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Franz Kafka com Felice Bauer, em Budapeste, 1917. - Academia ...

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Lêdo Ivo numa leitura dupla<br />

cia de que o po<strong>em</strong>a é um artefato, o produto de um determinado artifício; e a<br />

durabilidade ou posteridade do poeta depende de um agenciamento de sons,<br />

figuras, ritmos, rimas, cadências, imagens, música, significações geradas pelo<br />

encontro ou choque de palavras. [...] Assim <strong>com</strong>o não t<strong>em</strong>os um corpo (somos<br />

o nosso corpo) a poesia não t<strong>em</strong> uma forma. É a sua forma.” (págs. 99-100)<br />

No capítulo XVI, “A escada <strong>em</strong> espiral”, vai mais longe: “O conteúdo é uma<br />

invenção da forma. [...] A poesia é rigor e claridade. [...] Começo onde <strong>com</strong>eça a<br />

forma; e acabo onde ela se deforma ou se desintegra.” (págs. 118 e 119)<br />

Para obter tais resultados e efeitos (pens<strong>em</strong>os no que escrevera Poe sobre<br />

criar efeito), Lêdo lança mão de tudo a seu alcance, um alcance de cultura, de<br />

leituras. De Vinicius aos surrealistas, de Murilo aos franceses do século, entre<br />

ode e elegia, entre Dionísio e o canto metafísico, orgiástico ou elegíaco, o poeta<br />

absorve e reprocessa o passado, a tradição, faz-se cont<strong>em</strong>porâneo: “Vou s<strong>em</strong>pre<br />

além de mim mesmo /<strong>em</strong> teu dorso, ó verso”, diz <strong>em</strong> Cântico (1949).<br />

As lições continuam, são material para oficina de poesia, para notas de edição<br />

crítica de há muito devida ao poeta. Diz no capítulo XXVI das Confissões,<br />

“Intervalo”: “Como poeta, quero que ouçam também o meu silêncio e não<br />

apenas as minhas palavras.” (p. 170) Ele disse “ouçam”... Trata-se de poeta<br />

para qu<strong>em</strong> a música importa, <strong>com</strong>o <strong>em</strong> seu b<strong>em</strong> lido Verlaine: “De la musique<br />

avant toute chose.” Entre as sonoridades do velho francês e as explosões do adolescente<br />

Rimbaud circulou boa parte da aprendizag<strong>em</strong> vertiginosa de Lêdo<br />

Ivo. Que nos disse mais ainda: “A poesia é um sortilégio verbal que tanto pode<br />

ser produzido pelo rigor <strong>com</strong>o pelo excesso. [...] Poesia: a celebração do universo<br />

pela linguag<strong>em</strong>. [...] O poeta deve criar as suas próprias regras.” E também:<br />

“Regra, convite à transgressão.” (Confissões, p. 206)<br />

Em O Acontecimento do Soneto, de 1946, o excesso que antes poderia ecoar<br />

Claudel ou Vinicius, já é de Lêdo; faz-se rigor por vezes camoniano, mas o vocabulário<br />

já é de Lêdo. Esse é um dos traços mais instigantes da personalidade<br />

do autor. Sua capacidade invejável de transformar leitura alheia <strong>em</strong> escrita própria:<br />

“Não tenho influências, tenho convivências.” E ainda: “Só nos influencia<br />

aquilo que já está <strong>em</strong> nós mesmos.” (Confissões, págs. 230 e 297)<br />

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