<strong>VI</strong> AS ARTES E AS CONFLUÊNCIAS INTERCULTURAIS...Esta noção de paradigma poderia ser bem a do fundo de diferenciações emque se inscreve o diálogo cultural a propósito d<strong>as</strong> <strong>artes</strong> e, em particular, o ca -minho de acesso ao que, concreta e historicamente, se dimension<strong>ou</strong> com<strong>ou</strong>ma enigmática do génio português…Don Carlos, Infante de Espanha, de Friedrich Schiller, no Teatro da Cornucópia,com Luis Miguel Cintra e Márcia BreiaA cena de um perante o <strong>ou</strong>tro... e dos muitos espectadores de mim-mesmo, <strong>ou</strong> de uma identidadecultural <strong>as</strong>sim encenada.Confronto, como se diz ser raro, porém, não menos significativo, o teatro obriga a um mesmoolhar sobre o drama diverso. Se o esforço da também rara metafísica situaria entre nós a remissãodo afrontar-se no plano celeste e pacificado de um face a face, no «teatro» geral d<strong>as</strong> <strong>artes</strong>persiste, de <strong>ou</strong>tro modo, muit<strong>as</strong> vezes, como estranheza esse «não saber quem sente em nós»(no eco de «A Múmia» de F. PESSOA...), até porque ao nível puramente estésico não se exigesujeito.De permeio, nesta «arquitectura» de um humano aquém <strong>ou</strong> além de nós, estranhamo-nosnuma identidade que se altera, tanto pelo diálogo que nos chegue de drama alheio, quanto pelatradução do íntimo imaginário de um <strong>ou</strong>tro que permita acolhê-lo.A arte serve de revelação da grande diferença entre a mera transformação – uma conhecida es -tra tégia estética de continuar sentindo, embora numa forma de o conceber diferente –, e a realmutação até dessa consciência. O «<strong>ou</strong>tro» não é <strong>as</strong>sim uma alteração minha, m<strong>as</strong> uma novaidentidade, ainda que no aparente da mesma <strong>ou</strong> singular cultura.206
Carlos H. do C. SilvaA capacidade de dizer não torna-se <strong>as</strong>sim imperiosa m<strong>as</strong>, na interculturalidade nossa, até odizer Pois não, quer dizer «sim», e, na versão br<strong>as</strong>ileira, o Pois sim, significa que «não»...Transformação que se vai, pois, entertendo, artística <strong>ou</strong> retoricamente, enquanto não haja mutaçãoem tal estética objectiva de auto-realização.A grelha «objectual» d<strong>as</strong> <strong>artes</strong> e sua mutaçãoÉ no fundo mítico, profético e religioso do homem português,é n<strong>as</strong> su<strong>as</strong> lend<strong>as</strong> áure<strong>as</strong>, é no seu criacionismoaberto e inacabado, é, digamos, na sua razão de ser <strong>ou</strong>na filosofia da sua presença activa na ecúmena, que opintor se inspira para a elaboração de tel<strong>as</strong>, onde amag nificência fica na exacta dimensão onírica doinconsciente colectivo de todo um povo e onde o luxoda cor, do desenho, do pormenor, dos conjuntos, não ésenão o produto da necessidade de um discurso simbólicoonde nada é aleatório e onde tudo pode ser lido atéaos acentos e às vírgul<strong>as</strong> (...).ANTÓNIO QUADROS,[Sobre os mitolusimos de Lima de Freit<strong>as</strong>] in Memóri<strong>as</strong> d<strong>as</strong>Origens, Saudades do Futuro – Valores, Mitos, Arquétipos, Idei<strong>as</strong>,Mem Martins, Europa-América, 1992, p. 209.<strong>As</strong> <strong>artes</strong> nem têm de ser referid<strong>as</strong> de acordo com aqueles géneros, cl<strong>as</strong>sificad<strong>as</strong>de forma costumeira, já que nos parece mais sintomático daquele fundode diferenciação civilizacional actualmente vigente, a mutação de escala, anova linguagem proxémica <strong>ou</strong> <strong>as</strong> form<strong>as</strong> divers<strong>as</strong> de inventar o espaço, seja na«cosmologia poética» ao modo ainda de uma rêverie 88 , seja na «engenharia»que faz descer a arte à biologia celular e molecular, que se refere à escala doátomo e da partícula em nanotecnologi<strong>as</strong> ainda do estético, m<strong>as</strong> também<strong>ou</strong>tros modos de estruturar o tempo e a vida 89 . <strong>As</strong> possibilidades tecnológic<strong>as</strong>ainda apen<strong>as</strong> entrevist<strong>as</strong> num domínio que vem pôr em causa a tradiçãocivilizacional dos modos básicos de viver, desde a alimentação e do vestuário,à habitação e à organização familiar, p<strong>as</strong>sando mesmo pel<strong>as</strong> form<strong>as</strong> deaprendizado e de transmissão da cultura, etc., podem ganhar expressõesprospectiv<strong>as</strong> no domínio d<strong>as</strong> <strong>artes</strong>, seja no referido imaginário até social 90 ,seja no contacto com instânci<strong>as</strong> ôntic<strong>as</strong> que excluem <strong>as</strong> preferentes mediaçõesdo logos 91 .207