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Abril/2016 - Revista VOi 129

Grupo Jota Comunicação

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• HISTÓRIAS<br />

H ISTÓRIAS<br />

cURITIBANAS<br />

Portão 14<br />

“Atenção senhores<br />

passageiros do vôo 9376<br />

com destino a Guarulhos<br />

e conexões, seu embarque<br />

está sendo realizado<br />

pelo portão 14”.<br />

Já faz tempo que voar<br />

deixou de ser poesia, mas<br />

querendo ou não, aeroportos<br />

ainda reservam<br />

certo charme. Há tanto<br />

drama em suas esteiras,<br />

quanto silêncio em suas<br />

cadeiras e, embora embarcar<br />

em um avião já<br />

não seja mais tão elegante<br />

quanto antigamente,<br />

sempre haverá história na<br />

sala de embarque.<br />

Clara, por exemplo,<br />

não sabe precisar quando<br />

tudo começou. Não pôde<br />

assistir aos últimos dias da avó. Abraçou as duas filhas,<br />

Julia e Luciana, e não conteve as lágrimas. Em dez minutos<br />

embarcará para Brasília para seu primeiro encontro com<br />

a perda e saudade. Ela se desculpa “pelo descontrole” e<br />

pelas poucas palavras, se despede e segue viagem. Provavelmente<br />

será a última vez que a vejo, embora quisesse<br />

tentar consolá-la por mais algumas horas.<br />

Carlos, por outro lado, está feliz. Passou os últimos três<br />

meses na capital paranaense a trabalho e agora retorna para<br />

Recife. Sorri para todos os lados, com ou sem motivo plausível.<br />

Assim, graças a ele, esqueço um pouco os problemas<br />

e a dor transmitida por Clara é amenizada. Andando na<br />

ponta dos pés, após contar sua história (vai reencontrar<br />

sua futura esposa, pedi-la em casamento em Fernando de<br />

Noronha, terá três filhos e, quando se aposentar, passará<br />

os dias pescando), também se despede. Infelizmente não<br />

devo ter outra oportunidade de ver Carlos.<br />

Já Dona Marta é um espetáculo<br />

a parte. Começa<br />

confessando não crer em<br />

horóscopos, mas se oferece<br />

para ler o meu. “Qual<br />

seu signo?”, questiona.<br />

Deve ser um vício que não<br />

superou ou uma espécie<br />

de desafio cotidiano. Em<br />

seguida, ensina o segredo<br />

para um pão de queijo perfeito,<br />

enquanto reclama do<br />

“pedaço de borracha” que<br />

lhe custara R$8. Diz ainda<br />

que tem medo de voar,<br />

mas a saudade do filho lhe<br />

proporcionou “mais horas<br />

no ar que qualquer urubu<br />

velho”.<br />

Moradora do Bacacheri,<br />

está acostumada com<br />

barulho de aeronaves,<br />

mas indignada por não tirar uma sesta completa durante<br />

a semana “desde 1974”, quando se mudou para o bairro.<br />

Como o filho lhe espera na cidade maravilhosa, se despede<br />

com um beijo e segue viagem. Antes me convida para<br />

tomar “um café de verdade e não está água com pó” em<br />

sua casa, então espero vê-la novamente em breve.<br />

Talvez aeroportos sejam mesmo passíveis narrativas,<br />

já que sempre que vamos a algum esbarramos em diversas<br />

delas – pena que muitas vezes, pela pressa ou qualquer<br />

outro motivo, elas acabem passando despercebidas, enquanto<br />

nos restringimos a prestar atenção no sistema de<br />

som: “Atenção senhores passageiros do vôo 9376 com<br />

destino a Guarulhos e conexões, última chamada para<br />

embarque sendo realizado pelo portão 14”.<br />

Levanto da cadeira e, de repente, ao menos para mim,<br />

o Afonso Pena fica vazio.<br />

Texto: M.B. / Ilustração: Fernanda Domingues<br />

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