Além das tecnologias tradicionais,surgiu nas últimas décadas uma série denovas possibilidades de se obter respostaimune. Dentre estas, destacam-se o preparode peptídeos sintéticos, reproduzindoas estruturas dos antígenos contidosnos microrganismos e as técnicas deDNA-recombinante Estas novas técnicassurgiram em função da necessidade de seobter vacinas contra vários agentes, taiscomo o vírus do HIV, o agente dahanseníase, Chlamydia e protozoários,para os quais os métodos de preparo devacinas até então utilizados não produziramresultados satisfatórios.No caso dos peptídeos sintéticos, sãoselecionados os segmentos "essenciais"das proteínas indutoras da resposta imuneno vacinado e se prepara em laboratórioestes segmentos. Os resultados obtidosforam bastante variáveis, de acordocom o agente estudado, e uma extensaliteratura acumulada ao longo dos anosdemonstra os problemas surgidos e aspossíveis soluções. Dentre as dificuldades,podem ser destacadas a presença deestruturas espaciais nas proteínas, de difícilreprodução ao nível laboratorial, apresença de carboidratos como elementosestruturais essenciais em muitasglicoproteínas de origem viral e a necessidadede incluir na possível vacina váriossegmentos indutores de respostahumoral e celular, o que pode tornarinviável o produto pelo alto custo. Até omomento, nenhuma vacina de peptídeossintéticos está sendo usada de formageneralizada, sendo um produto propostocomo vacina contra malária aquele emque se acumulou maior número de informações.O consenso no entanto é de queeste produto ainda não está em condiçõesde ser utilizado.A tecnologia de DNA-recombinante,surgida no início dos anos 70, permite aadição de fragmento de ácido nucléicoem um hospedeiro e a expressão posteriorpelo hospedeiro das proteínas codificadaspelo fragmento introduzido. Dentresuas múltiplas aplicações, a produçãode vacinas atraiu o interesse depesquisadores, e, em relativamente poucotempo, obteve-se a expressão departe do genoma do vírus da hepatite Bem leveduras, o que veio a se constituirna primeira vacina de DNA-recombinante,como já assinalado. Vários tipos desubstratos celulares têm sido usados paraa transfecção dos segmentos escolhidos:bactérias como E.coli, leveduras e célulasde mamíferos. Em geral, o fragmentoé inserido em um plasmídeo, e este érepassado à célula, a qual se torna entãocapaz de gerar as proteínas a seremusadas na imunização.Além de células, podemos usar víruscomo receptores de fragmentos de ácidonucléico, e dentre os vírus humanos quetêm sido usados, destacam-se os davaccinia, poliovírus, herpesvírus, varicela,adenovírus, influenza, papiloma bovino,SV-40 e retrovírus. Entre os vírusanimais, assinala-se o vírus do grupopox de aves, e entre os vírus de insetos,o baculovírus tem sido utilizado em largaescala. Com isto, tornou-se possível obteruma resposta vacinal contra as proteínascodificadas pelo fragmento de outroagente, previamente inserido no vírus.Tem sido ainda descrita a deleção(ou inativação) de segmentos genômicoscomo um método de eliminar ou reduzira virulência de microrganismos, o quepermitiria utilizá-los para imunização,sem o risco de causar doença no hospedeiro.Estas tecnologias têm sido descritasprincipalmente em bactérias do gêneroSalmonella e com o vibrião colérico.Uma outra tecnologia merece ser mencionada,que é a inoculação, no indivíduoa ser imunizado, do ácido nucléicodo microrganismo contra o qual se querimunizar, ligado a um plasmídeo. Atravésmecanismos ainda não perfeitamenteconhecidos, é possível obter umaexcelente resposta humoral e celular, e,pelo menos, com o vírus da influenza,espera-se brevemente um produto paraavaliação a nível de campo.REALIDADES E PERSPECTIVAS NOBRASILNo início do século, e até a década de60, o Brasil foi capaz de absorver astecnologias existentes de preparo de vacinase chegou a ser modelo de país emdesenvolvimento, neste setor. Os institutosOswaldo Cruz, Butantan, Tecnológicodo Paraná, Vital Brazil e as fundaçõesAtaulfo de Paiva e Ezequiel Dias foramcapazes de fabricar praticamente a totalidadedas vacinas que eram utilizadasno país contra tuberculose (B.C.G.), varíola,raiva, sarampo, tríplice bacteriana(difteria, tétano, coqueluche) e febreamarela, esta última como o maior produtormundial, além dos soros contraanimais peçonhentos. Uma vacina desenvolvidano Instituto Oswaldo Cruz,contra a manqueira, doença animal eque esteve disponível para o público pormuitos anos, gerou recursos tão importantesque a proibição de sua venda, nosanos 30, contribuiu para uma crise financeiragrave na instituição. O adventode novas vacinas, em especial a utilizaçãode novas tecnologias, como a culturade tecidos e as técnicas de preparo degrandes volumes em fermentadores, levoua uma gradual perda de níveltecnológico, e passamos a importar vacinasem escala crescente. Conseguimosmanter nossa auto-suficiência apenasem relação às vacinas contra febre amarela,anti-rábica e B.C.G., e mesmo atríplice bacteriana, de tecnologia perfeitamenteconhecida, vem sendo importadadesde a década de 80, principalmentepor problemas no componente coqueluche,o que reduziu fortemente nossaprodução.O Programa de Auto-suficiência Nacionalem Imunobiológicos, lançado em1982, em momento de grave crise, quandoestavam faltando até mesmo sorosantiofídicos no país, os quais não podemser importados porque são específicospara nossas espécies de cobras,representou um substancial investimentonos produtores nacionais. Em tornode 70 milhões de dólares foram alocadosem nossas instituições governamentais,para recuperar pelo menos parte dacapacidade de produção perdida. O Programarecuperou laboratórios e permitiua construção de novas unidades de pro-42 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento
A produção de vacinas no próximoséculo será sem dúvida regido pelabiotecnologia, e nós não estamos preparadospara participar desta produção, naárea de vacinas humanas, com a mesmacapacidade que tivemos por mais dametade deste século que se encerra.Apesar do investimento em instalaçõese máquinas do Programa de Autosuficiência,falhamos no preparo denovos recursos humanos que deveriamter sido estimulados por programas dedesenvolvimento de médio e longo prazos,pela concessão de bolsas de treinamentoe programas de desenvolvimentoprofissional. Faltou igualmente atrair parao setor de desenvolvimento de vacinasnovos pesquisadores e tecnológos, atravésprogramas de financiamento de maisprojetos específicos para a áreatecnológica, a qual precisou disputarrecursos com outras áreas mais acadêmicas,com evidente desvantagem.Por outro lado, o mercado brasileirode vacinas, acrescido pelo Mercosul, éamplo, e temos uma grande tradição emexecutar campanhas de vacinação dealta qualidade, como as ações anuaiscontra a poliomielite, que chegam avacinar mais de 15 milhões de crianças,em um único dia. Correções no setorpodem ser feitas, em especial com ênfaseno preparo de recursos humanos e adisponibilidade de recursos financeirosespecíficos para projetos sobre novosprodutos e avanços tecnológicos nasvacinas existentes.A vacinação universal é compromissofundamental a ser alcançado no próximoséculo, existindo, portanto, amplomercado a ser conquistado. Não podemosaceitar o papel de importadores devacina, após termos sido auto-suficientespor décadas e investido tantos recursosda sociedade em nossos produtoresdo setor público.dução, como aquela em construção naFiocruz, para preparo de vacinasbacterianas, centralizando ainda todasas fases finais de produção das demaisvacinas produzidas na instituição. Conseguiu-seimplantar uma unidade paraprodução de vacina contra o sarampo,com tecnologia japonesa, e modernizaram-se,entre outras, as produções davacina anti-rábica, no Paraná, e da vacinaB.C.G., no Rio de Janeiro. Uma unidadede produção de vacina contra hepatiteB com uso de engenharia genética foiimplantada em São Paulo com tecnologiaobtida na Rússia, embora as quantidadesprevistas do produto sejam ainda inferioresàs nossas necessidades. Por outrolado, como se pode verificar da rápidarevisão apresentada, chegamos ao finaldo século com uma série de novosprodutos em desenvolvimento e umagrande mobilização internacional paraque se alcancem altos índices de vacinaçãono mundo, no próximo século.Como podemos avaliar hoje a situaçãode nosso parque produtor de vacinasde uso humano?O balanço não é favorável, a velocidadedas transformações tecnológicas edo surgimento de novos produtos contrastacom a lentidão do sistema públicoem decidir e em implantar suas decisões,esvaziando o poder dos gerentes dosprocessos; os sistemas de manutenção ereposição de equipamentos são burocratizados,atrasando compras e parandosetores e máquinas, e não há tradiçãona negociação de patentes nem na implantaçãode projetos associados a produtoresprivados. Estas associações, comunsna indústria de vacinas no setorprivado, têm-se mostrado de difícil implantaçãono setor público.<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento 43