Franz Kafka com Felice Bauer, em Budapeste, 1917. - Academia ...
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Maria João Cantinho<br />
co”, 31 o qual abre um campo imagético, a que chamamos, no caso llansoliano,<br />
a cena fulgor ou o Lugar, onde é abolido o t<strong>em</strong>po <strong>com</strong>o sucessão. Como nos chamou<br />
a atenção Manuel Gusmão, o confronto <strong>com</strong> Benjamin alarga-se à concepção<br />
de redenção da história e pode-se, aqui, aludir, mesmo, à imag<strong>em</strong> do<br />
anjo da história, 32 enquanto paralelismo de intenção. Abolir o t<strong>em</strong>po <strong>com</strong>o<br />
sucessão corresponde, também, à redenção dessas figuras / personagens “vencidas”<br />
da História. Não assistimos à contínua acumulação de ruínas e de morte,<br />
diante da impotência alucinada do anjo, mas estamos diante de um gesto de<br />
“reparação”, <strong>com</strong>o lhe chama o autor, citando a passag<strong>em</strong>: “O que sabíamos é<br />
que a história vive de quantos morr<strong>em</strong>. É um texto enlouquecido que se alimenta<br />
do sangue ambicioso e prazenteiro dos vivos. Por isso, os tirámos do<br />
t<strong>em</strong>po.” 33 Este gesto de deflagração do continuum do t<strong>em</strong>po é também o que,<br />
benjaminianamente, poderíamos designar por redenção, mediante a fulgurização<br />
da escrita. Todavia, essa “redenção” processa-se por uma série de operações<br />
de sobreposição dos t<strong>em</strong>pos, cuja expressão mais adequada encontramos<br />
no “devir <strong>com</strong>o simultaneidade”. A expressão “o devir <strong>com</strong>o simultaneidade”,<br />
além do reenvio para uma concepção cíclica do t<strong>em</strong>po e de um apelo à sobreposição<br />
t<strong>em</strong>poral (passado, presente e futuro), configura, ainda, a sugestão de<br />
“uma materialização de formas <strong>com</strong>o única manifestação do devir”. Como defende<br />
Silvina Rodrigues Lopes, 34 trata-se de uma “Dupla afirmação de matéria<br />
e t<strong>em</strong>po”, <strong>em</strong> que a palavra condensa o que de essencial se passa nas metamorfoses<br />
do humano. Isto é, as palavras assum<strong>em</strong> uma função nomeadora e<br />
poética, suspendendo também a continuidade do espaço, definindo uma geo-<br />
31 Cf. Paris, Capitale du XIXè Siècle. Paris: Éditons du Cerf, 1993, p. 491 [n. 9, 7]. Confrontando este<br />
texto <strong>com</strong> “Sur le Concept d’Histoire”, a noção de imag<strong>em</strong> dialéctica abre-se precisamente <strong>com</strong>o<br />
“encontro” entre o passado, o presente e o futuro. Veja-se o que afirma Benjamin, <strong>em</strong> Écrits Français<br />
(Paris: éditions Gallimard, 1991, pp. 348-349): “En se ramassant dans la forme d’un instant – d’une<br />
image dialectique – le passé vient alors enrichir la mémoire involuntaire de l’humanité [...] La<br />
mémoire involuntaire de l’humanité delivrée, ainsi faut-il définir l’image dialectique.”<br />
32 A imag<strong>em</strong> do angelus novus de Benjamin não é estranha a Maria Gabriela Llansol, que a ele alude <strong>em</strong><br />
O Começo de um Livro é Precioso. Lisboa: Assírio & Alvim, 2003, p. 123.<br />
33 O Senhor de Herbais. Lisboa: editora Relógio d’Água, 2002, p. 182.<br />
34 Cf. O Livro da Des-possessão, p. 58.<br />
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