimidade em<br />

sede executiva, admitin<strong>do</strong>, consequentemente, a possibilidade da execução poder ter como<br />

partes pessoas distintas daquelas que figuram no título como cre<strong>do</strong>r ou deve<strong>do</strong>r, caso em que a<br />

penhora poderá incidir sobre bens integrantes <strong>do</strong> património desses terceiros 900 . Trata-se, na<br />

verdade, de situações em que existe uma extensão da responsabilidade patrimonial a uma<br />

pessoa distinta daquela que figura nessa qualidade no título executivo.<br />

898 Cfr. SOUSA, Miguel Teixeira de, Acção Executiva Singular, ob. cit., p. 222, segun<strong>do</strong> o qual “as regras<br />

sobre a legitimidade da parte na acção executiva garantem a presença em juízo <strong>do</strong> sujeito cujo património é<br />

responsável pelo pagamento da dívida, ou seja, elas preparam a necessária coincidência entre o sujeito responsável<br />

e a parte demandada.”<br />

899 Cfr., a este propósito, SILVA, João Azeve<strong>do</strong> da, Lições de Processo de Execução Civil, Editora Rei <strong>do</strong>s<br />

Livros, Lisboa, 1995, p. 77.<br />

900 Cfr. quanto ao conceito de “terceiro”, SOUSA, Miguel Teixeira de, Acção Executiva Singular, ob. cit., p.<br />

223: “Terceiro, neste senti<strong>do</strong>, é alguém que é estranho à obrigação exequenda e não aquele que não é parte na<br />

execução.”<br />

277


278<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

1.3.1. SUCESSÃO NO DIREITO OU NA OBRIGAÇÃO<br />

Nos termos <strong>do</strong> n.º 1 dessa citada disposição legal, em caso de sucessão no direito ou na<br />

obrigação, a acção executiva deve correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram<br />

como cre<strong>do</strong>r ou deve<strong>do</strong>r da obrigação exequenda.<br />

Ocorren<strong>do</strong> a sucessão 901 (inter vivos ou mortis causa) antes da instauração da acção<br />

executiva, incumbe ao exequente invocar no título executivo os factos constitutivos da sucessão.<br />

Se a sucessão se verificar na pendência da causa 902 , o sucessor poderá intervir na demanda<br />

através de um incidente de habilitação.<br />

Podem, no entanto, verificar-se inversões a esta regra da determinação da legitimidade<br />

ínsita no art. 56.º, n.º 1, <strong>do</strong> CPC. Pense-se, por exemplo, numa acção emergente de acidente de<br />

viação intentada contra o Fun<strong>do</strong> de Garantia Automóvel e o lesante (por este não ter seguro), em<br />

que, haven<strong>do</strong> lugar a uma condenação solidária <strong>do</strong>s réus, o Fun<strong>do</strong> de Garantia Automóvel paga<br />

a indemnização. Deste mo<strong>do</strong>, fican<strong>do</strong> sub-roga<strong>do</strong> nos direitos <strong>do</strong> lesa<strong>do</strong>, por sucessão nos<br />

direitos deste, nada obsta a que o Fun<strong>do</strong> de Garantia Automóvel possa demandar em sede<br />

executiva o lesante 903 .<br />

Em caso de sucessão subjectiva da instância, o terceiro passa a ser parte na causa, pelo<br />

que, perden<strong>do</strong> semelhante qualidade, deixa de ter legitimidade para poder deduzir embargos de<br />

terceiro. Deste mo<strong>do</strong>, se o executa<strong>do</strong> vem a falecer na pendência da acção executiva e se for<br />

promovida a habilitação <strong>do</strong>s herdeiros para, como sucessores daquele, prosseguirem na<br />

execução inicialmente intentada contra o de cujus, fica vedada aos herdeiros a possibilidade de<br />

deduzirem embargos de terceiro contra uma diligência realizada nessa execução 904.<br />

901 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 19 de Setembro de 2002, proc. 2145/02-2, in www.dgsi.pt: “O termo sucessão<br />

constante <strong>do</strong> art. 56.º, n.º 1, <strong>do</strong> CPC, deve ser interpreta<strong>do</strong> não no senti<strong>do</strong> estrito de sucessão por morte, mas<br />

como abrangen<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os casos em que o direito tenha si<strong>do</strong> transmiti<strong>do</strong>. É esta a interpretação ampla que<br />

corresponde à finalidade da disposição em causa, que assenta no princípio da economia processual.”<br />

902 Vide, quanto à sucessão mortis causa, os arts. 371.º a 375.º <strong>do</strong> CPC, e quanto há sucessão inter vivos<br />

os arts. 271.º e 376.º <strong>do</strong> CPC.<br />

903 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 21 de Maio de 1998, in CJ, tomo III, 1998, p. 183.<br />

904 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 26 de Outubro de 2006, proc. 3630/2005-2, in www.dgsi.pt.


Legitimidade<br />

1.3.2. EXECUÇÃO DE BENS ONERADOS COM GARANTIA REAL<br />

O art. 56.º, n.º 2, <strong>do</strong> CPC determina que a execução por dívida provida de garantia real<br />

sobre bens de terceiro 905 deve ser intentada directamente contra este 906 (caso o exequente<br />

pretenda fazer valer a garantia 907), sem prejuízo de poder ser também demanda<strong>do</strong> desde logo o<br />

deve<strong>do</strong>r principal. Nessa exacta medida, determina o art. 56.º, n.º 2, <strong>do</strong> CPC, que podem ser<br />

penhora<strong>do</strong>s bens de terceiro, desde que a execução tenha si<strong>do</strong> movida contra ele 908 909 .<br />

Tal como resulta <strong>do</strong> preâmbulo <strong>do</strong> Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, o<br />

legisla<strong>do</strong>r pretendeu solucionar a problemática da legitimidade processual executiva quan<strong>do</strong> o<br />

seu objecto seja uma dívida provida de garantia real, procuran<strong>do</strong>-se “tomar posição clara sobre a<br />

questão da legitimação <strong>do</strong> terceiro, possui<strong>do</strong>r ou proprietário <strong>do</strong>s bens onera<strong>do</strong>s com tal<br />

garantia”. Ora, perante tal problemática, optou-se por se conceder “tanto a um como a outro<br />

legitimidade passiva para a execução 910 , quan<strong>do</strong> o exequente pretenda efectivar tal garantia,<br />

incidente sobre bens pertencentes ou na posse de terceiro”.<br />

Trata-se, assim, da consagração adjectiva <strong>do</strong> direito de execução de bens sobre terceiro<br />

ínsito no art. 818.º <strong>do</strong> CC, ao abrigo <strong>do</strong> qual a execução pode incidir sobre bens de terceiro<br />

905 Tal circunstância pode suceder, quer porque a garantia real foi constituída ab initio sobre bens de um<br />

terceiro, quer porque o terceiro adquiriu os bens onera<strong>do</strong>s com essa garantia (cfr. SOUSA, Miguel Teixeira de, Acção<br />

Executiva Singular, ob. cit., p. 138).<br />

906 Trata-se, na verdade, de uma situação de penhorabilidade irrestrita (cfr., nesse senti<strong>do</strong>, SOUSA, Miguel<br />

Teixeira de, Acção Executiva Singular, ob. cit., p. 224).<br />

907 Ao abrigo <strong>do</strong> art. 835.º <strong>do</strong> CPC, sen<strong>do</strong> executada uma dívida com garantia real sobre bens de terceiro, a<br />

penhora deve iniciar-se pelos bens sobre que incida a garantia, só poden<strong>do</strong> recair sobre outros quan<strong>do</strong> se<br />

reconheça a insuficiência <strong>do</strong>s bens da<strong>do</strong>s em garantia para se conseguir o fim da execução (benificium excessionis<br />

realis).<br />

908 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 27 de Março de 1984, in BMJ, 335.º, p. 259: “A acção executiva através da qual<br />

se pretende fazer valer uma garantia hipotecária deve ser proposta contra o possui<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s bens hipoteca<strong>do</strong>s.”<br />

909 Quanto a esta questão, refere CALVAO DA SILVA: “A investidura da pessoa <strong>do</strong> possui<strong>do</strong>r ― possui<strong>do</strong>r<br />

em nome próprio ― na qualidade de parte legítima na execução para cobrança de crédito garanti<strong>do</strong> por hipoteca<br />

afigura-se natural, sen<strong>do</strong> mesmo a consequência lógica <strong>do</strong> chama<strong>do</strong> direito de sequela” [SILVA, João Calvão da,<br />

Estu<strong>do</strong>s de Direito Civil e Processo Civil (Pareceres), Almedina, Coimbra, 1999, p. 280].<br />

910 Vide, quanto a essa problemática, o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 27 de Setembro de 1988, in CJ, tomo IV, 1988, p.<br />

177, ao abrigo <strong>do</strong> qual seria necessária a intervenção processual <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r e <strong>do</strong> possui<strong>do</strong>r <strong>do</strong> bem onera<strong>do</strong>, sob<br />

pena de ilegitimidade processual <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r.<br />

279


280<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

quan<strong>do</strong> estejam vincula<strong>do</strong>s à garantia <strong>do</strong> crédito 911 . Deste mo<strong>do</strong>, a legitimidade processual<br />

passiva <strong>do</strong> terceiro para poder intervir na causa é aferida em função da sua responsabilidade<br />

meramente patrimonial.<br />

Vale isto por dizer que, sen<strong>do</strong> movida a acção executiva contra o terceiro vincula<strong>do</strong> à<br />

garantia <strong>do</strong> crédito, é evidente que a este se encontra vedada a possibilidade de poder deduzir<br />

embargos de terceiro perante a penhora <strong>do</strong>s seus bens, invocan<strong>do</strong>, designadamente, que não é<br />

o deve<strong>do</strong>r principal ou que não figura com tal qualidade no título executivo. Com efeito, a<br />

execução <strong>do</strong> património <strong>do</strong> terceiro implica que a acção executiva tenha si<strong>do</strong> movida contra ele 912<br />

(ainda que também contra o deve<strong>do</strong>r principal), pelo que, sen<strong>do</strong> parte na acção executiva,<br />

carece de legitimidade para poder embargar de terceiro.<br />

Saliente-se, por outro la<strong>do</strong>, que da parte final <strong>do</strong> art. 56.º, n.º 2, <strong>do</strong> CPC resulta que o<br />

legisla<strong>do</strong>r prescindiu <strong>do</strong> litisconsórcio necessário entre o deve<strong>do</strong>r e o terceiro garante,<br />

verifican<strong>do</strong>-se tão só uma situação de litisconsórcio voluntário (art. 27.º <strong>do</strong> CPC). Assim, ainda<br />

que o exequente não tenha movi<strong>do</strong> ab initio a acção executiva contra o deve<strong>do</strong>r, nem por isso<br />

precludirá a possibilidade de execução <strong>do</strong>s seus bens caso a garantia <strong>do</strong> terceiro se venha a<br />

revelar insuficiente para o pagamento da dívida exequenda. Nessa exacta medida, dispõe o art.<br />

56.º, n.º 3, <strong>do</strong> CPC, que reconhecen<strong>do</strong>-se a insuficiência <strong>do</strong>s bens onera<strong>do</strong>s com a garantia real,<br />

pode o exequente requerer desde logo o prosseguimento da execução contra o deve<strong>do</strong>r principal.<br />

Contu<strong>do</strong>, caso o exequente não proponha a acção executiva contra o terceiro e a<br />

penhora venha a incidir sobre bens onera<strong>do</strong>s pertencentes a esse terceiro, nesse caso é-lhe lícito<br />

defender a incompatibilidade da sua posse ou <strong>do</strong> seu direito com esse acto ofensivo e reagir<br />

consequentemente em sede de embargos de terceiro. Com efeito, apenas podem ser<br />

penhora<strong>do</strong>s bens pertencentes ao executa<strong>do</strong>, independentemente da sua posição substantiva<br />

em relação à obrigação.<br />

911 Vide, no mesmo senti<strong>do</strong>, o art. 2910.º <strong>do</strong> CC It., segun<strong>do</strong> o qual “[P]ossono essere espropriati anche i<br />

beni di un terzo quan<strong>do</strong> sono vincolati a garanzia del credito o quan<strong>do</strong> sono oggetto di un atto che è stato revocato<br />

perché compiuto in pregiudizio del creditore.”<br />

912 De acor<strong>do</strong> com LEBRE DE FREITAS, à penhora só estão sujeitos os bens <strong>do</strong> executa<strong>do</strong>, seja este o<br />

deve<strong>do</strong>r principal, um deve<strong>do</strong>r subsidiário ou um terceiro (FREITAS, Lebre de, A Acção Executiva Depois da<br />

Reforma, ob. cit., p. 209).


EXECUTADO<br />

Legitimidade<br />

1.3.3. EXECUÇÃO CONTRA O TERCEIRO POSSUIDOR DE BENS PERTENCENTES AO<br />

O legisla<strong>do</strong>r consagrou ainda um importante desvio à regra geral da determinação da<br />

legitimidade executiva no art. 56.º, n.º 4, <strong>do</strong> CPC. Com efeito, determina esta norma que<br />

pertencen<strong>do</strong> os bens onera<strong>do</strong>s com garantia real ao deve<strong>do</strong>r, mas estan<strong>do</strong> eles na posse de<br />

terceiro, poderá este ser desde logo demanda<strong>do</strong> juntamente com o deve<strong>do</strong>r.<br />

Tal como salienta LUÍS MIGUEL MESQUITA, esta formulação legal teve em vista não só<br />

as situações em que o terceiro é possui<strong>do</strong>r ao abrigo de um direito real limita<strong>do</strong> de gozo ou de<br />

garantia (por exemplo, penhor ou direito de retenção), mas também os casos de posse em nome<br />

alheio relativamente aos bens <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r (como será o caso, entre outros, <strong>do</strong> depositário ou <strong>do</strong><br />

arrendatário) 913.<br />

Nessa circunstância, ao terceiro possui<strong>do</strong>r demanda<strong>do</strong> em sede executiva fica vedada a<br />

possibilidade de deduzir embargos de terceiro contra a penhora sobre os bens relativamente aos<br />

quais exerça a sua posse, na medida em que, sen<strong>do</strong> demanda<strong>do</strong> e assumin<strong>do</strong> a posição<br />

processual de parte, perde a qualidade de terceiro que lhe permitiria reagir contra a penhora ou<br />

apreensão de bens em sede de embargos de terceiro. De to<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong>, o terceiro executa<strong>do</strong> não<br />

fica priva<strong>do</strong> de se defender perante a penhora que venha a afectar os bens por si possuí<strong>do</strong>s,<br />

da<strong>do</strong> que, na qualidade de executa<strong>do</strong>, sempre lhe será lícito recorrer quer à oposição à execução<br />

(arts. 813.º e ss <strong>do</strong> CPC) quan<strong>do</strong> pretenda, nomeadamente, pôr em crise a sua posição<br />

processual em sede executiva, quer à oposição à penhora caso pretenda reagir directamente<br />

contra a diligência ofensiva da sua posse (art. 863.º-A <strong>do</strong> CPC) 914.<br />

TEIXEIRA DE SOUSA propõe a aplicação analógica deste normativo ao art. 56.º, n.º 2, <strong>do</strong><br />

CPC, sempre que os bens onera<strong>do</strong>s pertencentes ao terceiro se encontrem na posse de um<br />

outro terceiro, ou seja, quan<strong>do</strong> o proprietário <strong>do</strong>s bens onera<strong>do</strong>s não seja o seu possui<strong>do</strong>r, caso<br />

p. 30.<br />

913 Cfr. MESQUITA, Miguel, Apreensão de Bens em Processo Executivo e Oposição de Terceiro, ob. cit.,<br />

914 A este propósito, o legisla<strong>do</strong>r esclareceu no preâmbulo <strong>do</strong> Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de<br />

Dezembro, que “considera-se, na verdade, que cumpre ao exequente avaliar, em termos concretos, quais as<br />

vantagens e inconvenientes que emergem de efectivar o seu direito no confronto de to<strong>do</strong>s aqueles interessa<strong>do</strong>s<br />

passivos, ou de apenas algum ou alguns deles, bem saben<strong>do</strong> que se poderá confrontar com a possível dedução de<br />

embargos de terceiro por parte <strong>do</strong> possui<strong>do</strong>r que não haja cura<strong>do</strong> de demandar.”<br />

281


282<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

em que a acção executiva poderá também ser proposta contra esse possui<strong>do</strong>r, sob pena deste<br />

poder deduzir embargos de terceiro face à diligência de penhora que seja ofensiva da sua<br />

posse 915.<br />

1.3.4. EXECUÇÃO DE SENTENÇA CONDENATÓRIA<br />

Por último, importa fazer uma breve referência ao regime previsto no art. 57.º <strong>do</strong> CPC.<br />

Ao abrigo desta disposição legal, a execução fundada em sentença condenatória pode ser<br />

promovida, não só contra o deve<strong>do</strong>r, mas ainda contra as pessoas em relação às quais a<br />

sentença tenha força de caso julga<strong>do</strong>. Com efeito, de acor<strong>do</strong> com o art. 671.º <strong>do</strong> CPC, a decisão<br />

condenatória produz efeitos dentro e fora <strong>do</strong> processo, vinculan<strong>do</strong> directamente as partes por ela<br />

condenadas.<br />

Contu<strong>do</strong>, existem situações em que a sentença pode também vincular pessoas que por<br />

ela não tenham si<strong>do</strong> directamente atingidas. Será o caso, entre outros, <strong>do</strong> adquirente da coisa<br />

ou direito litigioso na pendência da causa, sem a sua subsequente intervenção no processo 916 .<br />

Deste mo<strong>do</strong>, a sentença é susceptível de ser executada contra to<strong>do</strong>s aqueles que se<br />

encontrem vincula<strong>do</strong>s pelo efeito de caso julga<strong>do</strong>, ainda que não tenham si<strong>do</strong> directamente<br />

condena<strong>do</strong>s na sentença 917 .<br />

2. LEGITIMIDADE PROCESSUAL DO CÔNJUGE<br />

Nos termos <strong>do</strong> art. 352.º <strong>do</strong> CPC, o cônjuge que tenha a posição de terceiro pode, sem<br />

autorização <strong>do</strong> outro, defender por meio de embargos os direitos relativamente aos bens<br />

próprios e aos bens comuns que hajam si<strong>do</strong> indevidamente atingi<strong>do</strong>s pela diligência de<br />

penhora 918 919 ou por qualquer acto judicialmente ordena<strong>do</strong> de apreensão ou entrega de bens 920.<br />

ob. cit., p. 116.<br />

p. 34.<br />

915 SOUSA, Miguel Teixeira de, Acção Executiva Singular, ob. cit., p. 139.<br />

916 Cfr. FREITAS, José Lebre de; PINTO, Rui; REDINHA, João, Código de Processo Civil Anota<strong>do</strong>, vol. 1.º,<br />

917 Cfr. MESQUITA, Miguel, Apreensão de Bens em Processo Executivo e Oposição de Terceiro, ob. cit.,<br />

918 Nos termos <strong>do</strong> § 774 <strong>do</strong> ZPO (Drittwiderspruchsklage des Ehegatten), se a diligência executiva incidir<br />

sobre o património comum <strong>do</strong> casal (em execução movida contra apenas um <strong>do</strong>s cônjuges), então o cônjuge não


Legitimidade<br />

Deste mo<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> o cônjuge <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> terceiro perante essa diligência 921 , este pode<br />

deduzir o incidente processual de embargos de terceiro para defender os direitos relativos aos<br />

seus bens próprios e aos bens comuns 922, bem como nos casos em que esteja em causa a casa<br />

de morada de família 923 . Trata-se, na verdade, de um verdadeiro meio de defesa <strong>do</strong> direito <strong>do</strong><br />

cônjuge <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> e não de uma simples acção possessória 924.<br />

executa<strong>do</strong> pode formular oposição ao abrigo <strong>do</strong> § 771 caso a sentença condenatório <strong>do</strong> cônjuge executa<strong>do</strong> não<br />

produza qualquer efeito relativamente ao cônjuge oponente.<br />

919 Com efeito, o art. 601.º <strong>do</strong> CC estabelece limitações em relação à responsabilidade patrimonial pelo<br />

cumprimento das obrigações quan<strong>do</strong> estejam em causa regimes especialmente estabeleci<strong>do</strong>s em consequência da<br />

separação de patrimónios. Ora, um <strong>do</strong>s casos paradigmáticos quanto à separação patrimonial e à existência de<br />

regimes específicos quanto à responsabilidade pelas dívidas prende-se com o património próprio e comum <strong>do</strong> casal<br />

nos regimes de comunhão de bens.<br />

920 Dispunha o art. 1038.º <strong>do</strong> CPC1961 a propósito da possibilidade de dedução de embargos de terceiro pelo<br />

cônjuge, o seguinte:<br />

“1. A mulher casada, que tenha a posição de terceiro, pode, sem autorização <strong>do</strong> mari<strong>do</strong>, defender por<br />

meio de embargos a sua posse quanto aos bens <strong>do</strong>tais ou próprios e quanto aos bens comuns.<br />

2. A nenhum <strong>do</strong>s cônjuges é permiti<strong>do</strong> deduzir embargos de terceiro relativamente aos bens comuns:<br />

a) Quan<strong>do</strong> a diligência judicial incida somente no direito e acção <strong>do</strong> outro cônjuge aos bens <strong>do</strong> casal;<br />

b) Quan<strong>do</strong> a diligência tenha por origem dívida anterior ao casamento e respeite a bens leva<strong>do</strong>s para o<br />

casal pelo cônjuge demanda<strong>do</strong> por essa dívida;<br />

c) Quan<strong>do</strong> a diligência tenha origem em dívida comercial ou em responsabilidade por acidente de viação e<br />

o cre<strong>do</strong>r haja pedi<strong>do</strong> a citação <strong>do</strong> cônjuge, não responsável, para requerer a separação de bens.”<br />

Verifica-se, assim, que enquanto o regime processual anterior à reforma de 95/96 apenas permitia a<br />

tutela da posse por parte <strong>do</strong> cônjuge, o actual regime processual permite a dedução de embargos de terceiro por<br />

parte <strong>do</strong> cônjuge relativamente à tutela de um direito incompatível com a diligência ofensiva.<br />

921 De acor<strong>do</strong> com o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 12 de Abril de 2005, o cônjuge será “terceiro” se “não tiver si<strong>do</strong> parte<br />

no processo em que a sentença foi proferida nem representa a parte que nesse processo foi condenada” (proc.<br />

4802/04 – 6.ª secção, in www.dgsi.pt). Não podemos, contu<strong>do</strong>, concordar com semelhante interpretação. Na<br />

verdade, ainda que o cônjuge tenha si<strong>do</strong> parte no processo declarativo, a legitimidade, para efeito de dedução de<br />

embargos de terceiro, deve ser aferida em função da circunstância de o cônjuge ser ou não parte efectiva no<br />

processo <strong>do</strong> qual emanou a penhora ou a diligência judicialmente ordenada de preensão ou entrega de bens (art.<br />

351.º <strong>do</strong> CPC).<br />

922 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 5 de Janeiro de 1982, in CJ, tomo I, 1982, p. 73, bem como o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 12<br />

de Março de 2005, proc. 1204/2005, in www.dgsi.pt.<br />

923 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 14 de Novembro de 1980, in CJ, tomo V, 1980, p. 10: “O cônjuge mulher, não<br />

arrendatária, pode embargar de terceiro para defesa <strong>do</strong> seu direito à casa de morada de família, se a procedente<br />

acção de despejo, à mesma respeitante, foi dirigida apenas contra o arrendatário seu mari<strong>do</strong>.” De to<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong>,<br />

283


284<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

Para se aferir quais as situações em que o cônjuge <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> pode deduzir embargos<br />

de terceiro, importa ter presente o regime da responsabilidade <strong>do</strong>s cônjuges pelas suas dívidas e<br />

em que casos é que a penhora pode recair sobre bens comuns ou bens próprios de cada um<br />

<strong>do</strong>s cônjuges.<br />

Com efeito, o nosso ordenamento jurídico consagra a regra geral de que tanto o mari<strong>do</strong><br />

como a mulher têm legitimidade para contrair dívidas sem o consentimento <strong>do</strong> outro cônjuge.<br />

Assim, uma vez que a dívida pode assumir uma natureza comum, comunicável ou própria, a<br />

responsabilidade tanto pode pertencer a ambos os cônjuges, quer tenham si<strong>do</strong> os <strong>do</strong>is a contrair<br />

a dívida, quer a mesma apenas tenha si<strong>do</strong> contraída por um deles, estenden<strong>do</strong>-se a<br />

responsabilidade ao outro cônjuge, como apenas em relação ao que assumiu a obrigação.<br />

São da responsabilidade de ambos os cônjuges as dívidas constantes <strong>do</strong>s arts. 1691.º,<br />

1692.º, b), segunda parte, 1693.º, n.º 2 e 1694.º, n.º 1, to<strong>do</strong>s <strong>do</strong> CC 925. Nesse caso, estan<strong>do</strong><br />

em causa um regime de comunhão de bens, pelas dívidas da responsabilidade de ambos os<br />

cônjuges respondem os bens comuns e, subsidiariamente (na falta ou insuficiência deles), os<br />

bens próprios de cada um <strong>do</strong>s cônjuges, sen<strong>do</strong> esta responsabilidade entre ambos de natureza<br />

solidária (art. 1695.º <strong>do</strong> CC). Por sua vez, são da exclusiva responsabilidade de um <strong>do</strong>s cônjuges<br />

as dívidas enunciadas nos arts. 1692.º, a) e b), segunda parte, 1693.º, n.º 1 e 1694.º, n.º 2,<br />

to<strong>do</strong>s <strong>do</strong> CC.<br />

Ora, estan<strong>do</strong> em causa uma dívida da responsabilidade exclusiva de um <strong>do</strong>s cônjuges<br />

(art. 1692.º <strong>do</strong> CC), respondem os bens próprios <strong>do</strong> cônjuge deve<strong>do</strong>r e, subsidiariamente, a sua<br />

meação nos bens comuns (art. 1696.º, n.º 1, <strong>do</strong> CC). No entanto, tratan<strong>do</strong>-se de uma dívida<br />

própria <strong>do</strong> cônjuge deve<strong>do</strong>r, podem ainda ser penhora<strong>do</strong>s, ao mesmo tempo que os seus bens<br />

próprios, os bens por ele leva<strong>do</strong>s para o casal ou posteriormente adquiri<strong>do</strong>s a título gratuito,<br />

bem como os respectivos rendimentos, assim como os bens sub-roga<strong>do</strong>s no lugar daqueles, e o<br />

produto <strong>do</strong> trabalho e os direitos de autor <strong>do</strong> cônjuge deve<strong>do</strong>r (art. 1969.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC).<br />

ainda que o cônjuge <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> possa deduzir embargos de terceiro com vista à defesa da casa de morada de<br />

família, não lhe é lícito recorrer a este meio processual em sede de acção executiva para prestação de facto se, e.g.,<br />

a sentença condenatória não manda demolir a casa de morada de família, mas tão só um muro construí<strong>do</strong> ex novo<br />

(cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 12 de Abril de 2005, proc. 4802/04 – 6.ª secção, in www.dgsi.pt).<br />

924 Cfr. MARQUES, J. P. Remédio, Curso de Processo Executivo à Face <strong>do</strong> Código Revisto, ob. cit., p. 334.<br />

925 Cfr., quanto às dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges, COELHO, Francisco Pereira;<br />

OLIVEIRA, Guilherme de, Curso de Direito da Família, vol. I, 2.ª ed., Coimbra Editora, 2001, p. 409.


Legitimidade<br />

Em contrapartida, no regime de separação de bens, não existin<strong>do</strong> bens comuns <strong>do</strong> casal<br />

— embora possam eventualmente existir bens em regime de compropriedade —, pelas dívidas da<br />

responsabilidade de ambos os cônjuges respondem os seus bens próprios, enquanto pelas<br />

dívidas da responsabilidade exclusiva de um <strong>do</strong>s cônjuges respondem apenas os bens próprios<br />

desse cônjuge deve<strong>do</strong>r.<br />

No entanto, a responsabilidade substantiva pelas dívidas pode não corresponder à<br />

responsabilidade processual ou adjectiva, da<strong>do</strong> que, conforme resulta <strong>do</strong> art. 55.º <strong>do</strong> CPC, a<br />

acção executiva deve ser intentada contra a pessoa que figura no título como deve<strong>do</strong>r. Deste<br />

mo<strong>do</strong>, estan<strong>do</strong> em causa uma dívida contraída em proveito comum <strong>do</strong> casal, mas em que o<br />

título executivo apenas responsabiliza um <strong>do</strong>s cônjuges, o cre<strong>do</strong>r exequente, sem prejuízo da<br />

faculdade de poder invocar a comunicabilidade da dívida, nos termos e para os efeitos <strong>do</strong><br />

disposto no art. 825.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC, apenas poderá intentar a acção executiva contra o cônjuge<br />

que figura como deve<strong>do</strong>r no título. Assim, sen<strong>do</strong> o cônjuge <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> terceiro em relação ao<br />

título e à execução, apenas poderão ser objecto de penhora os bens próprios <strong>do</strong> cônjuge <strong>do</strong><br />

executa<strong>do</strong> e, em caso de insuficiência <strong>do</strong>s mesmos, a sua meação nos bens comuns quan<strong>do</strong> o<br />

regime de bens a<strong>do</strong>pta<strong>do</strong> seja o da comunhão geral ou de adquiri<strong>do</strong>s, sob pena de o cônjuge<br />

não executa<strong>do</strong> poder deduzir embargos de terceiro.<br />

2.1. SITUAÇÕES EM QUE É ADMISSÍVEL A DEDUÇÃO DE EMBARGOS DE TERCEIRO<br />

Feita esta análise prévia, importa considerar essencialmente três situações em que se<br />

afigura admissível a dedução de embargos de terceiro pelo cônjuge <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> no regime de<br />

comunhão de bens (geral ou de adquiri<strong>do</strong>s).<br />

A primeira diz respeito às situações em que a acção executiva é movida somente contra<br />

um <strong>do</strong>s cônjuges por uma dívida própria desse cônjuge. Com efeito, estan<strong>do</strong> em causa uma<br />

dívida da exclusiva responsabilidade de um <strong>do</strong>s cônjuges, e atento o regime da responsabilidade<br />

das dívidas (art. 1696.º, n.º 1, <strong>do</strong> CC), a penhora deve incidir primeiramente sobre os bens<br />

próprios <strong>do</strong> cônjuge executa<strong>do</strong> e, subsidiariamente, sobre a sua meação nos bens comuns <strong>do</strong><br />

casal (art. 169.º, n.º 1, <strong>do</strong> CC) 926. Deste mo<strong>do</strong>, se nessa acção executiva a penhora vier a recair<br />

926 Em termos práticos, a penhora da meação <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> nos bens comuns <strong>do</strong> casal implica que o<br />

exequente, ao requerer a penhora desses bens, formule um pedi<strong>do</strong> de citação <strong>do</strong> cônjuge <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> nos termos<br />

e para os efeitos <strong>do</strong> disposto no art. 825.º, n.º 1, <strong>do</strong> CPC, ou seja, para que este venha requerer a separação de<br />

285


286<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

indevidamente sobre os bens próprios <strong>do</strong> cônjuge <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> ou sobre os bens comuns <strong>do</strong><br />

casal, sem que o cônjuge <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> seja cita<strong>do</strong> para requerer a separação de bens ou juntar<br />

aos autos certidão comprovativa da pendência dessa acção927 928 (art. 825.º, n.º 1, <strong>do</strong> CPC) 929,<br />

então poderá o cônjuge deduzir embargos de terceiro para reagir contra essa penhora<br />

subjectivamente ilegal 930 931. Por outro la<strong>do</strong>, se nessa acção executiva forem penhora<strong>do</strong>s bens<br />

comuns <strong>do</strong> casal sem que se encontre ainda excuti<strong>do</strong> o património próprio <strong>do</strong> cônjuge<br />

bens ou juntar o <strong>do</strong>cumento comprovativo de que essa separação já foi decretada ou que se encontra ainda em<br />

curso a acção judicial para esse efeito (cfr., a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 20 de Outubro de 2005, proc.<br />

7914/2005-8, in www.dgsi.pt.<br />

927 Condição, pois, essencial, é a de que o cônjuge não seja parte na acção da qual resulta a diligência<br />

ofensiva <strong>do</strong>s seus bens. Não ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> cita<strong>do</strong> nos termos <strong>do</strong> art. 825.º, n.º 1, <strong>do</strong> CPC, é lícito ao cônjuge <strong>do</strong><br />

executa<strong>do</strong> deduzir embargos de terceiro de forma a proteger o direito à sua meação sobre os bens comuns — cfr., a<br />

este propósito, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 17 de Abril de 1980, proc. 068680, in BMJ, 296.º, 1980, p. 229, bem como o Ac.<br />

<strong>do</strong> STJ, de 6 de Julho de 2000, in BMJ, 499.º, p. 211, e o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 28 de Junho de 2007, proc. 2927/2007-<br />

6, in www.dgsi.pt.<br />

928 Quanto ao regime jurídico <strong>do</strong> art. 825.º, n.º 1, <strong>do</strong> CPC, vide CAPELO, Maria José, «Pressupostos<br />

processuais na acção executiva», in Themis, ano V, n.º 9, 2004, pp. 83 a 86.<br />

929 Cfr., a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 19 de Outubro de 2006, proc. 0634635, in www.dgsi.pt,<br />

segun<strong>do</strong> o qual “[A] actual redacção <strong>do</strong> artº 825º permite que, sejam penhora<strong>do</strong>s bens comuns <strong>do</strong> casal com a<br />

única ressalva de que não sejam conheci<strong>do</strong>s bens <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> suficientes para satisfazer a dívida, o que redunda<br />

numa total inversão da posição <strong>do</strong> legisla<strong>do</strong>r relativamente à preservação <strong>do</strong>s bens comuns <strong>do</strong> casal face aos<br />

interesses <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r em ver satisfeito o seu crédito sobre um <strong>do</strong>s membros desse casal.”<br />

930 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 17 de Abril de 1980, proc. 068680, in BMJ, 296.º, 1980, p. 229,<br />

o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 30 de Maio de 2000, proc. 0020582, in www.dgsi.pt., e o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 13 de Dezembro de<br />

2005, proc. 3321/05-1, in www.dgsi.pt.<br />

931 Quanto à qualidade de terceiro em relação ao cônjuge cita<strong>do</strong> nos termos e para os efeitos <strong>do</strong> disposto<br />

no art. 825.º <strong>do</strong> CC, o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 28 de Maio de 1992, proc. 9250098, in CJ, tomo III, 1992, p. 297, veio<br />

considerar que “[O] facto de o cônjuge de um executa<strong>do</strong> ser cita<strong>do</strong> nos termos <strong>do</strong> artigo 825 <strong>do</strong> Código de Processo<br />

Civil não afasta a qualidade de terceiro, pois a execução não é mais <strong>do</strong> que o processo que dá satisfação ao<br />

processo declarativo em que se estabeleceu o direito a que a execução visa dar satisfação, sen<strong>do</strong>, pois, no processo<br />

declarativo, que se exigia a intervenção <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> cônjuge para se considerar afastada essa qualificação de<br />

terceiro”. Ora, semelhante interpretação não se afigura a mais correcta, porquanto a qualidade de terceiro resulta<br />

da circunstância <strong>do</strong> cônjuge <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> ter ou não si<strong>do</strong> cita<strong>do</strong> para os autos da acção executiva,<br />

independentemente <strong>do</strong> facto de constar como obriga<strong>do</strong> no título que serve de fundamento a essa execução.


Legitimidade<br />

executa<strong>do</strong>, o cônjuge não executa<strong>do</strong> pode deduzir embargos de terceiro com fundamento na<br />

violação <strong>do</strong> regime da penhorabilidade subsidiária em relação aos bens comuns <strong>do</strong> casal 932.<br />

A segunda situação prende-se com os casos em que, em execução movida contra<br />

apenas um <strong>do</strong>s cônjuges por uma dívida da sua responsabilidade exclusiva, tenham si<strong>do</strong><br />

penhora<strong>do</strong>s bens comuns <strong>do</strong> casal 933 sem que tenha si<strong>do</strong> previamente excuti<strong>do</strong> o património<br />

próprio <strong>do</strong> cônjuge executa<strong>do</strong>. Na verdade, conforme resulta <strong>do</strong> disposto no art. 1696.º, n.º 1,<br />

<strong>do</strong> CC, pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um <strong>do</strong>s cônjuges respondem os bens<br />

próprios <strong>do</strong> cônjuge deve<strong>do</strong>r e, a título subsidiário, a sua meação nos bens comuns. Deste<br />

mo<strong>do</strong>, não sen<strong>do</strong> observada essa responsabilidade subsidiária quanto à meação <strong>do</strong> cônjuge<br />

deve<strong>do</strong>r nos bens comuns <strong>do</strong> casal, é lícito ao outro cônjuge reagir contra essa agressão<br />

patrimonial em sede de embargos de terceiro.<br />

A terceira situação diz respeito às acções executivas em que, figuran<strong>do</strong> ambos os<br />

cônjuges como deve<strong>do</strong>res no título executivo da<strong>do</strong> à execução, a acção é apenas intentada<br />

(ainda que indevidamente 934 ) contra um <strong>do</strong>s cônjuges e a penhora vem a recair sobre os bens<br />

932 Cfr., no mesmo senti<strong>do</strong>, CAPELO, Maria José, «Pressupostos processuais na acção executiva», in<br />

Themis, ano V, n.º 9, 2004, p. 89.<br />

933 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, MENDES, João de Castro, Direito Processual Civil III, ob. cit., p. 125.<br />

934 Com efeito, estan<strong>do</strong> em causa um título executivo judicial ou extrajudicial contra ambos os cônjuges,<br />

não se encontra na disponibilidade <strong>do</strong> exequente poder optar por intentar a acção executiva contra apenas um <strong>do</strong>s<br />

cônjuges, da<strong>do</strong> que tal circunstância colide com a aplicação <strong>do</strong> disposto no art. 1695.º <strong>do</strong> CC (cfr., nesse senti<strong>do</strong>,<br />

PINTO, Rui, Penhora, Venda e Pagamento, p. 30). Acresce a isto que, estan<strong>do</strong> em causa uma dívida contraída por<br />

ambos os cônjuges (art. 28.º-A, n.º 3, 1.ª parte, <strong>do</strong> CPC), uma dívida contraída por um <strong>do</strong>s cônjuges, mas que seja<br />

comunicável ao outro cônjuge (art. 28.º-A, n.º 3, 2.ª parte), bem como a entrega de uma coisa que só possa ser<br />

disposta por ambos os cônjuges (art. 28.º-A, n.º 3, 3.ª parte, <strong>do</strong> CPC), verifica-se uma situação de litisconsórcio<br />

necessário entre ambos os cônjuges, pelo que não é lícito ao cre<strong>do</strong>r exequente optar por demandar apenas um <strong>do</strong>s<br />

cônjuges para essa execução – e ainda que tenha conhecimento prévio da inexistência de bens comuns <strong>do</strong> casal,<br />

ten<strong>do</strong> em conta o disposto no art. 28.º.-A, n.º 3, <strong>do</strong> CPC (vide, a este propósito, SOUSA, Miguel Teixeira de, Acção<br />

Executiva Singular, ob. cit., p. 146). Em senti<strong>do</strong> contrário, cfr. FREITAS, José Lebre de; MENDES, Armin<strong>do</strong> Ribeiro,<br />

Código de Processo Civil Anota<strong>do</strong>, vol. 3.º, ob. cit., pp. 364 e 365, segun<strong>do</strong> os quais o art. 825.º <strong>do</strong> CPC é<br />

aplicável, não só aos casos de responsabilidade exclusiva de um <strong>do</strong>s cônjuges, como também nos casos em que,<br />

de acor<strong>do</strong> com a lei substantiva, a responsabilidade <strong>do</strong>s cônjuges é comum, mas a execução foi movida contra<br />

apenas um <strong>do</strong>s responsáveis, quer quan<strong>do</strong> exista um título executivo contra ambos os cônjuges e o exequente optou<br />

287


288<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

próprios <strong>do</strong> cônjuge não executa<strong>do</strong>. Com efeito, ainda que a dívida seja da responsabilidade <strong>do</strong><br />

casal, não ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> a execução promovida contra os <strong>do</strong>is cônjuges, só podem ser penhora<strong>do</strong>s<br />

os bens próprios <strong>do</strong> cônjuge executa<strong>do</strong>, pressupon<strong>do</strong>-se, pois, a falta de bens comuns <strong>do</strong> casal<br />

que responderiam, em primeira linha, pela dívida exequenda (art. 1685.º <strong>do</strong> CC) 935 . Por isso,<br />

incidin<strong>do</strong> a penhora sobre um bem próprio <strong>do</strong> cônjuge <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> e não sen<strong>do</strong> aplicável o<br />

disposto no art. 825.º, n.º 1, <strong>do</strong> CPC, o único meio ao seu alcance para reagir contra essa<br />

agressão traduz-se na dedução de embargos de terceiro, em conformidade com o disposto no<br />

art. 352.º <strong>do</strong> CPC 936 . Para o efeito, o cônjuge <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> deve alegar e provar a natureza<br />

própria (ou comum) <strong>do</strong>s bens atingi<strong>do</strong>s pela penhora ou pela diligência judicial 937.<br />

No <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> regime de separação de bens, afigura-se admissível a dedução de<br />

embargos de terceiro quan<strong>do</strong>, estan<strong>do</strong> em causa uma dívida da exclusiva responsabilidade de<br />

um <strong>do</strong>s cônjuges, venham a ser penhora<strong>do</strong>s bens próprios <strong>do</strong> cônjuge não executa<strong>do</strong> ou uma<br />

parte especificada de um bem indiviso deti<strong>do</strong> em regime de compropriedade.<br />

por demandar apenas um deles, quer nos casos em que só existe título executivo a favor de um <strong>do</strong>s cônjuges.<br />

935 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 28 de Maio de 1992, in CJ, tomo III, 1992, p. 299.<br />

936 Vide, a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 20 de Outubro de 2005, proc. 7914/2005-8, in www.dgsi.pt.<br />

Com efeito, neste acórdão suscitava-se a questão de saber se o cônjuge <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> podia deduzir oposição à<br />

penhora de um bem próprio indevidamente atingi<strong>do</strong> por essa diligência, ou se, ao invés, tal incidente deveria ser<br />

indeferi<strong>do</strong> por apenas lhe ser lícito recorrer aos embargos de terceiro. A Relação veio entender que, não assumin<strong>do</strong><br />

o proprietário <strong>do</strong> bem a posição de executa<strong>do</strong> nessa acção, estava-lhe vedada a possibilidade de deduzir oposição à<br />

penhora, só lhe restan<strong>do</strong>, consequentemente, a possibilidade de deduzir embargos de terceiro. De facto, tal decisão<br />

afigura-se como a mais acertada. Na verdade, a oposição à penhora (e à execução) constitui um meio de defesa<br />

privativo <strong>do</strong> executa<strong>do</strong>, pelo que se encontra vedada a possibilidade de utilização deste meio por parte de um<br />

terceiro. Por outro la<strong>do</strong>, tratan<strong>do</strong>-se de um bem próprio <strong>do</strong> cônjuge <strong>do</strong> executa<strong>do</strong>, não poderia ser aplica<strong>do</strong> o regime<br />

jurídico previsto no art. 825.º, n.º 1, <strong>do</strong> CPC (quanto à penhora de bens comuns <strong>do</strong> casal em execução movida<br />

contra um <strong>do</strong>s cônjuges), nem tão pouco o previsto no art. 864.º-A <strong>do</strong> CPC (quanto à penhora de bens imóveis ou<br />

estabelecimento comercial que o executa<strong>do</strong> não possa alienar livremente, ou quan<strong>do</strong> esteja em causa a casa de<br />

morada de família).<br />

937 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 28 de Fevereiro de 2008, proc. 4683/07 – 6.ª secção, in www.dgsi.pt: “O facto de<br />

os executa<strong>do</strong>s serem casa<strong>do</strong>s no regime da comunhão geral de bens e de terem si<strong>do</strong> ambos condena<strong>do</strong>s no<br />

mesmo <strong>do</strong>cumento que agora constitui título executivo, não torna dispensável o cumprimento <strong>do</strong> disposto no art.<br />

825.º <strong>do</strong> CPC. (…) Ante as penhoras e a omissão <strong>do</strong> exequente, poderiam os executa<strong>do</strong>s reagir mediante embargos<br />

de terceiro - art. 352.° <strong>do</strong> CPC - já que são terceiros em relação aos bens próprios e aos bens comuns, no caso<br />

destes não deverem ser atingi<strong>do</strong>s pela penhora.”


TERCEIRO<br />

Legitimidade<br />

2.2. SITUAÇÕES EM QUE NÃO É ADMISSÍVEL A DEDUÇÃO DE EMBARGOS DE<br />

Ten<strong>do</strong> em conta o que se referiu supra, não é admissível a dedução de embargos de<br />

terceiro — deven<strong>do</strong> ser liminarmente rejeita<strong>do</strong>s — quan<strong>do</strong> o cônjuge <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> tenha si<strong>do</strong><br />

cita<strong>do</strong> nos termos <strong>do</strong> art. 825.º, n.º 1, <strong>do</strong> CPC, para requerer a separação de bens ou juntar<br />

certidão comprovativa da pendência de acção em que essa separação já tenha si<strong>do</strong> requerida,<br />

em virtude da penhora ter incidi<strong>do</strong> sobre bens comuns <strong>do</strong> casal em execução movida contra um<br />

só <strong>do</strong>s cônjuges 938. Na verdade, ten<strong>do</strong> o cônjuge si<strong>do</strong> cita<strong>do</strong> nos termos e para os efeitos <strong>do</strong><br />

disposto no art. 825.º, n.º 1, <strong>do</strong> CPC, foi-lhe concedida a possibilidade de partilhar o património<br />

comum <strong>do</strong> casal a fim de evitar a execução da sua meação nesse património, motivo pelo qual<br />

não se afigura admissível a possibilidade de dedução de embargos de terceiro em consequência<br />

dessa citação. Acresce a isto que o cônjuge cita<strong>do</strong> ao abrigo <strong>do</strong> art. 825.º <strong>do</strong> CPC,<br />

designadamente quan<strong>do</strong> tenham si<strong>do</strong> penhora<strong>do</strong>s bens comuns <strong>do</strong> casal, adquire a faculdade<br />

de utilizar os direitos previstos no art. 864.º-A <strong>do</strong> CPC, entre os quais se destaca a oposição à<br />

execução e à penhora 939 , independentemente de ter ou não requeri<strong>do</strong> a separação de meações 940 .<br />

Ademais, ten<strong>do</strong> o cônjuge <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> si<strong>do</strong> cita<strong>do</strong> para intervir na acção executiva, tal<br />

circunstância implica forçosamente a perda da qualidade de “terceiro” em relação à execução.<br />

O cônjuge <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> também carece de legitimidade para deduzir embargos de<br />

terceiro quan<strong>do</strong> a execução prossiga sobre os bens comuns <strong>do</strong> casal pelo facto de, cita<strong>do</strong> para<br />

as finalidades <strong>do</strong> art. 825.º, n.º 1, <strong>do</strong> CPC, não ter requeri<strong>do</strong> a separação de bens ou<br />

apresenta<strong>do</strong> certidão comprovativa da existência de uma acção pendente com essa finalidade 941.<br />

Por último, importa ainda considerar duas situações particulares em que o cônjuge <strong>do</strong><br />

executa<strong>do</strong> não poderá deduzir embargos de terceiro. A primeira prende-se com a situação em<br />

que o cônjuge pretenda deduzir embargos de terceiro com vista a impedir a penhora de bens<br />

938 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 14 de Junho de 2002, proc. 0230916, in www.dgsi.pt.<br />

939 Os poderes processuais que são concedi<strong>do</strong>s ao cônjuge <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> nos termos <strong>do</strong> art. 864.º-A <strong>do</strong><br />

CPC não se encontram isentos de criticas, da<strong>do</strong> que o cônjuge <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> é chama<strong>do</strong> a exercer to<strong>do</strong> um conjunto<br />

de direitos processuais próprios <strong>do</strong> executa<strong>do</strong>, ainda que não reúna legitimidade processual para poder intervir na<br />

qualidade de executada em sede executiva (cfr., a este propósito, CAPELO, Maria José, «Pressupostos processuais<br />

na acção executiva», in Themis, ano V, n.º 9, 2004, pp. 92 e 93).<br />

940 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 13 de Novembro de 2007, proc. 0720762, in www.dgsi.pt.<br />

941 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 4 de Junho de 1998, proc. 98B272, in www.dgsi.pt.<br />

289


290<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

próprios <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> 942 , ressalvan<strong>do</strong>-se, porém, a situação particular em que esteja em causa a<br />

penhora da casa de morada de família 943.<br />

A segunda diz respeito ao caso em que o cônjuge <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> pretenda deduzir<br />

embargos de terceiro com o único propósito de afastar a presunção da comunicabilidade da<br />

dívida quan<strong>do</strong> a mesma tenha si<strong>do</strong> contraída no exercício <strong>do</strong> comércio 944, sen<strong>do</strong> certo que <strong>do</strong><br />

actual regime constante <strong>do</strong> art. 825.º <strong>do</strong> CPC resulta que incumbe ao exequente invocar<br />

fundamentadamente a comunicabilidade da dívida quan<strong>do</strong> esteja em causa um título executivo<br />

de natureza extrajudicial.<br />

Uma vez que o executa<strong>do</strong> carece de legitimidade activa para a dedução de embargos de<br />

terceiro, a lei processual prescinde de exigência de um litisconsórcio activo necessário entre os<br />

cônjuges para a dedução <strong>do</strong> incidente de embargos de terceiro, ainda que esteja em causa a<br />

penhora de bens comuns <strong>do</strong> casal ou a penhora de bens que só possam ser aliena<strong>do</strong>s ou<br />

onera<strong>do</strong>s com o consentimento de ambos os cônjuges (arts. 1682.º e 1682.º-A <strong>do</strong> CPC) 945.<br />

3. LEGITIMIDADE PROCESSUAL PASSIVA<br />

No âmbito <strong>do</strong> Código de Processo Civil de 1876 atribuía-se expressamente legitimidade<br />

passiva ao exequente para deduzir oposição aos embargos de terceiro quan<strong>do</strong> se tratasse de um<br />

processo executivo (art. 925.º, § único, <strong>do</strong> CPC 1876). Não estan<strong>do</strong> em causa uma acção executiva,<br />

os embargos de terceiro deviam ser deduzi<strong>do</strong>s contra o requerente <strong>do</strong> acto que se pretendesse<br />

embargar.<br />

No Código de Processo Civil de 1939, o art. 1038.º, II, passou a determinar que “a<br />

parte que tiver promovi<strong>do</strong> a diligência ofensiva da posse será notificada para contestar os<br />

embargos”, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> tal solução legal mantida pelo art. 1042.º, a), <strong>do</strong> CPC 1961.<br />

942 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRE, de 15 de Janeiro de 1998, in CJ, tomo I, 1998, p. 257.<br />

943 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, REGO, Lopes <strong>do</strong>, Comentários <strong>do</strong> Código de Processo Civil, vol. I, ob. cit., p. 326.<br />

944 No <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> Código de Processo Civil de 1876, o Assento de 9 de Abril de 1935, publica<strong>do</strong> no Diário<br />

<strong>do</strong> Governo, de 7 de Maio de 1935, veio determinar que “os embargos de terceiro eram meio competente para a<br />

mulher casada com mari<strong>do</strong> comerciante, executa<strong>do</strong> por dívida comercial, poder ilidir a presunção <strong>do</strong> art. 15.º <strong>do</strong><br />

Código Comercial, com o fundamento de que a dívida não foi aplicada em proveito comum <strong>do</strong> casal.”<br />

945 SOUSA, Miguel Teixeira de, Acção Executiva Singular, ob. cit., p. 301.


Legitimidade<br />

Deste mo<strong>do</strong>, de acor<strong>do</strong> com a sua configuração enquanto processo especial, os<br />

embargos de terceiro não careciam de ser deduzi<strong>do</strong>s contra as partes primitivas, mas tão só<br />

contra aquela que fosse responsável pela ofensa da sua posse 946. O mesmo é dizer que, estan<strong>do</strong><br />

em causa um processo executivo, os embargos de terceiro desenvolviam-se entre o terceiro e o<br />

exequente, pelo que o executa<strong>do</strong> carecia de legitimidade para deduzir oposição quanto aos<br />

embargos, salvo quan<strong>do</strong> tivesse si<strong>do</strong> o próprio executa<strong>do</strong> a nomear à penhora os bens objecto<br />

de embargos 947 .<br />

No seu regime actual, dispõe o art. 357.º, n.º 1, <strong>do</strong> CPC que, recebi<strong>do</strong>s os embargos<br />

são notificadas para contestar as partes primitivas, seguin<strong>do</strong>-se os termos <strong>do</strong> processo ordinário<br />

ou sumário de declaração, conforme o valor. Ao abrigo <strong>do</strong> n.º 2 desta disposição legal, “pode<br />

qualquer das partes primitivas, na contestação, pedir o reconhecimento, quer <strong>do</strong> seu direito de<br />

propriedade sobre os bens, quer de que tal direito pertence à pessoa contra quem a diligência<br />

foi promovida”.<br />

Assim, o legisla<strong>do</strong>r veio deixar claro que têm legitimidade passiva o exequente e o<br />

executa<strong>do</strong> 948 . De acor<strong>do</strong> com TEIXEIRA DE SOUSA, estan<strong>do</strong> em causa uma acção executiva, os<br />

embargos de terceiro devem ser propostos contra o exequente e o executa<strong>do</strong>, tratan<strong>do</strong>-se de<br />

uma situação de litisconsórcio necessário passivo natural (art. 28.º, n.º 2, <strong>do</strong> CPC) porque o<br />

efeito útil de uma eventual procedência <strong>do</strong>s embargos não é atingi<strong>do</strong> sem uma decisão uniforme<br />

para as partes primitivas da causa 949 950. Na verdade, os embargos de terceiro implicam o<br />

946 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 13 de Julho de 1995, proc. 0092651, in www.dgsi.pt: “Os embargos de terceiro<br />

desenvolvem-se entre terceiro e exequente, pelo que devem ser desentranhadas as contra-alegações apresentadas<br />

pelo executa<strong>do</strong>.”<br />

947 Esta regra quanto à determinação da legitimidade passiva para os embargos de terceiro é aplicável<br />

actualmente no processo civil espanhol, embora com a particularidade de que a oposição deve ser sempre deduzida<br />

contra o exequente, embora possa também ser formulada contra o executa<strong>do</strong>, em regime litisconsorcial, se tiver<br />

si<strong>do</strong> este o responsável pela nomeação à penhora <strong>do</strong> bem pertencente ao terceiro e atingi<strong>do</strong> por essa diligência<br />

(cfr., a este propósito, MONTERO AROCA, Juan, El Nuevo Proceso Civil – Ley 1/2000, ob. cit., p. 765).<br />

948 De acor<strong>do</strong> com o disposto no § 7771, II, <strong>do</strong> ZPO, sen<strong>do</strong> a oposição de terceiro intentada contra o cre<strong>do</strong>r<br />

e o deve<strong>do</strong>r enquanto partes na acção executiva, verifica-se uma situação de litisconsórcio entre os demanda<strong>do</strong>s.<br />

949 SOUSA, Miguel Teixeira de, Acção Executiva Singular, ob. cit., p. 302. Vide, no mesmo senti<strong>do</strong>,<br />

MARQUES, J. P. Remédio, Curso de Processo Executivo à Face <strong>do</strong> Código Revisto, ob. cit., p. 312.<br />

950 Cfr., a este propósito, REDENTI, VELLANI, Diritto Processuale Civile, vol. I, 3.ª ed., Giuffrè, Milão, 1999,<br />

p. 426, segun<strong>do</strong> os quais a oposição de terceiro deve ser intentada, tanto contra o cre<strong>do</strong>r exequente, como contra o<br />

deve<strong>do</strong>r executa<strong>do</strong>, verifican<strong>do</strong>-se uma situação de litisconsórcio necessário, da<strong>do</strong> que a decisão definitiva quanto à<br />

291


292<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

exercício simultâneo de duas pretensões diversas: uma dirigida contra o cre<strong>do</strong>r exequente e<br />

outra contra o deve<strong>do</strong>r executa<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> certo que a reunião processual destas duas pretensões<br />

marca o núcleo fundamental <strong>do</strong>s embargos de terceiro 951.<br />

Deste mo<strong>do</strong>, no sistema processual civil actual, o incidente de embargos de terceiro dá<br />

origem a uma instância pluri-subjectiva, a qual implica a presença obrigatória das partes<br />

primitivas, pelo que a falta de uma delas nesse incidente implica a nulidade <strong>do</strong> processo após a<br />

apresentação da petição de embargos, ao abrigo <strong>do</strong> disposto nos arts. 194.º e 195.º <strong>do</strong> CPC.<br />

Importa salientar que esse litisconsórcio necessário passivo se impunha já em diversas<br />

situações em que os embargos de terceiro eram deduzi<strong>do</strong>s somente contra o exequente,<br />

maxime nos casos em que o exequente pretendia alegar em sede de contestação que o<br />

executa<strong>do</strong> vendera os bens a um terceiro com o único propósito de frustrar a execução ou ainda<br />

quan<strong>do</strong> pretendesse invocar que a propriedade <strong>do</strong>s bens apreendi<strong>do</strong>s lhe pertencia<br />

(nomeadamente em sede de execução para entrega de coisa certa) ou ao executa<strong>do</strong> (exceptio<br />

<strong>do</strong>minii), o que o obrigava a chamar o terceiro à execução através de um incidente de<br />

intervenção principal provocada 952 .<br />

propriedade <strong>do</strong> bem penhora<strong>do</strong> deve estabilizar-se na ordem jurídica através <strong>do</strong> confronto entre todas as partes.<br />

Segun<strong>do</strong> PASQUALE CASTORO, Il processo di esecuzione nel suo aspetto pratico, Giuffrè, Milão, 2002, p. 815, a<br />

falta de citação <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r executa<strong>do</strong> para os termos <strong>do</strong> processo de embargos de terceiro implica a nulidade de<br />

to<strong>do</strong> o processo. De to<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong>, de acor<strong>do</strong> com a sentença da CSC It., proc. 5674/1997, a nulidade <strong>do</strong> processo<br />

de oposição de terceiro por falta de citação <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r executa<strong>do</strong> é sanável mediante a intervenção <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r no<br />

processo declaran<strong>do</strong> aceitar sem reserva a decisão proferida nesse processo.<br />

ob. cit., p. 313.<br />

951 Cfr. ANGEL FERNANDEZ, Miguel, Derecho Procesal Civil III, ob. cit., p. 377.<br />

952 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, MARQUES, J. P. Remédio, Curso de Processo Executivo à Face <strong>do</strong> Código Revisto,


Competência<br />

SECÇÃO II<br />

COMPETÊNCIA 953<br />

Sumário: 1. Determinação da competência pela estrutura incidental<br />

<strong>do</strong>s embargos. 2. Competência <strong>do</strong>s tribunais de competência específica. 3.<br />

Competência <strong>do</strong>s tribunais e juízos de competência especializada.<br />

1. DETERMINAÇÃO DA COMPETÊNCIA PELA ESTRUTURA INCIDENTAL DOS EMBARGOS<br />

Nos termos <strong>do</strong> art. 353.º, n.º 1, <strong>do</strong> CPC, a petição de embargos de terceiro não está<br />

sujeita a distribuição, da<strong>do</strong> que corre por apenso relativamente ao processo de onde tenha<br />

emana<strong>do</strong> a penhora ou o acto judicia ofensivo <strong>do</strong> direito <strong>do</strong> embargante 954 955 956 .<br />

Na verdade, revestin<strong>do</strong> os embargos de terceiro a natureza de uma acção incidental<br />

relativamente ao processo principal, a competência 957 para o conhecimento <strong>do</strong> fundamento <strong>do</strong>s<br />

953 Apesar de a Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (LOFTJ) ter si<strong>do</strong> revogada pelo art. 186.º, d), da Lei<br />

n.º 52/2008, de 28 de Agosto (diploma que aprovou a nova Lei de Organização e Funcionamento <strong>do</strong>s Tribunais<br />

Judiciais), optou-se por se manter na redacção <strong>do</strong> presente capítulo a referência à Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro,<br />

porquanto a Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, apenas será aplicável a to<strong>do</strong> o território nacional em 1 de Setembro<br />

de 2010.<br />

954 No mesmo senti<strong>do</strong>, vide o art. 599 da LEC ao abrigo <strong>do</strong> qual a oposição de terceiro deve ser intentada<br />

no tribunal onde se encontra a correr a acção executiva, pelo que este tribunal tem competência funcional para a<br />

apreciação <strong>do</strong>s seus termos.<br />

955 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 28 de Abril de 1998, proc. 9820240, in www.dgsi.pt: “os<br />

embargos de terceiro devem correr por apenso à causa onde haja si<strong>do</strong> ordena<strong>do</strong> o acto ofensivo <strong>do</strong> direito <strong>do</strong><br />

embargante e no tribunal onde essa causa pende”, bem como o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 15 de Novembro de 1999, proc.<br />

9950991, in www.dgsi.pt.<br />

956 Na vigência <strong>do</strong> Código de Processo Civil de 1876 não se verificava a apensação <strong>do</strong> processo de<br />

embargos ao processo executivo. Cfr., a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 19 de Junho de 1909: “O processo de<br />

embargos de terceiro é distinto <strong>do</strong> da execução em que estes foram opostos, e, assim, não pode ordenar-se a sua<br />

apensação.” (GENTIL, Francisco, Dicionário <strong>do</strong> Supremo Tribunal de Justiça, ob. cit., Lisboa, 1933, p. 456).<br />

957 Quanto à configuração da competência enquanto medida <strong>do</strong> poder jurisdicional de um tribunal, aferin<strong>do</strong>-<br />

se, consequentemente, pela medida da função jurisdicional que cabe a um tribunal, cfr. SOUSA, Miguel Teixeira de,<br />

A Competência Declarativa <strong>do</strong>s Tribunais Comuns, Lex, Lisboa, 1994, p. 31.<br />

293


294<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

embargos deduzi<strong>do</strong>s pelo terceiro é atribuída, em primeira linha, ao juiz desse processo 958 . Na<br />

verdade, o juiz <strong>do</strong> processo principal é quem reúne as melhores condições para apreciar <strong>do</strong><br />

mérito da causa porquanto a diligência ofensiva da posse ou <strong>do</strong> direito incompatível <strong>do</strong> terceiro<br />

resultou da acção principal por si dirigida 959 .<br />

2. COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS DE COMPETÊNCIA ESPECÍFICA<br />

De acor<strong>do</strong> com a forma de processo, os tribunais de primeira instância podem ser de<br />

competência genérica ou específica (art. 69.º <strong>do</strong> CPC). Os tribunais de competência específica<br />

são aqueles que conhecem de matérias determinadas pela espécie de acção ou pela forma de<br />

processo aplicável (art. 64.º, n.º 2, da LOFTJ) 960 .<br />

Existin<strong>do</strong> diversos tribunais de competência específica na mesma comarca, coloca-se a<br />

questão de saber se os embargos de terceiro devem ser julga<strong>do</strong>s junto <strong>do</strong> tribunal onde corre a<br />

acção principal ou se, ao invés, devem ser remeti<strong>do</strong>s para outro tribunal de competência<br />

específica sempre que as normas jurisdicionais assim o imponham.<br />

Esta questão foi colocada recentemente no Tribunal Judicial <strong>do</strong> Porto. Por apenso a um<br />

processo executivo que correu termos pelo Juízo de Execução <strong>do</strong> Porto, foram deduzi<strong>do</strong><br />

embargos de terceiro em 13 de Abril de 2005, ten<strong>do</strong> o embargante atribuí<strong>do</strong> o valor de<br />

€ 15.784,59 961. Uma vez que esse valor implicava que o incidente passasse a seguir os seus<br />

958 Quanto ao princípio da reserva de jurisdição e ao exercício <strong>do</strong> poder jurisdicional nos incidentes de<br />

pen<strong>do</strong>r declarativo na acção executiva, vide GERALDES, António Santos Abrantes Geraldes, «O Juiz e a Execução»,<br />

in Themis, ano V, n.º 9, 2004, p. 25.<br />

959 Cfr., a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> STJ Br., de 19 de Agosto de 2008, in www.stj.gov.br, segun<strong>do</strong> o qual<br />

“Em princípio, o juízo que determinou a prática de um ato executivo é o competente para conhecer <strong>do</strong>s<br />

inconformismos daí decorrentes, tal como ocorre nos embargos à execução por carta (art. 747 <strong>do</strong> CPC) e nos<br />

embargos de terceiro (art. 1.049 <strong>do</strong> CPC). De fato, em tese, seria descabi<strong>do</strong> atribuir tal competência para outro<br />

juízo, que não ergueu os fundamentos jurídicos <strong>do</strong> ato executivo impugna<strong>do</strong>.”<br />

960 Ao abrigo <strong>do</strong> disposto no art. 96.º da LOFTJ, podem ser criadas, em matéria cível, varas cíveis, juízos<br />

cíveis, juízos de pequena instância cível e juízos de execução. Por outro la<strong>do</strong>, e em casos justifica<strong>do</strong>s, podem ainda<br />

ser criadas varas com competência mista, cível e criminal.<br />

961 De acor<strong>do</strong> com o art. 24.º da LOFTJ, na sua redacção anterior à que lhe foi dada pelo Decreto-Lei<br />

n.º 303/2007, de 24 de Agosto, a alçada <strong>do</strong> tribunal da Relação era de € 14.963,94.


Competência<br />

termos de acor<strong>do</strong> com a tramitação prevista para o processo ordinário, o juiz de execução 962<br />

declarou-se incompetente para conhecer esse incidente 963 e remeteu os seus termos para a vara<br />

cível, ao abrigo <strong>do</strong> disposto nos arts. 357.º, n.º 1, <strong>do</strong> CPC, e 97.º, n. os 1, a) e 4 da LOFTJ.<br />

Por sua vez, o juiz da vara cível declarou-se incompetente para o conhecimento desse<br />

incidente uma vez que as partes não tinham requeri<strong>do</strong> a intervenção <strong>do</strong> tribunal colectivo e por<br />

entender que o juízo de execução era o tribunal competente ao abrigo <strong>do</strong> disposto nos arts. 64.º<br />

n.º 1, 97.º, n.º 1, a) e 102-A, to<strong>do</strong>s da LOFTJ, originan<strong>do</strong>-se, assim, um incidente de conflito<br />

negativo de competência.<br />

O Tribunal da Relação <strong>do</strong> Porto considerou que, embora o juízo de execução fosse<br />

competente para processar os autos <strong>do</strong> incidente de embargos de terceiro, já o julgamento<br />

desse incidente e a consequente elaboração da sentença teria que ter lugar perante a vara cível.<br />

Deste mo<strong>do</strong>, embora o juízo de execução fosse o tribunal competente para processar os termos<br />

<strong>do</strong> incidente de embargos de terceiro, por força <strong>do</strong> disposto no art. 353.º, n.º 1, <strong>do</strong> CPC, devia,<br />

contu<strong>do</strong>, ser remeti<strong>do</strong> à vara cível para julgamento, com posterior devolução da sentença ao<br />

juízo de execução 964 .<br />

962 Relativamente ao poder actual <strong>do</strong> juiz de execução e às funções que lhe são acometidas em sede de<br />

acção executiva, cfr. FREITAS, Lebre de, «Agente de execução e poder jurisdicional”, in Themis, ano IV, n.º 7, 2003,<br />

p. 19.<br />

963 A este respeito e a propósito <strong>do</strong> princípio da auto-suficiência <strong>do</strong> processo, refere TEIXEIRA DE SOUSA<br />

que “[O] tribunal incompetente para se pronunciar sobre o mérito de uma acção tem competência para apreciar a<br />

sua incompetência: é o que se designa habitualmente por Kompetenz-Kompetenz <strong>do</strong> tribunal (…) Isso significa que<br />

o tribunal não é coadjuva<strong>do</strong> por nenhum outro tribunal na apreciação da sua competência, nem determina, em<br />

regra, quan<strong>do</strong> não se julga competente, qual o tribunal que considera competente para apreciar o objecto que lhe<br />

foi apresenta<strong>do</strong>. É por isso que a decisão de um tribunal sobre a sua competência ou incompetência não é<br />

normalmente vinculativa para os outros tribunais.” (SOUSA, Miguel Teixeira de, A Competência Declarativa <strong>do</strong>s<br />

Tribunais Comuns, ob. cit., p. 37).<br />

964 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 1 de Outubro de 2007, proc. 0752637, in www.dgsi.pt, no qual se decidiu que é<br />

competente para os embargos de terceiro deduzi<strong>do</strong>s por apenso a processo executivo o Tribunal que, segun<strong>do</strong> o<br />

valor da causa, for o legalmente competente, bem como o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 12 de Julho de 2006, proc. 1588/2006-<br />

2, in www.dgsi.pt: “Apensa<strong>do</strong>s à respectiva execução, a correr termos pelos juízos de execução de Lisboa, os autos<br />

de embargos de terceiro, em consonância com o disposto no art.º 353, n.º 1, <strong>do</strong> CPC, recebi<strong>do</strong>s que foram,<br />

seguin<strong>do</strong> esses embargos a forma ordinária por força <strong>do</strong> disposto no art.º 357, n.º 1 <strong>do</strong> CPC, a tramitação <strong>do</strong>s<br />

embargos cabe ao juízo de execução sen<strong>do</strong> remeti<strong>do</strong> às varas cíveis de Lisboa no momento e com vista ao<br />

julgamento de facto.”<br />

295


296<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

Quanto a esta questão, afigura-se que o Tribunal da Relação não decidiu bem a causa.<br />

Na verdade, os tribunais de competência específica conhecem de matérias determinadas pela<br />

espécie de acção ou pela forma de processo aplicável, sen<strong>do</strong> ainda competentes para<br />

conhecerem <strong>do</strong>s recursos das decisões das autoridades administrativas em processo de contra-<br />

ordenação, nos termos <strong>do</strong> disposto no art. 102.º, n.º 2, da LOFTJ 965.<br />

Ora, à luz <strong>do</strong> art. 97.º, n.º 1, a), da LOFTJ, as varas cíveis têm competência para a<br />

preparação e o julgamento das acções declarativas cíveis de valor superior à alçada <strong>do</strong> tribunal<br />

da relação em que a lei preveja a intervenção <strong>do</strong> tribunal colectivo. Por sua vez, determina o art.<br />

106.º, b), da LOFTJ, que compete ao tribunal colectivo julgar as questões de facto nas acções de<br />

valor superior à alçada <strong>do</strong>s tribunais da Relação e nos incidentes e execuções que sigam os<br />

termos <strong>do</strong> processo sumário de declaração e excedam a referida alçada.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, o art. 102.º-A da LOFTJ estipula que os juízos de execução têm<br />

competência para exercer, no âmbito <strong>do</strong> processo de execução, as competências previstas no<br />

Código de Processo Civil. Deste mo<strong>do</strong>, os juízos de execução têm competência, no <strong>do</strong>mínio da<br />

respectiva circunscrição territorial, para praticar to<strong>do</strong>s os actos que se inserem no âmbito <strong>do</strong><br />

processo de execução e de todas as acções que, nos termos legais, hajam de correr por apenso<br />

à execução. Assim, só se as partes tiverem requeri<strong>do</strong> atempadamente a intervenção <strong>do</strong> tribunal<br />

colectivo (art. 646.º <strong>do</strong> CPC) é que o processo terá que ser remeti<strong>do</strong> para o tribunal de estrutura<br />

colectiva com competência na respectiva área territorial. Isto porque, nos termos <strong>do</strong> art. 106.º,<br />

b), da LOFTJ, compete ao tribunal colectivo julgar as questões de facto nas acções de valor<br />

superior à alçada <strong>do</strong>s tribunais da relação e nos incidentes e execuções que sigam os termos <strong>do</strong><br />

processo de declaração e excedam a referida alçada, sem prejuízo <strong>do</strong>s casos em que a lei de<br />

processo exclua a sua intervenção. Contu<strong>do</strong>, a intervenção <strong>do</strong> tribunal colectivo foi<br />

substancialmente limitada pela redacção que foi dada ao art. 646.º, n.º 1, <strong>do</strong> CPC pelo Decreto-<br />

Lei n.º 183/00, de 10 de Agosto, porquanto este tribunal só intervém quan<strong>do</strong> ambas as partes<br />

assim o tiverem requeri<strong>do</strong>, e desde que não se verifique nenhuma das circunstâncias previstas<br />

965 Nos termos <strong>do</strong>s arts. 68.º e 69.º <strong>do</strong> CPC, compete às leis da organização judiciária determinar quais as<br />

causas que, pelo seu valor ou pela forma de processo aplicável, se inserem na competência <strong>do</strong>s tribunais singulares<br />

e <strong>do</strong>s tribunais colectivos e ainda quais as causas que, em razão da forma de processo aplicável, competem aos<br />

tribunais de competência específica.


Competência<br />

no n.º 2 dessa disposição legal. Deste mo<strong>do</strong>, atenta a sua configuração actual, o tribunal<br />

colectivo intervém de forma residual e excepcional 966.<br />

Assim, não ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> requerida pelas partes a intervenção <strong>do</strong> tribunal colectivo e<br />

corren<strong>do</strong> os embargos de terceiro por apenso à acção principal em que tenha si<strong>do</strong> ordenada a<br />

penhora ou a diligência judicial ofensiva, no caso em concreto seria competente para o<br />

conhecimento <strong>do</strong>s embargos de terceiro o juízo de execução e não a vara cível 967.<br />

Por último impõe-se referir que esta solução não merece hoje qualquer censura face à<br />

alteração legislativa que foi introduzida no art. 97.º, n.º 1, b), da LOFTJ, pela Lei n.º 42/2005,<br />

de 29 de Agosto. Na verdade, esta disposição determina actualmente que as varas cíveis têm<br />

competência para exercer, nas acções executivas fundadas em título executivo extrajudicial, de<br />

valor superior à alçada <strong>do</strong>s tribunais da Relação, as competências previstas no Código de<br />

Processo Civil, desde que a circunscrição em causa não se encontre abrangida pela<br />

competência de outro tribunal. Assim, existin<strong>do</strong> na mesma circunscrição um juízo de execução<br />

enquanto tribunal de competência específica, este tribunal terá competência para o<br />

conhecimento <strong>do</strong>s incidentes declarativos — maxime, <strong>do</strong>s embargos de terceiro — que venham<br />

a ser suscita<strong>do</strong>s nas acções executivas, ainda que o respectivo valor exceda a alçada <strong>do</strong> tribunal<br />

da Relação. Deste mo<strong>do</strong>, a vara cível terá competência, a título residual, para o conhecimento<br />

<strong>do</strong>s incidentes suscita<strong>do</strong>s nos processos executivos, cujo valor exceda a alçada <strong>do</strong> tribunal da<br />

Relação, mas apenas se nessa circunscrição não existirem juízos de execução.<br />

3. COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS E JUÍZOS DE COMPETÊNCIA ESPECIALIZADA<br />

No que concerne à competência em razão da matéria, os tribunais podem ser de<br />

competência genérica ou especializada.<br />

Os tribunais de competência genérica possuem uma competência residual, na medida<br />

em que conhecem de todas as causas que se enquadrem no <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> seu poder jurisdicional<br />

e sem qualquer distinção em relação à natureza material das causas.<br />

966 Cfr., quanto à limitação da intervenção <strong>do</strong> tribunal colectivo, SOUSA, Miguel Teixeira de, «As recentes<br />

alterações na legislação processual civil», in ROA, ano 61, vol. I, 2001, p. 76.<br />

967 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 29 de Novembro de 2005, proc. 0524452, in www.dgsi.pt, bem como o Ac. <strong>do</strong><br />

TRP, de 31 de Outubro de 2006, proc. 0625180, in www.dgsi.pt.<br />

297


298<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

Por sua vez, os tribunais de competência especializada são aqueles cuja competência se<br />

encontra delimitada em função <strong>do</strong> âmbito material da causa 968, isto é, conhecem de matérias<br />

determinadas, independentemente da forma de processo aplicável (art. 64.º, n.º 2, da LOFTJ),<br />

sen<strong>do</strong> certo que a lei permite a criação, em casos justifica<strong>do</strong>s, de tribunais de competência<br />

especializada mista (art. 64.º, n.º 3, da LOFTJ).<br />

Estan<strong>do</strong> em causa a dedução de embargos de terceiro relativamente a uma diligência<br />

judicial ofensiva da posse ou de um direito incompatível <strong>do</strong> embarga<strong>do</strong> que tenha si<strong>do</strong> decretada<br />

no âmbito de um processo que se encontre a ser tramita<strong>do</strong> por um tribunal de competência<br />

especializada, cabe a esse tribunal a competência para o conhecimento <strong>do</strong> incidente processual<br />

<strong>do</strong>s embargos de terceiro. Nessa exacta medida, e.g., o tribunal de família será materialmente<br />

competente para o conhecimento <strong>do</strong>s embargos de terceiro opostos ao arrolamento decreta<strong>do</strong><br />

no âmbito de um processo de divórcio 969.<br />

968 Nos termos <strong>do</strong> art. 78.º da LOFTJ, podem ser cria<strong>do</strong>s os seguintes tribunais de competência<br />

especializada: instrução criminal, família, menores, trabalho, comércio, marítimos e de execução de penas.<br />

969 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 9 de Janeiro de 1986, in CJ, tomo I, 1986, p. 83, bem como o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 28<br />

de Outubro de 1986, in BMJ, 360.º, p. 551.


1. FORMALIDADES DA PETIÇÃO<br />

Formalismos da acção de embargos de terceiro<br />

CAPÍTULO II<br />

TRAMITAÇÃO DOS EMBARGOS DE TERCEIRO<br />

SECÇÃO I<br />

FORMALISMOS DA ACÇÃO DE EMBARGOS DE TERCEIRO<br />

Sumário: 1. Formalidades da petição. 2. Natureza da acção. 3.<br />

Causa de pedir e pedi<strong>do</strong> nos embargos de terceiro. 3.1. A causa de pedir:<br />

considerações gerais. 3.2. A causa de pedir na ofensa da posse. 3.3. A causa<br />

de pedir na ofensa de um direito incompatível. 3.4. Âmbito e limites <strong>do</strong><br />

pedi<strong>do</strong>. 4. Registo da acção.<br />

Tal como sucede nas demais acções judiciais, a instância <strong>do</strong>s embargos de terceiro<br />

inicia-se com a apresentação da petição inicial em juízo mediante impulso <strong>do</strong> embargante, ao<br />

abrigo <strong>do</strong> princípio nullum judex sine actore (art. 267.º, n.º 1, <strong>do</strong> CPC). Trata-se, na verdade, de<br />

uma imposição <strong>do</strong> princípio <strong>do</strong> dispositivo e de uma consequência da concepção privatística <strong>do</strong><br />

processo, em que “a resolução <strong>do</strong> pleito depende fundamentalmente da vontade das partes,<br />

sen<strong>do</strong> o juiz um simples árbitro passivo, controlan<strong>do</strong> a observância das normas e proclaman<strong>do</strong> o<br />

resulta<strong>do</strong> final.” 970<br />

O Código de Processo Civil actual, prevê no seu art. 353.º, n.º 2, que o embargante<br />

deve deduzir a sua pretensão mediante petição 971. Tratan<strong>do</strong>-se de um incidente processual<br />

deduzi<strong>do</strong> a título de oposição, a petição deve obedecer aos requisitos processuais previstos no<br />

art. 467.º <strong>do</strong> CPC, embora com as necessárias adaptações face à natureza deste incidente. Na<br />

petição inicial deve ainda o embargante oferecer de imediato a prova quanto à factualidade<br />

970 Cfr. BAPTISTA, José João, Processo Civil I – Parte Geral e Processo Declarativo, 8.ª ed., Coimbra<br />

Editora, 2006, p. 73.<br />

971 De acor<strong>do</strong> com o disposto no art. 1040.º, n.º 2, <strong>do</strong> CPC1961, o embargante devia oferecer com a petição<br />

inicial de embargos de terceiro prova sumária da sua posse e da sua qualidade de terceiro, poden<strong>do</strong>, para esse<br />

efeito, juntar <strong>do</strong>cumentos e indicar testemunhas até ao número de cinco.<br />

299


300<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

alegada, sob pena de, não o fazen<strong>do</strong>, ficar precludida a possibilidade de apresentar a prova em<br />

momento posterior 972.<br />

Na formulação da petição inicial de embargos de terceiro, deve ainda o embargante<br />

indicar o valor desse incidente, sem prejuízo de ser ao juiz quem compete fixar o valor da causa<br />

(art. 315.º, n.º 1, <strong>do</strong> CPC). Com efeito, tal ónus resulta claramente <strong>do</strong> art. 357.º, n.º 1, <strong>do</strong> CPC,<br />

o qual faz depender a tramitação subsequente <strong>do</strong>s embargos de terceiro das normas previstas<br />

para o processo ordinário ou sumário de declaração consoante o valor que lhe tenha si<strong>do</strong><br />

atribuí<strong>do</strong>. Na verdade, embora os embargos de terceiro se encontrem actualmente configura<strong>do</strong>s<br />

como um incidente de intervenção de terceiros, não perderam, contu<strong>do</strong>, a estrutura de acção,<br />

conforme resulta, aliás, da formação de caso julga<strong>do</strong> material quanto à sentença neles<br />

proferida 973 .<br />

No que concerne à determinação <strong>do</strong> valor <strong>do</strong>s embargos de terceiro, os arts. 305.º a<br />

319.º não apresentam qualquer critério especificamente previsto para os embargos de terceiro.<br />

Contu<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> os embargos de terceiro um incidente da instância na modalidade de<br />

intervenção de terceiros, o art. 313.º, n.º 1, <strong>do</strong> CPC determina que o valor <strong>do</strong>s incidentes é o da<br />

causa a que respeitam, salvo se o incidente tiver realmente valor diverso <strong>do</strong> da causa.<br />

Em função deste critério geral, sucede, não raras vezes, que o valor atribuí<strong>do</strong> ao<br />

incidente <strong>do</strong>s embargos de terceiro segue o valor atribuí<strong>do</strong> à causa principal 974 . Contu<strong>do</strong>, tal<br />

entendimento não se apresenta como sen<strong>do</strong> o mais correcto. Na verdade, atento o critério<br />

defini<strong>do</strong> pelo art. 313.º, n.º 1, <strong>do</strong> CPC, afigura-se que sempre que o valor <strong>do</strong> incidente seja<br />

diverso <strong>do</strong> valor da causa principal (por exemplo, numa execução para pagamento de quantia<br />

certa com o valor de € 25.000,00, foi penhora<strong>do</strong> um bem no valor de € 5.000,00), a<br />

972 Nos termos <strong>do</strong> art. 595.3 da LEC, o terceiro deve apresentar na petição o fundamento que sustenta a<br />

sua pretensão e apresentar um princípio de prova por escrito — <strong>do</strong>cumento de natureza pública ou privada — sem o<br />

qual o tribunal deverá indeferir liminarmente a pretensão deduzida, embora possa convidar no terceiro a sanar esse<br />

vício (cfr. MONTERO AROCA, Juan, El Nuevo Proceso Civil – Ley 1/2000, ob. cit., p. 765).<br />

973 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 17 de Abril de 2008, proc. 0735309, in www.dgsi.pt.<br />

974 Contu<strong>do</strong>, o valor <strong>do</strong> incidente <strong>do</strong>s embargos de terceiro não tem que ser necessariamente igual ao valor<br />

da causa principal, porquanto o valor da acção principal é determina<strong>do</strong> em função <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> e não em resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

valor <strong>do</strong>s bens penhora<strong>do</strong>s (cfr. SAMPAIO, J. M. <strong>Gonçalves</strong>, A Acção Executiva e a Problemática das Execuções<br />

Injustas, 2.ª ed., Almedina, 2008, p. 292).


Formalismos da acção de embargos de terceiro<br />

determinação <strong>do</strong> valor deve ser feita em função <strong>do</strong> critério <strong>do</strong> valor da coisa, previsto no art.<br />

311.º <strong>do</strong> CPC 975.<br />

Assim, se pelos embargos de terceiro o embargante pretende fazer valer o seu direito de<br />

propriedade sobre a coisa indevidamente penhorada ou apreendida judicialmente, o valor <strong>do</strong><br />

incidente corresponderá ao valor da coisa. Se, em contrapartida, o terceiro pretender tutelar<br />

outro direito real, na determinação <strong>do</strong> valor da causa deverá atender-se quer ao seu conteú<strong>do</strong>,<br />

quer à sua duração provável. Deste mo<strong>do</strong>, se o usufrutuário, e.g., pretender embargar de<br />

terceiro contra a penhora da propriedade plena de um bem, a determinação <strong>do</strong> valor <strong>do</strong>s<br />

embargos deverá ter em consideração, não só o conteú<strong>do</strong> desse direito (nomeadamente em<br />

função <strong>do</strong>s direitos que lhe são atribuí<strong>do</strong>s no respectivo título constitutivo <strong>do</strong> usufruto – art.<br />

1445.º <strong>do</strong> CC), como também o prazo previsto para a sua duração (art. 1443.º <strong>do</strong> CC).<br />

Importa ainda salientar que, tratan<strong>do</strong>-se de uma verdadeira acção autónoma, ainda que<br />

corra por apenso 976 em relação à causa principal, o valor relevante para efeito de interposição de<br />

recurso ordinário (por referência à alçada <strong>do</strong> tribunal a quo) é o <strong>do</strong> incidente de embargos de<br />

terceiro e não o <strong>do</strong> valor da causa principal relativamente à qual os embargos correm por<br />

apenso 977 .<br />

2. NATUREZA DA ACÇÃO<br />

Conforme se referiu supra, embora os embargos de terceiro se apresentem<br />

processualmente configura<strong>do</strong>s enquanto um incidente de intervenção de terceiros, a verdade é<br />

975 Cfr. SOUSA, Miguel Teixeira de, Acção Executiva Singular, ob. cit., p. 316; MARQUES, J. P. Remédio,<br />

Curso de Processo Executivo Comum à Face <strong>do</strong> Código Revisto, ob. cit., p. 339 e CARDOSO, Eurico Lopes, Manual<br />

da Acção Executiva, ob. cit., p. 389.<br />

976 De acor<strong>do</strong> com LEBRE DE FREITAS, entre as diversas modificações introduzidas ao regime anterior,<br />

passou a frisar-se que os embargos de terceiro se processam por apenso, quan<strong>do</strong> anteriormente se afirmava tão-só<br />

que eram deduzi<strong>do</strong>s "como dependência <strong>do</strong> processo", sen<strong>do</strong> certo que esta modificação, por si só acentua a<br />

natureza estruturalmente autónoma da acção de embargos de terceiro (FREITAS, José Lebre de; PINTO, Rui;<br />

REDINHA, João, Código de Processo Civil Anota<strong>do</strong>, vol. 1.º, ob. cit., p. 620). Por outro la<strong>do</strong>, tal como salienta<br />

SALVADOR DA COSTA, o facto de os embargos de terceiro correrem por apenso relativamente à causa principal<br />

permite a marcha paralela de ambos os procedimentos e a consequente celeridade processual (cfr. COSTA,<br />

Salva<strong>do</strong>r da, Os Incidentes da Instância, ob. cit., p. 222).<br />

977 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRE, de 13 de Novembro de 2003, proc. 2531/03-2, in www.dgsi.pt.<br />

301


302<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

que a dedução de embargos de terceiro representa uma verdadeira acção judicial de natureza<br />

declarativa 978, com estrutura e autonomia próprias relativamente ao processo de execução em<br />

979 relação ao qual corre por apenso 980.<br />

Na verdade, tal qualificação resulta, desde logo, de três características essenciais:<br />

- da tramitação <strong>do</strong>s embargos de terceiro de acor<strong>do</strong> com a estrutura complexa prevista<br />

para o processo ordinário ou sumário de declaração, consoante o valor da causa (art. 357.º, n.º<br />

1, <strong>do</strong> CPC);<br />

- na possibilidade de dedução de um pedi<strong>do</strong> reconvencional para o reconhecimento da<br />

exceptio <strong>do</strong>minii <strong>do</strong> embarga<strong>do</strong> (art. 357.º, n.º 2, <strong>do</strong> CPC); e<br />

- no efeito de caso julga<strong>do</strong> material quanto à sentença que se venha a pronunciar sobre<br />

o mérito <strong>do</strong>s embargos de terceiro, circunstância que revela a autonomia <strong>do</strong> objecto <strong>do</strong>s<br />

embargos de terceiro em relação à acção principal relativamente à qual são processa<strong>do</strong>s por<br />

apenso (art. 358.º <strong>do</strong> CPC).<br />

Ademais, uma vez alcançada a fase contraditória <strong>do</strong>s embargos de terceiro, a acção<br />

segue os termos próprios <strong>do</strong> processo declarativo com vista à obtenção de uma sentença final<br />

que decida <strong>do</strong> mérito da causa, guian<strong>do</strong>-se, designadamente, pelas regras impostas pelos<br />

princípios processuais <strong>do</strong> dispositivo, <strong>do</strong> contraditório e <strong>do</strong> inquisitório, circunstância que marca<br />

a sua autonomia própria face à acção executiva principal de onde tenha resulta<strong>do</strong> a diligência<br />

ofensiva da posse ou <strong>do</strong> direito incompatível <strong>do</strong> embargante.<br />

Atenta a finalidade e o âmbito <strong>do</strong>s embargos de terceiro, importa aferir qual a natureza<br />

da acção judicial por via da qual o embargante se opõe à penhora que tenha atingi<strong>do</strong><br />

ilicitamente os bens que integram o seu património.<br />

A este propósito, dispõe o art. 4.º, n.º 1, <strong>do</strong> CPC que as acções judiciais podem ser<br />

declarativas ou executivas. Enquanto as primeiras visam obter a declaração <strong>do</strong> direito, isto é,<br />

978 Relativamente à concepção <strong>do</strong> incidente de embargos de terceiro enquanto verdadeira acção judicial<br />

com estrutura declarativa autónoma que não se confunde com a da execução, vide PIMENTA, Paulo, «Acções e<br />

incidentes declarativos na pendência da execução», in Themis, ano V, n.º 9, 2004, p. 55.<br />

979 Cfr., a este propósito, FREITAS, José Lebre de, «Enxertos declarativos no processo executivo», in<br />

Estu<strong>do</strong>s sobre Direito Civil e Processo Civil, ob. cit., p. 642.<br />

980 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 3 de Junho de 2008, proc. 245-B/2002C.1, in www.dgsi.pt: “Os embargos de<br />

terceiro apresentam a estrutura de uma acção declarativa autónoma, antecedida por uma fase introdutória de<br />

carácter preventiva ou cautelar, poden<strong>do</strong> pedir-se o reconhecimento <strong>do</strong> direito de propriedade e a entrega da coisa<br />

apreendida judicialmente.”


Formalismos da acção de embargos de terceiro<br />

que o tribunal se “pronuncie sobre a solução jurídica concreta aplicável ao caso submeti<strong>do</strong> a<br />

julgamento” 981, em contrapartida as acções executivas, pressupon<strong>do</strong> a existência de um título<br />

executivo <strong>do</strong> qual resulta de forma inequívoca um direito já reconheci<strong>do</strong>, são aquelas pelas quais<br />

a parte requer ao tribunal as providências adequadas à reparação efectiva <strong>do</strong> direito viola<strong>do</strong>.<br />

ou constitutivas.<br />

Por sua vez, as acções declarativas podem ser de simples apreciação, de condenação<br />

O incidente de embargos de terceiro não configura uma acção declarativa de<br />

condenação, porquanto o embargante não pode requerer que os embarga<strong>do</strong>s sejam condena<strong>do</strong>s<br />

na prestação de uma coisa ou de um facto pressupon<strong>do</strong> ou preven<strong>do</strong> a violação <strong>do</strong> seu direito.<br />

Em contrapartida, as finalidades deste incidente ficam plenamente asseguradas através<br />

da propositura de uma acção judicial de simples apreciação (positiva), por via da qual o<br />

embargante requer ao tribunal que seja judicialmente reconheci<strong>do</strong> de que é titular da posse ou<br />

de um direito sobre o bem penhora<strong>do</strong> que se afigura incompatível com a penhora ou com a<br />

realização ou o âmbito dessa diligência. Nessa exacta medida, sen<strong>do</strong> reconhecida a titularidade<br />

<strong>do</strong> direito (através da acção de simples apreciação) e decretada, consequentemente, a extinção<br />

da penhora que incidiu sobre o bem, esta consequência assume um carácter acessório<br />

relativamente à pretensão principal, pelo que é a finalidade desta (simples apreciação <strong>do</strong> direito<br />

invoca<strong>do</strong>) que determina a natureza da acção judicial subjacente.<br />

Todavia, ten<strong>do</strong> em conta a ampliação <strong>do</strong> âmbito objectivo <strong>do</strong>s embargos de terceiro em<br />

consequência da reforma processual de 95/96 e a consequente possibilidade de discussão<br />

quanto à titularidade <strong>do</strong> direito de fun<strong>do</strong>, em determinadas circunstâncias o incidente processual<br />

<strong>do</strong>s embargos de terceiro pode assumir a natureza de uma verdadeira acção constitutiva. Tal<br />

será o caso, e.g., em que tanto o embargante como o embarga<strong>do</strong> (em sede de exceptio <strong>do</strong>minii)<br />

se arrogam simultaneamente proprietários <strong>do</strong> bem penhora<strong>do</strong> e requerem ao tribunal o<br />

reconhecimento <strong>do</strong> direito de propriedade sobre esse bem — o primeiro com base na aquisição<br />

originária <strong>do</strong> bem com fundamento em usucapião pela posse, pedin<strong>do</strong>, consequentemente, que<br />

o tribunal decrete a aquisição da propriedade sobre o bem penhora<strong>do</strong>, e o segun<strong>do</strong> com<br />

fundamento na propriedade <strong>do</strong> bem com base na presunção resultante da inscrição <strong>do</strong> direito no<br />

registo predial — caso em que a decisão a ser proferida pelo tribunal poderá implicar a produção<br />

981 Cfr. VARELA, Antunes; BEZERRA, J. Miguel; NORA, Sampaio e, Manual de Processo Civil, 2.ª ed.<br />

(reimpr.), Coimbra Editora, 2004, p. 73.<br />

303


304<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

de um efeito constitutivo a favor <strong>do</strong> embargante quanto à titularidade efectiva <strong>do</strong> direito de<br />

propriedade sobre o bem e ao reconhecimento jurídico dessa qualidade.<br />

3. CAUSA DE PEDIR E PEDIDO NOS EMBARGOS DE TERCEIRO<br />

3.1. A CAUSA DE PEDIR: CONSIDERAÇÕES GERAIS<br />

Ainda que se surjam processualmente configura<strong>do</strong>s como um incidente da instância, os<br />

embargos de terceiro apresentam a estrutura de uma verdadeira acção declarativa. Na verdade,<br />

os embargos de terceiro apresentam uma natureza autónoma, sen<strong>do</strong> certo que, em virtude de<br />

tal circunstância, a sentença neles proferida produz o efeito de caso julga<strong>do</strong> material 982 .<br />

Assim, os embargos de terceiro, tal como sucede nas demais acções, identificam-se em<br />

função de um pedi<strong>do</strong> e de uma causa de pedir.<br />

Com efeito, nos embargos de terceiro a causa de pedir 983 é concretizada pelos factos que<br />

demonstram a posse ou o direito incompatível com a finalidade ou o âmbito da diligência que se<br />

pretende impugnar 984 . Deste mo<strong>do</strong>, o embargante deve invocar os factos <strong>do</strong>nde resulte a posse<br />

ou o direito que se mostre legalmente incompatível com a finalidade <strong>do</strong> acto judicial em causa 985 ,<br />

sob pena de o tribunal poder indeferir liminarmente os embargos de terceiro por inobservância<br />

<strong>do</strong>s pressupostos de que o legisla<strong>do</strong>r faz depender para a sua admissão e, designadamente, por<br />

ineptidão da petição inicial 986 . Assim, inexistirá causa de pedir, com a consequente ineptidão da<br />

petição inicial, se o embargante “se limita a expender que, na veste de direito de superfície,<br />

982 Vide, a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 14 de Abril de 2005, proc. 425/2005-2, in www.dgsi.pt.<br />

983 Quanto à configuração da causa de pedir de acor<strong>do</strong> com a tese da individualização e da substanciação,<br />

vide SOUSA, Miguel Teixeira de, Sobre a Teoria <strong>do</strong> Processo Declarativo, ob. cit., pp. 156 e 157.<br />

984 Vide, a este propósito, COSTA, Salva<strong>do</strong>r da, Os Incidentes da Instância, ob. cit., p. 223.<br />

985 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 16 de Julho de 1997, in CJ, tomo III, 1997, p. 203.<br />

986 Nos termos <strong>do</strong> art. 193.º <strong>do</strong> CPC, a petição inicial será inepta quan<strong>do</strong> falte ou seja ininteligível a<br />

indicação <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> ou da causa de pedir, quan<strong>do</strong> o pedi<strong>do</strong> esteja em contradição com a causa de pedir ou quan<strong>do</strong><br />

se cumulem causas de pedir ou pedi<strong>do</strong>s substancialmente incompatíveis entre si. Com efeito, o objectivo principal<br />

<strong>do</strong> legisla<strong>do</strong>r é o de impedir que uma acção que se encontre viciada por falta ou contradição interna da matéria ou<br />

objecto <strong>do</strong> processo possa prosseguir por não ser possível, atenta a estrutura da acção, um acto unitário de<br />

julgamento (MENDES, João de Castro, Direito Processual Civil III, ob. cit., p. 47).


Formalismos da acção de embargos de terceiro<br />

comprou determinada fracção predial da qual por isso tem a posse material, pois que faltam os<br />

factos e circunstâncias de factos relevantes ou integrantes dessa posse” 987.<br />

3.2. A CAUSA DE PEDIR NA OFENSA DA POSSE<br />

Radican<strong>do</strong> o fundamento <strong>do</strong>s embargos de terceiro na ofensa da posse, a causa de<br />

pedir des<strong>do</strong>bra-se em <strong>do</strong>is elementos essenciais: a posse de terceiro e a diligência de penhora<br />

ou a diligência judicialmente ordenada que seja ofensiva dessa posse. Com efeito, o embargante<br />

deve invocar na petição inicial a factualidade revela<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> exercício de um poder de facto sobre<br />

a coisa atingida pela diligência (corpus, enquanto elemento empírico) 988, bem como a<br />

factualidade que demonstre o exercício desse poder de facto com a intenção de agir como<br />

beneficiário <strong>do</strong> direito (animus, enquanto elemento psicológico) 989 990. Por outro la<strong>do</strong>, o<br />

embargante deve ainda alegar, nos termos <strong>do</strong> art. 498.º, n.º 4, <strong>do</strong> CPC, o facto jurídico de que<br />

deriva o direito real invoca<strong>do</strong>, isto é., o mo<strong>do</strong> de aquisição originária ou derivada da posse 991.<br />

987 Ac. <strong>do</strong> TRL, de 7 de Julho de 1994, proc. 0083541, in www.dgsi.pt.<br />

988 Quanto à manifestação <strong>do</strong> corpus na posse, divide-se a <strong>do</strong>utrina clássica entre a prática efectiva de<br />

actos materiais sobre a coisa (Jhering) ou, ao invés, sobre a mera possibilidade de prática desses actos materiais<br />

(Savigny), sen<strong>do</strong> certo que a concepção de posse a<strong>do</strong>ptada pela civilística portuguesa aproxima-se da tese sufragada<br />

por Savigny, bastan<strong>do</strong>, pois, uma mera relação de subordinação da coisa à vontade da pessoa, embora, no caso da<br />

aquisição originária por usucapião, se assista a uma aproximação à teoria defendida por Jhering (cfr., a este<br />

propósito, ASCENSÃO, José de Oliveira, Direito Civil – Reais, ob. cit., p. 90).<br />

989 Quanto ao animus na posse — concebi<strong>do</strong> como a intenção de agir como o titular <strong>do</strong> direito a que o<br />

exercício <strong>do</strong> poder de facto se refere (ASCENSÃO, José de Oliveira, Direito Civil – Reais, ob. cit., p. 91) —, a <strong>do</strong>utrina<br />

subjectivista de Savigny distancia-se diametralmente da <strong>do</strong>utrina objectivista de Jhering, sen<strong>do</strong> certo que o Código<br />

Civil abraçou a concepção subjectivista da posse, tal como melhor resulta <strong>do</strong> disposto no art. 1253.º, a), <strong>do</strong> CC.<br />

990 Vide, quanto à causa de pedir e ao ónus de alegação nos embargos de terceiro funda<strong>do</strong>s em posse, o<br />

Ac. <strong>do</strong> STJ, de 13 de Março de 1997, processo 697/96 – 2.ª Secção, in www.dgsi.pt, bem como o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 4<br />

de Outubro de 2007, proc.2370/07 – 7.ª secção, in www.dgsi.pt. Cfr., em senti<strong>do</strong> contrário, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 13 de<br />

Janeiro de 2000, proc. 1025/99 – 7.ª secção, in www.dgsi.pt, segun<strong>do</strong> o qual o embargante apenas tem de invocar<br />

o corpus sobre a coisa, não carecen<strong>do</strong> de alegar o animus uma vez que, exercen<strong>do</strong> de antemão os poderes de facto<br />

sobre a coisa, beneficia desde logo da presunção da posse em nome próprio, ao abrigo <strong>do</strong> disposto no art. 1252.º,<br />

n.º 2, <strong>do</strong> CC.<br />

991 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 24 de Maio de 2001, proc. 1240/01 – 7.ª secção, in www.dgsi.pt.<br />

305


306<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

Não sen<strong>do</strong> devidamente invocada a factualidade demonstrativa da posse ofendida pela<br />

diligência, deve a petição de embargos de terceiro ser liminarmente indeferida 992. Note-se,<br />

contu<strong>do</strong>, que o embargante possui<strong>do</strong>r apenas tem que invocar a causa de aquisição (originária<br />

ou derivada) da posse, não lhe sen<strong>do</strong> exigível a alegação da “existência de um negócio<br />

abstractamente susceptível de transferir a propriedade ou outro direito real susceptível de<br />

993 posse” 994.<br />

3.3. A CAUSA DE PEDIR NA OFENSA DE UM DIREITO INCOMPATÍVEL<br />

Ao invés, se os embargos de terceiro tiverem por fundamento a ofensa de um direito<br />

incompatível com a finalidade ou o âmbito da diligência ― por exemplo, o direito de propriedade<br />

ou um direito real menor sobre o bem atingi<strong>do</strong> ― nesse caso recai sobre o embargante o ónus<br />

de alegar os factos que demonstrem a titularidade efectiva desse direito no âmbito da sua esfera<br />

jurídica. Na verdade, sen<strong>do</strong> invocada como causa de pedir a ofensa <strong>do</strong> direito de propriedade ou<br />

de outro direito real menor, o embargante tem o ónus de articular e provar os factos em que se<br />

traduz esse direito 995 , sen<strong>do</strong> certo que, ao abrigo <strong>do</strong> disposto no art. 342.º, n.º 1, <strong>do</strong> CC, quem<br />

invoca um direito tem o ónus de provar os respectivos elementos constitutivos 996 . Todavia, nos<br />

termos <strong>do</strong> art. 349.º <strong>do</strong> CC, a jurisprudência tem vin<strong>do</strong> a sustentar que o titular <strong>do</strong> direito de<br />

propriedade não tem que descrever os factos materiais que pratica sobre a coisa ou o mo<strong>do</strong><br />

como está a fruí-la, da<strong>do</strong> que a posse da coisa permite presumir a existência <strong>do</strong> direito de<br />

propriedade correspondente 997 .<br />

992 Vide, a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 16 de Junho de 1987, in www.dgsi.pt.<br />

993 Quanto ao facto de apenas os direitos reais serem susceptíveis de posse, cfr. ALMEIDA, L. P Moitinho,<br />

Restituição de Posse e Ocupação de Imóveis, ob. cit., p. 37. Vide, no mesmo senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 16 de Março<br />

de 1976, in BMJ, 25.º, p. 184.<br />

994 MESQUITA, Miguel, Apreensão de Bens em Processo Executivo e Oposição de Terceiro, ob. cit., p. 102.<br />

995 Quanto ao facto de a onerosidade da prova recair sobre o embargante, cfr. FREDERICO CARPI;<br />

MICHELE TARUFFO, Commentario Breve al Codice di Procedura Civile, ob. cit., p. 1841.<br />

996 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 30 de Outubro de 2003, proc. 0334119, in www.dgsi.pt.<br />

997 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 29 de Abril de 1993, proc. 0056646, in www.dgsi.pt.


3.4. ÂMBITO E LIMITES DO PEDIDO<br />

Formalismos da acção de embargos de terceiro<br />

O pedi<strong>do</strong>, enquanto afirmação e concretização da pretensão processual, tem como<br />

propósito a afirmação da titularidade de uma situação subjectiva 998 .<br />

No que concerne ao pedi<strong>do</strong> em sede de embargos de terceiro, o embargante deve<br />

requerer o levantamento da penhora ou de outro acto judicial que tenha incidi<strong>do</strong> sobre os bens<br />

penhora<strong>do</strong>s 999 . Por outro la<strong>do</strong>, o embargante pode também requerer no mesmo acto processual,<br />

e ao abrigo <strong>do</strong> disposto no art. 356.º <strong>do</strong> CPC, a restituição provisória da posse relativamente aos<br />

bens atingi<strong>do</strong>s pela diligência (estan<strong>do</strong> em causa, naturalmente, a dedução de embargos de<br />

natureza repressiva), sen<strong>do</strong> certo que o juiz pode condicionar a restituição provisória da posse à<br />

prestação de caução 1000 1001 , ainda que o embarga<strong>do</strong> não o tenha requeri<strong>do</strong> 1002 . De to<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong>,<br />

998 SOUSA, Miguel Teixeira de, Sobre a Teoria <strong>do</strong> Processo Declarativo, ob. cit., p. 42.<br />

999 Consistin<strong>do</strong> o pedi<strong>do</strong> típico <strong>do</strong>s embargos de terceiro no levantamento da penhora sobre os bens<br />

embarga<strong>do</strong>s, qualquer outro pedi<strong>do</strong> reveste natureza acessória e pode ser suprimi<strong>do</strong> por completo sem que tal<br />

circunstância altere o âmbito ou a natureza <strong>do</strong>s embargos de terceiro (cfr., nesse senti<strong>do</strong>, ANGEL FERNANDEZ,<br />

Miguel, Derecho Procesal Civil III, ob. cit., p. 380).<br />

1000 A este propósito a jurisprudência divide-se quanto à questão de saber se a prestação de caução poderá<br />

ser determinada oficiosamente pelo tribunal ou se devem ser as partes a requerer essa prestação. Com efeito, o Ac.<br />

<strong>do</strong> TRP, de 15 de Junho de 1998, proc. 9850511, in www.dgsi.pt, veio determinar que “[E]m embargos de terceiro,<br />

não ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> requerida por qualquer das partes prestação de caução, não pode o tribunal ordenar que o<br />

embargante preste caução para salvaguarda <strong>do</strong>s interesses <strong>do</strong> embarga<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> nulo o respectivo despacho.”<br />

Contu<strong>do</strong>, não se afigura que tal interpretação seja a mais correcta, tanto mais quanto é certo que <strong>do</strong> art. 356.º <strong>do</strong><br />

CPC parece resultar claramente que a prestação de caução poderá ser determinada oficiosamente pelo tribunal –<br />

vide, nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 28 de Janeiro de 2002, proc. 0151830, in www.dgsi.pt, segun<strong>do</strong> o qual “a<br />

restituição provisória da posse, a efectivar se o embargante a pediu, pode, no despacho que receba os embargos de<br />

terceiro e já decreta<strong>do</strong> arresto, ser oficiosamente condicionada à prestação de caução”. Todavia, o juiz só poderá<br />

sujeitar o embargante à prestação de caução até ao proferimento <strong>do</strong> despacho de recebimento <strong>do</strong>s embargos, não<br />

poden<strong>do</strong> fazê-lo oficiosamente em momento posterior.<br />

1001 No senti<strong>do</strong> de o art. 356.º <strong>do</strong> CPC atribuir ao juiz um poder discricionário e não vincula<strong>do</strong> no que<br />

concerne à liberdade de dispensar ou não a prestação de caução, bem como quanto ao juízo se ela é ou não<br />

necessária para alcançar o fim visa<strong>do</strong> pela lei, cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 5 de Março de 2002, proc. 320/02 – 6.ª<br />

secção, in www.dgsi.pt.<br />

1002 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 11 de Julho de 2000, proc. 1815/2000 – 1.ª secção, in www.dgsi.pt: “É através<br />

<strong>do</strong> incidente de embargos que o terceiro, não sen<strong>do</strong> parte na acção executiva, pode ser restituí<strong>do</strong> provisoriamente à<br />

posse <strong>do</strong> bem.” Cfr., também, o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 18 de Abril de 2002, proc. 0230100, in www.dgsi.pt.<br />

307


308<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

nada obsta a que o embargante preste de imediato e de forma voluntária uma caução 1003 pelo<br />

valor correspondente ao direito invoca<strong>do</strong> pelo embargante ou o <strong>do</strong>s bens atingi<strong>do</strong>s pela diligência<br />

se este for inferior 1004. Em caso de extinção <strong>do</strong>s embargos de terceiro por inutilidade<br />

superveniente da lide (por exemplo, se tiver caduca<strong>do</strong> a providência cautelar relativamente à<br />

qual tenham si<strong>do</strong> deduzi<strong>do</strong>s por apenso os embargos), deve ser oficiosamente determinada pelo<br />

tribunal a restituição da caução ao embargante 1005.<br />

Assim, os embargos de terceiro apenas podem reconduzir-se ao pedi<strong>do</strong> de levantamento<br />

da penhora por violação <strong>do</strong> direito ou por ofensa da posse, bem como ao pedi<strong>do</strong> cautelar e<br />

acessório de restituição provisória da posse, da<strong>do</strong> que é essa a finalidade <strong>do</strong> incidente de<br />

embargos de terceiro, tal como surge configura<strong>do</strong> pelo disposto nos arts. 351.º e 359.º <strong>do</strong> CPC.<br />

Nesta medida, não é admissível, em sede de embargos de terceiro, a formulação de um pedi<strong>do</strong><br />

de declaração de nulidade da penhora ou de reconhecimento de vícios da execução 1006, uma vez<br />

que a eventual nulidade da penhora deve ser arguida pelas próprias partes, maxime pelo<br />

executa<strong>do</strong>, no processo principal 1007.<br />

De igual mo<strong>do</strong>, fica também vedada ao terceiro a possibilidade de suscitar em sede de<br />

embargos a inexistência de título executivo ou a inexequibilidade <strong>do</strong> direito que o exequente<br />

pretende fazer valer em sede executiva, porquanto essa defesa extravasa manifestamente o<br />

âmbito objectivo <strong>do</strong>s embargos de terceiro 1008 .<br />

Assim, o pedi<strong>do</strong> deduzi<strong>do</strong> pelo embargante em sede de embargos de terceiro deve<br />

reconduzir-se, quer ao levantamento da penhora sobre os bens indevidamente penhora<strong>do</strong>s por<br />

não integrarem o património <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> — ainda que tal pedi<strong>do</strong> implique uma apreciação<br />

1003 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 12 de Dezembro de 2003, proc. 0081202, in www.dgsi.pt: “Não tem cabimento<br />

nos autos de prestação de caução a discussão e solução da inadmissibilidade da oposição por embargos de<br />

terceiro, sen<strong>do</strong> nos autos de embargos que o juiz terá de verificar a existência <strong>do</strong>s requisitos respectivos.”<br />

www.dgsi.pt.<br />

1004 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 11 de Outubro de 1990, proc. 0018566, in www.dgsi.pt.<br />

1005 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 8 de Março de 2001, proc. 0015108, in www.dgsi.pt.<br />

1006 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. STJ, de 20 de Novembro de 2003, proc. 2795/03 – 1.ª secção, in<br />

1007 MONTELEONE, Diritto Processuale Civile, 2.ª ed., CEDAM, Pádua, 2000, p. 165, apud FREDERICO<br />

CARPI; MICHELE TARUFFO, Commentario Breve al Codice di Procedura Civile, ob. cit., p. 1842.<br />

1008 Cfr. a sentença da CSC It., proc. 974/1968, e, na <strong>do</strong>utrina, PASQUALE CASTORO, Il processo di<br />

esecuzione nel suo aspetto pratico, Giuffrè, Milão, 2002, p. 816, apud FREDERICO CARPI; MICHELE TARUFFO,<br />

Commentario Breve al Codice di Procedura Civile, ob. cit., p. 1842.


Formalismos da acção de embargos de terceiro<br />

prévia quanto ao reconhecimento da sua posse ou da incompatibilidade <strong>do</strong> seu direito em<br />

relação à penhora ou ao âmbito e finalidades da diligência ofensiva —, quer à restituição<br />

provisória desses bens até que seja proferida uma sentença final no incidente de embargos.<br />

Se o embargante só tiver pedi<strong>do</strong> a suspensão da execução em relação ao imóvel que foi<br />

penhora<strong>do</strong> e se o tribunal, julgan<strong>do</strong> os embargos procedentes, tiver ordena<strong>do</strong> o levantamento da<br />

penhora e a restituição provisória da posse, tal circunstância não implica a nulidade da sentença<br />

por condenação em objecto diverso <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong>, uma vez que os termos da decisão judicial<br />

inserem-se no âmbito objectivo <strong>do</strong>s embargos de terceiro e resultam <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> deduzi<strong>do</strong> 1009 .<br />

4. REGISTO DA ACÇÃO<br />

Nos termos <strong>do</strong> art. 3.º, n.º 1, a), <strong>do</strong> CRPred., estão sujeitas a registo as acções que<br />

tenham por fim, principal ou acessório, o reconhecimento, a constituição, a modificação ou a<br />

extinção de algum <strong>do</strong>s direitos referi<strong>do</strong>s no artigo anterior, bem como as acções de impugnação<br />

pauliana.<br />

Nesta exacta medida, embora a lei não faça qualquer referência expressa aos embargos<br />

de terceiro, sempre que esteja em causa a dedução de embargos de terceiro funda<strong>do</strong>s num<br />

direito incompatível com o âmbito ou a finalidade da diligência e que possam importar o<br />

reconhecimento, a constituição, modificação ou extinção de um direito real sobre um bem<br />

sujeito a registo, é obrigatório o registo desta acção atento o facto de ter por objecto o<br />

reconhecimento da existência e titularidade de um direito invoca<strong>do</strong> sobre o bem atingi<strong>do</strong> pela<br />

penhora ou pelo acto judicial de apreensão ou entrega de bens 1010.<br />

Ademais, importa referir que a data <strong>do</strong> registo da acção de embargos de terceiro<br />

relativamente à data de registo da penhora pode ter implicações decisivas quanto à eventual<br />

procedência ou improcedência <strong>do</strong>s embargos de terceiro 1011.<br />

www.dgsi.pt.<br />

p. 343.<br />

1009 Vide, a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 9 de Dezembro de 2004, proc. 2573/04 – 2.ª secção, in<br />

1010 Cfr. SOUSA, Miguel Teixeira de, Acção Executiva Singular, ob. cit., p. 306.<br />

1011 MARQUES, J. P. Remédio, Curso de Processo Executivo Comum à Face <strong>do</strong> Código Revisto, ob. cit.,<br />

309


310<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva


Tempestividade<br />

SECÇAO II<br />

TEMPESTIVIDADE<br />

Sumário: 1. Embargos de terceiro com finalidade repressiva. 1.1.<br />

Prazo para a dedução de embargos de terceiro. 1.2. Natureza <strong>do</strong> prazo. 1.3.<br />

Intempestividade <strong>do</strong>s embargos: conhecimento oficioso ou dependente de<br />

arguição? 1.4. Ónus da prova da verificação <strong>do</strong> prazo. 2. Embargos de<br />

terceiro com finalidade preventiva.<br />

1. EMBARGOS DE TERCEIRO COM FINALIDADE REPRESSIVA<br />

1.1. PRAZO PARA A DEDUÇÃO DE EMBARGOS DE TERCEIRO<br />

Nos termos <strong>do</strong> art. 353.º, n.º 2, <strong>do</strong> CPC, os embargos de terceiro com finalidade<br />

repressiva devem ser deduzi<strong>do</strong>s no prazo de trinta dias a contar da data em que a diligência foi<br />

efectuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa 1012 1013, mas nunca depois <strong>do</strong>s<br />

respectivos bens terem si<strong>do</strong> já vendi<strong>do</strong>s ou adjudica<strong>do</strong>s (terminus ad quem) 1014 1015 .<br />

1012 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 23 de Maio de 1991, proc. 022876, in www.dgsi.pt.<br />

1013 A este propósito o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional, por violação <strong>do</strong> artigo 20.º da CRP, a<br />

norma <strong>do</strong> art. 237.º, n.º 3, <strong>do</strong> CPPT, quan<strong>do</strong> interpreta<strong>do</strong> como determinan<strong>do</strong> o início da contagem <strong>do</strong> prazo para<br />

dedução <strong>do</strong>s embargos de terceiro a data da realização da penhora, arresto, ou qualquer acto judicialmente<br />

ordena<strong>do</strong> de apreensão ou entrega de bens, mesmo nos casos em que o terceiro só toma conhecimento <strong>do</strong> acto<br />

ofensivo da posse ou <strong>do</strong> direito subsequentemente à realização deste, mas antes da venda <strong>do</strong> bem (cfr. o Ac. <strong>do</strong> TC<br />

n.º 468/2001, in DR, II Série, n.º 276, de 28 de Novembro de 2001).<br />

1014 O Código de Processo Civil de 1876 não fixava qualquer prazo para a dedução <strong>do</strong>s embargos de<br />

terceiro, determinan<strong>do</strong> apenas que este processo só poderia ser deduzi<strong>do</strong> antes da adjudicação definitiva ou da<br />

arrematação (REIS, José Alberto <strong>do</strong>s, Processos Especiais, vol. I, ob. cit., p. 432).<br />

Porque tal preceito levantava dúvidas quanto à tempestividade para a dedução <strong>do</strong>s embargos de terceiro,<br />

nomeadamente no que concerne à questão de saber se os embargos podiam ser deduzi<strong>do</strong>s antes da adjudicação<br />

ou arrematação, mas já depois de decorri<strong>do</strong> um ano sobre a data da penhora, o Código de Processo Civil de 1939<br />

passou a determinar expressamente no seu art. 1037.º que os embargos deviam ser deduzi<strong>do</strong>s no prazo de vinte<br />

dias a contar da prática <strong>do</strong> acto ofensivo da posse ou da data em que o embargante teve conhecimento dele.<br />

311


312<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

Nessa exacta medida, estan<strong>do</strong> em causa a dedução de embargos de terceiro com<br />

finalidade repressiva, o prazo começa a contar a partir da data em que o embargante teve<br />

conhecimento efectivo <strong>do</strong> acto ofensivo da sua posse 1016 e não desde a inscrição desse acto no<br />

registo predial ou da publicidade <strong>do</strong> mesmo em sede de editais ou anúncios 1017 . Isto pelo simples<br />

facto de que o acto ofensivo <strong>do</strong> direito <strong>do</strong> embargante e que fundamenta a possibilidade de<br />

dedução de embargos de terceiro resulta da penhora e não <strong>do</strong> seu registo 1018. Por outro la<strong>do</strong>,<br />

resultan<strong>do</strong> a agressão patrimonial de uma providência cautelar de arresto posteriormente<br />

convertida em penhora, o prazo para a dedução de embargos de terceiro deve ser conta<strong>do</strong> a<br />

partir <strong>do</strong> momento em que o embargante teve conhecimento da ofensa resultante <strong>do</strong> arresto 1019.<br />

Acresce a isto que a eventual irregularidade da penhora em nada afecta a existência <strong>do</strong><br />

acto em si mesmo, enquanto ofensivo <strong>do</strong> direito invoca<strong>do</strong>, pelo que não alarga o prazo para a<br />

dedução <strong>do</strong>s embargos de terceiro 1020.<br />

Do mesmo mo<strong>do</strong>, estan<strong>do</strong> em causa a penhora de um imóvel em que interveio o<br />

depositário, verifica-se nessa data a ofensa formal da sua posse, pelo que se inicia nessa data o<br />

prazo de trinta dias para a dedução <strong>do</strong>s embargos de terceiro, não sen<strong>do</strong> possível ao depositário<br />

a dedução de embargos de terceiro com função preventiva contra o despacho judicial ordena<strong>do</strong>r<br />

da venda judicial <strong>do</strong> imóvel penhora<strong>do</strong> 1021 . Por sua vez, em caso de penhora de um veículo<br />

automóvel, o início da contagem <strong>do</strong> prazo verifica-se na data da realização da penhora ou <strong>do</strong> seu<br />

O art. 1040.º, n.º 1, <strong>do</strong> CPC 1961, dispunha que os embargos de terceiro deviam ser deduzi<strong>do</strong>s, como<br />

dependência <strong>do</strong> processo em que tivesse si<strong>do</strong> ordena<strong>do</strong> o acto ofensivo da posse, nos vintes dias seguintes àquele<br />

em que foi pratica<strong>do</strong> o acto ou em que o embargante teve conhecimento dele, mas nunca depois de os respectivos<br />

bens terem si<strong>do</strong> judicialmente vendi<strong>do</strong>s ou adjudica<strong>do</strong>s.<br />

1015 Ao contrário <strong>do</strong> que sucede no sistema processual português, no âmbito <strong>do</strong> direito espanhol não se fixa<br />

qualquer prazo para a dedução da tercería de <strong>do</strong>mínio. Com efeito, nos termos <strong>do</strong> art. 596., n. 1, da LEC, “[L]a<br />

tercería de <strong>do</strong>minio podrá interponerse desde que se haya embarga<strong>do</strong> el bien o bienes a que se refiera, aunque el<br />

embargo sea preventivo.”<br />

1016 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 26 de Junho de 2003, proc. 03B1342, in www.dgsi.pt.<br />

1017 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 28 de Maio de 1987, in CJ, tomo III, 1987, p. 175, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 2 de<br />

Fevereiro de 1989, in BMJ, 384.º, p. 646, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 22 de Abril de 1997, proc. 766/96 – 1.ª Secção, in<br />

www.dgsi.pt, e o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 30 de Novembro de 2006, proc. 4244/06 – 7.ª secção, in www.dgsi.pt.<br />

1018 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 14 de Abril de 2005, proc. 425/2005-2, in www.dgsi.pt.<br />

1019 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 22 de Junho de 2004, proc. 2111/04 – 6.ª secção, in www.dgsi.pt.<br />

1020 Ac. <strong>do</strong> STJ, de 26 de Junho de 2003, proc. 03B1342, in www.dgsi.pt.<br />

1021 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 23 de Maio de 1991, proc. 022876, in www.dgsi.pt.


Tempestividade<br />

conhecimento e não na data em que a autoridade policial, a solicitação <strong>do</strong> tribunal, procedeu à<br />

apreensão <strong>do</strong> veículo penhora<strong>do</strong> 1022.<br />

Quid iuris, porém, se um terceiro que se arroga proprietário de um bem imóvel<br />

penhora<strong>do</strong> vem a tomar conhecimento dessa penhora em momento em que a execução se<br />

encontra suspensa por acor<strong>do</strong> das partes ao abrigo <strong>do</strong> art. 882.º <strong>do</strong> CPC? Começará o prazo<br />

para deduzir embargos de terceiro a correr a partir <strong>do</strong> momento em que o terceiro teve<br />

conhecimento da penhora e não obstante a execução se encontrar suspensa, ou começará o<br />

prazo a correr apenas no caso de a execução vir a prosseguir os seus termos?<br />

Poder-se-á sustentar que, estan<strong>do</strong> a execução (da qual resultou o acto de penhora)<br />

suspensa e perspectivan<strong>do</strong>-se, inclusive, o cumprimento voluntário da obrigação pecuniária por<br />

parte <strong>do</strong> executa<strong>do</strong>, deixou de existir uma ofensa real ao direito de propriedade <strong>do</strong> embargante,<br />

pelo que carece de fundamento a dedução de embargos de terceiro. Contu<strong>do</strong>, esse<br />

entendimento não se afigura como sen<strong>do</strong> o mais correcto. Na verdade, o facto de a execução se<br />

encontrar suspensa em nada assegura ou garante ao embargante de que a mesma se extinguirá<br />

por pagamento voluntário da dívida e das demais custas processuais. Deste mo<strong>do</strong>, essa ameaça<br />

continua a ser real, ainda que relativamente enfraquecida face à suspensão <strong>do</strong> processo que<br />

determinou a penhora <strong>do</strong> bem. Nessa exacta medida, o terceiro continua a manter o seu<br />

interesse em deduzir embargos de terceiro, pelo que deve deduzir o incidente de embargos de<br />

terceiro no prazo de trinta dias a contar <strong>do</strong> conhecimento efectiva da diligência ofensiva <strong>do</strong> seu<br />

direito, independentemente <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> em que se encontrar o processo principal 1023 .<br />

Nos termos <strong>do</strong> art. 353.º, n.º 2, <strong>do</strong> CPC, a dedução de embargos de terceiro nunca<br />

pode ter lugar após a venda judicial <strong>do</strong> bem penhora<strong>do</strong> 1024 1025 .<br />

1022 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 16 de Junho de 1992, in BMJ, 418.º, p. 872.<br />

1023 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 14 de Dezembro de 2006, in www.dgsi.pt.<br />

1024 A este propósito impõe-se salientar que a lei processual não admite a dedução de embargos de terceiro<br />

contra a própria venda de bens no âmbito da acção executiva (cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 11 de Março de<br />

2003, proc. 443/2003, in www.dgsi.pt.<br />

1025 Nos termos <strong>do</strong> art. 596.2 da LEC, a oposição de terceiro deve ser intentada até ao momento em que se<br />

verifique a transmissão <strong>do</strong> bem penhora<strong>do</strong> a favor <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r ou de um terceiro que o tenha adquiri<strong>do</strong> em hasta<br />

pública, motivo pelo qual a oposição será liminarmente indeferida se vier a ser intentada em momento posterior a<br />

essa transmissão <strong>do</strong> bem penhora<strong>do</strong>. Com efeito, uma vez que a tercería de <strong>do</strong>minio tem por finalidade principal<br />

313


314<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

Quid iuris, porém, se essa venda tiver si<strong>do</strong> objecto de um pedi<strong>do</strong> de anulação ao abrigo<br />

<strong>do</strong> disposto no art. 908.º <strong>do</strong> CPC?<br />

A este propósito poder-se-ia argumentar que, estan<strong>do</strong> pendente um pedi<strong>do</strong> de anulação<br />

da venda executiva, deixar-se-ia de verificar a limitação imposta pelo art. 354.º <strong>do</strong> CPC, pelo que<br />

só com o trânsito em julga<strong>do</strong> da decisão que confirmasse a validade da venda é que se<br />

verificaria a extemporaneidade efectiva para a dedução de embargos de terceiro.<br />

Não se afigura, contu<strong>do</strong>, aceitável tal solução. Ainda que a venda executiva <strong>do</strong> bem<br />

objecto de embargos de terceiro tenha pendente um pedi<strong>do</strong> de anulação da venda, os embargos<br />

de terceiro deduzi<strong>do</strong>s nessa fase processual são intempestivos e, como tal, devem ser<br />

liminarmente indeferi<strong>do</strong>s pelo tribunal 1026.<br />

1.2. NATUREZA DO PRAZO<br />

Relativamente à contagem <strong>do</strong> prazo, coloca-se a questão de saber se o prazo para a<br />

dedução de embargos de terceiro tem natureza substantiva ou judicial. Tal questão tem vin<strong>do</strong> a<br />

ser frequentemente levantada sobretu<strong>do</strong> nas situações em que o prazo para a dedução de<br />

embargos de terceiro é “atravessa<strong>do</strong>” por um perío<strong>do</strong> de férias judiciais 1027 , importan<strong>do</strong> saber se<br />

nesse perío<strong>do</strong> de tempo o prazo continua a contar (por se tratar de um prazo substantivo, ao<br />

qual se aplicam as regras de contagem previstas no art. 279.º <strong>do</strong> CC) ou se se suspende (por se<br />

tratar de um prazo judicial, ao qual se aplicam as regras de contagem previstas no art. 144.º <strong>do</strong><br />

CPC).<br />

impedir a execução forçosa <strong>do</strong> bem penhora<strong>do</strong>, esta deve ser intentada antes que se verifique a alienação ou<br />

adjudicação coactiva <strong>do</strong> bem em sede executiva. Uma vez que a lei processual civil espanhola determina que a<br />

tercería de <strong>do</strong>mínio só pode ser deduzida até que se verifique a transmissão <strong>do</strong> bem de acor<strong>do</strong> com a lei civil<br />

substantiva, importa estabelecer algumas distinções quanto ao momento até ao qual poderá ser intentada a<br />

oposição de terceiro. Assim, estan<strong>do</strong> em causa a penhora de dinheiro ou de sal<strong>do</strong>s de contas bancárias, a oposição<br />

só poderá ter lugar até à sua entrega ao exequente; no caso de penhora de acções ou de participações sociais, até<br />

que se verifique a sua entrega material ou uma traditio ficta; no caso de bens móveis, até que se verifique a entrega<br />

bem ao exequente adjudicatário ou a um terceiro; tratan<strong>do</strong>-se de bens imóveis, até à transmissão <strong>do</strong> auto de venda<br />

ou de adjudicação (cfr. MONTERO AROCA, Juan, El Nuevo Proceso Civil – Ley 1/2000, pp. 766 e 767).<br />

1026 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 22 de Novembro de 2000, in CJ, tomo V, 2000, p. 22.<br />

1027 As férias judiciais encontram-se regulamentadas no art. 12.º da LOFTJ e decorrem desde Domingo de<br />

Ramos a Segunda-feira de Páscoa, de 1 a 31 de Agosto e de 22 de Dezembro a 3 de Janeiro.


Tempestividade<br />

O prazo reveste natureza judicial quan<strong>do</strong> apenas determina o perío<strong>do</strong> de tempo “para se<br />

produzir um determina<strong>do</strong> efeito processual”, ou seja, quan<strong>do</strong> se destina a “regular a distância<br />

entre os actos <strong>do</strong> processo”, pressupon<strong>do</strong>, assim, a existência de um processo.<br />

Por sua vez, os prazos substantivos dizem respeito ao exercício de direitos materiais,<br />

motivo pelo qual lhes são “aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira<br />

expressamente à prescrição” (artigo 298.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC), ten<strong>do</strong> o seu decurso como<br />

consequência, sem prejuízo das regras respeitantes à necessidade da sua indicação em juízo, a<br />

extinção <strong>do</strong> respectivo direito.<br />

Na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 457/80, de 10 de Outubro, o art.<br />

144.º, n.º 3, <strong>do</strong> CPC dispunha que “o prazo judicial suspende-se, no entanto, durante as férias,<br />

sába<strong>do</strong>s, <strong>do</strong>mingos e dias feria<strong>do</strong>s” 1028 , sen<strong>do</strong> certo que o n.º 4 da aludida disposição legal<br />

determinava que “o disposto no número anterior não se aplica aos prazos de propositura das<br />

acções, com excepção <strong>do</strong>s embargos de terceiro, nem aos prazos de interposição <strong>do</strong>s recursos<br />

extraordinários”.<br />

Na sua actual redacção, o art. 144.º, n.º 4, <strong>do</strong> CPC determina que “[O]s prazos para a<br />

propositura de acções previstos neste Código seguem o regime <strong>do</strong>s números anteriores.” Por<br />

sua vez, o n.º 1 da aludida disposição legal preceitua que “[0] prazo processual, estabeleci<strong>do</strong><br />

por lei ou fixa<strong>do</strong> por despacho <strong>do</strong> juiz, é contínuo, suspenden<strong>do</strong>-se, no entanto, durante as férias<br />

judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de actos a<br />

praticar em processos que a lei considere urgentes”.<br />

Alguma jurisprudência tem vin<strong>do</strong> a sustentar que, sen<strong>do</strong> de caducidade o prazo de 30<br />

dias previsto para a dedução de embargos de terceiro de natureza repressiva, a sua contagem<br />

1028 Através <strong>do</strong> Assento n.º 8/94, o Supremo Tribunal de Justiça veio determinar que “a suspensão <strong>do</strong>s<br />

prazos judiciais, estabelecida no artigo 144.º, n.º 3, <strong>do</strong> Código de Processo Civil, não é aplicável ao prazo judicial de<br />

propositura de acção previsto no artigo 382.º, n.º 1, a), <strong>do</strong> mesmo Código”. Com efeito, o Supremo Tribunal de<br />

Justiça considerou que embora “os prazos de propositura de acções sejam caracteriza<strong>do</strong>s, em regra, como prazos<br />

substantivos de caducidade, os mesmos podem também assumir uma natureza judicial sempre que o prazo esteja<br />

relaciona<strong>do</strong> com outra acção e o seu decurso tenha somente um efeito de natureza processual e não o da extinção<br />

de um direito material”. Nesta medida, embora o prazo para a dedução de embargos de terceiro tenha a natureza<br />

de prazo judicial, mostrava-se fundamentada a excepção introduzida no art. 144.º, n.º 4 <strong>do</strong> Código de Processo Civil<br />

“pelo facto de o embargante não ter si<strong>do</strong> parte, em regra, no processo onde se ordenou a diligência judicial, e ter<br />

por isso necessidade de preparar, no prazo de 20 dias, a acção destinada à defesa da sua posse, o que se não<br />

verifica na acção tendente a evitar a caducidade de providência cautelar.”<br />

315


316<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

deve obedecer ao preceitua<strong>do</strong> no art. 279.º <strong>do</strong> CC. Na verdade, tratan<strong>do</strong>-se de um incidente<br />

processual, devem ser aplicadas de forma supletiva as normas previstas para a causa principal,<br />

pelo que, moven<strong>do</strong>-se os embargos de terceiro na órbita <strong>do</strong> processo principal, nada obsta à<br />

aplicação <strong>do</strong> regime previsto no art. 279.º <strong>do</strong> CC por força <strong>do</strong> disposto no art. 466.º <strong>do</strong> CPC 1029 .<br />

Deste mo<strong>do</strong>, de acor<strong>do</strong> com esta interpretação, terminan<strong>do</strong> o prazo de 30 dias em perío<strong>do</strong> de<br />

férias judiciais, a acção deve ser apresentada no primeiro dia útil subsequente ao termo das<br />

férias judiciais, já que à contagem <strong>do</strong> prazo não se aplica o regime previsto no art. 144.º, n.º 1<br />

<strong>do</strong> CPC, mas antes o disposto no art. 279.º, e), <strong>do</strong> CC 1030 .<br />

Contu<strong>do</strong>, esta orientação não se afigura correcta. Com efeito, ten<strong>do</strong> em conta a<br />

redacção <strong>do</strong> art. 144.º, n.º 4, <strong>do</strong> CPC, e uma vez que o legisla<strong>do</strong>r veio reconhecer aos embargos<br />

de terceiro a natureza de uma verdadeira acção, não obstante a reforma processual de 95/96<br />

os ter sistematiza<strong>do</strong> enquanto uma subespécie de oposição espontânea (art. 351.º e ss <strong>do</strong><br />

CPC) 1031 , à contagem <strong>do</strong> prazo previsto para a dedução <strong>do</strong>s embargos de terceiro deve ser<br />

aplica<strong>do</strong> o regime processual previsto no art. 144.º, n. os 1 a 3 <strong>do</strong> CPC 1032. Deste mo<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong><br />

aplicável o regime previsto no art. 144.º <strong>do</strong> CPC, o prazo de interposição <strong>do</strong>s embargos de<br />

terceiro suspende-se durante as férias judiciais, retoman<strong>do</strong> a sua contagem no primeiro dia<br />

posterior ao termo das férias judiciais 1033 .<br />

1.3. INTEMPESTIVIDADE DOS EMBARGOS: CONHECIMENTO OFICIOSO OU<br />

DEPENDENTE DE ARGUIÇÃO?<br />

Dispõe o art. 353.º, n.º 2, <strong>do</strong> CPC, que o embargante deve deduzir a sua pretensão<br />

mediante petição nos trinta dias subsequentes àquele em que a diligência foi efectuada ou em<br />

1029 Cfr. nesse senti<strong>do</strong> o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 11 de Julho de 1989, in BMJ, 389.º, p. 638, bem como o Ac. <strong>do</strong><br />

TRC, de 1 de Abril de 2008, proc. 5166/06.3TBLRA-B.C1, in www.dgsi.pt.<br />

1030 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 1 de Abril de 2008, proc. 5166/06.3TBLRA-B.C1, in www.dgsi.pt.<br />

1031 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 16 de Março de 2006, proc. 11249/2005-6, in www.dgsi.pt, o Ac. <strong>do</strong> STA, de 6<br />

de Fevereiro de 1990, in BMJ, 394.º, p. 510, e o Ac. <strong>do</strong> TRL de 13 de Novembro de 1990, in BMJ¸ 401.º, p. 629.<br />

1032 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 3 de Fevereiro de 1987, in BMJ, 364.º, p. 952. Em senti<strong>do</strong> contrário, SALVADOR<br />

DA COSTA sustenta que o prazo para a dedução de embargos de terceiro reveste a natureza de prazo substantivo,<br />

embora seja conta<strong>do</strong> nos termos <strong>do</strong> art. 143.º <strong>do</strong> CPC (cfr. COSTA, Salva<strong>do</strong>r da, Os Incidentes da Instância, ob. cit.,<br />

p. 224).<br />

1033 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 25 de Maio de 2000, proc. 0024326, in www.dgsi.pt.


Tempestividade<br />

que teve conhecimento da ofensa. Nessa exacta medida, o prazo processualmente previsto para<br />

a dedução de embargos de terceiro assume a natureza de um prazo de caducidade porquanto é<br />

extintivo <strong>do</strong> respectivo direito potestativo de acção 1034.<br />

Deste mo<strong>do</strong>, coloca-se a questão de saber se o tribunal pode conhecer oficiosamente da<br />

extemporaneidade <strong>do</strong>s embargos e proferir, consequentemente, um despacho de indeferimento<br />

liminar, ou se, pelo contrário, tratan<strong>do</strong>-se de um prazo de caducidade, a intempestividade <strong>do</strong>s<br />

embargos apenas poderá ser conhecida mediante a respectiva invocação pelo(s) embarga<strong>do</strong>(s).<br />

No versão <strong>do</strong> Código de Processo Civil anterior à revisão de 95/96, a jurisprudência era<br />

maioritária ao sufragar o entendimento de que, tratan<strong>do</strong>-se de um prazo de caducidade, estava<br />

veda<strong>do</strong> ao tribunal o conhecimento oficioso da intempestividade <strong>do</strong>s embargos de terceiro.<br />

Desse mo<strong>do</strong>, ao abrigo <strong>do</strong> disposto nos arts. 303.º, 333.º, n.º 2 e 342.º, n.º 2, to<strong>do</strong>s <strong>do</strong> CC,<br />

impendia sobre o embarga<strong>do</strong> o ónus de invocar a extemporaneidade <strong>do</strong>s embargos, já que a não<br />

expiração <strong>do</strong> prazo era um elemento constitutivo <strong>do</strong> direito <strong>do</strong> embargante 1035 . No entanto,<br />

admitia-se a possibilidade de conhecimento oficioso da caducidade <strong>do</strong>s embargos sempre que<br />

estes fossem deduzi<strong>do</strong>s depois de os bens terem si<strong>do</strong> judicialmente vendi<strong>do</strong>s ou adjudica<strong>do</strong>s 1036 .<br />

Em contrapartida, no actual regime <strong>do</strong> Código de Processo Civil, a jurisprudência tem<br />

vin<strong>do</strong> a apresentar decisões contraditórias quanto à possibilidade de conhecimento oficioso pelo<br />

tribunal quanto à tempestividade da dedução <strong>do</strong>s embargos. Por um la<strong>do</strong> tem vin<strong>do</strong> a ser<br />

sufraga<strong>do</strong> o entendimento de que o prazo para a dedução <strong>do</strong>s embargos de terceiro é extintivo<br />

<strong>do</strong> respectivo direito potestativo da acção, pelo que, tratan<strong>do</strong>-se de um prazo de caducidade, a<br />

sua intempestividade deve ser invocada pelos embarga<strong>do</strong>s e não pode ser conhecida<br />

oficiosamente pelo tribunal 1037. Deste mo<strong>do</strong>, tratan<strong>do</strong>-se de um prazo de caducidade estabeleci<strong>do</strong><br />

1034 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 13 de Julho de 1988, in BMJ, 379.º, pp. 561 a 565.<br />

1035 Cfr. nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 17 de Julho de 1988, in BMJ, 379.º, p. 561: “O embargante não<br />

tem de fazer a prova da tempestividade da dedução <strong>do</strong>s embargos, que, no entanto, lhe cabe alegar, ao embarga<strong>do</strong><br />

caben<strong>do</strong>, na subsequente fase contraditória, provar o facto em que se funde a caducidade <strong>do</strong> direito de propor a<br />

acção, em conformidade com a norma geral <strong>do</strong> art. 343-2 CC.”<br />

1036 Cfr. nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 10 de Fevereiro de 2000, proc. 0084368, in www.dgsi.pt.<br />

1037 Cfr. nesse senti<strong>do</strong> o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 3 de Maio de 2001, proc. 1035/01 – 7.ª secção, in www.dgsi.pt<br />

“O juiz não pode conhecer oficiosamente da intempestividade <strong>do</strong>s embargos de terceiro, deven<strong>do</strong> a mesma ser<br />

alegada e provada pelo embarga<strong>do</strong>”, bem como o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 1 de Abril de 2008, in www.dgsi.pt, com voto de<br />

venci<strong>do</strong> <strong>do</strong> Sr. Juiz Desembarga<strong>do</strong>r Nunes Ribeiro, com a seguinte declaração: “Não aceito, por um la<strong>do</strong>, que o<br />

tribunal não possa conhecer oficiosamente da extemporaneidade <strong>do</strong>s embargos de terceiro nem, por outro, que à<br />

317


318<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

em matéria inserida no âmbito da disponibilidade das partes, mesmo que o tribunal se aperceba<br />

<strong>do</strong> seu decurso, não se pode pronunciar oficiosamente sobre essa matéria por força <strong>do</strong> disposto<br />

no art. 303.º <strong>do</strong> CC ex vi <strong>do</strong> art. 333.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC 1038.<br />

Em senti<strong>do</strong> contrário, tem vin<strong>do</strong> a entender que o art. 354.º <strong>do</strong> CPC veio clarificar a<br />

possibilidade <strong>do</strong>s tribunais conhecerem oficiosamente da intempestividade <strong>do</strong>s embargos atenta<br />

a sua formulação legal [“Sen<strong>do</strong> apresentada em tempo (…)”]. Assim, esta disposição veio<br />

estabelecer uma excepção ao normativo ínsito no art. 333.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC, permitin<strong>do</strong> aos<br />

tribunais o conhecimento oficioso da caducidade <strong>do</strong> direito de embargar, pelo que o juiz deve<br />

rejeitar os embargos com fundamento em extemporaneidade se, analisada sumariamente a<br />

prova apresentada, se convencer que os embargos foram deduzi<strong>do</strong>s mais de trinta dias após o<br />

conhecimento da diligência ofensiva da posse ou <strong>do</strong> direito incompatível 1039 .<br />

A última tese apresentada é a que melhor se coaduna com o actual regime processual<br />

<strong>do</strong>s embargos de terceiro. Na verdade, atenta a formulação legal <strong>do</strong> art. 354.º <strong>do</strong> CPC, a petição<br />

inicial de embargos de terceiro deve ser indeferida liminarmente quan<strong>do</strong> seja intempestiva. No<br />

entanto, para que o tribunal se possa pronunciar oficiosamente sobre a caducidade <strong>do</strong> exercício<br />

<strong>do</strong> direito, devem constar da petição inicial os factos que demonstrem de forma inequívoca em<br />

que data o embargante teve conhecimento da diligência ofensiva da sua posse ou <strong>do</strong> direito 1040 .<br />

Assim, o tribunal pode conhecer oficiosamente da excepção de caducidade <strong>do</strong>s embargos de<br />

terceiro se, pelos factos constantes da petição inicial, constatar que o embargante teve<br />

contagem <strong>do</strong> prazo para a sua dedução se apliquem as regras <strong>do</strong> art.º 279º <strong>do</strong> C. Civil. Resulta claramente <strong>do</strong> art.º<br />

354º <strong>do</strong> C.P.Civil vigente – como, aliás, vem acontecen<strong>do</strong> desde 1939 (vide Processos Especiais, de Alberto <strong>do</strong>s<br />

Reis, vol. I, pág. 441 e segs) – que a dedução <strong>do</strong>s embargos fora <strong>do</strong> tempo é (e sempre foi) motivo de<br />

indeferimento liminar ou de rejeição.”<br />

1038 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 13 de Março de 1997, in BMJ, 465.º, p. 628, o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 2 de Maio de<br />

2000, in BMJ, 497.º, p. 451, e, mais recentemente, o Ac. <strong>do</strong> TRE, de 15 de Fevereiro de 2007, proc. n.º 2348/06-<br />

3, bem como o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 1 de Abril de 2008, ambos in www.dgsi.pt.<br />

1039 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 2 de Fevereiro de 2005, in www.dgsi.pt, bem como o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 25 de Maio<br />

de 2000 proc. 00241326, in www.dgsi.pt.<br />

1040 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 16 de Março de 2006, proc. 11249/2005-6, o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 23 de Outubro de<br />

2007, proc. 233/04.TBSAT-C1, bem como o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 12 de Junho de 2007, proc. 2365/2007-1, to<strong>do</strong>s in<br />

www.dgsi.pt.


Tempestividade<br />

conhecimento da penhora ou da diligência ofensiva há mais de trinta dias relativamente à data<br />

em que a acção entrou em juízo 1041.<br />

Mesmo que não se verifique o indeferimento liminar <strong>do</strong>s embargos de terceiro com<br />

fundamento na sua caducidade, nada impede que o juiz possa proferir um despacho de rejeição<br />

<strong>do</strong>s embargos sempre que, analisada a prova em momento posterior, se convença de que os<br />

embargos foram deduzi<strong>do</strong>s de forma intempestiva.<br />

Por último, importa referir que o tribunal pode sempre conhecer oficiosamente da<br />

intempestividade <strong>do</strong>s embargos quan<strong>do</strong> estes tenham si<strong>do</strong> deduzi<strong>do</strong>s depois de terem si<strong>do</strong><br />

judicialmente vendi<strong>do</strong>s ou adjudica<strong>do</strong>s os bens objecto desse incidente 1042.<br />

1.4. ÓNUS DA PROVA DA VERIFICAÇÃO DO PRAZO<br />

No Código de Processo Civil de 1939, era <strong>do</strong>minante o entendimento de que incumbia<br />

ao embargante alegar e provar a tempestividade <strong>do</strong>s embargos, isto é, que tivera conhecimento<br />

da diligência há menos de vinte dias em relação à data da propositura da acção 1043 .<br />

Porém, no regime processual civil actual, em regra cabe ao embarga<strong>do</strong> o ónus da prova<br />

de ter já decorri<strong>do</strong> o prazo para a dedução <strong>do</strong>s embargos de terceiro 1044 . Com efeito, o art. 343.º,<br />

n.º 2, <strong>do</strong> CC, estipula que, nas acções que devem ser propostas dentro de certo prazo a contar<br />

da data em que o autor teve conhecimento de determina<strong>do</strong> facto, cabe ao réu a prova de o<br />

prazo ter já decorri<strong>do</strong>. Ora, como o prazo para a dedução <strong>do</strong>s embargos de terceiro é extintivo<br />

<strong>do</strong> próprio direito potestativo da acção, cabe ao embarga<strong>do</strong> a prova de que o embargante tinha<br />

já conhecimento da ofensa da posse ou <strong>do</strong> seu direito incompatível há mais de trinta dias<br />

1041 Cfr., a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 13 de Novembro de 2004, proc. 0456103, in www.dgsi.pt: “Na<br />

fase introdutória <strong>do</strong>s embargos de terceiro o juiz pode conhecer, oficiosamente, da tempestividade da sua<br />

apresentação em juízo, deven<strong>do</strong> rejeitá-los, por extemporâneos, se analisada a prova, se convencer que foram<br />

deduzi<strong>do</strong>s mais de 30 dias após o conhecimento, pelo embargante, <strong>do</strong> acto que este considera ofensivo <strong>do</strong> seu<br />

direito.”<br />

1042 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 10 de Fevereiro de 2000, proc. 0084368, in www.dgsi.pt.<br />

1043 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 13 de Julho de 1946.<br />

1044 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, SOUSA, Miguel Teixeira de, Acção Executiva Singular, ob. cit., p. 314. Cfr. o Ac. <strong>do</strong><br />

TRP, de 12 de Outubro de 1995, proc. 9530642, in BMJ, 450.º, p. 560, o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 13 de Janeiro de 2000,<br />

in www.dgsi.pt, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 18 de Fevereiro de 2003, proc. 4562/02 – 6.ª secção, in www.dgsi.pt., e o Ac. <strong>do</strong><br />

TRP, de 14 de Janeiro de 2008, proc. 6898/07, in www.dgsi.pt.<br />

319


320<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

relativamente à data <strong>do</strong> conhecimento efectivo da ofensa 1045 . Assim, caso o tribunal não tenha<br />

indeferi<strong>do</strong> liminarmente ou rejeita<strong>do</strong> o incidente de embargos de terceiro por não dispor de<br />

elementos no processo que lhe permitissem decidir oficiosamente quanto à caducidade da<br />

propositura da acção de embargos de terceiro, os embarga<strong>do</strong>s podem alegar e provar que os<br />

embargos foram deduzi<strong>do</strong>s de forma extemporânea 1046.<br />

Quanto a esta questão, o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 25 de Fevereiro<br />

de 2000, veio sufragar o entendimento de que cabe ao embarga<strong>do</strong> o ónus da prova de que os<br />

embargos foram deduzi<strong>do</strong>s fora de tempo, “nada ten<strong>do</strong> o embargante de alegar e provar quan<strong>do</strong><br />

à sua dedução tempestiva” 1047. Esta questão não reúne o consenso <strong>do</strong>utrinário e jurisprudencial.<br />

Com efeito, se por um la<strong>do</strong> se sustenta que ao embargante cabe apenas o ónus de alegar o<br />

conhecimento superveniente 1048 , por outro defende-se que não basta a mera alegação, caben<strong>do</strong><br />

também ao embargante a prova dessa superveniência 1049.<br />

Atenta a redacção <strong>do</strong> art. 353.º, n.º 2, <strong>do</strong> CPC, torna-se evidente que sobre o<br />

embargante não incide apenas o ónus de alegar o conhecimento superveniente. Na verdade, de<br />

acor<strong>do</strong> com a aludida disposição legal, ao deduzir a sua pretensão, o embargante deve<br />

apresentar de imediato todas as provas, as quais se destinarão não só a provar o mérito da sua<br />

pretensão, como também a sua tempestividade em caso de invocação de superveniência<br />

subjectiva, porquanto o art. 354.º <strong>do</strong> CPC permite ao tribunal indeferir in limine a petição de<br />

embargos sempre que estes não sejam apresenta<strong>do</strong>s em tempo. Deste mo<strong>do</strong>, se já passaram<br />

mais de trinta dias a contar da data em que se verificou a realização da diligência, recai sobre o<br />

embargante o ónus de demonstrar ao tribunal que só teve conhecimento dessa diligência<br />

1045 CASTRO, Anselmo de, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, ob. cit., p. 357. Cfr. também o<br />

Ac. <strong>do</strong> STJ, de 29 de Abril de 1998, in BMJ, 476.º, p. 341 e o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 31 de Maio de 2001, proc. 0130809,<br />

in www.dgsi.pt.<br />

1046 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TR, de 14 de Março de 1994, in BMJ, 435.º, p. 898, bem como o Ac. <strong>do</strong><br />

TRP, de 14 de Janeiro de 2008, proc. 6898/07, in www.dgsi.pt.<br />

1047 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 25 de Fevereiro de 2000, proc. 0033776, in www.dgsi.pt.<br />

1048 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, Sousa, Miguel Teixeira de, A Acção Executiva Singular, ob. cit., p. 314, bem como o<br />

Ac. <strong>do</strong> TRP, de 16 de Novembro de 1985, in BMJ, 352.º, p. 430 e o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 10 de Abril de 2006, proc.<br />

2783/2006-6, in www.dgsi.pt.<br />

1049 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 16 de Março de 2006, proc. 11249/2006-6, in www.dgsi.pt.


Tempestividade<br />

ofensiva da posse ou <strong>do</strong> direito em momento posterior 1050 . A este propósito SALVADOR DA COSTA<br />

sustenta que se o embargante não tiver alega<strong>do</strong> a data em que teve conhecimento da penhora e<br />

se pela data constante <strong>do</strong> processo se verificar a extemporaneidade <strong>do</strong>s embargos, mesmo<br />

1051 1052<br />

assim não pode o juiz rejeitá-los liminarmente sem que antes exerça o contraditório<br />

porquanto o ónus de demonstrar a extemporaneidade <strong>do</strong>s embargos recai sobre o embarga<strong>do</strong> 1053.<br />

Contu<strong>do</strong>, semelhante interpretação não se afigura a mais correcta. Na verdade, se é certo que<br />

no actual regime processual, cabe, em regra, ao embarga<strong>do</strong> a prova de que os embargos foram<br />

deduzi<strong>do</strong>s de forma intempestiva, não é menos verdade que o art. 354.º <strong>do</strong> CPC determina que<br />

o juiz deve indeferir liminarmente os embargos de terceiro quan<strong>do</strong> estes não sejam<br />

apresenta<strong>do</strong>s em tempo e sem que seja exerci<strong>do</strong> o contraditório pelos embarga<strong>do</strong>s 1054. Deste<br />

mo<strong>do</strong>, sempre que os embargos de terceiro tenham si<strong>do</strong> deduzi<strong>do</strong>s depois de decorri<strong>do</strong> o prazo<br />

de trinta dias após a realização da diligência ofensiva, o embargante deve invocar a data em que<br />

teve conhecimento da ofensa, sob pena de o juiz poder/dever indeferir in limine a petição de<br />

embargos ao abrigo <strong>do</strong> disposto no art. 354.º <strong>do</strong> CPC, não sen<strong>do</strong> exigível o exercício <strong>do</strong><br />

contraditório pelos embarga<strong>do</strong>s sob pena desta norma perder o seu efeito útil. Nessa exacta<br />

medida, a arguição da extemporaneidade <strong>do</strong>s embargos de terceiro pelo embarga<strong>do</strong> só deverá<br />

1050 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 28 de Abril de 1987, in CJ, tomo II, 1987, p. 236, o Ac. <strong>do</strong> STJ,<br />

de 13 de Julho de 1988, in BMJ, 379.º, p. 561 e o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 18 de Abril de 2002, proc. 0230166, in<br />

www.dgsi.pt. Vide, ainda, pela sua pertinência, o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 23 de Maio de 2000, proc. 0020504, in<br />

www.dgsi.pt: “Deve ser indeferida liminarmente a petição de embargos de terceiro se dela não consta ter o<br />

embargante ti<strong>do</strong> conhecimento da diligência pretensamente ofensiva há 30, ou menos, dias se esta teve lugar há<br />

mais tempo <strong>do</strong> que esse prazo.”<br />

1051 No que concerne às finalidades deste princípio importa destacar que o contraditório, além de garantir à<br />

parte um direito de audição prévia antes que o tribunal se pronuncie sobre determinada decisão — nomeadamente<br />

quan<strong>do</strong> esta lhe possa vir a ser desfavorável —, garante-lhe ainda um direito de resposta e de tomar uma posição<br />

definida sobre a pretensão ou conduta da parte contrária (cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 23 de Setembro de 2008, proc.<br />

465-A/2002.C1, in www.dgsi.pt).<br />

1052 Relativamente à configuração <strong>do</strong> princípio <strong>do</strong> contraditório enquanto garantia da imparcialidade <strong>do</strong><br />

tribunal perante as partes, vide SOUSA, Miguel Teixeira de, Sobre a Teoria <strong>do</strong> Processo Declarativo, ob. cit., p. 48.<br />

1053 COSTA, Salva<strong>do</strong>r da, Os Incidentes da Instância, ob. cit., p. 226.<br />

1054 De to<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong> é evidente que ainda que o tribunal não indefira os embargos de terceiro com<br />

fundamento na sua intempestividade, nem por isso fica precludida a possibilidade da dedução da extemporaneidade<br />

<strong>do</strong>s embargos pelos embarga<strong>do</strong>s (cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 14 de Junho de 2008, proc. 5225/2008, in<br />

www.dgsi.pt).<br />

321


322<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

ter lugar quan<strong>do</strong> o juiz tenha proferi<strong>do</strong> um despacho de recebimento por ter forma<strong>do</strong> a<br />

convicção, com base na factualidade invocada pelo embargante, de que os embargos foram<br />

deduzi<strong>do</strong>s de forma tempestiva 1055. Trata-se, na verdade, de uma solução que se conforma com o<br />

regime processual previsto no art. 496.º <strong>do</strong> CPC, o qual permite ao tribunal conhecer<br />

oficiosamente das excepções peremptórias cuja invocação a lei não torne dependente da<br />

vontade <strong>do</strong> interessa<strong>do</strong> 1056.<br />

2. EMBARGOS DE TERCEIRO COM FINALIDADE PREVENTIVA<br />

Estan<strong>do</strong> em causa a dedução de embargos de terceiro com finalidade preventiva,<br />

determina o art. 359.º, n.º 1, <strong>do</strong> CPC, que estes devem ser deduzi<strong>do</strong>s antes de realizada<br />

(terminus ad quem), mas depois de ordenada (terminus a quo), a diligência de penhora ou de<br />

apreensão ou entrega de bens.<br />

Assim, esta modalidade de embargos de terceiro encontra-se sujeita a <strong>do</strong>is limites<br />

processuais. Por um la<strong>do</strong>, os embargos de terceiro só podem ser deduzi<strong>do</strong>s depois de ordenada<br />

a penhora ou a diligência judicial de entrega ou apreensão de bens, da<strong>do</strong> que, antes de tal<br />

momento, não existe qualquer justo receio de ofensa. Por outro la<strong>do</strong>, só podem ser deduzi<strong>do</strong>s<br />

até à realização dessa diligência sob pena de, não se verifican<strong>do</strong> tal imposição legal, os<br />

embargos perderem a sua natureza preventiva 1057. Nessa exacta medida, afigura-se admissível,<br />

e.g., a dedução de embargos de terceiro com finalidade preventiva contra o despejo que já tenha<br />

si<strong>do</strong> ordena<strong>do</strong>, mas que ainda não tenha si<strong>do</strong> executa<strong>do</strong> 1058 , sen<strong>do</strong> certo que os embargos<br />

1055 Será o caso em que o embargante vem invocar a superveniência subjectiva quanto ao conhecimento da<br />

penhora ou da diligência ofensiva, isto é, de que só teve conhecimento desse acto depois de já terem decorri<strong>do</strong><br />

mais de trinta dias após a data da realização efectiva da diligência, pelo que a sua dedução será tempestiva. Nesse<br />

caso, o embarga<strong>do</strong> terá o ónus de demonstrar que o embargante teve conhecimento efectivo da diligência em data<br />

anterior à que foi invocada na petição inicial de embargos, pelo que a sua dedução será intempestiva.<br />

1056 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 3 de Fevereiro de 2005, proc. 467/2005-6, in www.dgsi.pt.<br />

1057 Cfr. o Ac. TRL, de 2 de Junho de 2005, proc. 2981/2005-8, in www.dgsi.pt: “o prazo de caducidade a<br />

que alude o artigo 353º/2 <strong>do</strong> CPC não se aplica tratan<strong>do</strong>-se de embargos de terceiro com função preventiva; nestes<br />

a tempestividade é aferida pelos limites defini<strong>do</strong>s no artigo 359º <strong>do</strong> CPC. que visa precisamente os embargos<br />

deduzi<strong>do</strong>s, antes de realizada, mas depois de ordenada a diligência ofensiva da posse ou de qualquer outro direito<br />

incompatível com o seu âmbito.”<br />

1058 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 2 de Fevereiro de 1994, proc. 0072751, in www.dgsi.pt.


Tempestividade<br />

poderão ser instaura<strong>do</strong>s logo que o autor tenha conhecimento da sentença que tiver decreta<strong>do</strong> a<br />

entrega da coisa 1059.<br />

Deste mo<strong>do</strong>, os embargos preventivos não podem ser deduzi<strong>do</strong>s antes de ordenada a<br />

diligência, já que, até esse momento, não existe qualquer receio de ofensa da posse ou de um<br />

direito incompatível. Por sua vez, os embargos também não devem ser deduzi<strong>do</strong>s depois de<br />

realizada a diligência, da<strong>do</strong> que ,em tal caso, carece de justificação o carácter preventivo <strong>do</strong>s<br />

embargos 1060 . De qualquer forma, se os embargos forem deduzi<strong>do</strong>s com uma finalidade<br />

preventiva, ou seja, no pressuposto de que a penhora ainda não foi realizada, mas se forem<br />

efectivamente deduzi<strong>do</strong>s depois da penhora ter si<strong>do</strong> já realizada, nem por isso deverá o tribunal<br />

indeferir os embargos com fundamento na sua intempestividade, deven<strong>do</strong>, ao invés, se<br />

admiti<strong>do</strong>s, com as necessárias adaptações em termos de alegação factual, enquanto embargos<br />

de natureza repressiva 1061.<br />

1059 Cfr. o Ac <strong>do</strong>. TRL, de 27 de Junho de 1995, proc. 0004631, in www.dgsi.pt.<br />

1060 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 2 de Junho de 2005, proc. 2981/2005-8, in www.dgsi.pt.; Ac. <strong>do</strong> TRL, de 15 de<br />

Dezembro de 1999, proc. 0055802, in www.dgsi.pt.<br />

1061 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, CARDOSO, Eurico Lopes, Manual da Acção Executiva, ob. cit., p. 388.<br />

323


324<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva


Fase introdutória <strong>do</strong>s embargos de terceiro<br />

SECÇÃO III<br />

FASE INTRODUTÓRIA DOS EMBARGOS DE TERCEIRO<br />

Sumário: 1. Despacho de indeferimento liminar. 2. Despacho de<br />

aperfeiçoamento. 3. Produção de prova. 4. Despacho de recebimento <strong>do</strong>s<br />

embargos. 4.1. Fundamentos para o recebimento ou rejeição <strong>do</strong>s embargos.<br />

4.2. A summaria cognitio pelo tribunal. 4.3. Efeitos <strong>do</strong> recebimento <strong>do</strong>s<br />

embargos. 4.3.1. Suspensão <strong>do</strong> processo. 4.3.2. Restituição provisória da<br />

posse. 4.3.3. Caso julga<strong>do</strong> formal. 5. Despacho de rejeição <strong>do</strong>s embargos.<br />

5.1. Fundamentos. 5.2. Convite ao aperfeiçoamento. 5.3. Efeitos da rejeição<br />

<strong>do</strong>s embargos.<br />

1. DESPACHO DE INDEFERIMENTO LIMINAR<br />

Com a finalidade de se impedir a perturbação injustificada da acção principal em virtude<br />

da dedução de embargos de terceiro manifestamente improcedentes, o legisla<strong>do</strong>r veio impor a<br />

existência de uma fase introdutória <strong>do</strong>s embargos de terceiro destinada a controlar o<br />

preenchimento <strong>do</strong>s respectivos pressupostos processuais e a eventual admissibilidade <strong>do</strong><br />

pedi<strong>do</strong>.<br />

Nessa exacta medida, uma vez que o art. 354.º <strong>do</strong> CPC não apresenta os fundamentos<br />

para o indeferimento imediato da petição inicial apresentada em juízo, o juiz deve reservar o<br />

proferimento desse despacho de indeferimento imediato quan<strong>do</strong> conclua pela intempestividade<br />

<strong>do</strong>s embargos (nomeadamente por confronto com a data da realização da diligência ofensiva 1062),<br />

pela ilegitimidade <strong>do</strong> embargante ou pela sua manifesta inviabilidade 1063 1064 .<br />

1062 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 27 de Junho de 2006, proc. 1239/06, in www.dgsi.pt.<br />

1063 Embora o despacho liminar tenha si<strong>do</strong> elimina<strong>do</strong>, pelo menos enquanto regra, no <strong>do</strong>mínio da<br />

tramitação processual declarativa com a reforma de 95/96, a verdade é que o legisla<strong>do</strong>r continuou a consagrar<br />

algumas situações excepcionais em que a citação <strong>do</strong> réu é precedida de uma apreciação liminar pelo juiz (art.<br />

234.º-A <strong>do</strong> CPC).<br />

1064 Nos termos <strong>do</strong> art. 596., n. 2, da LEC, “[E]l tribunal, mediante auto, rachazará de plano y sin<br />

sustanción alguna la demanda de tercería de <strong>do</strong>mínio a la que no se acompañe el principio de prueba (…), así como<br />

325


326<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

Deste mo<strong>do</strong>, além de poder indeferir liminarmente a petição de embargos nos casos<br />

previstos no art. 234.º <strong>do</strong> CPC 1065, maxime quan<strong>do</strong> esteja em causa uma situação de manifesta<br />

improcedência <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> 1066, o juiz pode ainda indeferi-la quan<strong>do</strong> resulte da factualidade alegada<br />

que a mesma é extemporânea 1067 ou quan<strong>do</strong> seja evidente que o embargante carece de<br />

legitimidade para intentar os embargos de terceiro (art. 351.º, n.º 1, <strong>do</strong> CPC) 1068.<br />

Quanto à “manifesta improcedência <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong>”, o tribunal deve indeferir liminarmente a<br />

petição de embargos de terceiro se o embargante não alegar nem demonstrar desde logo que da<br />

diligência judicial resultou a ofensa da sua posse 1069 ou de um direito incompatível com o âmbito<br />

ou a finalidade da diligência judicial 1070. Vale isto por dizer que a manifesta improcedência <strong>do</strong><br />

pedi<strong>do</strong> deve ser aferida somente em função da petição de embargos de terceiro e sem o recurso<br />

à análise de elementos exteriores, os quais só em momento posterior, de recebimento ou<br />

rejeição <strong>do</strong>s embargos, conjuntamente com o resulta<strong>do</strong> das diligências probatórias realizadas,<br />

podem ser utiliza<strong>do</strong>s para se concluir se há ou não probabilidade séria da existência <strong>do</strong> direito<br />

invoca<strong>do</strong> pelo embargante 1071.<br />

No que concerne à extemporaneidade <strong>do</strong>s embargos, o embargante deve oferecer na<br />

sua petição inicial prova sumária <strong>do</strong> seu direito e <strong>do</strong>s factos em que fundamenta a sua<br />

pretensão, bem como da data em que teve conhecimento da diligência ofensiva da sua posse ou<br />

la que se interponga con posterioridad al momento en que, de acuer<strong>do</strong> com lo dispusesto en la legislación civil, se<br />

prduzca la transmisión del bien al acree<strong>do</strong>r o al tercero que lo adquiera en púbica subasta.”<br />

1065 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 16 de Junho de 1987, in CJ, tomo III, 1987, p. 272.<br />

1066 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 16 de Junho de 1987, in CJ, tomo III, 1987, p. 203.<br />

1067 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 19 de Janeiro de 1993, proc. 0065211, www.dgsi.pt: “Devem ser<br />

liminarmente indeferi<strong>do</strong>s os embargos de terceiro quan<strong>do</strong> se torna evidente que foram apresenta<strong>do</strong>s para além <strong>do</strong>s<br />

oito dias sobre o conhecimento <strong>do</strong> acto feri<strong>do</strong>r da posse, ainda quan<strong>do</strong> a verificação desse prazo de oito dias<br />

advenha de conhecimento oficioso reporta<strong>do</strong> a outro processo.”<br />

1068 Cfr. COSTA, Salva<strong>do</strong>r da, Os Incidentes da Instância, ob. cit., p. 227.<br />

1069 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 20 de Junho de 1995, proc. 087224, in www.dgsi.pt: “Deve ser liminarmente<br />

indeferida a petição de embargos de terceiro na qual se não alinham factos que permitam concluir pela existência<br />

de um "corpus" e de um "animus" para se chegar à posse referida no artigo 1037 e seguintes <strong>do</strong> Código de<br />

Processo Civil.”<br />

1070 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 11 de Janeiro de 1994, proc. 0074351, in www.dgsi.pt: “É de manter o<br />

indeferimento liminar da petição de embargos de terceiro se sai indicia<strong>do</strong> que o embargante não é titular <strong>do</strong> direito<br />

de propriedade <strong>do</strong> prédio e que deste não tem a posse útil imediata.”<br />

1071 Cfr. Ac. <strong>do</strong> TRL, de 22 de Junho de 2004, proc. 554/04, in www.dgsi.pt.


Fase introdutória <strong>do</strong>s embargos de terceiro<br />

<strong>do</strong> seu direito incompatível. Assim, o tribunal só deve indeferir liminarmente a petição de<br />

embargos com fundamento em extemporaneidade se esta for manifesta em face da factualidade<br />

alegada na petição de embargos. Caso contrário, haven<strong>do</strong> dúvidas quanto à data em que o<br />

embargante teve conhecimento desse acto ofensivo, o tribunal deve receber provisoriamente os<br />

embargos de terceiro e ordenar as diligências probatórias que entenda necessárias se o<br />

embargante alegar factos relativos à absorvência <strong>do</strong> prazo para a sua dedução 1072. De to<strong>do</strong> o<br />

mo<strong>do</strong>, ainda que o tribunal tenha recebi<strong>do</strong> provisoriamente os embargos de terceiro, tal não<br />

implica que o juiz não possa posteriormente proferir um despacho de rejeição se se verificar um<br />

motivo para o seu indeferimento liminar. Na verdade, ainda que o tribunal tenha recebi<strong>do</strong><br />

provisoriamente os embargos de terceiro com base na aparência da tempestividade resultante<br />

da factualidade constante da petição inicial, isso não impede que o tribunal venha a rejeitar os<br />

embargos após a produção da prova se considerar que esse direito caducou em virtude <strong>do</strong> seu<br />

exercício intempestivo 1073 .<br />

Por último, no que respeita à ilegitimidade <strong>do</strong> embargante para a dedução de embargos<br />

de terceiro, ao abrigo da redacção actual <strong>do</strong> art. 351.º <strong>do</strong> CPC, o tribunal deve indeferir<br />

liminarmente os embargos se verificar que o embargante é parte na acção principal, ainda que a<br />

título acessório, salvo se o embargante, não obstante ter já ocupa<strong>do</strong> a posição de parte no<br />

processo, ter deixa<strong>do</strong> de o ser em virtude de uma ocorrência superveniente (ex. desistência da<br />

instância ou <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> quanto a si 1074).<br />

2. DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO<br />

Em vez de indeferir liminarmente a petição de embargos de terceiro, o juiz pode/deve<br />

optar por convidar o embargante a aperfeiçoar o articula<strong>do</strong> ao abrigo <strong>do</strong> disposto nos arts.<br />

265.º, n.º 2 e 508.º <strong>do</strong> CPC, maxime quan<strong>do</strong> esteja em causa a necessidade de<br />

1072 Vide, a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 22 de Fevereiro de 2001, proc. 0016976, www.dgsi.pt,<br />

1073 “Em embargos de terceiro, na fase adminicular, o juiz pode oficiosamente indagar sobre o prazo ou a<br />

tempestividade de embargos de terceiro.” (cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 13 de Novembro de 2004, proc. 0456103, in<br />

www.dgsi.pt).<br />

1074 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 22 de Junho de 1989, in BMJ, 388.º, p. 426, segun<strong>do</strong> o qual não<br />

é parte o réu em relação ao qual tenha ocorri<strong>do</strong> a desistência da instância ou que foi afasta<strong>do</strong> da causa por<br />

transacção.<br />

327


328<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

aperfeiçoamento ou de concretização da matéria factual alegada 1075 . Com efeito, à luz <strong>do</strong><br />

princípio <strong>do</strong> dispositivo, o embargante tem o ónus de invocar os factos essenciais 1076 para a<br />

procedência <strong>do</strong>s embargos, uma vez que é em função da factualidade alegada que será<br />

delimita<strong>do</strong> o objecto da acção (quod non est in actis non est in mun<strong>do</strong>).<br />

Todavia, pode suceder que, ainda que a petição inicial não seja inepta, designadamente<br />

por dela constar uma causa de pedir e um pedi<strong>do</strong> que se apresentam concretamente<br />

determina<strong>do</strong>s, o embargante, ainda assim, não tenha alega<strong>do</strong> um determina<strong>do</strong> essencial para<br />

que o tribunal se possa pronunciar sobre o mérito da causa. Pense-se, e.g., no caso em que o<br />

embargante não alegou na petição inicial a data em que se iniciou a sua posse sobre a coisa<br />

atingida pela penhora.<br />

A reforma processual de 95/96 veio consagrar o princípio da cooperação processual das<br />

partes perante o tribunal, e deste perante aquelas. Na verdade, dispõe o art. 266.º, n.º 1, <strong>do</strong><br />

CPC, que, na condução e intervenção no processo, devem os magistra<strong>do</strong>s, os mandatários<br />

judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorren<strong>do</strong> para se obter, com brevidade e<br />

eficácia, a justa composição <strong>do</strong> litígio. Quanto ao conteú<strong>do</strong> dessa obrigação de cooperação, o<br />

tribunal deve prevenir as partes relativamente a eventuais imprecisões ou deficiências na<br />

formulação das suas alegações ou <strong>do</strong>s seus pedi<strong>do</strong>s, bem como “informá-las sobre aspectos de<br />

direito ou de factos que por elas não foram considera<strong>do</strong>s” 1077 . Assim, se o tribunal detectar<br />

alguma deficiência quanto à matéria factual alegada pelo embargante, o juiz deve convidá-lo na<br />

fase introdutória <strong>do</strong>s embargos de terceiro a completar a sua alegação, sen<strong>do</strong> certo, além <strong>do</strong><br />

mais, que o juiz se encontra vincula<strong>do</strong> a essa obrigação “sanea<strong>do</strong>ra” por força <strong>do</strong> disposto no<br />

art. 265.º, n.º 2, <strong>do</strong> CPC 1078. Trata-se, na verdade, de uma excepção ao princípio da auto-<br />

responsabilidade das partes, sen<strong>do</strong> certo, porém, que o princípio <strong>do</strong> inquisitório implica que o<br />

juiz deva suprir, sempre que possível, as insuficiências ou imprecisões <strong>do</strong>s actos das partes 1079 .<br />

1075 Cfr., a este propósito, PIMENTA, Paulo, A Fase <strong>do</strong> Saneamento <strong>do</strong> Processo Antes e Após a Vigência <strong>do</strong><br />

Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2003, p. 175.<br />

1076 Quanto à noção de “factos essenciais”, enquanto factos que integram e que constituem a causa de<br />

pedir, cfr. SOUSA, Miguel Teixeira de, «Apreciação de alguns aspectos da Revisão <strong>do</strong> Processo Civil - Projecto», in<br />

ROA, ano 55, vol. II, 1995, p. 359.<br />

1077 Cfr., a este propósito, SOUSA, Miguel Teixeira de, «Apreciação de alguns aspectos da Revisão <strong>do</strong><br />

Processo Civil - Projecto», in ROA, ano 55, vol. II, 1995, p. 362.<br />

1078 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 29 de Março de 2007, proc. 4958/2006-2, in www.dgsi.pt.<br />

1079 Cfr. BAPTISTA, José João, Processo Civil I – Parte Geral e Processo Declarativo, ob. cit., p. 76.


Fase introdutória <strong>do</strong>s embargos de terceiro<br />

Esse convite ao aperfeiçoamento <strong>do</strong> articula<strong>do</strong> poderá ainda ter lugar quan<strong>do</strong> o tribunal<br />

verifique que a parte não juntou ao processo um <strong>do</strong>cumento essencial para o julgamento <strong>do</strong><br />

mérito da causa (v. g. quanto à titularidade de um direito incompatível com a finalidade ou o<br />

âmbito da diligência) 1080 .<br />

3. PRODUÇÃO DE PROVA<br />

Ainda que o tribunal não indefira liminarmente a petição de embargos, tal não significa<br />

que os embargos de terceiro devam ser automaticamente recebi<strong>do</strong>s.<br />

Na verdade, o tribunal deve dar início a uma fase instrutória tendencialmente sumária<br />

destinada à apreciação <strong>do</strong> mérito <strong>do</strong>s embargos de terceiro, sen<strong>do</strong> certo que recai sobre o<br />

embargante o ónus da prova de que o acto de penhora ofendeu a sua posse ou um direito que<br />

se revele incompatível com o âmbito ou a finalidade dessa diligência (art. 342.º, n.º 1, <strong>do</strong> CC) 1081 .<br />

Em sede probatória, o embargante tem o dever de apresentar a prova com a petição de<br />

embargos, sen<strong>do</strong> certo que não se encontra limita<strong>do</strong> quanto ao tipo de prova admissível 1082 .<br />

De to<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong>, o tribunal pode, oficiosamente, ordenar a produção de qualquer outra<br />

prova que entenda que se revele necessária para uma correcta ponderação quanto à admissão<br />

ou rejeição <strong>do</strong>s embargos (art. 265.º <strong>do</strong> CPC). Assim, o juiz deve ouvir as testemunhas arroladas<br />

1080 Neste particular não se concorda com o senti<strong>do</strong> ínsito no Ac. <strong>do</strong> TRL, de 2 de Março de 2000, proc.<br />

0007526, in www.dgsi.pt, segun<strong>do</strong> o qual “no <strong>do</strong>mínio de embargos de terceiro, tornan<strong>do</strong>-se necessário, para além<br />

da inquirição das testemunhas arroladas, outros meios de prova, designadamente <strong>do</strong>cumentais e, não ten<strong>do</strong> a<br />

parte, no momento próprio apresenta<strong>do</strong> os <strong>do</strong>cumentos pertinentes mas outros, não o poderá fazer posteriormente<br />

a coberto da faculdade concedida pelo artº 508º <strong>do</strong> actual CPC.”<br />

1081 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 21 de Fevereiro de 2008, proc. 15/08 – 7.ª secção, in www.dgsi.pt.<br />

1082 Vide, a este propósito, a sentença <strong>do</strong> Tribunal Supremo de Espanha, de 12 de Dezembro de 1989,<br />

segun<strong>do</strong> a qual “[L]a prueba de los hechos constitutivos de la acción de que se trata se puede lograr por cualquier<br />

medio, de acuer<strong>do</strong> con las reglas generales.” No entanto, quan<strong>do</strong> esteja em causa a invocação da exceptio <strong>do</strong>minii<br />

pelo embargante, nesse caso a prova deve ser feita através de prova <strong>do</strong>cumental (cfr., a este propósito, a sentença<br />

<strong>do</strong> Tribunal Supremo de Espanha, de 2 de Abril de 1990, segun<strong>do</strong> a qual “la adquisición del <strong>do</strong>minio por el<br />

tercerista antes del embargo puede constatarse mediante cualquier principio de prueba <strong>do</strong>cumental, sin necesidad<br />

de la inscripción registral, y producirá efectos siempre que no exista duda respecto a la realidad de la transmisión<br />

operada”.<br />

329


330<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

e examinar as outras provas oferecidas pelo embargante na sua petição inicial 1083 , poden<strong>do</strong><br />

também ordenar qualquer outra diligência instrutória que se revele essencial para a formação da<br />

sua convicção quanto à probabilidade séria da existência ou não <strong>do</strong> direito <strong>do</strong> embargante.<br />

No entanto, as diligências probatórias não carecem de ser exaustivas, bastan<strong>do</strong> apenas<br />

que delas resulte a probabilidade séria da existência <strong>do</strong> direito invoca<strong>do</strong>, atenta a natureza<br />

provisória que a oposição assume nesta fase 1084. Deste mo<strong>do</strong>, o tribunal só deve proceder à<br />

inquirição das testemunhas se os restantes elementos factuais e probatórios constantes <strong>do</strong><br />

processo não justificarem por si só a admissão <strong>do</strong>s embargos de terceiro 1085 , sen<strong>do</strong> certo, por<br />

outro la<strong>do</strong>, que a inquirição das testemunhas oferecidas na petição inicial se destina apenas ao<br />

apuramento das provas decisivas para o recebimento ou rejeição <strong>do</strong>s embargos 1086. Importa<br />

também referir que ainda que o embargante se tenha limita<strong>do</strong> a apresentar prova <strong>do</strong>cumental,<br />

omitin<strong>do</strong> a indicação de qualquer testemunha, tal circunstância não implica a rejeição ou o<br />

indeferimento automático <strong>do</strong>s embargos 1087 .<br />

Quanto ao ónus da prova relativamente ao mérito <strong>do</strong>s embargos de terceiro, cabe ao<br />

cre<strong>do</strong>r embargante demonstrar a posse ou a titularidade de um direito incompatível com a<br />

realização ou o âmbito da diligência 1088 .<br />

4. DESPACHO DE RECEBIMENTO DOS EMBARGOS<br />

4.1. FUNDAMENTOS PARA O RECEBIMENTO OU REJEIÇÃO DOS EMBARGOS<br />

Nos termos <strong>do</strong> art. 354.º, 2.ª parte, <strong>do</strong> CPC, os embargos de terceiro devem ser<br />

recebi<strong>do</strong>s ou rejeita<strong>do</strong>s conforme haja ou não probabilidade séria da existência <strong>do</strong> direito<br />

invoca<strong>do</strong> pelo embargante 1089 1090 . A formulação utilizada pelo legisla<strong>do</strong>r — “probabilidade séria da<br />

1083 Ao abrigo <strong>do</strong> disposto no art. 595., n. 3, da LEC, na petição de embargos de terceiro deve o<br />

embargante apresentar um princípio de prova por escrito que permita demonstrar o fundamento da sua pretensão.<br />

1084 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 30 de Abril de 2002, proc. 0220408, in www.dgsi.pt.<br />

1085 COSTA, Salva<strong>do</strong>r da, Os Incidentes da Instância, ob. cit., p. 127.<br />

1086 Ac. <strong>do</strong> STJ, de 30 de Outubro de1995, proc. 087732, in www.dgsi.pt.<br />

1087 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 17 de Maio de 2001, proc. 0130608, in www.dgsi.pt.<br />

1088 Cfr. SALVATORE SATTA; CARMINE PUNZI, Diritto Processuale Civile, ob. cit., p. 730.<br />

1089 No Código de Processo Civil de 1876 levantava-se a questão de saber se este despacho seria apenas<br />

para apreciar a prova informatória da posse ou se, pelo contrário, poderia ir além dessa apreciação,


Fase introdutória <strong>do</strong>s embargos de terceiro<br />

existência <strong>do</strong> direito” — demonstra que nesta fase processual os embargos de terceiro seguem<br />

uma tramitação característica <strong>do</strong>s procedimentos cautelares porquanto o juiz deve nortear-se por<br />

um juízo valorativo sumário quanto ao preenchimento <strong>do</strong>s pressupostos de que depende a<br />

procedência <strong>do</strong>s embargos de terceiro.<br />

Sen<strong>do</strong> proferi<strong>do</strong> após a realização das diligências instrutórias, o despacho de<br />

recebimento ou de rejeição visa evitar que os embargos possam prosseguir quan<strong>do</strong>, pelo exame<br />

das provas oferecidas, se verifique que os embargos deduzi<strong>do</strong>s não têm fundamento legal 1091 .<br />

Assim, se o juiz constatar que se encontram preenchi<strong>do</strong>s os pressupostos que permitem a<br />

dedução <strong>do</strong> incidente de embargos de terceiro, maxime de que o embargante é terceiro perante<br />

a acção e de que foi ofendida a sua posse ou um “direito incompatível” 1092 com a diligência<br />

judicial, e se concluir, atenta a prova produzida, de que existe uma probabilidade séria da<br />

existência <strong>do</strong> direito invoca<strong>do</strong> pelo embargante ― fumus boni iuris ―, então deve proferir um<br />

despacho de recebimento <strong>do</strong>s embargos. Deste mo<strong>do</strong>, e.g., devem ser liminarmente admiti<strong>do</strong>s<br />

os embargos de terceiro opostos à execução por quem não era parte nem interessa<strong>do</strong> nela e<br />

designadamente no que concerne à apreciação da qualidade de terceiro ou quanto à probabilidade de<br />

improcedência <strong>do</strong>s embargos. Embora ALBERTO DOS REIS sufragasse a tese de que existia um poder amplo de<br />

apreciação <strong>do</strong> tribunal em sede de tal despacho, a verdade é que a jurisprudência e a <strong>do</strong>utrina defendiam a<br />

actuação restritiva <strong>do</strong> juiz nessa apreciação. Contu<strong>do</strong>, o Código de Processo Civil de 1939 viria a a<strong>do</strong>ptar no seu art.<br />

1037.º a tese defendida por Alberto <strong>do</strong>s Reis (vide REIS, José Alberto <strong>do</strong>s, Processos Especiais, vol. I, ob. cit., p.<br />

443).<br />

1090 Tal como resulta <strong>do</strong> preâmbulo <strong>do</strong> Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, o legisla<strong>do</strong>r eliminou<br />

o regime constante <strong>do</strong> artigo 1041.° <strong>do</strong> CPC 1961 “por se afigurar que a definição <strong>do</strong>s casos em que os embargos<br />

devem ser ou não rejeita<strong>do</strong>s é matéria estritamente de direito civil – não competin<strong>do</strong> naturalmente à lei de processo<br />

enunciar regras sobre os critérios substanciais de decisão <strong>do</strong> pleito –, pon<strong>do</strong>-se termo à contradição entre o que<br />

consta de tal preceito e o regime substantivo da impugnação pauliana, designadamente nos termos <strong>do</strong>s artigos<br />

612.° e seguintes <strong>do</strong> código civil”. Deste mo<strong>do</strong>, o regime actual limita-se a determinar que os embargos serão<br />

recebi<strong>do</strong>s ou rejeita<strong>do</strong>s conforme haja ou não probabilidade séria da existência <strong>do</strong> direito invoca<strong>do</strong> pelo embargante.<br />

1091 REIS, José Alberto <strong>do</strong>s, Processos Especiais, vol. I, ob. cit., p. 440. Os arts. 1037.º <strong>do</strong> CPC1939 e 1041.º,<br />

n.º 1, <strong>do</strong> CPC 1961 dispunham expressamente sobre a rejeição <strong>do</strong>s embargos de terceiro, determinan<strong>do</strong> que esta<br />

podia basear-se em qualquer motivo susceptível de comprometer o êxito <strong>do</strong>s embargos, designadamente, no facto<br />

da posse <strong>do</strong> embargante se fundar em transmissão feita por aquele contra quem foi promovida a diligência judicial,<br />

se fosse manifesto, pela data em que o acto foi realiza<strong>do</strong>, ou por quaisquer outras circunstâncias, que a<br />

transmissão fora efectuada para a o transmitente se subtrair à sua responsabilidade.<br />

1092 Conforme se referiu supra, o juiz deve verificar se no caso sub iudice o direito invoca<strong>do</strong> pelo<br />

embargante irá extinguir-se com a finalidade da diligência judicial (art. 824.º, n.º 2, <strong>do</strong> CC).<br />

331


332<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

onde foi penhora<strong>do</strong> um imóvel posteriormente adquiri<strong>do</strong> pelo embargante, mediante escritura<br />

pública, que logo registou a aquisição a seu favor na Conservatória <strong>do</strong> Registo Predial, quan<strong>do</strong><br />

desta ainda não constava registo da penhora 1093.<br />

Todavia, essa decisão <strong>do</strong> tribunal não é definitiva quanto à titularidade da posse ou <strong>do</strong><br />

direito incompatível. Na verdade, só depois de ser apurada a pertinente e concreta factualidade<br />

que integra a norma fundamenta<strong>do</strong>ra é que se poderá concluir, mediante a formulação de um<br />

juízo jurídico-normativo, se determinada pessoa tem a posse ou é proprietária de determina<strong>do</strong><br />

bem 1094 .<br />

4.2. A SUMMARIA COGNITIO PELO TRIBUNAL<br />

A formulação legal que permite ao juiz decretar o recebimento <strong>do</strong>s embargos demonstra<br />

que é suficiente uma apreciação sumária <strong>do</strong> direito invoca<strong>do</strong>, não deven<strong>do</strong>, pois, o tribunal<br />

1095 apreciar as provas através de um critério exigente e severo 1096.<br />

Assim, para que os embargos de terceiro sejam recebi<strong>do</strong>s, é suficiente um juízo de mera<br />

probabilidade ou verosimilhança quanto ao preenchimento <strong>do</strong>s pressupostos processuais e ao<br />

1093 Ac. <strong>do</strong> TRP, de 3 de Abril de 2000, proc. 0050263, in www.dgsi.pt.<br />

1094 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 9 de Março de 1994, in CJ, tomo II, 1994, p. 191, bem como o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 23<br />

de Janeiro de 2001, in DR, Iª Serie-A, de 8 de Março de 2001.<br />

1095 REIS, José Alberto <strong>do</strong>s, Processos Especiais, vol. I, ob. cit., p. 442.<br />

1096 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 17 de Novembro de 1998, proc. 820/98 – 1.ª secção, in www.dgsi.pt: “I - Para o<br />

recebimento <strong>do</strong>s embargos de terceiro a lei reclama tão só uma prova sumária, informatória, contentan<strong>do</strong>-se com a<br />

simples probabilidade ou verosimilhança da existência da posse e da qualidade de terceiro. II - No juízo sobre essa<br />

prova - que não é um juízo definitivo, de certeza - não se deve ser muito exigente ou severo, ten<strong>do</strong> nomeadamente<br />

em conta que estamos perante um despacho preliminar, uma decisão provisória ou interina, que só deve conduzir à<br />

rejeição nos casos inteiramente infunda<strong>do</strong>s, isto é, que manifestamente não ofereçam condições de viabilidade.”<br />

Cfr., ainda, o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 1 de Abril de 2008, proc. 514/07.1, in www.dgsi.pt: “Os embargos de terceiro, na sua<br />

fase introdutória, são recebi<strong>do</strong>s ou rejeita<strong>do</strong>s, conforme haja ou não probabilidade séria da existência <strong>do</strong> direito<br />

invoca<strong>do</strong> pelo embargante. Tal como no procedimento cautelar, não se exige um juízo definitivo ou de certeza sobre<br />

a existência <strong>do</strong> direito, mas antes um simples juízo de verosimilhança. O juízo definitivo restará para a sentença final<br />

que, conhecen<strong>do</strong> <strong>do</strong> mérito, constitui, nos termos gerais, caso julga<strong>do</strong> quanto à existência e titularidade <strong>do</strong> direito<br />

invoca<strong>do</strong> pelo embargante ou por algum <strong>do</strong>s embarga<strong>do</strong>s.”


Fase introdutória <strong>do</strong>s embargos de terceiro<br />

sucesso <strong>do</strong>s embargos 1097 — sen<strong>do</strong> certo que o embargante goza da presunção da titularidade <strong>do</strong><br />

direito de fun<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> invoque a posse na petição de embargos. Deste mo<strong>do</strong>, na sua fase<br />

introdutória, os embargos de terceiro apresentam uma componente cautelar (art. 387.º <strong>do</strong><br />

CPC) 1098 , bastan<strong>do</strong>, pois, a produção de prova meramente informatória para que o tribunal possa<br />

deliberar no senti<strong>do</strong> de receber ou rejeitar os embargos 1099. Não se exige, pois, ao tribunal um<br />

juízo de natureza definitiva ou de certeza, mas de simples probabilidade ou de verosimilhança 1100.<br />

Na verdade, este despacho tem um carácter tendencialmente provisório e limita-se a<br />

considerar sumariamente o direito invoca<strong>do</strong>, só deven<strong>do</strong> haver lugar à rejeição <strong>do</strong>s embargos de<br />

terceiro quan<strong>do</strong> o tribunal entenda que estes se afiguram manifestamente inviáveis 1101.<br />

Ora, uma vez que basta uma probabilidade séria da existência <strong>do</strong> direito <strong>do</strong> embargante<br />

para que o tribunal receba os embargos, essa decisão, porque não sujeita a uma apreciação<br />

contraditória, não constitui a solução definitiva da causa 1102. O proferimento <strong>do</strong> despacho de<br />

1097 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 14 de Março de 1996, proc. 0011562, in www.dgsi.pt: “Na fase inicial <strong>do</strong>s<br />

embargos de terceiro, ao admiti-los, o juiz emite um juízo de probabilidade e não um juízo definitivo.”<br />

1098 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, MARQUES, J. P. Remédio, Curso de Processo Executivo Comum à Face <strong>do</strong> Código<br />

Revisto, ob. cit., p. 315. Vide também o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 14 de Março de 1994, in BMJ, 435.º, p. 898: “No despacho<br />

de natureza provisória de recebimento <strong>do</strong>s embargos de terceiro, o juiz deve contentar-se com um juízo de<br />

probabilidade e verosimilhança sobre os requisitos exigi<strong>do</strong>s, bastan<strong>do</strong>, assim, a alegação pelo embargante da sua<br />

posse, em termos concretos.”<br />

1099 Cfr. CASTRO, Artur Anselmo de, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, ob. cit., p. 342. Vide,<br />

também, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 14 de Março de 1996, proc. 0011562, in www.dgsi.pt.<br />

1100 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 19 de Maio de 1997, proc. 9750203, in www.dgsi.pt: “Nessa fase processual, o<br />

que se exige <strong>do</strong> julga<strong>do</strong>r é que fundamente a sua decisão num juízo de mera probabilidade, pelo que a dúvida que<br />

na sua consciência venha eventualmente a pairar deve ser desembaraçada toman<strong>do</strong> posição pela pretensão <strong>do</strong><br />

embargante, pois haverá sempre a possibilidade de poder dissipar essas incertezas no julgamento posterior”. Vide,<br />

no mesmo senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 27 de Janeiro de 2000, proc. 0074716, in www.dgsi.pt, bem como o Ac. STJ,<br />

de 29 de Janeiro de 2008, proc. 4489/07 – 6.ª secção, in www.dgsi.pt.<br />

1101 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 30 de Junho de 1989, in www.dgsi.pt.<br />

1102 A este propósito, TEIXEIRA DE SOUSA sustenta que a apreciação <strong>do</strong> tribunal deve assentar num “juízo<br />

de probabilidade especialmente qualificada” sobre a existência <strong>do</strong> direito <strong>do</strong> embargante, ou seja, o tribunal só deve<br />

admitir os embargos se estiver convicto da sua elevada probabilidade de procedência (SOUSA, Miguel Teixeira de,<br />

Acção Executiva Singular, ob. cit., p. 315). Por sua vez, CASTRO MENDES entende que este despacho não é<br />

proferi<strong>do</strong> em termos de possibilidade ou de viabilidade (lato sensu), ou de impossibilidade ou inviabilidade,<br />

porquanto a aceitação <strong>do</strong>s embargos exige um quantum de demonstração superior, um “juízo de probabilidade <strong>do</strong><br />

seu êxito” (MENDES, João de Castro, Direito Processual Civil,, ob. cit., p. 140).<br />

333


334<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

recebimento <strong>do</strong>s embargos constitui tão só uma condição essencial para o prosseguimento <strong>do</strong><br />

processo, nada obstan<strong>do</strong> a que essa probabilidade séria seja infirmada pela defesa deduzida<br />

pelos embarga<strong>do</strong>s 1103.<br />

4.3. EFEITOS DO RECEBIMENTO DOS EMBARGOS<br />

Uma vez recebi<strong>do</strong>s, os embargos de terceiro passam a ter uma tramitação totalmente<br />

autónoma relativamente à acção principal — ainda que corram por apenso em relação a esse<br />

processo 1104 — sen<strong>do</strong> certo que podem seguir uma forma de processo distinta em relação à forma<br />

da acção principal da<strong>do</strong> que o seu valor, em regra, é também diferente.<br />

4.3.1. SUSPENSÃO DO PROCESSO<br />

O proferimento <strong>do</strong> despacho de recebimento <strong>do</strong>s embargos de terceiro implica a<br />

suspensão <strong>do</strong>s termos <strong>do</strong> processo relativamente ao qual o incidente de embargos tenha si<strong>do</strong><br />

deduzi<strong>do</strong>, mas apenas quanto aos bens a que dizem respeito 1105 . Deste mo<strong>do</strong>, nada obsta que o<br />

processo principal siga os seus termos quanto a outros bens 1106 1107 , sen<strong>do</strong> certo que o exequente<br />

pode requerer a substituição <strong>do</strong> bem penhora<strong>do</strong> por outro bem <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> que se encontre<br />

livre e desonera<strong>do</strong> [art. 834.º, n.º 3, d), <strong>do</strong> CPC]. Ora, uma vez que o recebimento <strong>do</strong>s<br />

embargos de terceiro determina a suspensão <strong>do</strong> processo quanto aos bens que tenham si<strong>do</strong><br />

1103 Cfr. CARDOSO, Eurico Lopes, Manual da Acção Executiva, ob. cit., p. 391.<br />

1104 O simples facto de os embargos de terceiro passarem a correr por apenso não prejudica a sua natureza<br />

enquanto acção declarativa autónoma relativamente à acção de onde resultou a penhora ou a diligência judicial<br />

ofensiva da posse ou <strong>do</strong> direito incompatível <strong>do</strong> embargante. Na verdade, o seu processamento por apenso deve-se<br />

apenas a motivos de natureza organizativa e funcional, atento o facto de os embargos serem deduzi<strong>do</strong>s contra um<br />

acto produzi<strong>do</strong> na causa principal que veio desencadear por si só o surgimento desse novo incidente.<br />

1105 Com idêntica formulação prevê o art. 598.1 da LEC que a admissão da tercería de <strong>do</strong>mínio implica a<br />

suspensão da execução relativamente ao bem a que diga respeito.<br />

1106 O Código de Processo Civil de 1876 dispunha no art. 926.º o seguinte: “Recebi<strong>do</strong>s os embargos ficam<br />

suspensos os termos <strong>do</strong> processo de que forem dependentes e pode logo o embargante requerer a restituição<br />

provisória da posse, prestan<strong>do</strong> caução.”<br />

1107 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 30 de Abril de 1998, proc. 9830511, in www.dgsi.pt.


Fase introdutória <strong>do</strong>s embargos de terceiro<br />

indevidamente atingi<strong>do</strong>s pela diligência, o tribunal não pode proceder à venda executiva desses<br />

bens após o proferimento desse despacho sob pena dessa venda ser anulável 1108.<br />

Estan<strong>do</strong> em causa a dedução de embargos de natureza preventiva, determina o art.<br />

359.º, n.º 2, <strong>do</strong> CPC, que, sen<strong>do</strong> os embargos de terceiro recebi<strong>do</strong>s, a diligência ofensiva da<br />

posse ou <strong>do</strong> direito não pode ser realizada até que seja proferida uma sentença final. De to<strong>do</strong> o<br />

mo<strong>do</strong>, o tribunal pode determinar nesse caso que o embargante preste caução.<br />

4.3.2. RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DA POSSE<br />

No despacho de recebimento de embargos pode ainda o juiz determinar a restituição<br />

provisória da posse ao embargante, caso este a tenha requeri<strong>do</strong> 1109 , poden<strong>do</strong>, contu<strong>do</strong>,<br />

condicioná-la à prestação de caução adequada pelo embargante 1110 1111. Trata-se, na verdade, de<br />

um enxerto de uma figura aproximada à providência cautelar de restituição provisória da posse<br />

(art. 393.º <strong>do</strong> CPC) no âmbito <strong>do</strong> processo de embargos de terceiro, já que a sua finalidade é a<br />

de garantir que o terceiro conserve, pelo menos provisoriamente, a posse <strong>do</strong> bem penhora<strong>do</strong> ou<br />

apreendi<strong>do</strong> até ao proferimento de uma decisão definitiva quanto á procedência ou<br />

improcedência <strong>do</strong>s embargos deduzi<strong>do</strong>s. 1112<br />

De to<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong>, a restituição provisória da posse em sede de embargos de terceiro<br />

implica que o embargante a tivesse antes da ofensa ou da diligência, não poden<strong>do</strong>,<br />

1108 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 22 de Março de 1974, proc. 065150, in www.dgsi.pt.<br />

1109 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 13 de Novembro de 2007, proc. 0720860, in www.dgsi.pt.<br />

1110 No processo civil espanhol, o art. 598.2 da LEC determina que o tribunal, mediante audiência prévia<br />

das partes, poderá condicionar a admissão <strong>do</strong>s embargos de terceiro mediante a prestação de uma caução pelo<br />

terceiro embargante como salvaguarda face aos eventuais danos e prejuízos que possam resultar para o exequente<br />

em virtude da dedução infundada dessa oposição.<br />

1111 Tal como denota LEBRE DE FREITAS, enquanto no regime processual anterior, a restituição provisória<br />

da posse só podia ter lugar mediante a prestação da caução, com a reforma de 95/96 passou o juiz a gozar de<br />

discricionariedade técnica quanto à decisão de prestação de caução (FREITAS, José Lebre de; PINTO, Rui;<br />

REDINHA, João, Código de Processo Civil Anota<strong>do</strong>, vol. 1.º, ob. cit., p. 624.<br />

1112 De acor<strong>do</strong> com TEIXEIRA DE SOUSA, os embargos repressivos assumem a título acessório uma função<br />

cautelar, na medida em que o embargante requer a restituição provisória da posse <strong>do</strong>s bens penhora<strong>do</strong>s (SOUSA,<br />

Miguel Teixeira de, Acção Executiva Singular, ob. cit., p. 300).<br />

335


336<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

consequentemente, ser requerida essa restituição quan<strong>do</strong> os embargos de terceiro sejam<br />

sustenta<strong>do</strong>s num direito que não confere a posse 1113.<br />

4.3.3. CASO JULGADO FORMAL<br />

No que concerne aos efeitos <strong>do</strong> despacho de recebimento <strong>do</strong>s embargos de terceiro,<br />

esta decisão apenas assegura o prosseguimento <strong>do</strong> incidente de embargos de terceiro, não<br />

produzin<strong>do</strong>, consequentemente, qualquer efeito de caso julga<strong>do</strong>, nem quanto à existência de<br />

posse ou <strong>do</strong> direito incompatível, nem quanto à qualidade de terceiro 1114. Tal circunstância resulta<br />

<strong>do</strong> carácter tendencialmente sumário, perfunctório e superficial quanto à análise da prova<br />

aquan<strong>do</strong> <strong>do</strong> recebimento <strong>do</strong>s embargos, cujo grau de exigência é menor comparativamente com<br />

a prova produzida num contexto de contraditoriedade, da<strong>do</strong> que para o tribunal é suficiente um<br />

juízo de mera verosimilhança relativamente ao preenchimento <strong>do</strong>s pressupostos de que depende<br />

o recebimento ou a rejeição <strong>do</strong>s embargos 1115.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, importa realçar a ausência total de contraditório nesta fase processual —<br />

sen<strong>do</strong> certo que as partes primitivas só são notificadas para contestar os embargos depois de<br />

este despacho ser proferi<strong>do</strong> —, situação que, por si só, inviabiliza que este despacho de<br />

recebimento possa adquirir uma força plena e vinculativa.<br />

Por último, não deixa de ser relevante o argumento de que este despacho, tal como<br />

sucede no <strong>do</strong>mínio das providências cautelares, tem um carácter meramente provisório e<br />

temporário, em nada vinculan<strong>do</strong> o tribunal quanto à decisão final a proferir no âmbito <strong>do</strong><br />

incidente de embargos 1116. Deste mo<strong>do</strong>, mesmo que o despacho de recebimento <strong>do</strong>s embargos<br />

ob. cit., p. 625.<br />

1113 Cfr. FREITAS, José Lebre de; PINTO, Rui; REDINHA, João, Código de Processo Civil Anota<strong>do</strong>, vol. 1.º,<br />

1114 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRE, de 12 de Dezembro de 1996, in BMJ, 462.º, p. 506, o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 5 de Maio de<br />

1997, proc. 9750414, in www.dgsi.pt, e o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 23 de Abril de 2002, proc. 02A818, in www.dgsi.pt.<br />

1115 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 10 de Julho de 2000, proc. 0050762, in www.dgsi.pt.<br />

1116 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 29 de Novembro de 2005, proc. 2383/05, in www.dgsi.pt.: o recebimento <strong>do</strong>s<br />

embargos de terceiro apenas assegura o seu prosseguimento, mas não assegura que a decisão final seja no senti<strong>do</strong><br />

da existência <strong>do</strong> direito <strong>do</strong> embargante, nem sequer assegura que a instância <strong>do</strong>s embargos se extinguirá pelo<br />

julgamento, pois que poderá ocorrer a extinção por inutilidade superveniente da lide.”


Fase introdutória <strong>do</strong>s embargos de terceiro<br />

tenha já transita<strong>do</strong> em julga<strong>do</strong>, nada impede que, na decisão final, venha a ser proferida uma<br />

decisão judicial a julgar os embargos improcedentes 1117.<br />

O juiz pode, também, alterar o senti<strong>do</strong> da decisão inicialmente proferida de recebimento<br />

ou de rejeição <strong>do</strong>s embargos. Na verdade, uma vez que o despacho de recebimento <strong>do</strong>s<br />

embargos tem uma natureza provisória, tabelar e adjectiva, e sem qualquer “pen<strong>do</strong>r decisório de<br />

ordem substantiva”, se o tribunal concluir que devia ter recusa<strong>do</strong> o recebimento <strong>do</strong>s embargos<br />

de terceiro com fundamento na sua intempestividade, pode proferir, mesmo oficiosamente, um<br />

novo despacho de rejeição <strong>do</strong>s embargos, sem que com tal procedimento viole o disposto no art.<br />

666.º, n.º 1, <strong>do</strong> CPC, da<strong>do</strong> que esse preceito não tem aplicação àquele despacho atento o facto<br />

de este não produzir efeito de caso julga<strong>do</strong> 1118.<br />

Com efeito, o despacho de recebimento <strong>do</strong>s embargos de terceiro, como se referiu<br />

supra, tem uma natureza provisória e liminar, não decidin<strong>do</strong> <strong>do</strong> mérito da causa, mas apenas<br />

quanto ao prosseguimento <strong>do</strong>s embargos com base nos factos sumariamente alega<strong>do</strong>s e<br />

prova<strong>do</strong>s. Nessa medida, face à sua natureza provisória, este despacho é livremente modificável<br />

pelo tribunal se este se verificar alguma irregularidade nesse despacho. Por outro la<strong>do</strong>, a<br />

possibilidade de alteração desse despacho permite evitar a prática de actos inúteis, sen<strong>do</strong>, por<br />

outro la<strong>do</strong>, justificável semelhante comportamento ao abrigo <strong>do</strong>s princípios da economia<br />

processual, da transparência e da boa-fé.<br />

5. DESPACHO DE REJEIÇÃO DOS EMBARGOS<br />

5.1. FUNDAMENTOS<br />

O tribunal deve proferir um despacho de rejeição <strong>do</strong>s embargos de terceiro quan<strong>do</strong><br />

constate que, não obstante ter fica<strong>do</strong> indiciariamente provada a ofensa da posse ou <strong>do</strong> direito<br />

incompatível <strong>do</strong> embargante, os embargos não oferecem condições de viabilidade, seja porque,<br />

no caso em concreto, não se verificam os factos constitutivos legalmente exigi<strong>do</strong>s para a<br />

1117 Ac. <strong>do</strong> STJ, de 30 de Outubro de 1995, proc. 087732, in www.dgsi.pt.<br />

1118 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 23 de Setembro de 1999, proc. 9930958, in www.dgsi.pt, bem como o Ac. <strong>do</strong><br />

TRP, de 9 de Fevereiro de 2006, proc. 0536694, in www.dgsi.pt.<br />

337


338<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

procedência <strong>do</strong>s embargos, seja porque não existe uma probabilidade séria quanto à existência<br />

ou à incompatibilidade <strong>do</strong> direito invoca<strong>do</strong> pelo embargante 1119.<br />

5.2. EFEITOS DA REJEIÇÃO DOS EMBARGOS<br />

Nos termos <strong>do</strong> art. 355.º <strong>do</strong> CPC, se o juiz proferir despacho de rejeição <strong>do</strong> incidente de<br />

embargos de terceiro, essa factualidade não impede que o embargante possa propor uma acção<br />

judicial em que peticione o reconhecimento da titularidade <strong>do</strong> direito que sustentou a dedução<br />

<strong>do</strong>s embargos de terceiro ou na qual reivindique a coisa apreendida 1120.<br />

Na verdade, o despacho de rejeição <strong>do</strong>s embargos de terceiro não produz efeitos de<br />

caso julga<strong>do</strong> material quanto à existência ou à titularidade <strong>do</strong> direito invoca<strong>do</strong>, pois que a<br />

decisão <strong>do</strong> tribunal assenta num juízo de prova sumária <strong>do</strong> direito invoca<strong>do</strong>.<br />

1119 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 6 de Maio de 1999, proc. 9930661, in www.dgsi.pt.<br />

1120 A este propósito, o STJ entendeu, por acórdão data<strong>do</strong> de 4 de Fevereiro de 1947 (in RLJ, 80.º, p. 108),<br />

que o despacho de rejeição <strong>do</strong>s embargos de terceiro não pode ser invoca<strong>do</strong> como caso julga<strong>do</strong> para o efeito de<br />

obstar a que o embargante proponha acção para fazer valer o seu direito de propriedade sobre os bens objecto <strong>do</strong>s<br />

embargos (REIS, José Alberto <strong>do</strong>s, Processos Especiais, vol. I, pp. 446 e 447); vide, no mesmo senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong><br />

TRC, de 1 de Abril de 2008, proc. 514/07.1, in www.dgsi.pt, e, na <strong>do</strong>utrina, MARQUES, J. P. Remédio, Curso de<br />

Processo Executivo à Face <strong>do</strong> Código Revisto, ob. cit., p. 342.


Fase contraditória <strong>do</strong>s embargos de terceiro<br />

SECÇÃO IV<br />

FASE CONTRADITÓRIA DOS EMBARGOS DE TERCEIRO<br />

Sumário: 1. Exercício <strong>do</strong> contraditório pelas partes primitivas.<br />

2. Admissibilidade da intervenção de terceiros. 3. Inutilidade superveniente<br />

da lide. 4. A ampliação <strong>do</strong> objecto <strong>do</strong>s embargos de terceiro: a exceptio<br />

<strong>do</strong>minii. 4.1. Âmbito. 4.2. A natureza reconvencional da exceptio <strong>do</strong>minii.<br />

4.3. Admissibilidade e procedência. 4.4. Efeito cominatório: ficta confessio ou<br />

ficta litis contestatio? 4.5. Despacho imediato de manutenção ou de<br />

restituição da posse. 5. Efeitos da sentença.<br />

1. EXERCÍCIO DO CONTRADITÓRIO PELAS PARTES PRIMITIVAS<br />

O proferimento de um despacho de recebimento <strong>do</strong>s embargos de terceiro determina o<br />

início <strong>do</strong> procedimento contraditório entre as partes 1121 — enquanto afirmação <strong>do</strong> princípio<br />

audietur et altera pars — da<strong>do</strong> que, até esse momento, o juiz apenas deve ouvir o embargante a<br />

fim de decidir sobre a eventual admissão ou rejeição <strong>do</strong>s embargos 1122 .<br />

Recebi<strong>do</strong>s os embargos, são notificadas as partes primitivas para contestar 1123 — sen<strong>do</strong><br />

certo que essa notificação depende de despacho judicial 1124 —, seguin<strong>do</strong>-se os termos <strong>do</strong><br />

1121 Cfr., quanto à importância <strong>do</strong> princípio <strong>do</strong> contraditório no processo civil, SOUSA, Miguel Teixeira de,<br />

«Arguição de nulidades processuais e diligência das partes», in ROA, ano 61.º, vol. III, 2001, p. 1469: “O processo<br />

civil, cuja estrutura é dialéctica ou polémica, pois que se apresenta como um debate ou uma discussão entre as<br />

partes, reclama que a cada uma delas se dê a possibilidade de deduzir as suas razões, de oferecer as suas provas,<br />

de controlar as <strong>do</strong> adversário e de discretear sobre umas e outras: é o princípio <strong>do</strong> contraditório.”<br />

1122 Vide o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 7 de Fevereiro de 1995, proc. 0088431, in www.dgsi.pt.<br />

1123 Tratan<strong>do</strong>-se de uma verdadeira acção declarativa com autonomia própria, seria mais rigoroso falar-se<br />

em “citação” em vez de “notificação”, da<strong>do</strong> que se verifica um chamamento das partes primitivas à acção de<br />

embargos de terceiro. Nessa medida, existin<strong>do</strong> uma pluralidade de réus e terminan<strong>do</strong> em dias diferentes o prazo<br />

para contestar, nada impõe o afastamento <strong>do</strong> regime previsto no art. 486.º, n.º 2, <strong>do</strong> CPC em relação aos<br />

embargos de terceiro (cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 16 de Dezembro de 1999, proc. 1047/99 – 2.ª secção, in www.dgsi.pt.<br />

1124 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 2 de Março de 2000, proc. 0030286, in www.dgsi.pt.<br />

339


340<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

processo ordinário ou sumário de declaração, conforme o valor (art. 357.º, n.º 1, <strong>do</strong> CPC) 1125 1126 .<br />

Com efeito, ao contrário <strong>do</strong> que sucedia no regime processual anterior à reforma de 95/96, no<br />

regime actual devem ser notificadas as partes principais da acção para exercerem o seu<br />

contraditório relativamente à petição de embargos 1127 .<br />

Se os embarga<strong>do</strong>s não contestarem a petição de embargos de terceiro, aplicam-se os<br />

efeitos cominatórios previstos para o regime jurídico da revelia (arts. 383.º a 385.º <strong>do</strong> CPC) 1128,<br />

implican<strong>do</strong> a falta de contestação o reconhecimento pelos embarga<strong>do</strong>s da factualidade deduzida<br />

pelo embargante no seu libelo (ficta confessio) 1129 . 1130 Contu<strong>do</strong>, uma vez que a legitimidade<br />

processual passiva implica a existência de um litisconsórcio necessário entre os embarga<strong>do</strong>s, se<br />

algum deles contestar a factualidade invocada na petição inicial, deve a acção seguir os seus<br />

termos sem que se verifique a admissão de factos por falta de contestação.<br />

No que concerne ao fundamento para a contestação <strong>do</strong>s embarga<strong>do</strong>s, cumpre referir<br />

que, em virtude da revogação <strong>do</strong> art. 1041.º, n.º 1, pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de<br />

1125 Ainda que os embargos de terceiro surjam no Código de Processo Civil como um incidente processual,<br />

o prazo para a apresentação da sua contestação é o <strong>do</strong> processo ordinário ou sumário, e não o da oposição nos<br />

incidentes processuais – cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TR, in CJ, tomo II, p. 32 apud REGO, Lopes <strong>do</strong>, Comentários<br />

ao Código de Processo Civil, vol. I, ob. cit., p. 330.<br />

1126 Na versão <strong>do</strong> Código de Processo Civil anterior à reforma de 1995/96, apenas era notifica<strong>do</strong> para<br />

contestar o embarga<strong>do</strong>, ou seja, a parte que tivesse promovi<strong>do</strong> a diligência ofensiva da posse [art. 1042.º, a), <strong>do</strong><br />

CPC 1961]. A acção seguia os termos <strong>do</strong> processo sumário (art. 1033.º, n.º 1, ex vi art. 1042.º, proémio, ambos <strong>do</strong><br />

CPC 1961]. Contu<strong>do</strong>, não era admitida a resposta à contestação, salvo se o embarga<strong>do</strong> invocasse a exceptio <strong>do</strong>minii<br />

em sede de contestação [art. 1034.º, n.º 2, a), <strong>do</strong> CPC 1961].<br />

1127 Tratan<strong>do</strong>-se efectivamente, de uma citação e não de uma notificação, da<strong>do</strong> que a sua finalidade<br />

consiste em chamar as partes primitivas ao processo de embargos para aí exercerem o seu contraditório, essa<br />

notificação deve ser feita directamente às partes e não aos seus mandatários, sob pena de se verificar a nulidade da<br />

citação (cfr. COSTA, Salva<strong>do</strong>r da, Os Incidentes da Instância, ob. cit., p. 235, bem como o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 25 de<br />

Junho de 1998, in www.dgsi.pt).<br />

1128 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 7 de Junho de 1990, proc. 0025982, in www.dgsi.pt, bem como<br />

o Ac. <strong>do</strong> TRP de 9 de Maio de 1995, in BMJ, 447.º, p. 585.<br />

1129 Cfr., no mesmo senti<strong>do</strong>, o regime previsto no art. 602 da LEC, o qual determina que, caso os<br />

embarga<strong>do</strong>s não contestem a oposição deduzida pelo terceiro, essa inactividade <strong>do</strong>s embarga<strong>do</strong>s implica a<br />

admissão da matéria factual alegada.<br />

1130 No senti<strong>do</strong> de se verificar um efeito cominatório pleno (e não semi-pleno) em consequência da falta de<br />

contestação aos embargos — desde que não sejam incapazes nem se trate de uma relação jurídica indisponível —,<br />

cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 7 de Junho de 1990, proc. 0025982, in www.dgsi.pt.


Fase contraditória <strong>do</strong>s embargos de terceiro<br />

Dezembro ― preceito que previa a possibilidade de o tribunal recusar os embargos de terceiro<br />

quan<strong>do</strong> a posse <strong>do</strong> embargante se fundasse em transmissão feita pelo embarga<strong>do</strong> com a<br />

manifesta intenção de subtrair os seus bens à execução ―, o exequente embarga<strong>do</strong> poderá<br />

invocar nesta fase a simulação ou a impugnação pauliana contra o negócio translativo da<br />

propriedade a favor embargante 1131. A este propósito importa referir que a impugnação pauliana<br />

tanto pode ser exercida por meio de acção como por via de excepção, pelo que pode ser<br />

excepcionada em embargos de terceiro 1132. De to<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong>, caso o embarga<strong>do</strong> opte por intentar<br />

uma acção de impugnação pauliana, o tribunal deve decretar a suspensão da instância de<br />

embargos de terceiro até que seja proferida uma sentença com carácter definitivo relativamente<br />

à impugnação pauliana invocada pelo embarga<strong>do</strong> no caso de entender que essa decisão reveste<br />

um carácter prejudicial 1133 .<br />

2. ADMISSIBILIDADE DA INTERVENÇÃO DE TERCEIROS<br />

Assumin<strong>do</strong> os embargos de terceiro a natureza de uma verdadeira acção declarativa —<br />

ainda que se configurem processualmente como um incidente de intervenção de terceiros na<br />

modalidade de oposição — é admissível a um incidente de intervenção de terceiros na acção de<br />

embargos de terceiro. Tal circunstância assume especial relevância quan<strong>do</strong> esteja em causa a<br />

necessidade de garantir a presença de todas as partes na causa a fim de se garantir o efeito útil<br />

da sentença que vier a ser a proferida nos embargos de terceiro. Deste mo<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> os<br />

embargos de terceiro deduzi<strong>do</strong>s (ainda que indevidamente) apenas contra o exequente e não<br />

ten<strong>do</strong> o executa<strong>do</strong> si<strong>do</strong> notifica<strong>do</strong> pelo tribunal para intervir na causa, é admissível a sua<br />

1131 Cfr., a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 31 de Março de 1987, in BMJ, 356.º, p. 703, o Ac. <strong>do</strong> TRP, de<br />

5 de Novembro de 2001, proc. 0151180, in www.dgsi.pt, e o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 24 de Outubro de 2002, proc.<br />

02B2728, in www.dgsi.pt, segun<strong>do</strong> o qual “Em embargos de terceiro à penhora é admissível ao embarga<strong>do</strong> deduzir<br />

a excepção da impugnação pauliana.”<br />

1132 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 28 de Abril de 1994, proc. 0082722, in www.dgsi.pt, bem como o Ac. <strong>do</strong> TRL, de<br />

25 de Novembro de 2003, proc. 8057/2003, in www.dgsi.pt. Vide, ainda, o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 6 de Outubro de 2005,<br />

proc. 0534229, in www.dgsi.pt: “nos embargos de terceiro contra a penhora dum bem em acção executiva, pode o<br />

exequente/cre<strong>do</strong>r opor-se mediante a alegação e prova <strong>do</strong>s pressupostos da impugnação pauliana. E não sen<strong>do</strong><br />

esta impugnação considerada por lei uma acção anulatória, pode ser requerida apenas por via de excepção, sem<br />

dedução de reconvenção.”<br />

1133 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 12 de Outubro de 1995, proc. 0002592, in www.dgsi.pt.<br />

341


342<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

intervenção principal espontânea mo<strong>do</strong> a que este possa acautelar os seus interesses nesse<br />

incidente (e.g. deduzin<strong>do</strong> uma eventual exceptio <strong>do</strong>minii contra a ofensa da posse invocada pelo<br />

embargante) 1134. Esta possibilidade de intervenção de terceiros no âmbito <strong>do</strong> incidente de<br />

embargos tem também vin<strong>do</strong> a ser admitida na jurisprudência quanto à modalidade de<br />

intervenção principal provocada. Deste mo<strong>do</strong>, se E vem deduzir embargos de terceiro contra A e<br />

B numa acção executiva movida por A contra B, C e D, não ten<strong>do</strong> C e D si<strong>do</strong> notifica<strong>do</strong> (rectius<br />

cita<strong>do</strong>s) para os termos <strong>do</strong> incidente de embargos, nada impede que o embargante ou o<br />

embarga<strong>do</strong> venham requerer a intervenção principal provocada de C e D no âmbito <strong>do</strong> incidente<br />

de embargos de terceiro 1135.<br />

De to<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong>, alguma jurisprudência tem vin<strong>do</strong> a recusar a admissibilidade da<br />

intervenção principal (espontânea ou provocada) <strong>do</strong> embarga<strong>do</strong> que não tenha si<strong>do</strong> inicialmente<br />

demanda<strong>do</strong> em virtude <strong>do</strong> disposto art. 357.º <strong>do</strong> CPC. Na verdade, os embargos de terceiro são<br />

frequentemente deduzi<strong>do</strong>s apenas contra o exequente, da<strong>do</strong> que é a seu favor que é realizada a<br />

diligência de penhora que afecta a posse ou um direito incompatível com o âmbito dessa<br />

diligência. Nessa situação, algumas decisões judiciais têm defendi<strong>do</strong> que, em tal circunstância, o<br />

vício da ilegitimidade processual passiva encontra-se automaticamente sana<strong>do</strong>, porquanto, tal<br />

como determina o art. 357.º, n.º 1, <strong>do</strong> CPC, a secretaria notifica oficiosamente as partes<br />

primitivas para contestar.<br />

Semelhante interpretação, contu<strong>do</strong>, não se afigura correcta. Com efeito, enquadran<strong>do</strong>-se<br />

os embargos de terceiro no incidente da intervenção de terceiros na modalidade da oposição, o<br />

qual, pela sua concepção, apresenta ab initio uma estrutura tripartida, os embargos de terceiro<br />

devem ser intenta<strong>do</strong>s contra as partes primitivas da causa — situação que implica que as<br />

mesmas sejam desde logo identificadas e individualizadas na petição inicial, ten<strong>do</strong> em conta,<br />

nomeadamente, a sua estrutura autónoma em relação à acção principal —, sob pena de se<br />

verificar um vício processual por preterição de litisconsórcio necessário passivo, o qual é<br />

susceptível de sanação mediante o convite pelo tribunal à parte interessada para chamar o<br />

1134 Cfr., a este propósito, o art. 600. da LEC, o qual determina que “[A]unque no se haya dirigi<strong>do</strong> la<br />

demanda de tercería frente al ejecuta<strong>do</strong>, podra éste intervenir en el procedimiento com los mismos derechos<br />

procesales que las partes de la terceria.”<br />

1135 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 10 de Outubro de 2000, proc. 1923/2000, in www.dgsi.pt: “É admissível a<br />

intervenção principal provocada de um requeri<strong>do</strong> no incidente de embargos de terceiro.”


Fase contraditória <strong>do</strong>s embargos de terceiro<br />

sujeito em falta em sede de intervenção principal provocada (arts. 265.º, n.º 2 e 325º, ambos <strong>do</strong><br />

CPC).<br />

3. INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE<br />

A instância processual <strong>do</strong>s embargos de terceiro pode extinguir-se por inutilidade<br />

superveniente da lide 1136 . Tal verificar-se-á, nomeadamente, se essa acção se tiver torna<strong>do</strong> inútil<br />

pelo facto de o embargante ter readquiri<strong>do</strong> a posse <strong>do</strong>s bens atingi<strong>do</strong>s pela diligência 1137 . Assim,<br />

se no âmbito de um processo executivo, o exequente embarga<strong>do</strong> desistir da penhora <strong>do</strong> bem<br />

sobre o qual recaiu o incidente de embargos de terceiro 1138, essa circunstância implica a extinção<br />

<strong>do</strong> incidente de embargos de terceiro por inutilidade superveniente da lide [arts. 287.º, e) e<br />

1139 447.º, ambos <strong>do</strong> CPC] 1140.<br />

Os embargos de terceiro podem ainda extinguir-se por inutilidade superveniente da lide<br />

quan<strong>do</strong>, ten<strong>do</strong> esse incidente si<strong>do</strong> deduzi<strong>do</strong> pelo cônjuge <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> face à penhora de bens<br />

comuns <strong>do</strong> casal, este venha a ser cita<strong>do</strong> posteriormente à dedução <strong>do</strong>s embargos para<br />

requerer a separação de bens <strong>do</strong> casal dentro <strong>do</strong> prazo legal 1141 , da<strong>do</strong> que, em tal circunstância,<br />

fica prejudicada a sua qualidade de terceiro em relação à execução.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, importa ainda referir a situação em que a decisão judicial que tiver<br />

ordena<strong>do</strong> a restituição provisória da posse vem a ser revogada. Com efeito, nesse caso verifica-<br />

1136 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 6 de Outubro de 1893: “Anulada uma execução, caducam também os embargos<br />

de terceiro nela deduzi<strong>do</strong>s” (GENTIL, Francisco, Dicionário <strong>do</strong> Supremo Tribunal de Justiça, ob. cit., p. 457).<br />

1137 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 24 de Outubro de 2006, proc. 96B576, in www.dgsi.pt.<br />

1138 Nos termos <strong>do</strong> art. 834.º, n.º 3, d), <strong>do</strong> CPC, o exequente pode requerer o reforço ou a substituição da<br />

penhora quan<strong>do</strong> sejam recebi<strong>do</strong>s embargos de terceiro contra a penhora.<br />

1139 De igual mo<strong>do</strong>, a instância de embargos de terceiro deve ser julgada extinta, por inutilidade<br />

superveniente da lide, se a autora de uma execução para entrega de uma fracção de um imóvel tiver desisti<strong>do</strong> da<br />

execução, circunstância que retira qualquer utilidade aos embargos de terceiro, deduzi<strong>do</strong>s por apenso à execução,<br />

pois com a desistência deixou de existir qualquer diligência realizada ou ordenada que ameace lesar a posse <strong>do</strong>s<br />

embargante (Ac. <strong>do</strong> STJ, de 8 de Fevereiro de 2001, proc. 3378/00 – 2.ª secção, in www.dgsi.pt.<br />

1140 Cfr., a este propósito, a sentença da CSC It., proc. 1524/1971, segun<strong>do</strong> a qual, verifican<strong>do</strong>-se em sede<br />

executiva o levantamento da penhora, o terceiro que tenha deduzi<strong>do</strong> oposição arrogan<strong>do</strong>-se proprietário <strong>do</strong> bem<br />

deixa de ter interesse em prosseguir com a execução.<br />

1141 Vide, em senti<strong>do</strong> contrário, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 29 de Novembro de 2005, proc. 2383/05, in www.dgsi.pt<br />

343


344<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

se a inutilidade superveniente da lide relativamente aos embargos de terceiro deduzi<strong>do</strong>s para<br />

impedir essa restituição 1142.<br />

Contu<strong>do</strong>, já não determina a extinção da instância de embargos por inutilidade<br />

superveniente da lide o facto de a embargada desistir da instância executiva 1143 , mas não desistir<br />

<strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> de reconhecimento <strong>do</strong> seu direito formula<strong>do</strong> na instância de embargos em sede de<br />

exceptio <strong>do</strong>minii, uma vez que, em tal caso, as partes podem pretender que o tribunal declare a<br />

titularidade <strong>do</strong> direito invoca<strong>do</strong>. Porém, se o embarga<strong>do</strong>, ao invés, desistir <strong>do</strong> seu pedi<strong>do</strong> de<br />

declaração <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio, em tal caso a desistência da execução sobre o bem implica a inutilidade<br />

superveniente da lide possessória, pois termina a ofensa da posse tida como verificada 1144.<br />

4. A AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DOS EMBARGOS DE TERCEIRO: A EXCEPTIO DOMINII<br />

4.1. ÂMBITO<br />

A exceptio <strong>do</strong>minii encontra-se prevista no art. 357.º, n.º 2, <strong>do</strong> CPC 1145 . Com efeito,<br />

quan<strong>do</strong> os embargos apenas se fundamentem na invocação e ofensa da posse, pode qualquer<br />

www.dgsi.pt:<br />

1142 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 17 de Fevereiro de 1994, proc. 0062616, in www.dgsi.pt.<br />

1143 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 27 de Junho e 2000, proc. 1406/2000 – 2.ª secção, in<br />

1144 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 5 de Dezembro de 2000, proc. 1496/2000, in www.dgsi.pt.<br />

1145 O Código de Processo Civil de 1876 impedia a invocação da exceptio <strong>do</strong>minii, isto é, a invocação da<br />

titularidade <strong>do</strong> direito de fun<strong>do</strong> pelo embarga<strong>do</strong>, excepto quan<strong>do</strong> estivesse em causa a dedução de embargos de<br />

terceiro pelo próprio executa<strong>do</strong> (art. 923.º) ou pela mulher <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> (art. 924.º).<br />

Em contrapartida, o Código de Processo Civil de 1939 veio permitir a invocação da exceptio <strong>do</strong>minii como<br />

forma de se evitar a propositura de uma acção de reivindicação pelo embargante venci<strong>do</strong> que pretendesse obter a<br />

restituição da coisa objecto de embargos.<br />

Por sua vez, dispunha na sua redacção primitiva o art. 1042.º, b), <strong>do</strong> CPC 1961 que, recebi<strong>do</strong>s os embargos,<br />

podia o embarga<strong>do</strong> alegar, em sede de contestação, não só que era titular <strong>do</strong> direito de propriedade sobre os bens,<br />

como também que esse direito pertencia à pessoa contra quem a diligência judicial fora promovida. Sen<strong>do</strong> invocada<br />

a exceptio <strong>do</strong>minii, a acção seguia os termos <strong>do</strong> processo ordinário quan<strong>do</strong> o valor da causa fosse superior à alçada<br />

da Relação, caso em que o autor podia ainda responder à tréplica quanto à questão da propriedade [art. 1034.º, n.º<br />

2, a) ex vi art. 1042.º, proémio, ambos <strong>do</strong> CPC 1961], ou os termos <strong>do</strong> processo sumário quan<strong>do</strong> o valor da causa<br />

fosse igual ou inferior à alçada da Relação, situação em que podia ser deduzida resposta à contestação e resposta à<br />

matéria desta quan<strong>do</strong> fosse deduzida alguma excepção [art. 1034.º, n.º 2, b) ex vi art. 1042.º, proémio, ambos <strong>do</strong>


Fase contraditória <strong>do</strong>s embargos de terceiro<br />

das partes primitivas pedir em sede de contestação o reconhecimento, quer <strong>do</strong> seu direito de<br />

propriedade sobre os bens, quer de que tal direito pertence à pessoa contra quem a diligência<br />

foi promovida 1146.<br />

Na verdade, ten<strong>do</strong> em conta o carácter autónomo da posse em relação aos demais<br />

direitos enquanto fundamento para o recurso aos embargos de terceiro (art. 351.º <strong>do</strong> CPC), o<br />

embargante não carece de invocar a ofensa <strong>do</strong> seu direito de propriedade relativamente ao bens<br />

que entenda que foram ilicitamente penhora<strong>do</strong>s, bastan<strong>do</strong>, consequentemente, a invocação da<br />

sua posse sobre o bem. Todavia, fundan<strong>do</strong>-se os embargos de terceiro apenas na ofensa da<br />

posse, correspondente ao exercício <strong>do</strong> direito de propriedade, <strong>do</strong> embargante sobre o bem<br />

penhora<strong>do</strong>, pode ser invoca<strong>do</strong> o direito de propriedade <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> sobre esse bem 1147.<br />

Deste mo<strong>do</strong>, no âmbito da acção executiva, tanto pode o executa<strong>do</strong> invocar a exceptio<br />

<strong>do</strong>minii, pedin<strong>do</strong> o reconhecimento de que os bens penhora<strong>do</strong>s lhe pertencem, como pode o<br />

exequente pedir que seja reconhecida a propriedade <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> sobre o bem penhora<strong>do</strong> 1148 ou<br />

CPC 1961].<br />

Caso o embargante não impugnasse o direito de propriedade invoca<strong>do</strong> pelo embarga<strong>do</strong> 1145 , era<br />

imediatamente declara<strong>do</strong> improcedente o pedi<strong>do</strong> <strong>do</strong> embargante e procedente o <strong>do</strong> embarga<strong>do</strong>, ainda que este não<br />

tivesse contesta<strong>do</strong> a posse daquele (art. 1035.º <strong>do</strong> CPC 1961, aplicável aos embargos de terceiro por força <strong>do</strong> art.<br />

1042.º <strong>do</strong> CPC 1961).<br />

Em contrapartida, se o embargante impugnasse o direito de propriedade invoca<strong>do</strong> pelo embarga<strong>do</strong> em<br />

sede de contestação e se este não tivesse contesta<strong>do</strong> a posse <strong>do</strong> embargante, não poden<strong>do</strong> a questão da<br />

propriedade ser decidida no despacho sanea<strong>do</strong>r, era o embarga<strong>do</strong> condena<strong>do</strong> imediatamente no pedi<strong>do</strong> formula<strong>do</strong><br />

pelo autor, sem prejuízo <strong>do</strong> que viesse a ser decidi<strong>do</strong> a final quanto à questão <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio (art. 1036.º <strong>do</strong> CPC 1961).<br />

1146 De acor<strong>do</strong> com ALBERTO DOS REIS, a invocação pelo próprio embarga<strong>do</strong> de que o direito de<br />

propriedade pertence à pessoa contra quem foi promovida a diligência configura uma situação de substituição<br />

processual, isto é, o embarga<strong>do</strong> substitui-se ao proprietário, da<strong>do</strong> que tem um interesse legítimo em fazer triunfar<br />

sobre a posse <strong>do</strong> embargante o direito de propriedade <strong>do</strong> embarga<strong>do</strong> (REIS, José Alberto <strong>do</strong>s, Processos Especiais,<br />

vol. I, ob. cit., p. 457).<br />

1147 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 23 de Setembro de 1998, proc. 467/98 – 2.ª secção, in<br />

www.dgsi.pt: “Não obstante a sua natureza de meio possessório, os embargos de terceiro soçobram perante a<br />

alegação e prova de que o objecto da posse pertence ao embarga<strong>do</strong> ou à pessoa contra quem a diligência ofensiva<br />

da posse foi promovida (art.º 1042, al. b), <strong>do</strong> CPC. É uma natural consequência da institucional supremacia <strong>do</strong><br />

direito de propriedade sobre a simples posse, de que o art.º 1311, n.º 1, <strong>do</strong> CC, é mais uma manifestação.” Vide,<br />

ainda, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 27 de Março de 2007, proc. 491/07 – 6.ª secção, in www.dgsi.pt.<br />

1148 Caso em que o exequente actuará como substituto processual <strong>do</strong> próprio executa<strong>do</strong> (vide, nesse<br />

senti<strong>do</strong>, SOUSA, Miguel Teixeira de, Estu<strong>do</strong>s sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997, p. 251). Com efeito,<br />

345


346<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

a sua própria propriedade sobre esse bem quan<strong>do</strong> esteja em causa, nomeadamente, uma acção<br />

executiva para entrega de coisa certa 1149 1150. Nessa exacta medida, a invocação da exceptio<br />

<strong>do</strong>minii tem por objecto a ilisão da presunção da titularidade <strong>do</strong> direito de fun<strong>do</strong> em função da<br />

posse <strong>do</strong> embargante 1151 .<br />

4.2. A NATUREZA RECONVENCIONAL DA EXCEPTIO DOMINII<br />

A exceptio <strong>do</strong>minii configura um pedi<strong>do</strong> de reconhecimento <strong>do</strong> direito de propriedade <strong>do</strong><br />

embarga<strong>do</strong> sobre o bem penhora<strong>do</strong> por confronto à invocação da ofensa da posse <strong>do</strong><br />

embargante, assumin<strong>do</strong>, assim, a natureza de uma acção de <strong>do</strong>mínio 1152.<br />

De to<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong>, para que esse direito de propriedade possa ser reconheci<strong>do</strong>, torna-se<br />

necessário que o embarga<strong>do</strong> formule especificadamente esse pedi<strong>do</strong>, sob pena de não pode ser<br />

oficiosamente conheci<strong>do</strong> pelo tribunal 1153 .<br />

embora o exequente/embarga<strong>do</strong> actue em seu nome (e não em nome de outrem, como sucede com o<br />

representante) e no seu próprio interesse, litiga sobre direito alheio, tornan<strong>do</strong>-se, desta forma, um substituto<br />

processual (cfr. VARELA, Antunes; BEZERRA, J. Miguel; NORA, Sampaio e, Manual de Processo Civil, ob. cit.,<br />

pp. 732 e 733).<br />

1149 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, MENDES, João de Castro, Direito Processual Civil,, ob. cit., p. 127.<br />

1150 No <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> processo civil francês não é permitida a discussão sobre a titularidade <strong>do</strong> direito real no<br />

âmbito das acções possessórias. Todavia, o tribunal pode examinar os contornos <strong>do</strong> direito real que sustenta a<br />

posse de forma a poder verificar se se encontram reunidas as condições que permitam atribuir a tutela possessória<br />

ao interessa<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> certo, porém, que a actividade probatória não pode versar sobre o direito real de base (art.<br />

1265 <strong>do</strong> CPC Fr.). Nesta medida, se tiver si<strong>do</strong> intentada uma acção judicial fundada no direito real de base, fica<br />

precludida a possibilidade de se instaurar simultaneamente uma acção possessória (art. 1266 <strong>do</strong> CPC Fr.).<br />

1151 COSTA, Salva<strong>do</strong>r da, Os Incidentes da Instância, ob. cit., p. 237.<br />

1152 A este propósito, o Tribunal Supremo de Espanha, por sentença de 8 de Maio de 1986, veio considerar<br />

que a acção de embargos de terceiro (tercería de <strong>do</strong>mínio) se aproxima da acção de reivindicação, embora se<br />

distinga dela pelas seguintes circunstâncias: “a) La acción reivindicatoria se interpone por el propietario no<br />

posee<strong>do</strong>r, mientras que la tercería puede ejercitarse por el mismo propietario que posee el bien indebidamente<br />

traba<strong>do</strong>; b) La acción reivindicatoria se actúa frente al detenta<strong>do</strong>r o posee<strong>do</strong>r, mientras que la tercería se interpone<br />

al ejecutante que no posee ni detenta y frente al ejecuta<strong>do</strong> que no siempre es posee<strong>do</strong>r, uni<strong>do</strong>s estos últimos en el<br />

litisconsorcio necesario que resulta del art. 600 de la L.E.C.; y c) La acción reivindicatoria pretende la recuperación<br />

<strong>do</strong>minical de la cosa, en tanto que la acción de tercería se dirige al levantamiento del embargo.”<br />

1153 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 27 de Março de 2007, proc. 491/07 – 6.ª secção, in www.dgsi.pt


Fase contraditória <strong>do</strong>s embargos de terceiro<br />

Quanto à sua configuração processual, a exceptio <strong>do</strong>minii, não obstante a sua<br />

designação nominativa, constitui um verdadeiro pedi<strong>do</strong> reconvencional contra o terceiro<br />

embargante 1154, sen<strong>do</strong> certo que implica a convolação <strong>do</strong>s embargos de terceiro numa acção de<br />

propriedade 1155 . Na verdade, ao invocar a excepção da propriedade contra a posse <strong>do</strong><br />

embargante, o embarga<strong>do</strong> mais não faz <strong>do</strong> que deduzir um verdadeiro pedi<strong>do</strong> autónomo contra<br />

ele, ou seja, há uma contrapretensão efectiva que é desferida pelo embarga<strong>do</strong> reconvinte contra<br />

o embargante reconvin<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> certo que a autonomia desse pedi<strong>do</strong> deriva da circunstância de<br />

transcender “a simples improcedência da pretensão <strong>do</strong> autor e os corolários dela<br />

decorrentes” 1156.<br />

4.3. ADMISSIBILIDADE E PROCEDÊNCIA<br />

A exceptio <strong>do</strong>minii não pode ser oposta ao embargante titular de um direito real de gozo<br />

que não caduque com a venda executiva, porquanto tal direito é incompatível com a propriedade<br />

plena sobre o bem vendi<strong>do</strong>. Com efeito, a invocação, pelo embarga<strong>do</strong>, da titularidade <strong>do</strong> direito<br />

de fun<strong>do</strong> não pode prevalecer sobre o título da posse <strong>do</strong> terceiro, da<strong>do</strong> que só pode ser alega<strong>do</strong><br />

como fundamento da exceptio <strong>do</strong>minii um direito real que não afecte a posse <strong>do</strong> terceiro. Tal<br />

sucederá, por exemplo, na hipótese <strong>do</strong> embargante invocar a sua posse fundada no direito de<br />

usufruto, caso em que o embarga<strong>do</strong> só poderá invocar a nua propriedade sobre o bem, não lhe<br />

sen<strong>do</strong> lícito opor a propriedade plena 1157 .<br />

Nesta exacta medida, a invocação da exceptio <strong>do</strong>minii só poderá ser julgada procedente<br />

quan<strong>do</strong> a posse <strong>do</strong> terceiro que sustenta a dedução <strong>do</strong>s embargos deva caducar com a venda<br />

executiva, isto é, quan<strong>do</strong> o direito <strong>do</strong> embargante não seja oponível à execução por ter si<strong>do</strong><br />

regista<strong>do</strong> ou constituí<strong>do</strong> depois <strong>do</strong> arresto, penhora ou garantia 1158 .<br />

1154 SOUSA, Miguel Teixeira de, Acção Executiva Singular, ob. cit., p. 304.<br />

1155 Cfr. o Ac. STJ, de 12 de Julho de 1994, proc. 085299, in www.dgsi.pt.<br />

1156 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, VARELA, Antunes; BEZERRA, J. Miguel; NORA, Sampaio e, Manual de Processo<br />

Civil, ob. cit., pp. 322 e 323.<br />

1157 SOUSA, Miguel Teixeira de, «A Penhora de bens na posse de terceiros», ob. cit., p. 81.<br />

1158 SOUSA, Miguel Teixeira de, Acção Executiva Singular, ob. cit., p. 304.<br />

347


348<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

4.4. EFEITO COMINATÓRIO: FICTA CONFESSIO OU FICTA LITIS CONTESTATIO?<br />

Sen<strong>do</strong> levantada em sede de embargos de terceiro a questão da titularidade <strong>do</strong> direito<br />

de fun<strong>do</strong> sobre os bens penhora<strong>do</strong>s ou atingi<strong>do</strong>s pela diligência judicial, passa a recair sobre o<br />

embarga<strong>do</strong> o ónus da prova da titularidade de um direito incompatível com a posse alegada pelo<br />

terceiro embargante 1159.<br />

Caso o embargante não responda à exceptio <strong>do</strong>minii invocada pelo embarga<strong>do</strong><br />

relativamente aos bens atingi<strong>do</strong>s pela penhora ou pela diligência judicialmente ordenada, deve<br />

ser julgada procedente a exceptio <strong>do</strong>minii a favor <strong>do</strong> embargante e improcedentes os embargos<br />

de terceiro, mesmo que o embarga<strong>do</strong> não tenha impugna<strong>do</strong> a posse invocada pelo<br />

embargante 1160 . Contu<strong>do</strong>, tal efeito não se verifica automaticamente 1161 . Na verdade, ainda que o<br />

embarga<strong>do</strong> invoque a exceptio <strong>do</strong>minii quanto ao bem penhora<strong>do</strong>, o embargante beneficia da<br />

presunção (ilidível) da titularidade <strong>do</strong> direito de fun<strong>do</strong> ao abrigo <strong>do</strong> disposto no art. 1268.º, n.º 1,<br />

<strong>do</strong> CC 1162.<br />

Caso o embargante invoque como fundamento <strong>do</strong>s embargos apenas a posse sobre a<br />

coisa penhorada ou apreendida e os embarga<strong>do</strong>s invoquem a titularidade <strong>do</strong> direito de fun<strong>do</strong>,<br />

sem que, contu<strong>do</strong>, seja impugnada a posse <strong>do</strong> embargante, pode verificar-se a produção de <strong>do</strong>is<br />

efeitos processuais distintos:<br />

1159 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 3 de Outubro de 1996, proc. 0632837, in www.dgsi.pt.<br />

1160 Cfr. CARDOSO, Eurico Lopes, Manual da Acção Executiva, ob. cit., p. 392. Vide, também, o Ac. <strong>do</strong> STJ,<br />

de 1 de Julho de 1997, proc. 85/97 – 1.ª Secção, in www.dgsi.pt.<br />

1161 Vide, em senti<strong>do</strong> contrário, o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 1 de Outubro de 1996, in BMJ, 460.º, p. 805: “Invoca<strong>do</strong><br />

pelo embarga<strong>do</strong> na contestação o direito de propriedade <strong>do</strong> executa<strong>do</strong> sobre os bens penhora<strong>do</strong>s e pedi<strong>do</strong> o<br />

reconhecimento desse direito, se o autor não impugnar na resposta ou na réplica, é logo decidida a questão da<br />

propriedade a favor <strong>do</strong> embarga<strong>do</strong>.”<br />

1162 Vide, a este propósito, SOUSA, Miguel Teixeira de, «Sobre a Exceptio Dominii nas Acções<br />

Possessórias», in ROA, ano 52, vol. I, 1992, apud MARQUES, J. P. Remédio, Curso de Processo Executivo à Face <strong>do</strong><br />

Código Revisto, ob. cit., p. 317, nota 899.


Fase contraditória <strong>do</strong>s embargos de terceiro<br />

— Não poden<strong>do</strong> desde logo ser apreciada a questão da titularidade <strong>do</strong> direito de fun<strong>do</strong>, o<br />

juiz deve ordenar a imediata manutenção ou restituição da posse, sem prejuízo <strong>do</strong> que venha a<br />

decidir-se a final quanto à questão da titularidade <strong>do</strong> direito (art. 510.º, n.º 5, <strong>do</strong> CPC) 1163;<br />

— Os embargos de terceiro terão necessariamente que improceder (caso a exceptio<br />

<strong>do</strong>minii seja julgada procedente), já que a posse cede perante o direito de fun<strong>do</strong> 1164. De to<strong>do</strong> o<br />

mo<strong>do</strong>, se o embarga<strong>do</strong> não impugnar a posse invocada em sede de petição inicial, limitan<strong>do</strong>-se,<br />

tão só, a invocar a exceptio <strong>do</strong>minii sobre os bens penhora<strong>do</strong>s, então em tal circunstância,<br />

enquanto não for decidida a propriedade <strong>do</strong> bem, deve ser assegura<strong>do</strong> ao embargante a tutela<br />

possessória <strong>do</strong> bem de que é titular.<br />

Por último, importa referir que, em caso de invocação da exceptio <strong>do</strong>minii, nada obsta a<br />

que o embargante venha arguir em sede de contestação a simulação 1165 ou a inoponibilidade <strong>do</strong><br />

negócio jurídico que permitiu a transmissão <strong>do</strong> bem.<br />

4.5. DESPACHO IMEDIATO DE MANUTENÇÃO OU DE RESTITUIÇÃO DA POSSE<br />

Nos termos <strong>do</strong> art. 510.º, n.º 5, <strong>do</strong> CPC, no <strong>do</strong>mínio das acções destinadas à defesa da<br />

posse, se o réu apenas tiver invoca<strong>do</strong> a exceptio <strong>do</strong>minii, isto é, a titularidade <strong>do</strong> direito de<br />

propriedade, sem, contu<strong>do</strong>, impugnar a posse <strong>do</strong> autor e se essa questão não puder ser desde<br />

logo apreciada, o juiz deve ordenar imediatamente a manutenção ou a restituição da posse ao<br />

autor, sem prejuízo <strong>do</strong> senti<strong>do</strong> da decisão final que vier a ser proferida quanto à titularidade <strong>do</strong><br />

direito 1166 .<br />

Trata-se, na verdade, da concretização processual <strong>do</strong> regime substantivo previsto no<br />

1268.º <strong>do</strong> CC, ao abrigo <strong>do</strong> qual o possui<strong>do</strong>r goza da presunção da titularidade <strong>do</strong> direito. Deste<br />

1163 Isto porque, à luz <strong>do</strong> disposto nos arts. 1268.º e 1270.º <strong>do</strong> CC, “o possui<strong>do</strong>r goza da presunção de<br />

titularidade <strong>do</strong> direito e deve ser manti<strong>do</strong> na sua posse enquanto não for convenci<strong>do</strong> na questão <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio” (cfr.<br />

REGO, Lopes <strong>do</strong>, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, ob. cit., p. 444).<br />

1164 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 12 de Julho de 1994, proc. 085299, in www.dgsi.pt, ao abrigo <strong>do</strong> qual “[A]<br />

alegada posse <strong>do</strong>s embargantes é inoperante contra o direito de propriedade <strong>do</strong>s executa<strong>do</strong>s, o que conduz à<br />

improcedência <strong>do</strong>s embargos de terceiro”. Vide, também, o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 20 de Março de 2000, in CJ, tomo II,<br />

2000, p. 22.<br />

CPC 1961.<br />

1165 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 29 de Abril de 1949, in RLJ, 82.º, p. 22.<br />

1166 Esta norma corresponde, com as devidas adaptações, à que se encontrava prevista no art. 1036.º <strong>do</strong><br />

349


350<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

mo<strong>do</strong>, até que seja proferida uma decisão final nessa causa — sen<strong>do</strong> certo que o objecto <strong>do</strong><br />

litígio passa da posse para a propriedade 1167 — o juiz deve ordenar a manutenção ou a<br />

restituição da posse <strong>do</strong> autor em sede de despacho sanea<strong>do</strong>r, o qual corresponderá a uma<br />

decisão de mérito da carácter provisório.<br />

5. EFEITOS DA SENTENÇA<br />

Determina o art. 358.º <strong>do</strong> CPC que a sentença de mérito proferida nos embargos<br />

constitui, nos termos gerais, caso julga<strong>do</strong> 1168 quanto à existência e titularidade <strong>do</strong> direito invoca<strong>do</strong><br />

pelo embargante ou por algum <strong>do</strong>s embarga<strong>do</strong>s, quan<strong>do</strong> seja invocada a exceptio <strong>do</strong>minii (art.<br />

1169 358.º <strong>do</strong> CPC) 1170.<br />

Na verdade, ao contrário <strong>do</strong> que sucedia no regime processual anterior à reforma de<br />

95/96, uma vez que actualmente os embargos de terceiro são configura<strong>do</strong>s enquanto incidente<br />

de intervenção de terceiros na modalidade de oposição, a questão material controvertida quanto<br />

1167 FREITAS, José Lebre de; MACHADO, A. Montalvão; PINTO, Rui, Código de Processo Civil Anota<strong>do</strong>, vol.<br />

2.º, Coimbra Editora, 2001, pp. 376 e 377.<br />

1168 A respeito da instituição <strong>do</strong> caso julga<strong>do</strong> como teleologia <strong>do</strong> processo judicial refere TEXEIRA DE SOUSA<br />

o seguinte: “Surge, desta maneira, como o meio por excelência para a satisfação <strong>do</strong>s interesses de cada um <strong>do</strong>s<br />

sujeitos processuais. Através dele o órgão jurisdicional obtém um valor incontroverso para a sua actividade<br />

decisória, mas é também nele que as partes encontram o instrumento adequa<strong>do</strong> à garantia das situações<br />

subjectivas que levaram a juízo” (SOUSA, Miguel Teixeira de, Sobre a Teoria <strong>do</strong> Processo Declarativo, ob. cit., p. 53.<br />

1169 Em senti<strong>do</strong> contrário ao previsto no processo civil português, o sistema processual espanhol não admite<br />

que a sentença proferida em sede de embargos de terceiro possa produzir efeitos de caso julga<strong>do</strong> em relação à<br />

titularidade <strong>do</strong> bem objecto de embargos. Na verdade, dispõe o art. 603. da LEC que “[L]a tercería de <strong>do</strong>mínio se<br />

resolverá por médio de auto, que se pronunciará sobre la pertenecia del bien y la procedencia de su embargo a los<br />

únicos efectos de la ejecución en curso, sin que produzca efectos de coza juzgada en relación con la titularidad den<br />

bien.”<br />

1170 Cfr., a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 3 de Dezembro de 2002, proc. 8278/2002-7, in www.dgsi.pt:<br />

“A sentença proferida no âmbito de embargos de terceiro deduzi<strong>do</strong>s contra a execução de manda<strong>do</strong> de despejo que<br />

reconheceu a embargante como arrendatária constitui caso julga<strong>do</strong> oponível àquele que, na pendência <strong>do</strong>s<br />

embargos, adquiriu a mesma fracção, atento o disposto no art. 271º <strong>do</strong> CPC”, bem como o Ac. <strong>do</strong> TRL, de 16 de<br />

Dezembro de 2003, proc. 9004/2003-7, in www.dgsi.pt: “Produz caso julga<strong>do</strong> material a sentença que no âmbito<br />

de embargos de terceiro reconheceu a embargante como transmissária da posição de arrendamento por<br />

falecimento da sua mãe.”


Fase contraditória <strong>do</strong>s embargos de terceiro<br />

à titularidade <strong>do</strong> direito de fun<strong>do</strong> que venha a ser invocada em sede de embargos de terceiro<br />

pode ficar definitivamente assente da<strong>do</strong> que estão presentes na causa to<strong>do</strong>s os interessa<strong>do</strong>s.<br />

Conforme se referiu supra, os embargos de terceiro, não obstante se encontrarem<br />

sistematiza<strong>do</strong>s enquanto incidente processual de intervenção de terceiros, revestem a natureza<br />

de uma verdadeira acção declarativa, pelo que a sentença que se vier a pronunciar sobre o<br />

mérito da acção produz de forma plena os seus efeitos de caso julga<strong>do</strong> material, situação que<br />

implica a impossibilidade processual da mesma questão de fun<strong>do</strong> poder vir a ser novamente<br />

apreciada em sede de acção declarativa 1171 .<br />

Note-se, contu<strong>do</strong>, que o efeito de caso julga<strong>do</strong> material da sentença apenas terá lugar<br />

quan<strong>do</strong> neles seja discutida a titularidade <strong>do</strong> direito de fun<strong>do</strong> 1172. Na verdade, se apenas for<br />

invocada a ofensa da posse, a decisão proferida em sede de embargos não produz qualquer<br />

efeito de caso julga<strong>do</strong> material uma vez que apenas se debruça sobre a manutenção ou o<br />

levantamento da penhora e se limita à apreciação da posse, nada obstan<strong>do</strong> a que o embargante<br />

proponha nova acção judicial autónoma de reconhecimento da titularidade <strong>do</strong> seu direito<br />

material 1173 .<br />

Por outro la<strong>do</strong>, importa salientar que a sentença proferida em sede de embargos de<br />

terceiro quanto à titularidade <strong>do</strong> direito de fun<strong>do</strong> só produz efeitos de caso julga<strong>do</strong> material se a<br />

titularidade desse direito for invocada em sede reconvencional. Não basta, por isso, a simples<br />

invocação da exceptio <strong>do</strong>minii, enquanto excepção peremptória, para que o tribunal reconheça,<br />

com força de caso julga<strong>do</strong> material, a titularidade desse direito de fun<strong>do</strong>. Na verdade, a<br />

exigência da dedução desse verdadeiro pedi<strong>do</strong> reconvencional resulta claramente da actual<br />

redacção <strong>do</strong> art. 357.º, n.º 2, <strong>do</strong> CPC: “(…) pedir o reconhecimento, quer <strong>do</strong> seu direito (…)” 1174.<br />

1171 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, FREITAS, José Lebre de, «Embargos de terceiro, acção de reivindicação e caso<br />

julga<strong>do</strong>», in Estu<strong>do</strong>s sobre Direito Civil e Processo Civil, Coimbra Editora, 2002, p. 476.<br />

1172 Cfr., a este propósito, o Ac. <strong>do</strong> STJ, de 29 de Novembro de 2001, proc. 01b3469, in www.dgsi.pt: “a<br />

sentença que reconheceu ao embargante o direito de propriedade sobre o prédio objecto <strong>do</strong>s embargos de terceiro<br />

constitui caso julga<strong>do</strong> contra o titular inscrito que, ten<strong>do</strong> compra<strong>do</strong> o prédio no decurso da acção, registou a compra<br />

posteriormente ao trânsito em julga<strong>do</strong> daquela decisão.”<br />

1173 Vide, nesse senti<strong>do</strong>, MARQUES, J. P. Remédio, Curso de Processo Executivo Comum à Face <strong>do</strong> Código<br />

Revisto, ob. cit., p. 344.<br />

p. 344.<br />

1174 Cfr. MARQUES, J. P. Remédio, Curso de Processo Executivo Comum à Face <strong>do</strong> Código Revisto, ob. cit.,<br />

351


352<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

No que concerne ao efeito jurídico da procedência <strong>do</strong>s embargos quan<strong>do</strong> tenham si<strong>do</strong><br />

deduzi<strong>do</strong>s contra a penhora de um bem, importa destacar que esse efeito consiste no<br />

levantamento da penhora que incidiu sobre o aludi<strong>do</strong> bem e não na extinção da acção executiva<br />

onde tal acto teve lugar 1175 . Nessa exacta medida, se o embargante, venci<strong>do</strong> em sede de<br />

embargos de terceiro onde tenha si<strong>do</strong> julgada a exceptio <strong>do</strong>minii em relação ao bem penhora<strong>do</strong>,<br />

vier a intentar uma acção de reivindicação entre as mesmas partes e com o mesmo pedi<strong>do</strong> e<br />

causa de pedir após o trânsito em julga<strong>do</strong> da sentença proferida em sede de embargos de<br />

terceiro, tal circunstância implicará a ofensa de caso julga<strong>do</strong>, deven<strong>do</strong>, consequentemente, o réu<br />

ser absolvi<strong>do</strong> da instância. Porém, tal já não sucederá se, em sede de embargos de terceiro, o<br />

tribunal não se chegar a pronunciar sobre a titularidade <strong>do</strong> direito de fun<strong>do</strong>, caso em que nada<br />

impede o embargante de intentar uma acção de reivindicação pela qual peticione a entrega da<br />

coisa de que foi esbulha<strong>do</strong> 1176.<br />

Saliente-se, por último, que se o tribunal decidir imediatamente quanto ao mérito <strong>do</strong>s<br />

embargos de terceiro sem observar o disposto nos arts. 354.º e 357.º <strong>do</strong> CPC — proferimento<br />

de um despacho de recebimento ou rejeição <strong>do</strong>s embargos e notificação das partes primitivas<br />

para apresentarem a respectiva contestação —, verifica-se uma nulidade processual por omissão<br />

de actos previstos na lei, deven<strong>do</strong> tal nulidade ser arguida no recurso interposto daquela<br />

sentença 1177 .<br />

1175 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRC, de 28 de Março de 2007, proc. 208-a/2002c1, in www.dgsi.pt.<br />

1176 Cfr., nesse senti<strong>do</strong>, FREITAS, José Lebre de, «Embargos de terceiro, acção de reivindicação e caso<br />

julga<strong>do</strong>», in Estu<strong>do</strong>s sobre Direito Civil e Processo Civil, ob. cit., p. 479.<br />

1177 Cfr. o Ac. <strong>do</strong> TRP, de 5 de Junho de 2001, proc. 0120573, in www.dgsi.pt.


Conclusões<br />

CONCLUSÕES<br />

I. Os embargos de terceiro consistem num meio de reacção contra a penhora ou uma<br />

diligência judicialmente ordenada de apreensão ou entrega de bens, com fundamento na ofensa<br />

da posse ou de um direito incompatível com a realização ou o âmbito de uma diligência de cariz<br />

executório, seja ela a penhora ou qualquer outra diligência judicialmente ordenada. Embora este<br />

incidente implique uma perturbação ao normal desenvolvimento da execução, implican<strong>do</strong>, em<br />

regra, uma ampliação subjectiva e objectiva da instância, o legisla<strong>do</strong>r não podia deixar de os<br />

admitir face à necessidade de tutela <strong>do</strong>s interesses de terceiros que se vejam ameaça<strong>do</strong>s ou<br />

ofendi<strong>do</strong>s pela execução.<br />

II. Constituin<strong>do</strong> o património <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r a garantia geral <strong>do</strong> cumprimento das suas<br />

obrigações, o cre<strong>do</strong>r tem o direito de o executar de caso de incumprimento voluntário da<br />

obrigação, facultan<strong>do</strong>-lhe o legisla<strong>do</strong>r a possibilidade de recorrer a uma acção executiva, cujo<br />

acto central constitui a penhora <strong>do</strong>s bens <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r. Se é certo que apenas está sujeito à<br />

execução o património <strong>do</strong> executa<strong>do</strong>, a verdade é que seria impraticável determinar, em cada<br />

caso em concreto e de forma absoluta e isenta de incertezas, se os bens que aparentemente<br />

pertencem ao deve<strong>do</strong>r integram efectivamente o seu património e se sobre eles existe algum<br />

ónus ou direito a favor de terceiro. Deste mo<strong>do</strong>, o sistema processual protege, em primeira linha,<br />

os interesses <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r exequente ao abrigo <strong>do</strong> princípio favor creditoris, na medida em que se<br />

permite a apreensão de bens que se julgue pertencerem ao executa<strong>do</strong>, relegan<strong>do</strong>-se para um<br />

momento posterior a possibilidade de um terceiro que tinha os bens na sua posse poder vir<br />

opor-se contra essa ofensa patrimonial. Ora, tal sistema, embora seja eficiente na tutela <strong>do</strong>s<br />

interesses <strong>do</strong> exequente, potencia a agressão de bens que não pertencem ao executa<strong>do</strong>, ou que,<br />

ainda que lhe pertençam, se encontram onera<strong>do</strong>s a favor de terceiros.<br />

III. Em termos nucleares, e não obstante a ampliação <strong>do</strong> seu objecto na sequência da<br />

reforma processual de 95/96, os embargos de terceiro caracterizam-se, fundamentalmente, por<br />

constituírem um meio de tutela possessória. De to<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong>, a tutela concedida à posse <strong>do</strong><br />

terceiro sobre o bem penhora<strong>do</strong> depende <strong>do</strong> seu destino após a venda executiva <strong>do</strong> bem,<br />

353


354<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

apenas relevan<strong>do</strong> para efeitos de tutela através deste incidente processual a posse que se deva<br />

manter após a venda executiva.<br />

IV. Com a reforma de 95/96 assistiu-se à redefinição <strong>do</strong> âmbito objectivo <strong>do</strong>s embargos<br />

de terceiro. Na verdade, embora a posse tenha permaneci<strong>do</strong> enquanto fundamento principal<br />

para a dedução <strong>do</strong>s embargos de terceiro, o legisla<strong>do</strong>r passou a admitir expressamente a<br />

protecção e discussão <strong>do</strong> direito de fun<strong>do</strong> neste incidente processual, através da susceptibilidade<br />

de recurso aos embargos de terceiro com vista à defesa de um direito incompatível com a<br />

penhora ou uma diligência judicial de apreensão ou de entrega de bens.<br />

V. Com efeito, ten<strong>do</strong> em conta a finalidade e o âmbito <strong>do</strong>s embargos de terceiro, a<br />

incompatibilidade <strong>do</strong> direito deve ser aferida em função da finalidade concreta que se pretende<br />

obter com a diligência ou o acto judicial, pelo que, estan<strong>do</strong> em causa a penhora de um bem, um<br />

direito será incompatível com essa diligência se esse direito prevalecer ou não dever caducar<br />

com a venda executiva. No entanto, o critério da incompatibilidade <strong>do</strong> direito com a realização ou<br />

o âmbito da diligência deve ser conjuga<strong>do</strong> com o interesse processual <strong>do</strong> terceiro quanto ao<br />

reconhecimento <strong>do</strong> seu direito, ou seja, um terceiro pode ter fundamento legal para embargar de<br />

terceiro, mas carecer de interesse processual em agir. Vale isto por dizer que um terceiro, ainda<br />

que reúna as condições necessárias para deduzir embargos, só terá interesse processual em<br />

fazê-lo quan<strong>do</strong> seja titular de um direito que, por ser incompatível com a realização ou o âmbito<br />

da diligência, não se extinga com a venda e seja necessário impor o reconhecimento da<br />

existência e titularidade desse direito em sede executiva.<br />

VI. A determinação <strong>do</strong>s direitos que permitem o recurso aos embargos de terceiro<br />

implica a análise <strong>do</strong> regime previsto nos arts. 819.º e 824.º <strong>do</strong> CC. Na verdade, se o primeiro<br />

permite delimitar o âmbito <strong>do</strong>s poderes de disposição <strong>do</strong> terceiro sobre a coisa penhora —<br />

cominan<strong>do</strong> com a ineficácia relativa em relação à execução <strong>do</strong>s actos de disposição, oneração<br />

ou arrendamento de bens penhora<strong>do</strong>s —, por sua vez o segun<strong>do</strong> determina quais os direitos que<br />

devem subsistir ou caducar em virtude da venda executiva e das respectivas finalidades dessa<br />

diligência. Nesta medida, não permitem a dedução de embargos de terceiro os direitos reais de<br />

garantia, porquanto, destinan<strong>do</strong>-se a assegurar o pagamento de um crédito, os respectivos<br />

cre<strong>do</strong>res encontram a satisfação <strong>do</strong> seu direito no esquema concursal da venda executiva. Por


Conclusões<br />

sua vez, no que concerne aos direitos reais de gozo, se o direito tiver si<strong>do</strong> regista<strong>do</strong> ou<br />

constituí<strong>do</strong> depois <strong>do</strong> registo ou constituição <strong>do</strong> arresto, da penhora ou da garantia, então o<br />

direito caduca com a venda executiva, porquanto os actos de alienação, oneração ou<br />

arrendamento de bens penhora<strong>do</strong>s são inoponíveis em relação à execução (art. 819.º <strong>do</strong> Cc).<br />

Porém, se o direito tiver si<strong>do</strong> regista<strong>do</strong> ou constituí<strong>do</strong> em data anterior ao registo ou constituição<br />

<strong>do</strong> arresto, penhora ou garantia, então esse direito não se extingue com a venda executiva,<br />

circunstância que permite ao titular deste direito deduzir embargos de terceiro contra a penhora<br />

<strong>do</strong> bem em sede executiva. Estan<strong>do</strong> em causa direitos reais de gozo que produzam efeitos em<br />

relação a terceiros independentemente de registo, então estes direitos não caducam com a<br />

venda executiva.<br />

VII. No que concerne ao seu âmbito subjectivo, a reforma processual de 95/96 veio<br />

alargar substancialmente a legitimidade activa para a dedução de embargos de terceiro, da<strong>do</strong><br />

que, por um la<strong>do</strong>, desvinculou-a da posse, admitin<strong>do</strong>-se, agora, que os embargos tenham por<br />

fundamento um direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, e, por outro,<br />

atribuiu-a a qualquer possui<strong>do</strong>r, seja ele em nome próprio ou alheio. Assim, um terceiro só<br />

poderá embargar desde que não seja parte na acção principal ou um sucessor jurídico da parte,<br />

ainda que, em certos casos, pudesse ser parte na causa por se encontrar obriga<strong>do</strong> no título<br />

executivo que serve de fundamento à execução. Por sua vez, no que respeita à legitimidade<br />

processual passiva, a necessidade de garantir o efeito útil normal <strong>do</strong>s embargos, isto é, a<br />

vinculação das partes primitivas em relação à sentença que neles vier a ser proferida e que<br />

condiciona, naturalmente, os interesses <strong>do</strong> exequente e <strong>do</strong> executa<strong>do</strong>, impõe a verificação de<br />

um litisconsórcio necessário passivo natural.<br />

VIII. Por último, no que se refere à sua natureza, embora os embargos de terceiro se<br />

apresentem processualmente qualifica<strong>do</strong>s e sistematiza<strong>do</strong>s enquanto incidente de intervenção<br />

de terceiros, a verdade é que este “incidente” aproxima-se da estrutura da acção judicial de<br />

natureza declarativa, revelan<strong>do</strong> uma autonomia e organização próprias relativamente ao<br />

processo de execução em relação ao qual os embargos correm por apenso. Com efeito, tal<br />

qualificação enquanto verdadeira acção declarativa resulta de três características essenciais. Os<br />

embargos de terceiro seguem uma tramitação própria, caracterizada pela complexidade <strong>do</strong>s<br />

seus termos e norteada pelos princípios basilares <strong>do</strong> processo civil. Por outro la<strong>do</strong>, este incidente<br />

355


356<br />

Embargos de Terceiro na Acção Executiva<br />

processual comporta diligências de natureza cautelar e declarativa, sen<strong>do</strong> certo que, para além<br />

da summaria cognitio quanto ao recebimento ou rejeição <strong>do</strong>s embargos de terceiro, o tribunal<br />

pode determinar a restituição provisória da posse a favor <strong>do</strong> embargante. Além disso, ainda que<br />

se apresentem como uma modalidade de oposição espontânea, é admissível a formulação de<br />

um pedi<strong>do</strong> de intervenção principal de terceiros, designadamente quan<strong>do</strong> seja necessário<br />

assegurar o efeito útil da acção, bem como a formulação de pedi<strong>do</strong>s de natureza reconvencional,<br />

na sequência da apreciação da titularidade <strong>do</strong> direito de fun<strong>do</strong>. Por último, o principal argumento<br />

a favor da natureza declarativa e autónoma <strong>do</strong>s embargos de terceiro reside no efeito <strong>do</strong> caso<br />

julga<strong>do</strong> da sentença que se venha a pronunciar sobre o mérito <strong>do</strong>s embargos de terceiro.


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