<strong>VI</strong> AS ARTES E AS CONFLUÊNCIAS INTERCULTURAIS...Nota conclusiva: Diferenciação artística e complexidade temporalElo que efectua e liga <strong>as</strong> «diferenç<strong>as</strong>», tal «diferenciação»será o próprio acto de diferenciar, e <strong>as</strong>sim ela im -plica o ir dar-se à «diferença» e simultaneamente«diferir», «adiar», «protelar», <strong>ou</strong> «temporalizar» oque se enuncia, de modo que <strong>as</strong> vári<strong>as</strong> «diferenç<strong>as</strong>» seunifiquem do p<strong>as</strong>sado ao futuro e reversivelmente dofuturo ao p<strong>as</strong>sado, estabelecendo a unidade desse todoque é uma enunciação vocabular <strong>ou</strong> um discurso. A«di ferenciação» é portanto um inexistente elo de ligaçãoentre <strong>as</strong> vári<strong>as</strong> «diferenç<strong>as</strong>» e sobretudo o próprioefectuar-se da «diferença».VERGÍLIO FERREIRA,«No limiar da palavra/pensamento» [sobre Derrida],in Espaço do Invisível, II-Ensaios,Venda Nova, Bertrand, 1991, p. 83.Não há uma continuidade <strong>ou</strong> uma congruência unitária, algo que faça almejarainda uma «consciência planetária» 187 , m<strong>as</strong> descontínuos universos possíveisvislumbrados por uma totalidade de cultur<strong>as</strong> que implode até pela regionalidadede certo «fingimento» particular, relevando <strong>as</strong> tais pequen<strong>as</strong>ati tudes e incarnando no hic et nunc de determinada proposta estética 188 .Porém, pode supor-se que tudo isto liberta do l<strong>as</strong>tro histórico e acumulativod<strong>as</strong> cois<strong>as</strong> e dos objectos artísticos, já que tal virtualidade se dirige directa <strong>ou</strong>«in teriormente» aos sentidos e até a diferente psico-fisiologia da emoção e dainteligência estética 189 . O mundo «exterior», <strong>ou</strong> certo «realismo» de tal situação,pode ficar tão «meta-físico», quanto o foi o «mundo d<strong>as</strong> idei<strong>as</strong>» invisíveis,já que visível (ainda que não nessa transcendente realidade) fica o quese queira <strong>ou</strong> opte por visualizar, por sentir 190 . M<strong>as</strong> esta ficção que tem na distopia de Matrix a sua amarga ironia não deixa de nos ser afim, desde a deslocação do território vivido para o mundo imaginário d<strong>as</strong> descobert<strong>as</strong> e daexpansão no reino do distante 191 .A necessidade da arte (ainda que como hábito cultural adquirido e, portanto,secundária necessidade 192 ), a carência estética ao nível básico da qualidadesensível, seja no estímulo da cor e da figura, do som e do ritmo, do cheiro,do sabor, do tacto… 193 – e por muito que os contactos <strong>interculturais</strong> tragamco nsigo esse sabor, esse cheiro sedutor e insubstituível de certa experiênciaestética 194 – são ainda constrangimentos que desdizem o pólo criativo,246
Carlos H. do C. Silvavoluntarista e, até por isso, tant<strong>as</strong> vezes niilista, de um ímpeto criador queanula toda a obra e toda a possibilidade de fruição 195 . É conhecida a caracterizaçãoan ta gónica da sensibilidade p<strong>as</strong>siva <strong>ou</strong> receptiva, mesmo emtermos gnosiológicos 196 , e a capacidade de conceber e sobretudo na ordemprática e volitiva 197 , espontânea e activa: ora o que, ainda na interculturalidadeactual, se vislumbra é a inversão da sensibilidade em activa e d<strong>as</strong>form<strong>as</strong> inteligíveis e morais em p<strong>as</strong>siv<strong>as</strong> 198 . A nova dinâmica do humano,nesta arte virtual e de alteração também do seu sentir, fará dos sentidos umaespecial reflexibili dade, num ressalto de consciência estética que prescindeda forma dita au to nómica da inteligência racional, m<strong>as</strong> ora se percebe comoartifício derivado desta mais imediata forma de realização harmónica e volitivado sentir.Poder ver uma paisagem que é em grande parte verde, numa <strong>ou</strong>tra cor, querpelo dispositivo técnico dessa poiética 199 , quer mesmo pel<strong>as</strong> form<strong>as</strong> de alteraçãopsicofisiológic<strong>as</strong> e neuronais de tal consciência 200 , e não ser isso ummero arbítrio, m<strong>as</strong> até uma exploração de potenciais de consciência criativos,recriando o real… 201 – eis um simulacro do que em minori<strong>as</strong> muito esc<strong>as</strong>s<strong>as</strong> jáse entendeu, até entre nós, quer por via estética 202 , quer de filosofia espirituale até de experiência interior 203 , m<strong>as</strong> a que o caótico da interculturalidadee no âmbito da tecnociência pode vir a dar uma acrescida compreensão 204 .«O Marinheiro» de F. PESSOA, encenação no Teatro de Almada, 2008247