Franz Kafka com Felice Bauer, em Budapeste, 1917. - Academia ...
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Lêdo Ivo numa leitura dupla<br />
já expressos nas Confissões e que me ajudam a elaborar umas poucas conclusões, que<br />
diante de Lêdo Ivo serão s<strong>em</strong>pre provisórias.<br />
Em toda a sua escrita, <strong>em</strong> verso e <strong>em</strong> prosa, aparec<strong>em</strong> preocupações e realizações<br />
essenciais à <strong>com</strong>preensão da própria obra. Ex<strong>em</strong>plos, o duelo entre excesso<br />
e rigor, mais a insistência <strong>em</strong> dizer que num está o outro. “Os críticos se habituaram<br />
a destacar o meu vigor, quando o mais acertado seria que eles atentass<strong>em</strong><br />
para o meu rigor e reconhecess<strong>em</strong> minha exatidão.” (p. 42) Cabe ressaltar que,<br />
para Lêdo Ivo, rigor não é verso curto e medido mas verso b<strong>em</strong> feito <strong>em</strong> qualquer<br />
metro, que exatidão é expressão <strong>com</strong>unicada, é beleza b<strong>em</strong> exposta.<br />
Um segundo duelo, que a poesia registra e resolve,éodaverdade versus mentira<br />
ou da realidade versus imaginação. Cito: “A função da literatura nãoéaderefletir a<br />
realidade, e sim a de criar uma realidade que só a linguag<strong>em</strong> t<strong>em</strong> condições de reproduzir.<br />
A literatura é a realidade da linguag<strong>em</strong> e não a realidade da vida, que se<br />
exprime através de uma des-linguag<strong>em</strong>.” (p. 30) “Os poetas e os escritores ment<strong>em</strong><br />
muito.” (p. 47) E adiante cita Shakespeare: “The truest poetry is the most feigning”,<br />
possível orig<strong>em</strong> do celebérrimo texto de Pessoa sobre o poeta ser um fingidor.<br />
Depoimento que os entusiasmos e as celebrações de seus versos estão a confirmar<br />
aparece no capítulo “Um clássico não chora”. Declara o poeta: “Para<br />
mim a criação poética é uma alegria. / é a felicidade / é o meu exercício de liberdade,<br />
a minha respiração espiritual.”<br />
Noutra ord<strong>em</strong> de coisas, seus t<strong>em</strong>as, que as autobiografias “explicam” e são a<br />
noite, desde o crepúsculo da ode do jov<strong>em</strong> poeta ao plenilúnio que titula seu mais<br />
recente livro. Noite mais noite que a noite de sonhos e s<strong>em</strong> insônias, noite que é<br />
abertura à magia da linguag<strong>em</strong> e ao cosmo cont<strong>em</strong>plado na peninsular Maceió de<br />
águas negras iluminadas pelo farol. “A noite escura é a minha claridade.” (p. 67) E<br />
é ainda a mulher, da iniciação sexual juvenil ao mais galante trovadorismo, da descrição<br />
visual e do erotismo s<strong>em</strong> limites à sublimação do sonetista.<br />
O mar é presença, vista e cheiro, é metáfora e vivência – Mar Oceano é título<br />
de livro (1983-1987) e expressa todas estas vertentes da palavra. Na página<br />
40, um dístico solto, a reinventar a imag<strong>em</strong> clássica de Manrique:<br />
O mar igual à proa dos navios<br />
bebe, morto de sede, a foz dos rios.<br />
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