<strong>VI</strong> AS ARTES E AS CONFLUÊNCIAS INTERCULTURAIS...O domínio estético pode remeter para concepções de beleza <strong>ou</strong> de perfeiçãoideais que são muito típic<strong>as</strong> do uso da mente teorética e do predomínio consideradoimediato da «visão» como contemplação absoluta 103 , m<strong>as</strong> pode tam -bém aludir à poética do realismo do artefacto que, <strong>as</strong>sim, «mime» <strong>ou</strong> represen -te sensivelmente, podendo vir a ser menos tal obra-prima e aparentar meraextensão da mente <strong>ou</strong> sua objectivação 104 . Além disso, pode perspectivar-semais do lado da capacidade criadora e até no drama, entre a vontade e o fazer,de acordo com <strong>as</strong> su<strong>as</strong> resistênci<strong>as</strong> e inércia natural própria 105 , <strong>ou</strong> mais dolado do espectador, do consumidor…, que muit<strong>as</strong> vezes reduz a estranheza dacriação pela sua leitura simbólica, por qualquer <strong>ou</strong>tra gramática, moralização<strong>ou</strong> até aproveitamento político, catequético, etc. dessa arte 106 . Enfim, a artepoderá ser menos esta ordem de comunicação (e «mensagem») com tais polaridades do seu entendimento 107 e, <strong>ou</strong>trossim, como âmbito da expressão quetanja dimensões profund<strong>as</strong> <strong>ou</strong> sublimes, seja de um imaginário onírico, sejade experiênci<strong>as</strong> transcendentes <strong>ou</strong> até iluminativ<strong>as</strong> 108 ...A despeito do que Walter Benjamin antecipa sobre a potencialidade reprodutívelda fotografia, <strong>ou</strong> do que, não com menos objectividade, PierreB<strong>ou</strong>rdieu caracteriza nesta arte intermédia, poder-se-ia tomar esta modernatécnica como o horizonte ilustrativo deste pólo essencialmente apreciativo epara o diálogo intercultural ao nível dest<strong>as</strong> visões <strong>as</strong>sim valorativ<strong>as</strong>. Pois,como diz Sérgio Mah, a «lógica do encontro, do tirar fotografi<strong>as</strong>, é tendencialmentepreterida por uma lógica da convocação»: «Estamos na concepçãode um pensar em que o real surge de forma construtiva, no âmbito d<strong>as</strong> noss<strong>as</strong>form<strong>as</strong> discursiv<strong>as</strong> de conhecer; na ideia de que a linguagem é um elemento constitutivoda realidade, não um espelho. No fim do século, na sua excessiva abundância,a imagem fotográfica manifesta-se como alusão, estereótipo, confrontoirónico e ambíguo com realidades e imaginários reais/virtuais, i.e., a fotografia éinvestida no quadro de um convicto apelo à linguagem, à necessidade do fotógrafoconstruir, montar, reflectir o mundo como visualidade» 109 .Repare-se como este olhar gráfico e legível, tal a linguagem de uma intercultura,se deixa <strong>as</strong>sim fotografar, ainda que na variedade de perspectiv<strong>as</strong> justamenteimplícit<strong>as</strong> nesta maneira representativa (segundo a Vorstellung <strong>ou</strong> respectivoGestalt…) de caracterizar <strong>as</strong> relações culturais e estétic<strong>as</strong>.Donde que o plano cultural da sua leitura, quer pelo «preconceito» dos quadrosda sensibilidade, quer pelo âmbito moralizante do próprio projecto214
Carlos H. do C. Silvadatado da Estética 110 , se reconheça como dem<strong>as</strong>iado estreito e teoreticamentedesajustado, para o que sejam <strong>as</strong> possibilidades criador<strong>as</strong> d<strong>as</strong> <strong>artes</strong>, no contextoda sua poiética, no âmbito dos contactos <strong>interculturais</strong> a que Portugalestá sujeito.Por necessidade de síntese, podem elencar-se, a título exemplificativo e deforma esquemática, alguns desses contextos culturais que determinaram for -m<strong>as</strong> de apreciação e valorização específica d<strong>as</strong> <strong>artes</strong>, ao longo do tempo e,em particular, no quadro de diferenciação do diálogo cultural:NÚCLEOSCULTURAISÉPOCASDOMINANTESFORMASARTÍSTICASRELAÇÃOESTÉTICO--CULTURALAncestraise autóctonesPré-História, antesda nacionalidadeArtes paleolítica,neolítica, c<strong>as</strong>trense…Domínio técnicoe valor simbólicoInfluência principalgreco-latinaInfluência medievalcristã e semitaRen<strong>as</strong>cimentoe cultura europeiaMundializaçãopor colonizaçãoe por migraçõesLocal/globalTecno-culturaTradição histórica,médio-orientale clássicaÉpoca medievalÉpoca modernaÉpocacontemporânea,pós-iluministaPós-modernae actualOrganização doespaço, o cardo dacidade romana…Arte d<strong>as</strong> catedraise integraçãocanónica d<strong>as</strong> <strong>ou</strong>tr<strong>as</strong>manifestaçõesAutonomizaçãod<strong>as</strong> <strong>artes</strong>: pintura,música, literatura…Arte oriental,da América (latina),africana…Migrações eneocosmopolitism<strong>ou</strong>rbano…; artecibernética e étnica…Transformaçãoe <strong>as</strong>similaçãode form<strong>as</strong>Form<strong>as</strong>de integração <strong>ou</strong>de exclusão simplesConsciênciad<strong>as</strong> influênci<strong>as</strong> eregime de tolerânciaConfluênci<strong>as</strong>e miscigenizaçãoRelaçãode pluralizaçãoe de culturade alteridade <strong>ou</strong>diferenciaçãoImpõe-se um breve comentário a este esquema, aplicando ao que muito especialmenteem Portugal representa, não apen<strong>as</strong> a variedade histórica ancestralde form<strong>as</strong> de contacto e de cultur<strong>as</strong> em presença, m<strong>as</strong> um modo típico de215