ATENUAÇÃO DA TOXICIDADE DE VENENOSOFÍDICOS POR MEIO DA RADIAÇÃO IONIZANTEAs serpentes surgiram pela primeiravez durante o Cretáceo inferior, cercade 100 a 130 milhões de anosatrás, e pertencem à classe Reptilia(répteis), subclasse Lepdosauria, ordemSquamata, subordem Serpentes, grupoVertebrata (vertebrados).Os ancestrais das serpentes são oslagartos, dos quais elas foram perdendo osmembros ao longo do percurso da evoluçãobiológica.As serpentes compreendem cerca de3.200 espécies, das quais quase 50% sãovenenosas. A distribuição das serpentesvenenosas é vasta; estão ausentes naAntártida, Chile, algumas ilhas do Caribe,Madagáscar, Nova Zelândia e algumasilhas do Pacífico e do Brasil (Trindade,Fernando de Noronha) (Bruno Soerensen).Os venenos das serpentes são usadostanto para o ataque como para a defesa.Assim, eles contêm componentes que servempara imobilizar a presa, mas quetambém facilitam a digestão. Mais de 90%do peso seco do veneno são polipeptídeos,os quais incluem enzimas, toxinas e pequenospeptídeos (W.C.Bowman - SnakeToxins).Devido a esta alta complexidade dosvenenos, os acidentes por animaispeçonhentos constituem problema de saúdepública (Soerensen), nos países emdesenvolvimento, dadas a incidência, agravidade e as seqüelas deixadas nosacidentados.No Brasil, das 69 espécies venenosasexistentes, 32 pertencem ao gêneroBothrops, representado pelas jararacas, 6ao gênero Crotalus (cascavéis), 2 ao gêneroLachesis (surucucus) e 29 ao gêneroMicrurus (corais), sendo que a maior incidênciade acidentes é atribuída ao gêneroBothrops (87,5%), seguida pelos gênerosCrotalus (8,5%), Lachesis (3,2%) e Micrurus(0,8%), (Jorge & Ribeiro, 1990), resultandoem um alto índice de acidentes ofídicos,que ocorrem principalmente na área rurale na periferia dos grandes centros (20.000casos/ano).O único tratamento de eficácia comprovadanos casos de acidentes envolvendoserpentes é a soroterapia (Barraviera,1994), que consiste na administração, emtempo hábil, de anti-soros utilizando-sevia e doses adequadas. (Cupo et al., 1991).Os anti-soros consistem de uma soluçãorica em anticorpos antiveneno, concentradae ampolada, obtida a partir doplasma tratado com pepsina, seguido depurificação por precipitação com sulfatode amônio (Manual de VigilânciaEpidemiológica, IMESP, 1993). Estesanticorpos são obtidos a partir de inóculo,em cavalos, de amostras contra as quais sedeseja uma resposta imune.Por ocasião do acidente, o tratamentoconsiste da administração do anti-soroantiveneno monoespecífico, por viaendovenosa, o que garante maior rapideze eficiência na neutralização das toxinascirculantes (Cupo et al., 1991; Ribeiro et al.,1993). O número de ampolas a ser administrado,em geral, é calculado de acordocom o quadro clínico desenvolvido, ouseja, de 10 a 20 ampolas para os casosleves e moderados e acima de 20 para oscasos severos. Porém, quando a soroterapiaé tardia ou a quantidade de anti-soro nãoé suficiente para neutralizar todo o venenocirculante, as lesões e danos podem setornar irreversíveis, podendo resultar emóbito (Manual de VigilânciaEpidemiológica, IMESP, 1993).Os soros antiofídicos são produzidosem animais, geralmente cavalos, utilizando-seo veneno bruto como imunógeno.O cavalo, pelo seu grande porte, permite acoleta de grandes volumes de plasma,ricos em anticorpos antiveneno(Schvartsman, 1992). Contudo, estes animaisapresentam decaimento de sua resistênciaorgânica que pode resultar em óbito(10% dos animais utilizados na produçãode soro morrem durante o processo deimunização) devido à alta toxicidade doveneno e também pela utilização deadjuvantes (Ribeiro et al., 1993).Considerando-se que o rebanhoeqüino destinado para esta finalidade éescasso, e que a sua manutenção é onerosa,qualquer perda é econômica e clinicamentesignificativa. Uma outra alternativaque se tem estudado é o emprego deovinos na produção de soros, que têmapresentado uma melhor respostaimunológica quando comparados com oseqüinos (Sjostrom et al., 1994).Deve-se ressaltar também que, nocaso da imunização com veneno de serpentesdo gênero Bothrops, ocorre lesãono local do inóculo, debilitando o animal.Tal efeito, entretanto, não é observadoquando o animal é imunizado com oveneno submetido à radiação gama.Fonte de Cobalto-60, Gammacell 220(Atomic Energy of Canada Ltd.), onde é24 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento
feita a irradiação do veneno.Assim, estamos testando um novoesquema de imunização, em carneiros, eque envolve toxinas irradiadas. Com isto,poderemos diminuir o sofrimento do animal,obter uma melhor resposta e aindacontinuar utilizando os carneiros imunizadospara a extração da lã, uma vez que oveneno irradiado não promove qualquerdano tecidual no local do inóculo.Nossos estudos tiveram início na décadade 80, quando a produção de antisoros,no Brasil, sofreu uma queda considerável.Este declínio foi resultado dasuspensão da produção deimunobiológicos por laboratórios da redeprivada em 1984. Desde então, o Estado deSão Paulo comprou toda a produção nacionale responsabilizou-se pela distribuiçãoàs secretarias estaduais. As secretarias,por sua vez, passaram a ser responsáveispela distribuição em seu município e notificaçãodos acidentes ao Ministério daSaúde, e os pacientes passaram a recebero tratamento gratuitamente, quando atendidosnos centros de atendimentocredenciados (Ribeiro et al., 1993).Contudo, a escassez de anti-sorospara uso veterinário continua sendo umgrave problema. Os animais de raça, gadoleiteiro, de corte etc. ficam à mercê dosacidentes, uma vez que, no Brasil, a produçãode antivenenos ofídicos que é realizadapelo Instituto Butantan (SP), FundaçãoEzequiel Dias (MG) e Instituto VitalBrazil (RJ), sendo distribuído para todo opaís pelo Ministério da Saúde, destina-seexclusivamente ao uso humano.Com isto, tornou-se necessário o desenvolvimentode técnicas que melhorassema produção de anti-soros, no sentidode diminuir o sofrimento do animalsoroprodutor, assim como maneiras de seaumentar a produção destes anti-sorospara que seu uso pudesse ser estendido atodos aqueles sujeitos às picadas de serpentes,inclusive os animais domésticos.Vários trabalhos têm sido realizadoscom toxinas com o intuito de se obter umproduto menos tóxico, mas que preserve,no entanto, suas propriedadesimunogênicas e antigênicas originais, e,neste sentido, a radiação ionizante vemsendo empregada com muito sucesso.RADIAÇÃO GAMAA passagem de uma radiação eletromagnéticaou mesmo um fóton causaprojeção de um elétron de um átomo,resultando na criação de um par de íons,positivo e negativo. Esse fenômeno, chamadoionização, é o principal meio peloqual a energia da radiação ionizante étransferida para tecidos biológicos, sem,no entanto, produzir radioatividade. Sabeseque a energia absorvida a partir daradiação ionizante (raios gama) podeinativar material biológico por dois caminhos:direta ou indiretamente.O efeito direto ocorre quando o eventoprimário, isto é, a ionização, é produzidona própria molécula e tem maior probabilidadede ocorrer quando a substânciaé irradiada no estado seco. No efeitoindireto, observa-se a reação entre asmoléculas estudadas e os produtos deinteração da radiação com a água e outrossolventes. Desta maneira, quando um compostoé irradiado em solução, o efeitoindireto se associa ao direto.Exemplificando, enzimas puras em soluçõesmuito diluídas são inativadas poruma menor exposição aos raios gama doque a necessária para inativar preparaçõessecas ou contendo outros constituintes.Assim, a irradiação de proteínas emsolução aquosa tem sido utilizada, commuita freqüência, por proporcionar osmesmos efeitos da irradiação a seco, como uso de doses menores de radiação.Nestas condições, o efeito indireto é predominante,tornando as espécies reativasda água particularmente importantes.A irradiação da água pura ou desoluções muito diluídas gera espéciesmoleculares e radicais livres conforme asseguintes equações:A reatividade das espécies radicalhidroxila (OH.) e elétron aquoso (e-aq)formadas é tão grande que, entre 10 -14 e10-12 segundos, poderão colidir, formandoespécies reativas secundárias.O radical hidroxila é destacado comoimportante promotor dos danos àsmacromoléculas. Este reage com proteínas,principalmente pela abstração doshidrogênios do carbono alfa e de grupossulfidrilas, além de reagir com anéis aromáticosdo triptofano, tirosina efenilalanina, formando radicais altamentereativos.Os elétrons hidratados reagem comos hidrogênios dos aminoácidos aromáticosda mesma maneira que os radicaishidroxila, além de promover a desaminaçãode aminoácidos como alanina, arginina,glicina, histidina, cisteína, cistina e aromáticos.As lesões primárias, produzidas pelaabsorção de energia da radiação, emboradistribuídas ao acaso através de toda amolécula protéica, podem estabilizar-seem sítios favoráveis por transferência deenergia intramolecular e rearranjo.As reações iniciadas pelas espéciesreativas (OH. e e-aq) podem induzir mudançasna estrutura primária pela destruiçãode aminoácidos específicos e quebrade cadeias polipeptídicas; estruturas secundáriae terciária, pela desestabilizaçãode pontes de hidrogênio e sulfidrila, agregaçãoe desdobramento da molécula; equaternária, pela dissociação desubunidades. Estas mudanças estruturaispodem levar a modificações nas propriedadestóxicas, enzimáticas e imunológicascom conseqüente perda de atividade biológicadas proteínas (Butler et al., 1987).Os radicais livres, dentre os produtosoriundos do processo de absorção deenergia, têm importância particular. Umradical livre é um átomo ou uma moléculacom um único elétron do orbitaldesemparelhado, tem vida curta e altaprobabilidade de reagir com outro átomo,quer combinando seu elétrondesemparelhado com um elétron de outroátomo, quer pela liberação de um elétrondesemparelhado a outro átomo.Cada uma destas interações podemgerar íons adicionais ou radicais livres, e amaioria dos danos da radiação às moléculasorgânicas está associada com tais cadeiasde interações de radicais livres secundários(Butler et al., 1987) Estes radicaislivres, extremamente danosos àsmacromoléculas, podem entretanto sercapturados por substâncias denominadasscavengers, que conseguem seqüestrá-losdo meio onde se encontram, protegendoassim as macromoléculas.Dentre as espécies reativas produzidasdurante a irradiação, o radical hidroxilae o elétron hidratado têm maior importânciapor possuírem alto rendimento quandose utiliza a radiação gama de 60Co.O efeito final da irradiação de proteínasé diferente quantitativa e qualitativamente,de acordo com as condições deirradiação empregadas. Assim, ao se submeteruma amostra aos efeitos da radiaçãogama, alguns parâmetros devem ser analisados:condições físicas: fonte, dose, taxade dose, temperatura, amostras líquidasou cristalizadas. condições químicas: tipode solvente, concentração da amostra,<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 25