Franz Kafka com Felice Bauer, em Budapeste, 1917. - Academia ...
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Nelson Mello e Souza<br />
Completamente fora do contexto realista de qu<strong>em</strong> enfrenta um caso de erro<br />
judiciário, antes sequer do primeiro inquérito, Joseph K. pensa <strong>em</strong> “suicidar-se”,<br />
aproveitando-se de um descuido dos guardas. 28 Pela janela, s<strong>em</strong>pre a<br />
“janela”, uma senhora idosa, símbolo maternal, observa a cena <strong>em</strong> silêncio, ao<br />
lado de um hom<strong>em</strong> igualmente idoso.<br />
Por que “suicidar-se” antes de tudo <strong>com</strong>eçar O fato nada t<strong>em</strong> de realístico.<br />
Envolve mais uma mensag<strong>em</strong> cifrada. O “despertar” significa algo impossível<br />
de suportar psicológica e moralmente. Daí o ímpeto do suicídio.<br />
Por outro lado, sua “prisão” t<strong>em</strong> toques especiais, <strong>com</strong>o lhe diz o “Inspetor”.<br />
Não é “prisão” coisa alguma, podendo prosseguir <strong>com</strong> suas atividades de<br />
s<strong>em</strong>pre. Mais ainda. A inquirição inicial é um escândalo de absurdos, <strong>com</strong> dois<br />
guardas vestidos de forma “irregular” entrando pelo quarto adentro de Joseph<br />
K. b<strong>em</strong> cedo pela manhã, <strong>em</strong> meio a um diálogo <strong>com</strong>plexo, sob as vistas curiosas<br />
do referido casal idoso; a primeira inquirição é ainda mais absurda. É feita<br />
por um “Inspetor” no quarto da vizinha de Joseph K., levando <strong>com</strong> eles três<br />
funcionários do Banco <strong>com</strong> o objetivo explícito de “ajudar<strong>em</strong>”. Ajudar<strong>em</strong> o<br />
quê, exatamente Pela janela entreaberta continuam a cont<strong>em</strong>plar a cena a mesma<br />
senhora, o mesmo hom<strong>em</strong> de jeito paterno, agora a<strong>com</strong>panhados por um<br />
tipo enorme, espáduas largas, possante, de barba pontiaguda, ruiva, que acaricia<br />
<strong>com</strong> vagar e gosto.<br />
É evidente a simbologia fálica, já presente no caso da “maçã” que Joseph K.<br />
<strong>com</strong>e ante os guardas.<br />
Pior ainda para a tese da “Corte <strong>com</strong>o ela é”, ou da sátira ao “autoritarismo<br />
moderno”, é a cena do local desse inquérito, o quarto da vizinha, a jov<strong>em</strong> Fraulein<br />
Burstner, codinome evidente para “<strong>Felice</strong> <strong>Bauer</strong>”. <strong>Kafka</strong> descreve este<br />
local. Está fora de qualquer padrão aceitável para uma “inquirição” judicial.<br />
Sua descrição nos dá inúmeras indicações da simbologia sexual.<br />
À época de <strong>Kafka</strong> esta simbologia, já presente no caso da “maçã”, era b<strong>em</strong><br />
discutida e conhecida pela psicoanálise freudina.<br />
28 Op. cit., p. 12.<br />
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