Franz Kafka com Felice Bauer, em Budapeste, 1917. - Academia ...
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O Processo, de <strong>Franz</strong> <strong>Kafka</strong> – Uma interpretação<br />
isto, teríamos de “<strong>com</strong>pletar” este “despertar”, reconhecendo os limites do<br />
erro para minimizá-lo.<br />
Só dessa forma seria possível, <strong>com</strong>o se indica a Joseph K. <strong>em</strong> O Processo, atingir<br />
a “absolvição t<strong>em</strong>porária” ou o adiamento da “pena” por toda a vida, já que<br />
“absolvição <strong>com</strong>pleta”, <strong>com</strong>o lhe diz Titorelli, o pintor, um dos muitos agentes<br />
da “Corte” que tentam esclarecer a “escuridão” de Joseph K., seria tarefa<br />
impossível para o hom<strong>em</strong> normal, imerso no fluxo do viver, <strong>com</strong> suas tensões,<br />
ações e decisões.<br />
Não há “inocentes”. Mas pode haver um aumento espantoso desta “culpa”<br />
se a negamos por considerar a vida normal um paradigma de decência e razoabilidade.<br />
Neste caso, por “vivermos <strong>com</strong>o todo mundo“, “s<strong>em</strong> fazer nada de<br />
errado”, <strong>com</strong>o diz Joseph K., estaríamos julgando <strong>com</strong>o “certo” o nosso equívoco,<br />
iniciando a jornada da perdição. Seria evidente a “culpa máxima” justamente<br />
porque o hom<strong>em</strong> espiritualmente opaco, obediente à “lei” da sociedade,<br />
sente-se confortável <strong>com</strong> o que faz.<br />
O probl<strong>em</strong>a da autoconsciência é colocado s<strong>em</strong>pre por uma crise. Mas a<br />
verdade é que n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre gera conseqüências. N<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre se “desperta”. Já<br />
se disse que o sorriso da plenitude é um privilégio do imbecil. Há homens, talvez<br />
a maioria, que viv<strong>em</strong> a vida <strong>com</strong> tanto poder de convicção que ficam imunes<br />
à razão e à não-razão, imunes à insegurança metafísica, preservados de dúvidas<br />
e angústias. Escapam. Jamais seriam “Josephs Ks”. Morr<strong>em</strong> s<strong>em</strong> saber<br />
que viveram, felizes consigo mesmos, aceitando os fatos “<strong>com</strong>o evidentes por<br />
si mesmos”. Seriam os “verdadeiros habitantes da terra”. Entre eles estão os<br />
camponeses indicados por <strong>Kafka</strong> <strong>em</strong> seu Diário ou os “normais” do mundo urbano,<br />
que andam por aí, aos milhões. Atravessam seu ciclo de vida imunes ao<br />
“saber corrosivo” da filosofia, da literatura, indiferentes ao amor, à história, à<br />
arte, ao assombro de Pascal ante a grandeza do Cosmos e a inexplicabilidade<br />
do Acaso. Na mesma categoria de irresponsabilidade existencial estariam os<br />
profissionais, os especialistas inseridos na classe média vulgar. Todos eles seriam<br />
incapazes de “ouvir as trombetas ressoantes do Nada”. 14 157<br />
14 Ver, para o t<strong>em</strong>a, Diários, vol. II. Barcelona: Editorial Lumen, 1975, pp. 203, 181 e 170.