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• HISTÓRIAS<br />
H ISTÓRIAS<br />
cURITIBANAS<br />
Portão 14<br />
“Atenção senhores<br />
passageiros do vôo 9376<br />
com destino a Guarulhos<br />
e conexões, seu embarque<br />
está sendo realizado<br />
pelo portão 14”.<br />
Já faz tempo que voar<br />
deixou de ser poesia, mas<br />
querendo ou não, aeroportos<br />
ainda reservam<br />
certo charme. Há tanto<br />
drama em suas esteiras,<br />
quanto silêncio em suas<br />
cadeiras e, embora embarcar<br />
em um avião já<br />
não seja mais tão elegante<br />
quanto antigamente,<br />
sempre haverá história na<br />
sala de embarque.<br />
Clara, por exemplo,<br />
não sabe precisar quando<br />
tudo começou. Não pôde<br />
assistir aos últimos dias da avó. Abraçou as duas filhas,<br />
Julia e Luciana, e não conteve as lágrimas. Em dez minutos<br />
embarcará para Brasília para seu primeiro encontro com<br />
a perda e saudade. Ela se desculpa “pelo descontrole” e<br />
pelas poucas palavras, se despede e segue viagem. Provavelmente<br />
será a última vez que a vejo, embora quisesse<br />
tentar consolá-la por mais algumas horas.<br />
Carlos, por outro lado, está feliz. Passou os últimos três<br />
meses na capital paranaense a trabalho e agora retorna para<br />
Recife. Sorri para todos os lados, com ou sem motivo plausível.<br />
Assim, graças a ele, esqueço um pouco os problemas<br />
e a dor transmitida por Clara é amenizada. Andando na<br />
ponta dos pés, após contar sua história (vai reencontrar<br />
sua futura esposa, pedi-la em casamento em Fernando de<br />
Noronha, terá três filhos e, quando se aposentar, passará<br />
os dias pescando), também se despede. Infelizmente não<br />
devo ter outra oportunidade de ver Carlos.<br />
Já Dona Marta é um espetáculo<br />
a parte. Começa<br />
confessando não crer em<br />
horóscopos, mas se oferece<br />
para ler o meu. “Qual<br />
seu signo?”, questiona.<br />
Deve ser um vício que não<br />
superou ou uma espécie<br />
de desafio cotidiano. Em<br />
seguida, ensina o segredo<br />
para um pão de queijo perfeito,<br />
enquanto reclama do<br />
“pedaço de borracha” que<br />
lhe custara R$8. Diz ainda<br />
que tem medo de voar,<br />
mas a saudade do filho lhe<br />
proporcionou “mais horas<br />
no ar que qualquer urubu<br />
velho”.<br />
Moradora do Bacacheri,<br />
está acostumada com<br />
barulho de aeronaves,<br />
mas indignada por não tirar uma sesta completa durante<br />
a semana “desde 1974”, quando se mudou para o bairro.<br />
Como o filho lhe espera na cidade maravilhosa, se despede<br />
com um beijo e segue viagem. Antes me convida para<br />
tomar “um café de verdade e não está água com pó” em<br />
sua casa, então espero vê-la novamente em breve.<br />
Talvez aeroportos sejam mesmo passíveis narrativas,<br />
já que sempre que vamos a algum esbarramos em diversas<br />
delas – pena que muitas vezes, pela pressa ou qualquer<br />
outro motivo, elas acabem passando despercebidas, enquanto<br />
nos restringimos a prestar atenção no sistema de<br />
som: “Atenção senhores passageiros do vôo 9376 com<br />
destino a Guarulhos e conexões, última chamada para<br />
embarque sendo realizado pelo portão 14”.<br />
Levanto da cadeira e, de repente, ao menos para mim,<br />
o Afonso Pena fica vazio.<br />
Texto: M.B. / Ilustração: Fernanda Domingues<br />
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