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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> inocência<br />
Emma Holly<br />
Edward Burbrooke e Florence Fairleigh têm duas coisas em comum: o mesmo<br />
advogado e um interesse urgente em encontrar à pessoa adequa<strong>da</strong> para<br />
seus respectivos planos. Edward necessita de uma mulher para casar com o<br />
seu irmão mais novo Freddy e acabar com o escân<strong>da</strong>lo que supõem as<br />
aventura homossexuais deste. Florence procura um marido amável, doce, e,<br />
sobre tudo, com uma suficiente fortuna para afastar dela para sempre o<br />
fantasma <strong>da</strong> pobreza. Com o que nenhum dos dois contava era com a tórri<strong>da</strong><br />
atração que surgirá entre eles, um desejo irrefreável que pode mu<strong>da</strong>r tudo.<br />
ELA PROCURAVA UM MATRIMÔNIO SEM AMOR<br />
Quando põe os pés em Londres, Florence tem em mente que não veio em<br />
busca de amor, mas sim de um marido que solucione sua vi<strong>da</strong>, e está<br />
disposta a empregar a metade <strong>da</strong> escassa herança que seu pai deixou para<br />
conseguir. O matrimônio de conveniência que propõe seu advogado com o<br />
jovem Freddy Burbrooke parece uma solução prática, quase ideal. Mas se o<br />
amor não entra em seus planos por que não pode evitar estremecer ca<strong>da</strong><br />
vez que está perto de Edward, o frio e distante irmão mais velho de Freddy?<br />
ELE CALCULOU TUDO, MENOS SUA PRÓPRIA E AVASSALADORA PAIXÃO...<br />
Desde muito jovem, Edward se viu obrigado a cui<strong>da</strong>r de seu querido irmão<br />
pequeno, e se converteu em um ver<strong>da</strong>deiro pai para ele. Eficiente e<br />
calculista, procurou inclusive uma esposa para proteger sua honra depois do<br />
último escân<strong>da</strong>lo. Mas Edward não tem tudo controlado. Possivelmente se<br />
não tivesse visto sua futura cunha<strong>da</strong> aquela tarde, se vestindo diante do<br />
espelho, poderia sair <strong>da</strong> sua cabeça. Mas agora, ca<strong>da</strong> vez que está perto<br />
dela, todo seu planejado esquema parece desmoronar diante de uma paixão<br />
que não conhece limites.<br />
Envio e Tradução: Gisa<br />
Revisão Inicial: Livia<br />
Revisão Fina: Lydia<br />
Formatação: Gisa<br />
Logo e Arte: Suzana Pandora<br />
200
Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
Tiamat – World<br />
Comentário <strong>da</strong> Revisora Livia: Não é tão HOT quanto estamos<br />
acostuma<strong>da</strong>s, mas eu adorei!<br />
Tem uma história muito lin<strong>da</strong>!! Amei!!!<br />
Comentário <strong>da</strong> Revisora Lydia: Um livro lindo... Um amor que faz<br />
pensar que tudo é possível... gostoso de ler nos dias de chuva. A.D.O.R.E.I<br />
Prólogo<br />
— Com um lacaio!— rugiu Edward. — O surpreenderam em seus<br />
aposentos com um lacaio?<br />
A ira o tinha impulsionado a se levantar atrás de sua mesa de trabalho.<br />
Apertando com força a beira do carvalho esculpido, como se com a pressão<br />
pudesse conseguir que a confissão de seu irmão se desvanecesse.<br />
Freddie estava afun<strong>da</strong>do em uma cadeira de couro vermelho com as<br />
pernas cruza<strong>da</strong>s enquanto olhava atentamente as unhas bem poli<strong>da</strong>s. Aquela<br />
atitude indiferente assentava bem o seu esqueleto esguio. Vestido com uma<br />
camisa de um branco deslumbrante e uma jaqueta bor<strong>da</strong><strong>da</strong> com muito bom<br />
gosto, era o menino encantador em pessoa, com suas delica<strong>da</strong>s extremi<strong>da</strong>des<br />
desajeita<strong>da</strong>s e sua beleza exibia uma espécie de desordem estiliza<strong>da</strong>.<br />
Entretanto, em seu rosto se adivinhava um evidente sofrimento. —São as<br />
panturrilhas —disse, em um débil intento de levar na brincadeira —. Jamais<br />
pude resistir a um homem com um par de pernas bonitas.<br />
Edward sentiu que algo apertava o peito. Voltou a se sentar, provocado de<br />
uma fraqueza acentua<strong>da</strong> nos joelhos.<br />
— Freddie, se eu pensar por um instante que você está falando sério, me<br />
abriria as malditas veias.<br />
Freddie elevou o olhar, claramente surpreso pelo tom de seu irmão. Abriu<br />
a boca e voltou a fechar. Agora, como se alertado por algo, deixou cair sua<br />
bota ao chão e secou as palmas <strong>da</strong>s mãos na perna <strong>da</strong> calça.<br />
— Certamente que não digo a sério — disse —. Já me conhece, me custa<br />
desperdiçar a oportuni<strong>da</strong>de de um gracejo. Chamemos demência passageira.<br />
Como se quisesse recuperar minha época de estu<strong>da</strong>nte, ou alguma tolice pelo<br />
estilo.<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
Edward tampou o rosto. Na rapidez <strong>da</strong> resposta de Freddie não diminuía<br />
em na<strong>da</strong> seu conflito interior. Pensou que jamais deveria ter enviado Freddie a<br />
Eton. Pouco importavam as gerações de varões Burbrooke que os tinham<br />
antecedido. Ele deveria ter sabido que um menino sensível como Freddie não<br />
sobreviveria aquele inferno <strong>da</strong> anarquia adolescente. Edward tinha dezessete<br />
anos quando tomou essa decisão, seus pais acabavam de falecer e ele se<br />
transformou no mentor absoluto de seu irmão de doze anos. Nesse momento,<br />
tinha acreditado que era necessário enviar Freddie a Eton porque, pensava, de<br />
outra maneira este não poderia assumir o lugar que correspondia na<br />
socie<strong>da</strong>de.<br />
Sentiu uma mão cáli<strong>da</strong> descansar em seu pescoço. Freddie tinha se<br />
aproximado de sua mesa.<br />
— Vamos, irmão —disse, pressionando bran<strong>da</strong>mente a nuca—. Não é tua<br />
culpa. Você nem sequer estava.<br />
Edward deixou escapar um suspiro e elevou o olhar. Sua expressão se<br />
endureceu.<br />
— Quem descobriu?<br />
Freddie fez uma careta. Com o dedo desenhou um círculo na superfície<br />
escura e lustrosa <strong>da</strong> mesa.<br />
--- Aí é que está o problema, temo. Foi o fazendeiro local, o convi<strong>da</strong>ram à<br />
festa porque Farringdon está endivi<strong>da</strong>do com ele até o pescoço.<br />
—Como se chama? —insistiu Edward, decidido a ficar com à tarefa de<br />
limpar aquele assunto.<br />
—Samuel Stokes.<br />
—O magnata <strong>da</strong> destilaria?— Freddie respondeu com uma careta.<br />
—Exatamente. Depois de ter obtido o título de Sir, fez um lugar na<br />
vizinhança a golpe de subornos. Segundo Farringdon, o tipo é um pouco careta.<br />
—Mas isso piora ain<strong>da</strong> mais as coisas! Se tivesse sido um dos nossos que<br />
te descobriu, poderia correr um rumor de “dizemos o que”, mas não<br />
ameaçariam te denunciando. Tem ideia do que poderia acontecer se levassem<br />
isto aos tribunais? Seria sua perdição!<br />
Freddie limpou a garganta.<br />
—A ver<strong>da</strong>de é que Stokes ameaçou me denunciar para o magistrado.<br />
Disse que era um mau exemplo para as classes inferiores.<br />
—Meu Deus.<br />
—Mas se retratou quando soube quem era meu irmão —seguiu Freddie,<br />
arqueando as sobrancelhas—. Aparentemente, é um homem respeitado no colo<br />
industrial, apesar de não ser na<strong>da</strong> mas do que um senhor elegante e inútil.<br />
— Ótimo —grunhiu Edward. Empurrando a cadeira para trás se levantar e<br />
fechou os olhos. Sentia pulsar as têmporas sob o peso <strong>da</strong>s expectativas de<br />
Freddie.<br />
—Talvez se deixaria subornar—sugeriu Freddie—. Poderia patrociná-lo para<br />
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que entrasse em seu clube.<br />
— Me reunirei com ele —anunciou Edward cravando em Freddie seu olhar<br />
mais severo—, e se cumprir as condições, considerarei a possibili<strong>da</strong>de de<br />
propor seu nome no White'S.<br />
—Mas, Edward...<br />
Edward o fez calar pondo a mão em seu largo ombro de jovenzinho.<br />
Freddie tinha sido campeão de remo na escola, capitão <strong>da</strong> equipe, admirado<br />
por todos os que o conheciam. Ain<strong>da</strong> o admiravam. Edward sabia que <strong>da</strong>ria seu<br />
braço direito para que isso não mu<strong>da</strong>sse. Seu irmão jamais se converteria em<br />
motivo de riso dos seus.<br />
—Freddie —disse—, <strong>da</strong>rei ao Stokes minha palavra de honra de que isto<br />
não voltará a acontecer, e confio em ti para que a promessa se cumpra.<br />
Freddie não desviou o olhar e, em reali<strong>da</strong>de, tampouco articulou uma<br />
palavra. Entretanto, tinha os lábios tão apertados que estes adotaram uma cor<br />
esbranquiça<strong>da</strong>.<br />
—Pode conseguir —continuou Edward, deixando que o afeto que sentia<br />
por seu irmão suavizasse suas palavras—. Só tem que se propor a isso; lembra<br />
quando foi o primeiro <strong>da</strong> classe em matemática? E quando aprendeu a na<strong>da</strong>r?<br />
Freddie sufocou uma gargalha<strong>da</strong>.<br />
—Aprendi a na<strong>da</strong>r por uma questão de puro terror.<br />
—Então volta a sentir o puro terror —disse Edward, suavizando ain<strong>da</strong> mais<br />
sua voz—. As pessoas não estão acostuma<strong>da</strong>s a ignorar este tipo de assunto, e<br />
menos ain<strong>da</strong> se não parar de esfregar na cara.<br />
Os olhos luminosos e azuis de Freddie se umedeceram com lágrimas não<br />
derrama<strong>da</strong>s. Inclinou a cabeça.<br />
—Não tinha a intenção de esfregar na cara de ninguém, especialmente de<br />
ti.<br />
Edward o atraiu para ele e o abraçou.<br />
— Eu sei. Mas chegou a hora de deixar estes jogos como coisa do passado<br />
—advertiu, e segurou Freddie pelos ombros—. Por que não se conforma com<br />
uma dessas jovens que debutam em socie<strong>da</strong>de e ficam suspirando quando o<br />
veem passar?<br />
—Não sei quem vai querer se relacionar comigo quando souberem —disse<br />
Freddie, com uma ameaça de sorriso torcido—. As mulheres que procuram<br />
marido já nem sequer desejam falar comigo. E considerando que, além disso,<br />
sou o irmão mais novo...<br />
—Idiotas —sentenciou Edward, fazendo ecoar um sorriso de Freddie—.<br />
Deveriam saber que eu jamais permitiria que passasse privações.<br />
Freddie deixou escapar um suspiro com expressão pensativa. Edward tinha<br />
tentado impedir que a dependência econômica de seu irmão se transformasse<br />
em um problema. <strong>Além</strong> de uma pequena proprie<strong>da</strong>de que sua mãe tinha<br />
deixado para seu filho menor, o controle <strong>da</strong>s proprie<strong>da</strong>des dos Burbrooke<br />
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estava integralmente nas mãos de Edward. Este tinha assegurado que Freddie<br />
jamais tivesse que pedir dinheiro aos outros, e este embora não era nenhum<br />
miserável, cui<strong>da</strong>va de viver dentro dos limites <strong>da</strong>s ren<strong>da</strong>s que recebia.<br />
Entretanto, a causa do suspiro de Freddie não era as limitações <strong>da</strong> condição de<br />
primogênito de seu irmão.<br />
—Escolher uma mulher que seja boa o bastante para ser sua cunha<strong>da</strong> não<br />
será fácil —disse.<br />
Edward riu e lhe deu uma palma<strong>da</strong> no ombro, embora em seu interior,<br />
onde se alimentava seu amor pelo Freddie, sabia que o perigo não tinha<br />
passado.<br />
Capítulo 1<br />
Com o rosto serio e mãos trementes, a senhorita Florence Fairleigh desceu<br />
do amontoado vagão para descobrir uma cena digna do hospital psiquiátrico<br />
do Bedlam. Uma multidão agita<strong>da</strong> de homens: operários, empregados e, aqui e<br />
lá, alguns cavalheiros com cartola, se empurravam uns aos outros a to<strong>da</strong><br />
pressa para chegar ao trem que ela acabava de descer. Por cima de sua<br />
cabeça, o teto <strong>da</strong> estação Euston se elevava com as duas vertentes de um<br />
telhado de celeiro, e seus vidros manchados de fuligem filtravam a luz do sol e<br />
lhe <strong>da</strong>vam uma textura aquosa mais própria do entardecer que do meio-dia.<br />
Sob seus pés..., bem, sob seus pés o chão não parecia ain<strong>da</strong> de todo sólido.<br />
Franzindo o cenho, alisou o enrugado vestido negro de alepín. Nenhuma<br />
<strong>da</strong>quelas observações tinha haver com os seus objetivos. Seu objetivo era seu<br />
futuro e não a deteriam os medos próprios de uma senhorita. Virou para olhar<br />
a sua companheira. Lizzie, uma cria<strong>da</strong> faz tudo dos Fairleigh, seguia agarra<strong>da</strong> à<br />
porta do vagão, cuja sujeira ameaçava <strong>da</strong>nificar as melhores luvas brancas de<br />
sua proprietária. Um velho vestido rosado de Florence, outra dos objetos que<br />
tinha emprestado, folga<strong>da</strong> na frágil ossatura de Lizzie. Aos seus dezesseis<br />
anos, já quase cresci<strong>da</strong> de tudo, a cria<strong>da</strong> não representava mais de doze anos.<br />
Em reali<strong>da</strong>de, pensou Florence, a única vantagem de viajar com uma<br />
pessoa mais tími<strong>da</strong> que ela mesma era que serviria para fazê-la mais forte.<br />
Agora fortaleci<strong>da</strong> com um gesto ordenou Lizzie a descer.<br />
— Tudo bem, é seguro —disse com to<strong>da</strong> a firmeza de que poderia reunir.<br />
Com uma expressão de inquietação não dissimula<strong>da</strong>, Lizzie baixou, com<br />
passos inseguros, como se o trem fosse um dragão que haveria de oferecido,<br />
embora sem acabar de decidir, a expulsar momentaneamente de suas<br />
vísceras.<br />
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— Oh, senhorita —disse, com um suspiro de assombro—, que<br />
impressionante é Londres.<br />
— Você tem que me chamar de senhorita Fairleigh —corrigiu Florence,<br />
agarrando Lizzie pelo braço para guiá-la no meio <strong>da</strong> agitação <strong>da</strong> estação—.<br />
Como corresponde uma jovem com a sua senhora.<br />
Essa era a história que ambas tinham combinado, porque Florence não<br />
podia viajar sem uma acompanhante, e era muito difícil imaginar uma<br />
acompanhante menos imponente que Lizzie Thomas. Com seu vestido escuro e<br />
desbotado, Florence pensava que seu próprio aspecto se parecia muito ao de<br />
uma governanta, embora pelo largura <strong>da</strong>s mangas e o volume do busto não<br />
parecia muito elegante. Na penumbra do vagão, tudo tinha transcorrido sem<br />
problemas. Entretanto, quando tinham desembarcado nas sucessivas estações<br />
para se abastecer de água entre Lancashire e Londres, Florence tinha sido<br />
objeto de olhares curiosos.<br />
Aparentemente, nem sequer uma governanta passava despercebido aos<br />
olhares masculinos.<br />
—Oh, senhorita —disse Lizzie, a tirando de seus devaneios—, quero dizer,<br />
senhorita Fairleigh, Como vamos saber aonde temos que ir?<br />
—Seguiremos as pessoas —disse Florence—. A seguro que se dirigem à<br />
rua.<br />
Foi necessária uma breve discussão para convencer Lizzie que não era ela<br />
quem devia carregar a bagagem de Florence. Uma vez solucionado o<br />
problema, logo se encontraram sob o monumental arco dórico <strong>da</strong> entra<strong>da</strong>. Para<br />
desilusão de Florence, a multidão no interior <strong>da</strong> estação não fez mais do que<br />
aumentar no exterior. Ali a confusão se multiplicava, entre os carros e<br />
carruagens pesa<strong>da</strong>s, entre vendedores ambulantes que anunciavam suas<br />
mercadorias aos gritos e um penetrante aroma, mesclado de pátio de estábulo<br />
e de fogo apagado do dia anterior. Florence não tinha nem a menor ideia de<br />
como avançar através desse tumulto.<br />
Quando já havia engolido algumas lágrimas, um moço esfarrapado<br />
segurou na manga do seu casaco. Florence viu uns olhos enormes em um rosto<br />
sujo mas de expressão tão astuta que, por um momento, teve medo. Levou a<br />
mão a sua bolsa.<br />
—Necessitam de uma carruagem? —ofereceu o moço—. Posso buscar um<br />
por um centavo.<br />
—Um centavo? —exclamou Lizzie, que sentiu que seu gênio recuperava<br />
vi<strong>da</strong> para ouvir essa proposta de saque de seus recursos—. O chamará por um<br />
quarto de centavo, patife.<br />
Florence sorriu ao ver sua indignação.<br />
—Um centavo está bem —disse—, mas pagaremos depois de subir na<br />
carruagem.<br />
Isto pareceu justo ao rapaz, que se mostrou zeloso em sua missão. Depois<br />
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de uns minutos, Florence e Lizzie subiam a uma elegante carruagem. Florence<br />
deu a direção ao condutor, direção que este conhecia. Após de uma breve<br />
espera para entrar no fluxo do tráfico, se uniram ao fluxo de carruagens e de<br />
ruidosos bondes de dois an<strong>da</strong>res. Uma vez que o condutor ia sentado em uma<br />
boleia situa<strong>da</strong> na parte traseira <strong>da</strong> carruagem de duas ro<strong>da</strong>s, suas passageiras<br />
tinham uma clara perspectiva de tudo o que acontecia. Florence tentava<br />
manter a digni<strong>da</strong>de, mas Lizzie estava francamente boquiaberta.<br />
—Olhe, senhorita! —exclamou, apontando para os famosos terraços de<br />
Bedford Square—. Olhe a governanta com o seu avental—. Não parece a coisa<br />
mais elegante que jamais tenha visto?<br />
Por sua parte, Florence tomava cui<strong>da</strong>dosamente nota do sólido e clássico<br />
perfil do British Museum atrás <strong>da</strong>s colunas. Embora não conseguisse na<strong>da</strong> com<br />
essa horrível viagem, prometeu a si mesma que veria os mármores do Elgin.<br />
O carro continuou até o Strand. Para Florence a área comercial era como<br />
uma mistura de multidões e sujeira, mas ain<strong>da</strong> assim, emocionante. Sentia<br />
leves calafrios no couro cabeludo enquanto olhava ao seu redor. Todos ali<br />
tinham um ar de estar ocupados com algo. Era como se não vissem a cúpula<br />
doura<strong>da</strong> de São Pablo, elevando atrás <strong>da</strong> névoa carrega<strong>da</strong> de fuligem, como<br />
uma aparição mágica. Todo mundo estava preocupados de seus assuntos,<br />
supôs Florence, acostumados já com às maravilhas <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. Talvez algum dia<br />
ela também se acostumaria.<br />
Enquanto se entregava a estes peculiares devaneios, entraram em uma<br />
rua menor pavimenta<strong>da</strong> e se detiveram ante a um edifício estreito com uma<br />
facha<strong>da</strong> de tijolo mancha<strong>da</strong> de fuligem.<br />
— Chegamos, senhoritas —disse o condutor.<br />
Florence sentiu que o coração, que tinha se acalmado durante a travessia,<br />
voltava o seu ritmo galopante. Apertou contra o peito uma luva umedeci<strong>da</strong><br />
pelo suor. Tinha chegado o momento em que se decidiria seu futuro, e esse era<br />
o lugar onde seus sonhos se cumpririam ou se fariam pe<strong>da</strong>cinhos. Respirando<br />
devagar, contou um número assombroso de moe<strong>da</strong>s que tirou de sua carteira e<br />
ajudou a descer a sua suposta donzela.<br />
Uma pequena placa no muro declarava que o edifício pertencia ao “Senhor<br />
Mowbry, Procurador”, assim Florence ergueu os ombros e tocou a campainha.<br />
Abriu a porta um homem de aspecto robusto e de i<strong>da</strong>de média que coçava a<br />
barba e era vesgo. Usava com uma jaqueta marrom de tweed aberta à altura<br />
<strong>da</strong> barriga. A julgar pelo grosso relógio de ouro que brilhava em seu colete, a<br />
jogo com a jaqueta, Florence deduziu que devia se tratar do senhor Mowbry.<br />
—Senhorita Fairleigh? —inquiriu este, lançando um olhar de dúvi<strong>da</strong> que ia<br />
de uma mulher à outra.<br />
Florence se ruborizou, entendendo sua expressão que seu aspecto devia<br />
ser um pouco elegante.<br />
— Eu sou a senhorita Fairleigh — disse, e estendeu a mão. O advogado<br />
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apertou com uma pita<strong>da</strong> de vergonha —. Por favor, perdoe nosso aspecto.<br />
Viemos diretamente <strong>da</strong> estação para vê-lo . Eu sei que essa pressa é um pouco<br />
incomum, mas queremos concluir rapi<strong>da</strong>mente o nosso assunto.<br />
A consciência <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de obter um resultado favorável era tão<br />
marcante que a voz tremeu na palavra final. Dado ao tom delatora, o senhor<br />
Mowbry respondeu com um sorriso amável.<br />
—Certamente —disse, fazendo passar amavelmente—. Não tenho<br />
nenhuma dúvi<strong>da</strong> de que me agra<strong>da</strong>rá fazer tudo o que esteja em meu poder<br />
pela filha de meu velho amigo.<br />
Uma vez dentro, Florence olhou ao seu redor com curiosi<strong>da</strong>de. O escritório<br />
do senhor Mowbry era pequeno mas organizado. O revestimento <strong>da</strong>s paredes<br />
brilhava com um brilho recente, as estantes estavam cheias de grandes<br />
volumes emaranhados com papel vitela, e o tapete turco escuro não mostrava<br />
o mais mínimo sinal de desgaste, todo o qual parecia de bom presságio para as<br />
expectativas de Florence. A tensão em seus ombros relaxou quando serviram o<br />
chá e o advogado apresentou suas condolências. Lizzie foi instala<strong>da</strong> com a<br />
cria<strong>da</strong> de limpeza em uma pequena sala que <strong>da</strong>va ao salão e sabendo que não<br />
deveria ampliar mais a sua explicação, Florence abordou o objetivo de sua<br />
visita.<br />
—Como procurador de meu pai —começou—, sabe que me deixou uma<br />
pequena herança.<br />
O senhor Mowbry assentiu com um gesto <strong>da</strong> cabeça.<br />
—Assim é. Impressionou-me a maneira tão conservadora em que se tem<br />
feito uso dela. Muitas jovens não teriam sido tão sensatas.<br />
—Sim —disse Florence, e retorceu as luvas que segurava no seu colo.<br />
Temia que quando o senhor Mowbry escutasse seu plano, não continuaria<br />
chamá-la de sensata. E continuou com dificul<strong>da</strong>de—. Fui prudente nos seis<br />
meses que passaram <strong>da</strong> morte de meu pai, mas cheguei a entender que o<br />
dinheiro não durará muito tempo. Não culpo a meu pai. Era um homem<br />
amável, e sua posição como pároco o obrigava a incluir em certos gastos<br />
sociais. Em reali<strong>da</strong>de, como não <strong>da</strong>va conta dos gastos deste ou <strong>da</strong>quele<br />
pequeno luxo, acreditava que conseguiria reservar algo <strong>da</strong>s minhas<br />
mensali<strong>da</strong>des para a casa. Permiti que continuasse acreditando porque era um<br />
homem bom e carinhoso, e porque não queria que se preocupasse. Mas agora<br />
já sacrifiquei tudo o que posso sacrificar, com a exceção de Lizzie, a quem não<br />
me atrevo a despedir embora renunciasse a ela, porque é órfã como eu, e não<br />
sei o que seria dela.<br />
— Eu entendo —disse o senhor Mowbry. O sorriso que aparecia em seus<br />
lábios desmentia seu tom sério. Abriu os braços e deu uns golpes suaves nos<br />
extremos de sua mesa—. Perdoe-me por ser tão atrevido, senhorita Fairleigh,<br />
mas você é uma jovem muito atraente. Não acredita que poderia se casar<br />
antes que acabe o dinheiro?<br />
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—Essa é minha intenção —respondeu ela, esforçando em manter a voz<br />
serena—. O que acontece é que eu quero... Possivelmente é uma atitude<br />
egoísta, mas queria me casar dignamente. Em meu povoado só há um<br />
cavalheiro que poderia considerar como pretendente, e sua intenção é que doe<br />
o dinheiro de papai a uma socie<strong>da</strong>de e que o acompanhe em seu trabalho<br />
pastoral na África. Estou segura de que se trata de uma ocupação digna, e se<br />
fosse qualquer outro homem, poderia contemplar a possibili<strong>da</strong>de, mas ele é...<br />
é...<br />
—Um santarrão consumado? —sugeriu o senhor Mowbry.<br />
—Sim, assim é —conveio ela, ruborizando violentamente ante aquela<br />
franqueza, embora sem intenção de contradizê-lo.<br />
—Então tem que vir a Londres, onde os cavalheiros são muitos e variados.<br />
—Sim —disse ela, e se inclinou com gesto decidido em sua cadeira—. Ouvi<br />
dizer que aqui há mulheres que, depois do pagamento de uma certa soma,<br />
patrocinam durante uma tempora<strong>da</strong> moças jovens sem relações, só se<br />
preocupam de que vão acompanha<strong>da</strong>s e as apresentam a homens<br />
respeitáveis. Estaria disposta, se você pudesse me recomen<strong>da</strong>r a uma pessoa<br />
desse tipo, a destinar até a metade de minha herança a essa empresa.<br />
O senhor Mowbry abriu a boca para falar mas, pela primeira vez em sua<br />
vi<strong>da</strong> adulta, Florence interrompeu a um cavalheiro. Esse era o ponto chave <strong>da</strong><br />
questão e o senhor Mowbry tinha que entender o que ela desejava antes de<br />
deixá-lo entrar em cena.<br />
—Não quero propor muito alto — assegurou—. Conformaria-me com um<br />
filho mais novo. Inclusive com um comerciante. Já sei que não tenho uma<br />
formação muito eleva<strong>da</strong>. Um pouco de música e um pouco de francês é quão<br />
único posso alegar em meu favor. Entretanto, como você já disse, sou uma<br />
mulher atraente e ninguém nunca se queixou de minhas maneiras. Não espero<br />
amor, a não ser só ser trata<strong>da</strong> com carinho. E mais que algo, desejo não ter<br />
medo, saber que sempre terei um teto e que será meu teto, não o de um<br />
anfitrião indiferente ou de um amigo compassivo.<br />
—E desejo —disse, para concluir, ocultando as mãos trementes nas dobras<br />
<strong>da</strong> saia—um pouco de segurança.<br />
O senhor Mowbry tinha ouvido tudo aquilo com uma expressão de intensa<br />
concentração. De fato, era tão intensa que Florence custava sustentar seu<br />
olhar.<br />
—Hmm —disse agora, golpeando nos lábios com as mãos cruza<strong>da</strong>s—.<br />
Acredito, senhorita Fairleigh, que você subestima seus encantos. Certamente,<br />
sua modéstia a honra, e honra tanto como sua atração —O senhor Mowbry<br />
depois de se levantar, começou a passear de um lado para o outro <strong>da</strong><br />
prateleira com portas de vidro.<br />
Sua energia impressionou Florence, com a evidente serie<strong>da</strong>de de sua<br />
explicação. Agora ouviu murmurar para si, com frases como “sim” e “é a<br />
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pessoa indica<strong>da</strong>” e “o mais delicado, se abor<strong>da</strong><strong>da</strong> de maneira adequa<strong>da</strong>...”<br />
Enquanto o observava, Florence soube que seu pai tinha acertado chamá-lo de<br />
o Agudo senhor Mowbry. Se havia alguém que pudesse facilitar o caminho para<br />
seu futuro, esse era o homem.<br />
Finalmente, se deteve em meio de seu passeio e virou para olhá-la.<br />
—Acredito que encontrei uma solução —disse e elevou as mãos para se<br />
adiantar a uma pergunta que ela não teve a coragem de formular—. Não<br />
prometo na<strong>da</strong>, senhorita Fairleigh, mas sou capaz de conseguir adiantar esta<br />
iniciativa... Ah, se assim for... poderia significar a fortuna para os dois.<br />
—OH, não, senhor Mowbry. —Florence negou enfaticamente com um gesto<br />
<strong>da</strong> cabeça—. Não tenho necessi<strong>da</strong>de de fortunas, só uma pequena...<br />
— Você cale —ordenou o procurador—. Se não me equivocar em minhas<br />
conjeturas, terá precisamente o que deseja, quer dizer, um impecável anfitrião,<br />
um marido amável e o melhor dos tetos possíveis que a cubra. Entretanto,<br />
primeiro temos que nos ocupar de seu enxoval. Não pode se apresentar diante<br />
de ninguém vesti<strong>da</strong> assim.<br />
Embora Florence sabia que essa era uma medi<strong>da</strong> necessária, não pôde<br />
reprimir um gemido para seus pensamentos. Os vestidos <strong>da</strong>s <strong>da</strong>mas eram<br />
muito caros, e sua pequena conta com muita dificul<strong>da</strong>de não suportaria essa<br />
sangria.<br />
Mas sabia que tinha que ser valente. Tinha que arriscar tudo com o fim de<br />
obter algo. Se chegasse a acontecer o pior e esbanjasse seu dinheiro,<br />
encontraria um emprego para Lizzie e ela mesma se ofereceria como<br />
governanta. Outras mulheres já o tinham feito, mulheres de melhores famílias<br />
que a sua. Algumas provavelmente se enfrentaram a temores tão grandes<br />
como os seus. Florence não podia ser menos. Poderia ser tími<strong>da</strong> mas, ao final,<br />
não era uma covarde.<br />
Tendo tomado esta resolução, suas mãos quase tinham recuperado a<br />
calma quando chegou o momento de aceitar uma carta que o senhor Mowbry<br />
escreveu em um instante. O lacre de cera vermelha ain<strong>da</strong> estava morno ao<br />
tato. Naqueles dias, a maioria <strong>da</strong>s pessoas utilizavam envelopes, mas<br />
possivelmente o velho costume de cavalheiros era mais atraente para um<br />
advogado. Como que as filhas dos párocos, a maioria não estavam nem aqui<br />
nem lá aos olhos <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de.<br />
—Esta é uma carta de apresentação para uma amiga minha —disse—. É<br />
uma costureira de muito talento, recém chega<strong>da</strong> de Paris e que começou a<br />
fazer uma clientela. Dei instruções para que carregue o que você necessita por<br />
minha conta. Não —disse, e pôs um dedo aos lábios para silenciá-la—. Não<br />
proteste, seu pai foi muito bom comigo em Oxford e me pagou muitos jantares<br />
quando não tinha nem um par de xelins. Peço que considere isto um<br />
pagamento dessa dívi<strong>da</strong>.<br />
—Com interesses acrescentados —disse Florence, sentindo que<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
transbor<strong>da</strong>vam as lágrimas diante dessa amostra de generosi<strong>da</strong>de.<br />
—Com interesses acrescentados —conveio o senhor Mowbry, e chamou a<br />
seu assistente para que fosse procurar um carro.<br />
A amiga do senhor Mowbry, ma<strong>da</strong>me Victoire, trabalhava em uma<br />
primorosa casinha perto <strong>da</strong>s lojas elegantes do Bond Street. Gerânios de<br />
vermelho vivo apareciam pelo batente <strong>da</strong>s janelas, to<strong>da</strong>s abertas e em uma<br />
<strong>da</strong>s quais se adivinhava o perfil preguiçoso de um gato alaranjado.<br />
Florence, que tinha tido certos problemas com os gatos, esperava que o<br />
cochilo do felino fosse longa.<br />
Uma cria<strong>da</strong> de vestido negro e avental branco as fez passar ao salão.<br />
Embora pequena, a sala era cômo<strong>da</strong>, seu teto modelado segundo o vistoso uso<br />
georgiano. A luz que havia era a que se filtrava pelas janelas. Os móveis eram<br />
antigos e delicados, uma mescla de dourado e creme, em soma, uma casa<br />
bastante agradável que qualquer uma em que Florence tivesse vivido, apesar<br />
<strong>da</strong> afeição de seu pai à comodi<strong>da</strong>de. O único sinal de que o salão pertencia ao<br />
negócio de sua proprietária era o manequim de alfaiate em meio de um círculo<br />
de luz peneira<strong>da</strong> e páli<strong>da</strong>, e o retalho de veludo púrpura dobrado sobre uma<br />
cadeira.<br />
Ao entrar, ma<strong>da</strong>me Victoire se agitava com entusiasmo. Como muitas de<br />
seus compatriotas, era uma mulher alta de tez escura, de gestos nervosos e<br />
uma boca grande com lábios vermelhos.<br />
—OH, lá lá! —exclamou, levando as mãos a Florence para levá-la para a<br />
luz pratea<strong>da</strong>—. A quem temos aqui que veio visitar a minha humilde loja?<br />
Florence não conseguiu responder por que ma<strong>da</strong>me Victoire a fez girar<br />
imediatamente e começou a fazer dramalhões a propósito de seu vestido.<br />
—Quelle horreur 1 — disse, apalpando o pesado gênero—. E ain<strong>da</strong> por cima<br />
negro! Mademoiselle, nunca deve se vestir de negro. Esta cor não lhe caem<br />
bem.<br />
—Mas se eu estiver de luto —balbuciou Florence.<br />
— Bem, eu o tirarei! —sentenciou ma<strong>da</strong>me Victoire—. Immédiatement 2 . É<br />
um pecado vestir uma mulher tão bela com algo tão feio. —Fez um gesto à<br />
cria<strong>da</strong> que observava—. Regardez 3 seus peitos, Marie. Olhe suas adoráveis<br />
bochechas! —Com um suspiro de emoção, retirou as luvas infantis e gastas—.<br />
Suas mãos são tão pequenas como as de um menino. São brancas e... De<br />
repente, ma<strong>da</strong>me Victoire lançou a Florence um olhar assassino. Ao lhe apalpar<br />
as mãos, tinha descoberto os calos.<br />
—Mademoiselle 4 —disse, em um tom muito a sério—, isto terá que ser<br />
remediado. Não esfregará o chão <strong>da</strong> casa. É muito perfeita para que sofra nem<br />
1 Quelle horreur = Que Horror.<br />
2 Immédiatement = Imediatamente<br />
3 Regardez = Olhar, Observar<br />
4 Mademoiselle = Senhorita<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
o mais mínimo defeito.<br />
—Eu... — tentou dizer Florence, mas a francesa não permitiu explicações.<br />
—Uma beleza como a sua é uma grande responsabili<strong>da</strong>de. Não só consigo<br />
mesma mas também comigo. Você, senhorita, será um anúncio ambulante <strong>da</strong>s<br />
habili<strong>da</strong>des de Ma<strong>da</strong>me Victoire. Será melhor que o homem do anúncio<br />
sanduiche. O senhor Worth estará fascinado quando se inteirar de meu triunfo.<br />
—O senhor Worth? — notou a dizer Florence. Se a costureira se referia a<br />
quem ela pensava, Florence não podia aceitar a generosi<strong>da</strong>de do senhor<br />
Mowbry sem trair sua consciência.<br />
—Sim, sim—disse ma<strong>da</strong>me Victoire—. O senhor Worth, com quem<br />
trabalhei em Paris. É por isso que veio, não?<br />
Florence secou as mãos no vestido já estragado.<br />
—Em reali<strong>da</strong>de, vim com uma recomen<strong>da</strong>ção do senhor Mowbry. Mas temo<br />
que não posso pagar os serviços de uma sócia do senhor Worth.<br />
—Ora —disse ma<strong>da</strong>me Victoire—, o senhor Worth não é meu sócio. E você<br />
é amiga do senhor Mowbry. Já chegaremos a algum tipo de acerto.<br />
Florence sentiu seu rosto queimar com o calor do sangue que fluía como<br />
um riacho sob a superfície. Temia que ma<strong>da</strong>me Victoire tivesse chegado a uma<br />
conclusão equivoca<strong>da</strong>.<br />
—Perdoe, senhora —interrompeu—. Não sou esse tipo de amiga para o<br />
senhor Mowbry.<br />
Diante do assombro de Florence, ma<strong>da</strong>me Victoire deixou escapar umas<br />
breves e sucessivas gargalha<strong>da</strong>s.<br />
—É obvio que não o é, pequena. Eu sou “esse tipo de amiga” para ele.<br />
Terá que reconhecer, é um cavalheiro de muito vigor, mas nenhum homem é o<br />
bastante vigoroso para pedir mais mulher que Amalie Victoire.<br />
Esta declaração causou tal assombro em Florence que não conseguiu<br />
sequer articular uma resposta, nem apropria<strong>da</strong> nem de nenhum tipo. Quão<br />
único atinou a fazer foi voltar a fechar a boca, que seguia aberta. Felizmente, o<br />
silêncio foi quebrado pela entra<strong>da</strong> de um ruidoso menino. Não tinha mais de<br />
três anos e ia vestido com traje de marinheiro. Passou correndo arrastando<br />
sobre o tapete o que parecia um urso sem cabeça.<br />
—Olhe, mamãe! —gritou, e <strong>da</strong>va a sensação de que, mais que o afligia, a<br />
decapitação o emocionava—. Kitty o agarrou.<br />
Ao ver que sua mãe tinha uma visita, se deteve .<br />
Florence sentiu que algo apertava o peito, mas uma vez que o pequeno a<br />
viu, ela sabia que o que seguiria era inevitável. O menino vacilou, ficou<br />
olhando com seus olhos arredon<strong>da</strong>dos e desconcertados, com o acanhamento<br />
e o interesse debatendo em seu rosto. E logo, como um menino incapaz de<br />
resistir ao brinquedo de um estranho, seu acanhamento desapareceu e seguiu<br />
seu caminho para o outro lado <strong>da</strong> habitação. Por um momento, Florence temeu<br />
que o menino a abraçaria pelas pernas. Felizmente, se conformou pegando a<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
mão e a puxando.<br />
—Bonita! —declarou com a franqueza própria de um menino de três anos<br />
—. Veem brincar!<br />
Florence teve que fazer provisão de uma grande integri<strong>da</strong>de para resistir a<br />
sua chama<strong>da</strong>.<br />
—Deus me libere —disse ma<strong>da</strong>me Victoire—. Não está acostumado a se<br />
comportar desta maneira com os estranhos.<br />
Se tivesse sido possível, Florence gostaria que a terra a tragasse. Deu uns<br />
tapinhas na mão do menino esperando que a soltasse.<br />
—As crianças... gostam de mim—explicou.<br />
—As crianças e os gatos —especificou Lizzie, como se aquilo fosse causa<br />
de orgulho.<br />
—É bem —disse ma<strong>da</strong>me Victoire, e os lábios torcidos em uma careta de<br />
diversão—, possivelmente Marie deveria trancar Kitty no quarto antes que<br />
volte a sofrer outro ataque.<br />
—Sim —disse Florence, com voz calma—. Aquilo seria possivelmente o<br />
mais sensato.<br />
Quando Marie saiu levando o gato, Florence recuperou a compostura e<br />
recordou a nota do senhor Mowbry. Ma<strong>da</strong>me Victoire demorou mais em ler do<br />
que Florence esperava, ao se tratar de uma mensagem de duas páginas em<br />
lugar de uma. Qualquer que fosse o conteúdo que o procurador tinha escrito,<br />
inspirou na mulher um numeroso jogo de sobrancelhas. Quando ma<strong>da</strong>me<br />
Victoire término, bateu com a carta no queixo. Parecia ausente ao estrondo<br />
distante dos trovões lá fora.<br />
—Hmm —disse, exatamente no mesmo tom que tinha utilizado o senhor<br />
Mowbry.<br />
Esse “hmm” perturbou Florence ain<strong>da</strong> mais do que o do procurador.<br />
O advogado tinha escrito algo naquela carta que não tinha a intenção de<br />
ensinar a Florence, e por uma razão mais profun<strong>da</strong> não queria criar<br />
expectativas. Como detestava pôr seu destino em mãos de outra pessoa! A<br />
vi<strong>da</strong> com seu pai, apesar de todo o carinho, tinha ensinado a ela a não<br />
depender de ninguém mais de si mesma. Como podia ser de outra maneira<br />
quando era mais provável que seu único protetor esquecesse de seu nome<br />
antes de esquecer o pagamento de uma fatura. Entretanto, além de renunciar<br />
ao seu sonho, não via outras alternativas. Tinha que confiar no advogado e em<br />
sua amiga. Só rezava para que as intenções ocultas do senhor Mowbry não<br />
fossem um perigo para as suas próprias.<br />
Edward Burbrooke, conde de Greystowe, estava todo salpicado de barro.<br />
Muito cansado para tocar a campainha, entrou em sua residência urbana em<br />
Belgravia e se deixou cair sobre o banco de mármore junto à porta. Por um<br />
momento só conseguiu olhar distrai<strong>da</strong>mente suas botas <strong>da</strong>nifica<strong>da</strong>s.<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
Levantou ao ouvir passos. Seria Grimby, sem dúvi<strong>da</strong>, para olhar quem<br />
tinha entrado no vestíbulo.<br />
—Meu Deus! —exclamou este, claramente desconcertado pelo aspecto de<br />
seu senhor—. Você está ensopado.<br />
Edward se limitou a lançar um bufo ao óbvio aquela declaração tão<br />
evidente e entregou ao mordomo seu chapéu molhado. Ele deveria ter<br />
retornado quando começou a chover, mas o cavalo queria passear, uma vez<br />
que o parque estava vazio e o ânimo de Edward estava muito sombrio para<br />
renunciar ao seu passeio diário.<br />
Naquela manhã se publicou um poema zombador no Times Illustrated 5 :<br />
Era uma vez um jovem visconde G... Que se passava todo o dia de joelhos<br />
ao lado dele, seu lacaio, sem tirar as mãos do cabelo e seu... pendurando e<br />
tomando uma brisa.<br />
Qualquer um que conhecesse Freddie reconheceria o escân<strong>da</strong>lo a que se<br />
referia. Edward queria estrangular ao suposto espertinho que tinha enviado,<br />
para não mencionar o diretor que havia publicado. Como aquilo era uma ideia<br />
pouco prática, tinha desabafado sua frustração nos prados do Hyde Park.<br />
A goteira que escorreu de seu chapéu o lembrou que seu mordomo estava<br />
ali.<br />
—Senhor —disse Grimby—, Você deseja que eu o chame Lewis para vir<br />
tirar as botas?<br />
—Sim —disse Edward—, e diga para que me prepare um banho quente.<br />
A aldrava <strong>da</strong> porta soou no momento em que Grimby desaparecia para a<br />
sala dos criados. Edward se levantou soltando uma risa<strong>da</strong> desanima<strong>da</strong>. Quem<br />
se importa, pensou, ao menos sou capaz de abrir a maldita porta.<br />
O indivíduo que havia chamado e que agora era surpreendido procurando<br />
em seus bolsos um cartão, ficou boquiaberto.<br />
—Senhor Mowbry? —disse Edward, ao reconhecer a figura larga e barbu<strong>da</strong><br />
de seu procurador em Londres. Aquele homem tinha sido advogado de seu pai.<br />
Então, uma vez pertencido a um escritório maior e agora se lançava por conta<br />
própria. Por isso Edward sabia, era um homem francamente confiável. Ain<strong>da</strong><br />
assim, não imaginava que motivos o trariam para sua casa.<br />
—OH, Deus —balbuciou Mowbry, recuperando a compostura—. Perdoe-me<br />
por vir sem me anunciar, mas surgiu uma oportuni<strong>da</strong>de de que, suponho,<br />
gostaria de estar informado.<br />
— Se refere a um investimento?<br />
Se havia alguém capaz de se retorcer sem sair do seu lugar, esse era<br />
Mowbry.<br />
—Não, senhor —explicou este. É uma oportuni<strong>da</strong>de que diz respeito ao<br />
visconde Burbrooke.<br />
Um calafrio foi adicionado ao fio de água que deslizou pela nuca de<br />
5 Times illustrated = vezes ilustrados<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
Edward. Depois do tempo mau gasto lendo o Times, não queria nem pensar<br />
nos negócios que Mowbry trazia entre as mãos. Abriu de par em par a porta.<br />
— Entre. Falaremos na biblioteca. —depois de <strong>da</strong>r alguns passos, Edward<br />
se deu conta de que deixava pega<strong>da</strong>s de barro nas estampas de rosas no<br />
tapete de Bruxelas—. Maldita seja —murmurou, e ficou onde estava enquanto<br />
Lewis, o valete, acudia rapi<strong>da</strong>mente com gesto chocado.<br />
Não era o tipo de dia que tinha pensado para hoje.<br />
—A filha de um pároco? —perguntou Edward.<br />
—Sim —confirmou Mowbry, e sorveu o chá com mudo deleite. Estava<br />
sentado com Edward junto ao fogo que Lewis tinha insistido em acender;<br />
qualquer diferença de classes agora apaga<strong>da</strong> pelo mútuo gozo diante do calor.<br />
Edward deixou descansar um pé na grade. —Recém chega<strong>da</strong> do campo?<br />
—Não pode estar mais fresca, mas foi muito bem cria<strong>da</strong> e tem excelente<br />
caráter. É aquilo que os escritores de novelas gostam de chamar de pequena<br />
alma feminina.<br />
Edward estabilizou seu prato sobre a coxa. —Quão feminina?<br />
Os bigodes de pontas brancas de Mowbry se levantaram em um sorriso.<br />
— Imagine o senhor, se uma rosa inglesa do orvalho adotasse uma forma<br />
de Dalila. A senhorita Fairleigh é de origem humilde, é ver<strong>da</strong>de, mas tão bela<br />
que pode ser considera<strong>da</strong> uma conquista. Se o jovem lorde Burbrooke<br />
manifestar qualquer franqueza por ela, ninguém o veria com maus olhos. E,<br />
senhor, me desculpe por falar com franqueza, duvido que ela entende dos<br />
rumores que correm sobre seu irmão, embora cheguem a seus ouvidos.<br />
Edward franziu o cenho. Uma inocência desse calibre era difícil de<br />
imaginar. <strong>Além</strong> disso, se era tão inocente, seria capaz de converter um potro<br />
brincalhão como Freddie em um autêntico corcel? Ain<strong>da</strong> assim, pensou,<br />
esfregando os lábios com o dedo, valia a pena investigar aquele assunto. Uma<br />
jovem na posição <strong>da</strong> senhorita Fairleigh teria poucas opções mais à frente do<br />
matrimônio. Trabalhando como costureira ou de governanta não poderia<br />
comparar com a segurança de uma vi<strong>da</strong> de mulher casa<strong>da</strong>. Provavelmente,<br />
poderia <strong>da</strong>r com alguém pior que um jovem amável como Freddie, que nem<br />
bebia, jogava ou dizia palavrões diante <strong>da</strong>s <strong>da</strong>mas. Como o perspicaz Mowbry<br />
tinha adivinhado, Edward estava determinado a casar Freddie. Entretanto, com<br />
to<strong>da</strong> justiça, não poderia desejar que seu irmão era o único beneficiário dessa<br />
união.<br />
Certamente, se Mowbry havia exagerado nos encantos de Florence<br />
Fairleigh, todo aquele assunto poderia ser mais duvidoso. E então tomou uma<br />
decisão.<br />
— Eu gostaria de vê-la — disse. — Sem que ela saiba.<br />
O procurador deixou seu prato e taça sobre a mesa do chá.<br />
—Se estiver disposto a <strong>da</strong>r um breve passeio, senhor, acredito que poderia<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
arranjá-lo de modo que a veja hoje.<br />
Edward estreitou os olhos. Parecia que o advogado estava esperando sua<br />
deman<strong>da</strong>. Sua expressão era aprazível e tinha algo de suspeita satisfação.<br />
Edward não podia ter certeza, mas previu que tinha acabado de cair em uma<br />
armadilha.<br />
Se Edward soubesse o que veria, nunca teria pedido para que<br />
preparassem o seu carro. Coisas estranhas começaram quando ele foi com<br />
Mowbry à entra<strong>da</strong> de uma casa para os criados.<br />
Uma cria<strong>da</strong> pequena, silenciosa como uma monja, o conduziu através do<br />
porão e logo pela esca<strong>da</strong> de serviço, era tão estreita que Edward roçava com<br />
os cotovelos nas paredes ao virar no patamar. No segundo an<strong>da</strong>r, passaram<br />
por uma habitação ampla e bem ilumina<strong>da</strong> onde quatro mulheres trabalhavam<br />
inclina<strong>da</strong>s sobre as máquinas de costurar. Seus pés se moviam rapi<strong>da</strong>mente<br />
sobre os pe<strong>da</strong>is enquanto suas mãos alimentavam metros de tecido entre as<br />
agulhas. Havia outras três máquinas vazias. To<strong>da</strong>s eram negras e adorna<strong>da</strong>s<br />
com rosas amarelas.<br />
Edward deduziu que aquela casa devia ser o estabelecimento de um<br />
alfaiate.<br />
— Estamos quase chegando — sua pequena acompanhante sussurrou.<br />
Tinha um acento francês de uma agradável sonori<strong>da</strong>de, mas Edward não teve<br />
tempo para pensar o que motivava os sussurros <strong>da</strong> mulher porque não<br />
demoraram para chegar a uma pequena sala. A presença de uma secretaria e<br />
um sofá, sugeria que se tratava de algo mais que uma sala, embora por agora<br />
o espaço estava abarrotado de cilindros de tecido. Viu uma cadeira alta e fina<br />
acomo<strong>da</strong><strong>da</strong> entre duas pilhas de um cetim que brilhava como uma pedra<br />
preciosa. Com um gesto, a cria<strong>da</strong> o convidou a se sentar e depois o silenciou<br />
suas perguntas levando um dedo aos lábios.<br />
Edward se sentiu um pouco ridículo, mas esperou sentado, e de repente<br />
ficou rígido quando ela tocou seu ombro com o braço. As pessoas<br />
simplesmente não tocavam o conde de Greystowe sem permissão.<br />
— Perdão — ela murmurou, e pressionou uma fechadura escondi<strong>da</strong> entre<br />
os pássaros na folha de papel de parede. Fazendo aparecer uma pequena<br />
abertura na parede.<br />
— Observe — disse a mulher. — Aqui, você verá tudo o que queira—.<br />
Edward olhou para o buraco e, em segui<strong>da</strong>, para o seu guia, mas a pequena<br />
cria<strong>da</strong> já se encaminhava pela porta e saía. O coração pulsou com força baixo<br />
aquela primeira impressão. Talvez os outros clientes de Mowbry eram pessoas<br />
tão cansa<strong>da</strong>s <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> que podiam aceitar este tipo de oferta sem ser ofendido?<br />
Para que tipo de libertino o tinha tomado o procurador, esperando que espiasse<br />
uma mulher seminua que poderia razoavelmente se transformar na noiva de<br />
seu irmão?<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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Emma Holly<br />
Ele sentiu que seu rosto se avermelhava de raiva, mas logo se acalmou.<br />
Ele tinha manifestado seu desejo de observar a jovem sem que ela soubesse.<br />
Que melhor artimanha que esta? <strong>Além</strong> disso, por isso sabia, a jovem e a<br />
costureira estavam simplesmente falando na outra sala, totalmente vesti<strong>da</strong>s,<br />
sem que nenhum de seus atributos femininos fossem visíveis.<br />
Apesar dessa segurança, sentiu uma secura na boca quando aproximou<br />
um olho ao buraco <strong>da</strong> parede.<br />
A sala que agora olhava era pequena e luminosa, e a escuridão estava<br />
neutraliza<strong>da</strong> pela luz de uma dúzia de abajures. Um espelho alto refletia as<br />
figuras de duas mulheres de cabelo escuro.<br />
Sentiu uma on<strong>da</strong> de calor percorrer seu corpo. A costureira usava um<br />
elegante vestido dourado, mas a senhorita Fairleigh só vestia uma blusa larga<br />
e as meias. Era exatamente o que Mowbry havia descrito, exuberante e rosa<strong>da</strong>,<br />
com uma brilhante cabeleira cor castanha com um coque preso no alto. A<br />
costureira tinha acabado de retirar o espartilho. Inclusive sem esse objeto, sua<br />
cintura se estreitava como uma ampulheta.<br />
Edward engoliu saliva, mas não se afastou. A mulher era de uma altura<br />
não mais do que a média, mas tinha umas pernas que pareciam<br />
desproporcionalmente largas. Ele podia ver a sombra de seu traseiro através<br />
<strong>da</strong>s meias de linho. Uma pele adornava a parte superior de uma aprimora<strong>da</strong><br />
nádega, uma íntima imperfeição que não prejudicava ao encanto de suas<br />
nádegas. Tinha as carnes cheias e bem escuras. Um homem encontraria um<br />
agradável apoio se tivesse a oportuni<strong>da</strong>de de ter à sua disposição aquele<br />
modelo de virtudes. Em reali<strong>da</strong>de, encontraria muitos apoios agradáveis. Seus<br />
peitos eram abun<strong>da</strong>ntes, os braços por sua vez era suaves e graciosos. Seus<br />
pés, Edward teve que afrouxar o pescoço de repente muito apertado, eram<br />
pequenos e brancos, pés que até então ele tinha acreditado só podiam ser<br />
obra de um pintor, com o pequeno dedo gordo redondo e uns tornozelos que<br />
um homem poderia rodear com uma mão.<br />
Um homem de sorte.<br />
Edward se remexeu sobre o estofamento fino de sua cadeira. Apenas<br />
alguns segundos se passaram desde que olhou pela primeira vez na habitação,<br />
e seu membro já havia inchado como poderia ser. Agora sentia a ponta<br />
pulsando com força contra o interior de suas calças, um membro pesado e<br />
urgente, uma criatura com vontade própria. Pensar que o que fazia transgredia<br />
os limites <strong>da</strong> mais elementar correção não fez mais que redobrar a força com<br />
que pulsava a malha incha<strong>da</strong> pelo sangue.<br />
Quando sua respiração se acalmou, se deu conta que, além de ver, podia<br />
ouvir. Chegou a seus ouvidos o ronronar de um gato que se instalou feito uma<br />
bola aos pés <strong>da</strong> senhorita Fairleigh. “É um gato esperto”, pensou, sentindo uma<br />
simpatia absoluta pelos instintos do animal.<br />
—Devemos pedir três espartilhos franceses —dizia a costureira enquanto<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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estendia uma fita de medir em torno <strong>da</strong> primorosa cintura <strong>da</strong> senhorita<br />
Fairleigh—. Dois para o enxoval diário e um, que chegue até mais abaixo, para<br />
um vestido de noite. Com um dos novos espartilhos, acredito. São trés<br />
élegantes. Já verá que gostará muito.<br />
A senhorita Fairleigh abriu a boca, e logo se ruborizou quando a fita se<br />
deslocou para rodear seu peito. Os dedos <strong>da</strong> costureira se reuniram no centro<br />
de sua fen<strong>da</strong>, apertando ligeiramente um extremo com o outro. Sob o brilho<br />
dos abajures, Edward observou como coloria encantadoramente seu seio.<br />
A senhorita Fairleigh pigarreou.<br />
—Acredito de ver<strong>da</strong>de que um só espartilho seria suficiente se, por isso<br />
você diz, tenho que ter um espartilho francês.<br />
—Por isso que eu digo? —perguntou a costureira, fazendo estalar a língua<br />
e se ajoelhando para medir o comprimento <strong>da</strong>s pernas <strong>da</strong> senhorita Fairleigh. O<br />
gato soltou um miado de desagrado quando ela o deslocou com o cotovelo—.<br />
Pelo que eu sei, mademoiselle, tem que apresentar suas armas. Um bom<br />
espartilho é, em reali<strong>da</strong>de uma arma poderosa.<br />
— Mas meu dinheiro... — opôs a senhorita Fairleigh, com voz aflita. A<br />
costureira a ignorou.<br />
— Pare de se mexer de uma vez — ordenou —. Qualquer um diria que sou<br />
a única que viu seus tornozelos. — Com um suspiro de satisfação, se ergueu e<br />
afastou um único cacho de sua estreita testa. — Está bem. Suas medi<strong>da</strong>s se<br />
parecem muito de um vestido que agora tenho disponível. Um ponto aqui, uma<br />
nova costura mais à frente e se transformará imediatamente em uma mulher<br />
elegante.<br />
A senhorita Fairleigh levou suas mãos ao peito tremente.<br />
—OH, não, ma<strong>da</strong>me Victoire. Não posso me apropriar do vestido de outra<br />
pessoa.<br />
— Avermelhado —disse ma<strong>da</strong>me—. Esta cliente demora para pagar o<br />
débito. portanto, nesta ocasião eu é quem vai atrasar a entregar o que pede —<br />
disse, sem fazer mais caso dos protestos <strong>da</strong> senhorita Fairleigh, chamou<br />
alguém, uma tal de Marie, para que trouxesse o vestido cor Castanho<br />
Avermelhado.<br />
— Avermelhado? —O tom <strong>da</strong> senhorita Fairleigh era de um horror sem<br />
nome.<br />
—Não, não— repreendeu a costureira, enquanto ajustava rapi<strong>da</strong>mente seu<br />
espartilho inglês, um objeto de quali<strong>da</strong>de reconheci<strong>da</strong>mente inferior—. Você<br />
não se preocupe. Seu pai iria gostar que seguisse adiante com sua vi<strong>da</strong>, Você<br />
não acha?<br />
—Sim, mas...<br />
—Não deve sobre ele. Fará o que tem que fazer. Um homem nunca se<br />
casaria com um corvo!<br />
Aquele cruzamento de palavras fez sorrir Edward, apesar <strong>da</strong> poderosa<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
pulsação que seguia sentindo entre as pernas. Aquela mulher era tão tími<strong>da</strong> e<br />
humilde que os intentos de ma<strong>da</strong>me Victoire para estimulá-la a assumir a<br />
condição de femme fatale não deixavam de ser divertidos. A senhorita Fairleigh<br />
era um pêssego, Edward finalmente decidiu, um saboroso pêssego do campo<br />
cuja doçura o tentava a fincar os dentes.<br />
Assim, teve que se recor<strong>da</strong>r , que não seriam seus dentes a serem<br />
cravados.<br />
Infelizmente, esta precaução não pôs fim a sua fascinação quando viu a<br />
costureira arrumando o vestido <strong>da</strong> senhorita Fairleigh. Alguma vez tinha<br />
observado as suas amantes quando as vestiam? Se isso tinha acontecido, não<br />
se lembrava. Sem dúvi<strong>da</strong>, poucas visões podiam ser tão sedutoras como a de<br />
uma mulher ajustando a outra na anágua, ou equilibrando um busto, ou<br />
deixando cair uma saia de se<strong>da</strong> que fazia frufru por cima de dois braços<br />
brancos elevados em atitude total.<br />
Até a própria senhorita Fairleigh parecia se <strong>da</strong>do conta <strong>da</strong> carga erótica.<br />
Edward duvi<strong>da</strong>va que alguma vez tivesse tido uma cria<strong>da</strong> de companhia, e<br />
pensou que jamais tinha sido intimamente toca<strong>da</strong> por outro ser humano. Suas<br />
bochechas formosas maçãs do rosto salientes voltaram a se ruborizar quando<br />
ma<strong>da</strong>me Victoire enganchou o corpete. O vestido em torno dos seios era<br />
apertado, mas a costureira parecia satisfeita com esse resultado quando se<br />
voltou para a olhar de frente.<br />
—Com um espartilho francês, o caimento seria perfeito—disse, para<br />
demonstrar, deslizou suas mãos dos ombros <strong>da</strong> senhorita Fairleigh até sua<br />
cintura. Com as palmas roçou apenas a ponta dos seios de sua cliente. Edward<br />
pensou que a senhorita Fairleigh não poderia sentir uma grande pressão<br />
através <strong>da</strong>s capas de tecido, mas o que sentia a tinha feito se ruborizar até as<br />
orelhas e tingir as de cor escarlate.<br />
Sentiu o impulso quase incontrolável de entrar correndo e estreitá-la<br />
contra seu peito. Ma<strong>da</strong>me Victoire não deveria provocar a jovem dessa<br />
maneira. Era uma moça inocente. O que se merecia era que a protegessem!<br />
O qual não mudou o fato de que, enquanto observava à francesa a tocar,<br />
se excitou. Tinha as mãos fecha<strong>da</strong>s e aperta<strong>da</strong>s sobre as coxas, o suor<br />
banhava a camisa e o vulto mais abaixo começava a se umedecer. Não<br />
recor<strong>da</strong>va haver sentido jamais um desejo tão urgente, um desejo tão intenso<br />
que provocou tremores no corpo. Respirava a intervalos largos e com<br />
dificul<strong>da</strong>de. Se não soubesse que a casa estava cheia de gente, teria<br />
desabotoado as calças e teria se aliviado. Não era um homem propenso a se<br />
<strong>da</strong>r gostos, mas teria tratado de um assunto rápido. Tal como estava agora, a<br />
um passo <strong>da</strong> explosão total.<br />
Agora ma<strong>da</strong>me Victoire tinha terminado de arrumar o vincado <strong>da</strong><br />
musselina que emoldurava o decote do vestido. Fez girar a sua cliente para<br />
que se olhasse no espelho e nesse momento Edward ficou tão boquiaberto<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
como a senhorita Fairleigh. Vesti<strong>da</strong> com blusa e meias, a senhorita Fairleigh era<br />
o sonho perverso de um escolar. Com aquele vestido elegante de cor<br />
Avermelhado, o deixava sem fôlego.<br />
Tinha o aspecto de uma grande <strong>da</strong>ma de Londres, ca<strong>da</strong> centímetro dela,<br />
do rígido pescoço até a cau<strong>da</strong> de sua polonesa. O complicado acerto de suas<br />
anquinhas, parecia refletir as agracia<strong>da</strong>s carnes que ocultava, isso ele sabia. Só<br />
sua expressão, pensativa e insegura, delatava sua origem rural.<br />
—Aí tem —disse ma<strong>da</strong>me Victoire com as mãos sobre os ombros <strong>da</strong><br />
senhorita Fairleigh—. Como se sente com isto?<br />
A senhorita Fairleigh tocou a cintura <strong>da</strong>quele vestido que lhe delineava a<br />
figura como se a se<strong>da</strong> queimasse.<br />
—Acredito que me assusta.<br />
Ma<strong>da</strong>me sorriu, alisou um cacho de cabelo caído e o devolveu à cabeleira<br />
de sua cliente. O cabelo <strong>da</strong> senhorita Fairleigh era liso e a julgar pela expressão<br />
<strong>da</strong> costureira, bastante agradável ao tato. Uma vez mais, Edward sentiu o<br />
tremor escuro do proibido. A jovem não sabia o que ma<strong>da</strong>me Victoire fazia. A<br />
jovem não podia imaginar que tipo de pensamentos expressavam gestos como<br />
esses.<br />
—O que está vendo é seu poder de mulher—sentenciou a costureira—,<br />
sem esse horrível vestido negro que lhe tira a luz.<br />
A senhorita Fairleigh elevou o queixo como primeira amostra de teimosia<br />
que Edward tinha visto nela.<br />
—Uma mulher não teria por que ser capitalista só porque é atraente.<br />
—Não? —perguntou a costureira com voz agu<strong>da</strong> e com seu divertido<br />
acento—. por que se preocupa do que não deveria ser? Assim é como são as<br />
coisas, chérie. Neste mundo, as mulheres caminham por um caminho difícil.<br />
Temos que utilizar nossas armas onde as encontremos. Assim como você tem<br />
que utilizar as suas, non? Tem que caçar a esse marido simpático. Se sua<br />
beleza o atrair o suficiente para ver quão simpático é, o que tem que mau<br />
nisso?<br />
— Eu nunca gostei de ser olha<strong>da</strong>—confessou a senhorita Fairleigh.<br />
—OH —exclamou ma<strong>da</strong>me com risa<strong>da</strong> sonora—. Eu diria para se<br />
acostumar, embora enten<strong>da</strong> que seu acanhamento é parte de seu encanto.<br />
Como o mel para as abelhas. Quando estremece e se ruboriza, faz que os<br />
homens se sintam fortes.<br />
Sem prévio aviso, a senhorita Fairleigh riu, como se o absurdo de sua<br />
queixa acabasse de lhe golpear como uma evidência. O som parecia uma<br />
espécie de gorjeio contagioso que nascia no mais profundo de seu peito.<br />
—Basta! —declarou entre aqueles surtos de risa<strong>da</strong>—, nunca voltarei a me<br />
ruborizar.<br />
E a costureira também riu porque a face de sua cliente ain<strong>da</strong> se refletia o<br />
rubor.<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
Edward se dirigiu a seu carro a grandes passos sem esperar uma escolta.<br />
Estava irritado consigo mesmo por ter ficado tanto tempo, zangado por se<br />
sentir atraído pela pobre jovenzinha vin<strong>da</strong> do campo, e zangado com o Alastair<br />
Mowbry por expor uma pessoa inocente a uma situação como essa. O fato de<br />
que o advogado tivesse razão a respeito <strong>da</strong> senhorita Fairleigh não suavizava,<br />
no mais mínimo seu aborrecimento, nem tampouco o acalmava a ideia de que<br />
era muito provável que nos planos do procurador tivesse certa importância seu<br />
desejo de assegurar o bem-estar <strong>da</strong> jovem.<br />
A pior coisa era a sua sensação de transgressão. Edward suava de desejo,<br />
ain<strong>da</strong> endurecido sob suas roupas. No momento em que Mowbry o visse,<br />
adivinharia o que sentia, igual a ma<strong>da</strong>me Victoire, ou a pequena cria<strong>da</strong>, e<br />
possivelmente até as costureiras que trabalhavam na sala. Para Edward, aquilo<br />
era intolerável. Por muito indevi<strong>da</strong> que fora, sua experiência naquela sala<br />
deveria ter sido completamente priva<strong>da</strong>.<br />
Seu ânimo se tornou tão tormentoso como o céu quando teve que se<br />
inclinar para subir no carro de Greystowe que o esperava. O condutor não<br />
esperou instruções e incitou os cavalos para empreender a marcha.<br />
Mowbry ia sentado na penumbra do assento <strong>da</strong> frente. Em silêncio.<br />
Sabendo tudo.<br />
— Se encarregará de que tapem esse buraco de imediato —disse Edward,<br />
com sua voz mais fria e escura.<br />
Se algo mudou na expressão do procurador, Edward não percebeu.<br />
—Só é para uso privado —disse—. Um jogo entre ma<strong>da</strong>me Victoire e eu.<br />
Você é o primeiro estranho que o viu.<br />
Sua voz era completamente neutra, não insinuava nem censurava. Edward<br />
se obrigou a deixar de retorcer as mãos. Era evidente que não estava em<br />
posição de julgar aquele homem.<br />
—É como você disse —concedeu, com um grunhido.<br />
O agudo senhor Mowbry não aproveitou disto como um convite para<br />
reiterar seu julgamento sobre os encantos <strong>da</strong> senhorita Fairleigh. Edward não<br />
poderia ter resistido. Em vez disso, o procurador limpou uma sujeira do chapéu<br />
cogumelo que sustentava sobre os joelhos. — Já pensou em uma anfitriã,<br />
senhor?<br />
—Minha tia Hypatia —disse—, a duquesa viúva de Carlisle. Poderia<br />
apresentá-la como uma espécie de prima do povoado.<br />
Mowbry se limitou a assentir com um gesto de cabeça. Certamente sabia<br />
que sua aprovação não era nem necessária nem bem-vin<strong>da</strong>. Apesar de sua ira,<br />
aumentou a estima em que Edward tinha ao advogado. Era indubitável que o<br />
homem tinha tido uma conduta abominável, mas estava desenvolvido uma<br />
sereni<strong>da</strong>de pouco habitual.<br />
— Você é um homem de profundi<strong>da</strong>des insondáveis —disse Edward.<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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Mowbry acolheu a advertência em suas palavras com um sorriso breve e<br />
seco.<br />
— Você pode chamar as minhas insondáveis profundi<strong>da</strong>des a qualquer<br />
momento, lorde Greystowe. Eles estão completamente à sua disposição.<br />
Este homem é um ambicioso, pensou Edward, mas não sabia discernir se<br />
aquilo era algo bom ou ruim.<br />
Capítulo 2<br />
Edward deixou Mowbry em seu escritório e ordenou ao condutor que<br />
seguisse para a casa de Lady Hargreave. A chuva seguia caindo regularmente<br />
mas sem força e as ro<strong>da</strong>s emitiam um som suave e pegajoso ro<strong>da</strong>ndo pelas<br />
ruas cheias de lama. A ci<strong>da</strong>de estava envolta por um manto de névoa que<br />
apagava as bor<strong>da</strong>s dos edifícios, fazia diminuir o fluxo do tráfico e filtrava os<br />
sons, até que Edward teve a impressão de que era um sonho. A suavi<strong>da</strong>de do<br />
ar era primaveril, mas a cor bem poderia ter sido a do inverno.<br />
Fechou os olhos e voltou a ver a curva delica<strong>da</strong> dos ombros <strong>da</strong> senhorita<br />
Fairleigh. Como vulneráveis eram os planos <strong>da</strong>s costas de uma mulher. De<br />
qualquer mulher, mas sobretudo a sua, com a blusa remen<strong>da</strong><strong>da</strong> e as frágeis<br />
partes de encaixe ao redor <strong>da</strong>s mangas.<br />
Sentiu o calor subir pelas coxas à medi<strong>da</strong> que o sangue rugia para seu<br />
centro. Começava a se endurecer com a mera lembrança de sua espinha<br />
dorsal. Pensou em suas nádegas e quis morrer para sustentá-las em suas<br />
mãos. Quando voltou para a reali<strong>da</strong>de, dirigiu seu olhar para a janela que<br />
emoldurava a névoa. Talvez ele deveria se preocupar com a intensi<strong>da</strong>de de sua<br />
reação? Possivelmente deveria adotar uma atitude vigilante.<br />
Mas não, ela era uma mulher atraente e na<strong>da</strong> mais. Qualquer homem teria<br />
respondido. Parecia bom que exercesse esse grande poder de atração dele.<br />
Queria ver Freddie feliz. Precisava vê-lo a salvo.<br />
Chegaram ao Regent's Park e a planície de colunas de mármore do<br />
Cumberland Terrace, com suas casas encosta<strong>da</strong>s umas com as outras de<br />
maneira que pareciam um templo grego. Edward abriu a tampa de seu relógio.<br />
A hora do chá quase tinha passado. Mas lady Hargreave não teria visitas. Tinha<br />
enviado uma nota a Edward aquela manhã, com uma delica<strong>da</strong> essência,<br />
informando que não se encontraria em casa para mais ninguém. Seu marido,<br />
que nunca se mostrava como um tipo possessivo, tinha viajado a Escócia para<br />
visitar suas proprie<strong>da</strong>des. Apesar de que o terreno estava espaçoso, Edward<br />
deu instruções ao condutor para que se dirigisse a um estábulo público mais<br />
abaixo na rua. Preferia não estacionar seu carro perto <strong>da</strong> casa. Uma coisa era<br />
pôr os chifres a um homem e outra muito diferente, esfregar-lhe na cara.<br />
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Se deteve enquanto abria seu guar<strong>da</strong>-chuva, apanhado no fio de uma<br />
lembrança semi-inconsciente. Fosse o que fosse, não importava. Não<br />
importava na<strong>da</strong> exceto aliviar o horrível nó de desejo concentrado entre suas<br />
pernas.<br />
Imogene esperava em sua penteadeira. Perfeitamente consciente <strong>da</strong><br />
melhor forma de exibir seus encantos, estava estendi<strong>da</strong> posando<br />
artisticamente ao longo de uma chaise longue de cor azul témpano, com uma<br />
novela que provavelmente não lia. Seu cabelo, de cor champanha, loiro e<br />
suave, caia como uma se<strong>da</strong> por seus braços magros. A fina bata rosa<strong>da</strong> que<br />
vestia deixava pouco à imaginação. Edward podia ver os cones pouco abaixo<br />
dos seios, e a grossa mancha de pelos que cobria seu púbis.<br />
—Querido! —exclamou ela, com sua habitual atitude de frouxidão, e<br />
flutuou até a porta para saudá-lo.<br />
O beijo de Edward foi mais intenso que o habitual. Em vez de deixá-la ir<br />
embora,a agarrou pelos cabelos para cravá-la em seu lugar. Descobriu então<br />
que desejava que sua amante se derretesse hoje, queria ouvir-la gritar, tê-la a<br />
sua mercê.<br />
—Bom Deus —disse, quando finalmente ele a soltou. Com as mãos<br />
procurou por debaixo de seu colete até manusear seu volume expandindo—.<br />
Alguém esteve pensando em travessuras.<br />
Ele não respondeu, nem queria que ela falasse. Desejava transar de uma<br />
vez por to<strong>da</strong>s, uma relação sexual que durasse horas. Queria encontrar o<br />
esquecimento e o alívio e não duvi<strong>da</strong>va de que sua amiga Imogene se<br />
emprestaria a isso sem qualquer tipo de impedimento.<br />
Ela era habilidosa com as mãos apesar <strong>da</strong> roupa. Encontrou a ponta de<br />
seu pênis e gentilmente cutucou, pressionando o gênero contra uma gota<br />
furtiva. Ele manteve o fôlego quando suas unhas se afun<strong>da</strong>ram para aumentar<br />
a pressão.<br />
—Meu querido Eddie —disse, e voltou para as carícias que tinha<br />
começado.<br />
Mas ele não era um cão que ela pudesse dominar até a submissão. Rasgou<br />
a bata pela frente e a beijou quando ela se atreveu a rir. Como uma força<br />
avassaladora, a conduziu de volta ao divã de cetim. Ao diabo atrasando o<br />
assunto até chegar ao dormitório. A faria sua aqui e agora.<br />
—A cria<strong>da</strong> — ela advertiu, quase sem fôlego, mas seu peito se agitava<br />
para cima e para baixo. Edward a observou, se dizendo a si mesmo que não<br />
desejava que fosse exuberante em lugar de desejosa, ou morena em lugar de<br />
loira, e que não queria ver tremer em lugar de ofegar.<br />
— Ao inferno com a cria<strong>da</strong>. — Agarrou um seio na mão, mordiscou sua<br />
ponta avermelha<strong>da</strong>.— Deixe que olhe.<br />
Imogene deixou escapar uma risa<strong>da</strong> e com os braços rodeou seu pescoço.<br />
—Sim —ronronou, aproximando ao arco que desenhava seu sexo sob o<br />
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tecido. — Eu gosto quando te põe assim.<br />
O abraço se converteu em um conflito, e Imogene tentava subir nele.<br />
Edward utilizou sua força para impedi-la, algo que não tinha feito desde que se<br />
conheciam. Ela não pareceu se importar. Em reali<strong>da</strong>de, <strong>da</strong>va a impressão de<br />
que lhe agra<strong>da</strong>va. Sua frouxidão a abandonou. O agarrou como se não tivesse<br />
suficiente de seus músculos e de sua pele, e tentou rasgar sua roupa enquanto<br />
de sua garganta escapavam gritos desesperados.<br />
—Por favor — Implorou quando ele se negou a deixar que abrisse as<br />
calças. — Por favor, Edward.<br />
Em um gesto perverso, ele ficou reclinado sobre ela, agarrado pelos<br />
estreitos quadris, a mantendo em seu lugar com uma mão entre os seios<br />
trementes. Com a outra, afrouxou os botões de sua calça. Ao eliminar a tensão<br />
conti<strong>da</strong>, novo sangue rugiu fluindo para os tecidos já inchados. Jamais tinha<br />
estado assim endurecido, jamais tão sedento e, ain<strong>da</strong> assim, descobriu que ele<br />
mesmo não estava de tudo presente, como se o observasse tudo desde certa<br />
distância. Lady Hargreave era na ver<strong>da</strong>de encantadora, ela to<strong>da</strong> loira, vistosa e<br />
ávi<strong>da</strong>, sua juventude desperdiça<strong>da</strong> com um homem doze anos mais velho que<br />
ela. Era Edward a quem necessitava. Havia dito tantas vezes.<br />
Só ele podia apaziguar essa ardência que a fazia se atrasar na cama pelas<br />
manhãs.<br />
Abaixou as calças até o quadril, e aquela leve fricção bastou para<br />
estimulá-lo. Sentia o ar fresco sobre sua pele acesa. “Olhe,” pensou, “isto é o<br />
que desejas”.<br />
Imogene olhou, e os olhos se voltaram frágeis ao abranger a potência<br />
grossa e avermelha<strong>da</strong> de sua ereção. O próprio Edward ficou olhando, as<br />
grossas veias, o escroto que se agitava nervoso, o brilho <strong>da</strong> fome na ponta<br />
bulbosa. Por que desejavam as mulheres a esta besta horrível? E por que só<br />
vê-la, a sentir dura e prepara<strong>da</strong>, impregnava <strong>da</strong>quela sensação de poder?<br />
Ela suspirou ao vê-lo pulsar desafiando a força de gravi<strong>da</strong>de. Apesar de<br />
sua resistência, suas mãos conseguiram o encontrar, acariciar e provocá-lo até<br />
que Edward ardia de desejos de penetrá-la. Apertou com força os dentes em<br />
lugar de ceder. Não sabia por que, só que algo o impulsionava a dilatá-lo.<br />
— Me fo<strong>da</strong> —sussurrou Imogene, se retorcendo entre seus joelhos. —<br />
Quero te sentir dentro de mim.<br />
Mas antes, ele a tocou, porque não queria se mostrar complacente. A<br />
tocou com seus grossos dedos masculinos, apartando seu velocino 6 dourado e<br />
encaracolado. A excitação umedeceu suas delica<strong>da</strong>s dobras e inchou sua<br />
diminuta pérola. Ele deslizou os dedos em torno do tenro broto. Ela gemeu<br />
enquanto ele a acariciava, fundi<strong>da</strong> como nunca tinha estado antes, os cachos<br />
loiros caindo pelas têmporas, a almofa<strong>da</strong> esfregando contra o divã quando ela<br />
lançou sua cabeça para trás. Isto era o que ele desejava, tê-la a sua mercê e,<br />
6 - Velocino = Pele de carneiro ou ovelha com lã; tosão.<br />
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ain<strong>da</strong> assim, não satisfazia aquela necessi<strong>da</strong>de exposta que sentia no fundo <strong>da</strong><br />
alma. Com um grunhido de frustração, abriu as pernas para os lados.<br />
Já estava bem de preliminares. A faria sua e que o condenassem, se<br />
aproximou de sua entra<strong>da</strong> e empurrou, mas não encontrou nenhuma<br />
resistência para além de seus limites naturais.<br />
—Sim — ela respondeu, o estimulando para que a penetrasse com seu<br />
instrumento—. OH, sim.<br />
Elevou as pernas e apertou suas costelas por debaixo dos braços. Juntos<br />
se balançaram, acima e abaixo, até que Imogene relaxou e ele se afundou<br />
nela, endurecendo as pernas para penetrar até o ponto final. Aí parou e se<br />
manteve dentro dela, o corpo tremendo de desejo.<br />
—É um monstro — ela disse, com o fôlego entrecortado, o rosto pálido e as<br />
pupilas dilata<strong>da</strong>s quão grande eram—. Em minha vi<strong>da</strong> nunca senti em mim um<br />
falo 7 tão maravilhoso.<br />
Desta vez, ele não duvidou <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de <strong>da</strong>quela absur<strong>da</strong> declaração. Se<br />
sentia o mais poderoso. Como se pudesse possuir o mundo inteiro. Os dedos<br />
dela desceram por suas costas até agarrar suas nádegas aperta<strong>da</strong>s.<br />
—Agora —pediu, ofegante—, faz.<br />
Finalmente ele estava disposto agradá-la. Com um rugido mútuo, se<br />
afun<strong>da</strong>ram os dois, vigorosamente, bran<strong>da</strong>mente, os dois ardendo em desejos<br />
egoístas de chegar a seu próprio clímax. <strong>Além</strong> de todo controle, Imogene<br />
afundou as unhas nas costas e arranhou a superfície de sua pele. Edward<br />
lançou um grunhido e se agarrou à cabeça do divã para entrar ain<strong>da</strong> mais, para<br />
empurrar com mais vigor. Imogene arqueou o pescoço por cima <strong>da</strong> almofa<strong>da</strong> e<br />
sua respiração se converteu em um uivo.<br />
—Não pare —disse, ofegando, acoplando freneticamente seus quadris com<br />
os dele—. Não pare. Não pare.<br />
Ele voltou a se afun<strong>da</strong>r nela, sentindo que sua carne se apertava ao redor<br />
de seu membro enquanto seu prazer aumentava. Na feroci<strong>da</strong>de de seu ardor,<br />
sentia que seu membro era de aço, tão ferozmente endurecido que mal o podia<br />
suporta. Fechou os olhos e apoiou a fronte na pequena almofa<strong>da</strong> bor<strong>da</strong><strong>da</strong> ao<br />
lado <strong>da</strong> cabeça de Imogene. As imagens passavam de um lado <strong>da</strong>s pálpebras.<br />
Um pe<strong>da</strong>ço de ren<strong>da</strong>, um pé pequeno, um peito que aparecia por cima do<br />
espartilho. Os músculos do seu ventre se apertaram. Agora tinha sau<strong>da</strong>des. Até<br />
a dor. Então, sua companheira arrancou, e ele sentiu o poderoso<br />
estremecimento do orgasmo que o estimulou até o limite do abandono e o fez<br />
ranger os dentes. Se separou no último momento, e se derramou em um fervo<br />
espesso sobre uma de suas coxas.<br />
Depois, ficou suspenso por cima dela se apoiando nos cotovelos, sacudido<br />
por um medo que não podia explicar.<br />
— Bom Deus — ela murmurou, acariciando langui<strong>da</strong>mente os arranhões<br />
7<br />
- Falo = O mesmo que pênis.<br />
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nas costas—. Se a gente soubesse quão apaixonado pode chegar a ser, jamais<br />
o chamariam de Edward coração de gelo.<br />
Ele quase sucumbiu à tentação de perguntar quem o apeli<strong>da</strong>va assim,<br />
posto que se tratava de um insulto que jamais tinha ouvido. Mas ao final nem<br />
sequer se incomodou em perguntar. Olhou Imogene de cima. Tinha a pele<br />
rosa<strong>da</strong> de sacie<strong>da</strong>de, e seus olhos cinza brilhavam. Não teve força para detê-lo<br />
quando ele se separou, só miou como um gato decepcionado. Edward, que era<br />
muito correto para partir imediatamente, se sentou junto a ela e lhe acariciou o<br />
braço. Sua atração sexual sempre tinha sido poderosa, mas nunca tinham<br />
compartilhado um encontro tão intenso. Ele não se entregou com tantas<br />
vontades desde que tinha dezessete anos, nem tampouco tinha tomado jamais<br />
a uma mulher com tão pouca delicadeza.<br />
Tampouco parecia que ao Imogene importasse muito.<br />
—Edward —suspirou, e seus cachos dourados caíram sobre seu rosto—,<br />
você sozinho bastaria para fazer que uma mulher peça o divórcio. --- Ele não<br />
tomou a sério, mas a declaração ficou <strong>da</strong>ndo voltas. Não se sentia mais<br />
próximo a Imogene. Se sentia vazio e inquieto. E cansado dos prazeres <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>.<br />
Afastou o cabelo a um lado com um suspiro. Pensando bem, se sentia<br />
sozinho.<br />
Tampouco estava de melhor ânimo à hora em que foi visitar sua tia<br />
Hypatia. Na quarta-feira era o dia de descanso de sua tia em casa e ele se viu<br />
obrigado a se sentar, com o chapéu na mão, enquanto uma condessa idiota e<br />
suas duas filhas solteiras estavam tentando iniciar uma conversa com ele que,<br />
previsivelmente, não tinha sentido. No final, se despediram, muito depois de<br />
transcorrido meia hora convencional, e não com muita vontade. Edward<br />
assentiu com gesto rígido para as jovens, mas não teve a presença de ânimo<br />
para se levantar.<br />
—Edward —disse tia Hypatia—, se não fosse tão evidente que vieste por<br />
algum assunto importante, chamaria sua atenção por sua rudeza. Está-te<br />
pondo muito velho para ignorar a qual queira dessas garotas que o olham com<br />
olhos coquetes. —Deu uns tapinhas a seu lado no sofá branco e dourado—. Se<br />
aproxime, querido. Tem um aspecto de poucos amigos que não é habitual, nem<br />
sequer em você. Espero não ter que lamentar algum problema com meus<br />
investimentos.<br />
—Não —negou ele, e com gesto brusco ocupou o lugar, ain<strong>da</strong> quente, que<br />
tinha deixado a condessa. Durante os últimos anos, era ele quem administrava<br />
o dinheiro <strong>da</strong> duquesa—. Seus investimentos estão a salvo. É o assunto do<br />
Freddie.<br />
—Hmm —disse sua tia, e a sereni<strong>da</strong>de de sua resposta aliviou algo a<br />
pressão que Edward sentia no peito. Hypatia era uma mulher atraente, magra<br />
e de costas ergui<strong>da</strong>s apesar de seus anos, com uma coroa de cabelo branco<br />
prateado que o era muito característico. Em sua juventude, não tinha sido<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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nenhuma beleza, mas com sua elegância e seu orgulho tinha <strong>da</strong>do a impressão<br />
do contrário. Agora pregou as mãos sobre sua saia de pálido cetim lavan<strong>da</strong>—.<br />
Me perguntava quando se aproximaria para me pedir conselho.<br />
—É algo mais que conselhos o que necessito. —Edward se inclinou para<br />
frente e deu uns golpes na perna com o chapéu—. Temo que vim a requerer<br />
seus serviços como anfitriã social.<br />
—De que maneira se trata disso —disse Hypatia, e agarrou seu chapéu e<br />
luvas e chamou o John, seu mordomo, um homem magro como uma vassoura.<br />
—Sim, Excelência?—pergunto este, com seu tom sepulcral característico.<br />
—Leve o casaco de lorde Greystowe —ordenou ela—. Traga o porto e feche<br />
a porta. Hoje estarei indisposta.<br />
— Como você deseje —respondeu ele e desapareceu com o que poderia<br />
ter sido o fantasma de um sorriso.<br />
Hypatia não deixou falar com Edward até que o criado trouxesse o porto e<br />
ele tivesse bebido uma taça cheia.<br />
—Vejamos —disse ela—, suponho que sua necessi<strong>da</strong>de de meu patrocínio<br />
social significa que encontrou uma moça muito tola ou desespera<strong>da</strong> para<br />
pensar em se casar com o açoite dos criados.<br />
—É assim que chamam Freddie agora? O açoite dos criados?<br />
— Bem, só me vem à cabeça um só criado que não o chame assim. Foi<br />
isso que ouvi, estavam passando em grande antes que entrasse esse maldito<br />
fabricante de cervejas. Por favor, não faça essa cara comigo, Edward. Sou mais<br />
velha que você e vi coisas mais chocantes que o pecado de nosso jovem<br />
Freddie. De fato, até as protagonizei.<br />
Depois de <strong>da</strong>r uns tapinhas no ombro, voltou a encher a taça com o porto.<br />
Edward franziu o cenho diante <strong>da</strong>quela profundi<strong>da</strong>de cor rubi. E então lhe<br />
assaltou uma ideia mais feliz. Se a duquesa via aquele escân<strong>da</strong>lo com ligeireza,<br />
a posição do Freddie possivelmente não era tão intransponível como temia.<br />
— Me conte algo desta jovem —disse sua tia—. É um caso muito<br />
impossível?<br />
—Não muito, não acredito, mas ain<strong>da</strong> verde. É uma filha de pastor.<br />
Cresceu em alguma parte de Lancashire. É mais pobre que um rato,<br />
certamente, mas muito atraente.<br />
—Muito atraente? —inquiriu tia Hypatia, com um sorriso sarcástico.<br />
Edward sabia o que poderia significar a ênfase involuntário que tinha sido<br />
expressa.<br />
— Terá que lapi<strong>da</strong>r —seguiu—, e necessita de alguém que a acolha<br />
durante esta tempora<strong>da</strong>.<br />
—O que é isso de uma tempora<strong>da</strong>, se você diz que vai se casar com<br />
Freddie?<br />
—Não sabe que se casará com Freddie. Quero que ele a corteje. Quero que<br />
as pessoas acreditem que se trata de uma história de amor.<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
—Freddie está informado de suas intenções?<br />
—Estará —afirmou Edward—, e fará o que eu diga.<br />
— Eu não tenho nenhuma dúvi<strong>da</strong> de que ele vai tentar, mas … —Tia<br />
Hypatia se deteve sem acabar a frase. Perdi<strong>da</strong> em seus pensamentos, pôs as<br />
mãos sobre a tampa de cristal fosco <strong>da</strong> garrafa do porto—. Não —disse<br />
pausa<strong>da</strong>mente—, tem razão, Freddie tem que sossegar a cabeça. Será melhor<br />
que o faça agora, antes que seja impossível.<br />
—De modo que nos aju<strong>da</strong>rá?<br />
Ela o olhou conservando seu largo sorriso.<br />
—Já me conhece, querido. É minha família, bom ou mau. <strong>Além</strong> disso, como<br />
poderia não aju<strong>da</strong>r a meu sobrinho favorito que se encontrar em apuros?<br />
Edward sentiu que o doloroso sofrimento se cravava muito<br />
repentinamente para ocultá-lo. Era ver<strong>da</strong>de que Freddie possuía o encanto <strong>da</strong><br />
família, e Edward estava acostumado que seu irmão pequeno fosse o preferido.<br />
A única pessoa que tinha demonstrado certa debili<strong>da</strong>de por ele era seu pai, um<br />
completo que não tinha maior valor porque o velho conde tinha sido um<br />
descarado. Isso sim, <strong>da</strong>s pessoas que o próprio Edward respeitava, sempre<br />
tinha pensado... Tragou saliva e apertou as mãos. Sempre tinha pensado que<br />
tia Hypatia sentia certa debili<strong>da</strong>de por ele.<br />
Ao compreender esse olhar involuntário de dor, agarrou o rosto em suas<br />
mãos frescas e rugosas.<br />
—Verá, Edward, Freddie é só meu preferido porque necessita <strong>da</strong> aprovação<br />
<strong>da</strong>s pessoas mais que você. A ver<strong>da</strong>de é que às vezes penso que você até seria<br />
capaz de sobreviver ao dilúvio universal se o propor isso. —Baixou as mãos e<br />
estreitou o punho tenso do Edward—. Querido, quero a ti <strong>da</strong> mesma maneira.<br />
<strong>Além</strong> disso, é você a quem procuraria em caso de necessi<strong>da</strong>de.<br />
A preocupação que viu em seus olhos fez Edward entender o ridículo de<br />
sua atitude. Certamente, o primeiro lugar tinha que ser para Freddie. Ele<br />
mesmo sempre punha a seu irmão em primeiro lugar. Retirou bran<strong>da</strong>mente<br />
suas mãos e esclareceu a garganta.<br />
—Não há por que falar desta insensatez —disse—. Sou um homem<br />
amadurecido, não um menino.<br />
—Todos somos meninos quando se trata do amor —sentenciou sua tia—.<br />
Quando tiver minha i<strong>da</strong>de, espero que saiba isso tão bem como eu sei agora.<br />
Edward desejou que não acontecesse, mas só o tempo diria.<br />
A duquesa viúva de Carlisle era a mulher mais imponente que Florence<br />
jamais tinha conhecido. Era tão alta como um homem, mais de um metro<br />
oitenta, e ain<strong>da</strong> se mantinha bem ergui<strong>da</strong> apesar <strong>da</strong> i<strong>da</strong>de. Seus olhos de cor<br />
azul clara eram agu<strong>da</strong>s como diamantes e muito mais penetrantes. Se estia<br />
esquisitamente, uma peça de alfaiate de raias azuis e chapea<strong>da</strong>s com um<br />
corpete de corpo comprido e um busto tão restringido que <strong>da</strong>va vontade de<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
queimar os próprios trapos.<br />
Ao menos essa é a sensação que teve Florence.<br />
Seus joelhos tinham começado a fraquejar do momento em que o criado a<br />
conduziu ao salão. O teto era duas vezes a altura de um domicílio normal, com<br />
molduras doura<strong>da</strong>s e um lustre em gotas que, sem dúvi<strong>da</strong>, os serventes<br />
demoravam dias em limpar. A única coisa que salva do terror absoluto foi uma<br />
curiosa coincidência. A duquesa tinha os mesmos móveis dourados e brancos<br />
estilo Luis XV que ma<strong>da</strong>me Victoire. Isso sim, os móveis <strong>da</strong> duquesa não eram<br />
uma imitação de cartão pedra.<br />
—Se mantém ergui<strong>da</strong> — espetou quando viu a ameaça de um sorriso<br />
brilhar nos lábios de Florence—. Como posso saber que aparência você tem se<br />
te curva dessa maneira?<br />
Florence abriu os olhos porque sabia que se mantinha ergui<strong>da</strong>. Sentiu que<br />
as bochechas se avermelhavam quando a duquesa começou <strong>da</strong>r voltas a seu<br />
redor com uma elegante bengala de marfim. Florence teve a suspeita de que à<br />
velha senhora gostava de ficar mais com aquela bengala que agra<strong>da</strong>va mais<br />
de seu som do que pelo apoio que a proporcionava.<br />
—Hmm— disse a duquesa, e o desagradável som <strong>da</strong> bengala se deteve<br />
em seco. Parou atrás de Florence, mas esta não se atrevia a se virar. Se sentia<br />
como um sol<strong>da</strong>do indisciplinado na hora <strong>da</strong> inspeção.<br />
—Quem fez esse vestido? —perguntou a duquesa.<br />
—Ma<strong>da</strong>me Victoire, do Brook Street, Excelência, uma antiga sócia do<br />
senhor Worth.<br />
—Jamais ouvi falar dela. —A duquesa voltou a se plantar diante de<br />
Florence com a aju<strong>da</strong> <strong>da</strong> sua bengala. Apalpou o pescoço, suas mãos<br />
surpreendentemente suaves sobre o gênero vincado—. Está bem, mas é muito<br />
escura para uma moça recém saí<strong>da</strong> <strong>da</strong> escola.<br />
—Foi feito com muita urgência—disse Florence, sem se intimi<strong>da</strong>r. —<br />
Sempre tinha achado mais fácil defender a outros que se defender a si mesma<br />
e não queria ver questionado o julgamento <strong>da</strong> costureira—. Era o único que<br />
tinha à mão.<br />
—Já —disse a duquesa. Seus olhos de diamante pareciam medir ca<strong>da</strong><br />
costura. Voltou a passear com a bengala —. Toca piano?<br />
— Razoavelmente bem, Excelência.<br />
—Canta?<br />
—Nem por todo o chá <strong>da</strong> China.<br />
— A bengala se deteve. Florence respirou com dificul<strong>da</strong>de, e esperou. Era<br />
como se o olhar <strong>da</strong> duquesa lhe perfurasse a frente.<br />
—Acaso tenta se fazer graciosa comigo, menina?<br />
—Não, Excelência, disse espontaneamente.<br />
Do nariz <strong>da</strong> duquesa saiu um som que parecia uma espécie de bufo de<br />
risa<strong>da</strong> pouco habitual nela.<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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Emma Holly<br />
—Muito bem —disse com o tom de alguém que concede uma ver<strong>da</strong>de a<br />
contra gosto—. Acredito que conseguirá. Se sente e tome um chá. Eu morro de<br />
sede, embora você possivelmente não. E deixa de me chamar “Excelência”.<br />
Para você, sou tia Hypatia.<br />
—Tia Hypatia? —Florence sentiu que afrouxavam as pernas quando se<br />
afundou em uma <strong>da</strong>s cadeiras.<br />
—Sim—disse a duquesa—, seria muito difícil apresentar a filha de um<br />
simples pároco à rainha.<br />
—OH, Excelência... Tia Hypatia, eu não me atreveria A...<br />
—Será melhor que apren<strong>da</strong> a se atrever. Não quero que nenhuma de<br />
minhas protegi<strong>da</strong>s vá pela vi<strong>da</strong> se arrastando como um camundongo<br />
assustado.<br />
—Eu não sou um camundongo —disse Florence, ain<strong>da</strong> quando apertou os<br />
joelhos para que estas deixassem de tremer.<br />
Tia Hypatia lançou um olhar duro. Florence elevou o queixo. Não era um<br />
camundongo. Vergonhosa, talvez. Tími<strong>da</strong>, sem dúvi<strong>da</strong>. Mas não um<br />
camundongo. Os ratos não se ocupavam de administrar a casa de seus pais.<br />
Os ratos não viajavam até Londres. Os ratos não arriscavam tudo o que tinham<br />
para construir um futuro mais sólido. Depois do que pareceu uma eterni<strong>da</strong>de, o<br />
rosto <strong>da</strong> duquesa se suavizou com um sotaque de satisfação.<br />
—Bem —disse—, ao menos tem caráter. Não muito, mas algo tem. O qual<br />
dá no mesmo. A maioria <strong>da</strong>s pessoas exercem seu caráter com muita<br />
frequência. E logo, quando realmente precisam ser firmes, se derrubam.<br />
Florence assentiu com um gesto <strong>da</strong> cabeça.<br />
—Tentarei recor<strong>da</strong>r isso, Excelência.<br />
—Tia —corrigiu a duquesa e apanhou o bule para servir o chá—. De fato...<br />
—Sua expressão se voltou distante—, Acredito que será minha afilha<strong>da</strong>.<br />
Nesse momento, a duquesa poderia ter elevado Florence com uma pluma.<br />
Soltou uma risa<strong>da</strong> quando viu a expressão <strong>da</strong> jovem, seus olhos piscando com<br />
a malícia de uma menina.<br />
— Não posso esperar para sair contigo —disse, esfregando as mãos com<br />
regozijo—. Causará sensação, causará ver<strong>da</strong>deira sensação. Haverá tantos<br />
narizes deslocados que teremos que contar em grandes quanti<strong>da</strong>des.<br />
Aquela não era uma predição que Florence acolhesse de boa vontade.<br />
—A ver<strong>da</strong>de é que não me interessa causar sensação —murmurou—. Só<br />
quero conhecer um homem agradável e disponível.<br />
—Isso fará queri<strong>da</strong> — assegurou a duquesa—. Os terá aos montões. Mas<br />
antes —disse, e deu um golpe em Florence no queixo—, antes vamos nos se<br />
divertir.<br />
A generosi<strong>da</strong>de de tia Hypatia não tinha feito mais que começar. Atribuiu<br />
ao Florence uma mora<strong>da</strong> espaçosa no segundo an<strong>da</strong>r, cujas janelas olhavam<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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ao parque cerca no centro do Grosvenor Square. Lizzie tinha uma casa<br />
pequena justo ao lado. A garota não cabia em si de entusiasmo porque seria<br />
instruí<strong>da</strong> pela própria assistente <strong>da</strong> duquesa para se converter na cria<strong>da</strong> de<br />
uma <strong>da</strong>ma.<br />
—É um sonho —suspirou para ouvir as notícias—. Ai, senhorita, não me<br />
belisque ou despertarei!<br />
Florence desejava que seu próprio prazer fosse tão puro. Que tipo de<br />
nobreza, se perguntava, era aquela que aceitava uma desconheci<strong>da</strong> em sua<br />
casa e a tratava não como uma prima mas sim como uma filha perdi<strong>da</strong> desde<br />
muito tempo? A duquesa argumentava que o senhor Mowbry havia feito um<br />
favor, mas o senhor Mowbry devia ser um procurador importante entre seus<br />
clientes, tinha ate uma duquesa. Hypatia tampouco parecia o tipo de mulher<br />
que dedica sua vi<strong>da</strong> a causas caridosas. Era generosa, mas dificilmente<br />
chegava ao sacrifício. Florence não pôde chegar à conclusão de que tinha<br />
haver algum benefício para ela naquele acerto. Possivelmente tinha uma rival<br />
nos círculos sociais cuja filha pretendia brilhar. Florence era capaz de pensar<br />
isso, embora sabia que suspeitar assim não falava muito bem dela. Seu pai a<br />
tinha criado para pensar o melhor <strong>da</strong>s pessoas, a dizer “obrigado” em lugar de<br />
“por que”. Agora a diria que agradecesse sua boa fortuna, não questionasse os<br />
motivos de quem a tinha resgatado.<br />
Entretanto, quando tia Hypatia quis que Florence se convertesse em<br />
cliente de sua costureira, uma mulher estabeleci<strong>da</strong> na Bond Street, não em<br />
uma de suas ruas vizinhas, Florence teve que pôr reserva a suas intenções.<br />
—Sou eu quem faz o pagamento — disse a duquesa, ofendi<strong>da</strong>—. A menos<br />
que pode fazer é permitir que se faça a minha maneira.<br />
Entretanto, embora ma<strong>da</strong>me Victoire fora um pouco estranha, Florence<br />
não podia trair sua confiança.<br />
—Se me casar — advertiu—, poderei pagar o que a devo. Possivelmente<br />
não tudo em segui<strong>da</strong> — adicionou, pensando na hipotética comerciante—. Mas<br />
com o tempo sim poderei.<br />
Não cedeu terreno apesar dos olhares de ira <strong>da</strong> duquesa. Finalmente, sua<br />
benfeitora acessou com um bufado de contrarie<strong>da</strong>de.<br />
—Depois quererá que te deixe pagar comi<strong>da</strong> e alojamento.<br />
—Se assim o desejar, Excelência.<br />
—Isso é um descaramento — murmurou a duquesa—. Eu já não sei como<br />
se comportam as moças de hoje em dia.<br />
Felizmente, quando ma<strong>da</strong>me Victoire chegou, a duquesa se sentiu<br />
rapi<strong>da</strong>mente tranquiliza<strong>da</strong>. Florence tinha temido que a maneira de ser <strong>da</strong><br />
costureira fosse muito familiar, mas seu tratamento à duquesa foi impecável,<br />
quase obsequioso, embora à duquesa não parecesse se importar isto último.<br />
Seus julgamentos coincidiam perfeitamente. Como resultado, Florence não<br />
tinha na<strong>da</strong> que dizer. Teria três novos espartilhos, todos franceses, quatro<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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vestidos de viagem, seis vestidos de noite, outros seis mais apropriados para<br />
vela<strong>da</strong>s com baile e Deus sabe quantos coletes, blusas e sapatos. Um só par de<br />
sapatilhas de cetim teria sangrado a carteira de Florence, mas tia Hypatia não<br />
tinha a intenção de que a loucura se detivera ali.<br />
—Se os levar, compraremos mais — afirmou—. E as pessoas vão se<br />
lembrar do que ela estava usando.<br />
—Já me sinto como se tivesse suficiente — se queixou Florence—. Começo<br />
a compadecer do meu pobre marido. Sua mulher terá umas dívi<strong>da</strong>s<br />
arrepiantes.<br />
Tia Hypatia riu e estampou um beijo na testa, mas Florence não tinha<br />
falado em tom de brincadeira.<br />
No sábado foi o dia em que apresentou seus créditos. Ou, melhor dizendo,<br />
as cartas com os cartões <strong>da</strong> duquesa de Carlisle apresenta<strong>da</strong>s com o nome de<br />
Florence escrito mais abaixo. Um dos serventes habituais as entregou.<br />
—Só enviei trinta — disse tia Hypatia—. Estamos sendo seletas.<br />
A Florence, trinta parecia um número muito elevado, mas assentiu como<br />
se o julgasse pouco. Era aquela hora aprazível antes de se retirar a dormir.<br />
Estava senta<strong>da</strong> aos pés <strong>da</strong> duquesa em sua penteadeira, com suas novas saias<br />
de musselina ao seu redor, aju<strong>da</strong>ndo a enrolar uma mea<strong>da</strong> de lã de caxemira.<br />
Era curioso não ter outras tarefas. Os Fairleigh, inclusive em sua época mais<br />
esplêndi<strong>da</strong>, nunca haviam possuído serventes suficientes para eximir a<br />
Florence <strong>da</strong> tarefa noturna de lavar pratos, conduzir água ou alimentar e cui<strong>da</strong>r<br />
<strong>da</strong> luz. Agora não tinha outra coisa que fazer que ouvir tia Hypatia, admirar os<br />
tapetes orientais, as preciosas aquarelas e o brilho do fogo na lareira que<br />
alguém tinha acendido para manter as frias noites de maio à distância.<br />
Começava a se sentir cômo<strong>da</strong> aqui. Muito cômo<strong>da</strong>, para falar a ver<strong>da</strong>de.<br />
—Que tipo de seleção temos feito? —perguntou, voltando para fio <strong>da</strong><br />
conversação.<br />
—Os capitalistas — disse a duquesa—, e aqueles que são tão interessantes<br />
que não podemos resistir. Infelizmente, são dois círculos que estranha vezes se<br />
juntam.<br />
—Exceto em seu caso, tia Hypatia.<br />
A duquesa recompensou sua provocação com um golpezinho de seu leque<br />
—. Não sou eu quem te ensinou a dizer esse tipo de cumpridos.<br />
—Não, Excelência — se atreveu a dizer ela—. Não teve tempo de fazê-lo.<br />
Tia Hypatia afogou um risinho.<br />
—Ai, menina, que agradável é te ver sorrir. Quando tem medo, aparenta<br />
muito magra.<br />
—É preferível demonstrar que alguém está aterroriza<strong>da</strong>, conforme<br />
acredito.<br />
—Sim — disse a duquesa, com um suspiro apagado—. Assim é. Acariciou a<br />
bochecha de Florence onde o fogo não a tinha esquentado. Foi uma carícia<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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breve e, quando acabou, a duquesa ficou pensando. Florence olhou seu régio<br />
rosto estragado pelo tempo, o nariz altivo e agudo, os olhos sábios e<br />
penetrantes. Não conhecia aquela mulher e, ain<strong>da</strong> assim, se sentia como a<br />
conhecesse. Apesar de suas suspeitas, não podia resistir a sua intuição.<br />
Florence não recor<strong>da</strong>va sua mãe. Sarah Fairleigh tinha morrido muito jovem.<br />
Entretanto, pensou que a tenra mancha por debaixo de seu peito devia ser a<br />
sombra do amor de uma filha.<br />
Nesse momento, sua resistência fraquejou. Nem o cínico mais consumado<br />
—e Florence dificilmente podia ser tacha<strong>da</strong> de cínica— podia duvi<strong>da</strong>r do afeto<br />
<strong>da</strong> Hypatia. Era um afeto devotado com muita calidez para ser imposto. Se a<br />
duquesa desejava utilizar ao Florence de algum jeito, e bem, que assim fora.<br />
Florence julgava que sua patrocinadora merecia com um acréscimo.<br />
No domingo pela manhã, a duquesa entrou em grandes perna<strong>da</strong>s no<br />
quarto de Florence enquanto Lizzie lutava com os cordões de seu espartilho. Os<br />
novos demorariam semanas em chegar, mas Lizzie estava decidi<strong>da</strong> que a<br />
cintura de sua senhora estivesse à altura <strong>da</strong>s senhoras de Londres.<br />
—Se aproxime e te agarre aos pés <strong>da</strong> cama ordenou a duquesa—, e deixa<br />
que Lizzie dê um puxão.<br />
Florence deixou escapar um grito ao ver que aquela técnica funcionava,<br />
mas a duquesa não demonstrou pie<strong>da</strong>de alguma.<br />
—Já se acostumará — disse—, e se te apertar afrouxaremos os cordões.<br />
Certamente, Florence não olhava com bons olhos a perspectiva de se<br />
deprimir. Jurou que de algum jeito aprenderia a respirar.<br />
—Necessita de minha aju<strong>da</strong>? —perguntou, retendo o fôlego por causa <strong>da</strong><br />
pressão nas costelas—. Já sabe que me agra<strong>da</strong>ria aju<strong>da</strong>r de qualquer maneira<br />
possível.<br />
—Não necessito sua aju<strong>da</strong>—respondeu a duquesa com um bufado—.<br />
Quero que esteja presente na hora do café <strong>da</strong> manhã. Com o vestido de<br />
tarlatana nata com os laços de veludo verde. Os jovens se reunirão conosco.<br />
Terá seu primeiro ensaio.<br />
Florence vestiu o primeiro de muitos coletes.<br />
—Os jovens?<br />
—Meus sobrinhos, seus primos — disse a duquesa golpeando com a sua<br />
bengala—, de modo que na<strong>da</strong> de “meu senhor” aqui e “visconde” lá. Para ti<br />
são Freddie e Edward, e não esqueça.<br />
—OH — disse Florence, com o coração acelerado. Ia tomar o café <strong>da</strong><br />
manhã com homens, homens com títulos, parentes <strong>da</strong> duquesa viúva.<br />
Consciente de seus nervos, Florence esperava sinceramente que o café <strong>da</strong><br />
manhã não acabasse sobre seu vestido.<br />
Mas suas preocupações desapareceram, porque o sobrinho <strong>da</strong> duquesa,<br />
Freddie, imediatamente a fez se sentir confortável.<br />
—Olá, prima — disse, se levantando quando ela entrou na sala de jantar.<br />
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Era o homem mais atraente que jamais tinha visto, como um herói saído de um<br />
romance, o cabelo encaracolado de tom castanho dourado, intensos olhos<br />
azuis e um sorriso tão luminoso como uma ensolara<strong>da</strong> manhã.<br />
—Como você está? —respondeu Florence timi<strong>da</strong>mente, incapaz de resistir<br />
o impulso de devolver o sorriso.<br />
Seu irmão era uma sombra alta e robusta junto à janela. Florence não teria<br />
fixado muito nele se não houvesse sentido uma ligeira ardência nos dedos,<br />
uma sensação estranha que teve ao lhe <strong>da</strong>r a mão.<br />
—Como, você está? —disse Edward, se inclinando sobre sua mão. Tinha os<br />
mesmos olhos azuis que seu irmão, mas suas pestanas eram negras como o<br />
carvão. Naquele rosto quase ameaçador, seu olhar era notavelmente<br />
penetrante. Uma calidez peculiar se derramou pelo peito de Florence. É a<br />
vergonha, ela pensou, mas não era precisamente isso.<br />
—Vamos, beije a mão dela. —Era a condessa, a personificação <strong>da</strong><br />
impaciência que falava—. Esta garota tem que se acostumar às galanterias.<br />
Com um gesto de severa soleni<strong>da</strong>de, seu sobrinho obedeceu. Era um<br />
homem elegante, mas rígido, e quando pressionou levemente os lábios contra<br />
sua mão, Florence não pôde evitar um estremecimento. Sua boca era cáli<strong>da</strong>,<br />
quase quente. Quando se endireitou, ela podia ver que a cor corria a seu rosto.<br />
— Pare com isso — seu irmão riu—. Edward, não adote essa atitude de<br />
jovem encantador, que ela é minha.<br />
Dito isto, agarrou Florence pelo braço para conduzi-la até a mesa, onde<br />
um impressionante desdobramento de mantimentos os esperavam servidos em<br />
bandejas de prata. Florence ficou olhando o prato com picante fígado de aves<br />
assa<strong>da</strong>s e ovos, o pescado esmiuçado e o arenque defumado, e os cereais e as<br />
torra<strong>da</strong>s e os pães-doces, além dos frascos de geléia que brilhavam como<br />
pedras preciosas. Duvi<strong>da</strong>va que quatro pessoas pudessem comer todo aquilo<br />
em uma semana, embora fossem todos homens.<br />
—Quer que eu te sirva Florence? —sugeriu Freddie, Sorrindo para suavizar<br />
a pronúncia de seu nome.<br />
—Sim... Freddie — ela respondeu e foi recompensa<strong>da</strong> com uma risa<strong>da</strong><br />
infantil.<br />
—Você e eu nos entenderemos — disse ele com uma pisca<strong>da</strong> amistosa—.<br />
Vejo que é uma garota sensata.<br />
Não poderia ter escolhido um melhor elogio, e a comi<strong>da</strong> continuou com<br />
assombrosa fluidez. Freddie era um contador de histórias espirituoso, talvez um<br />
pouco arteiro, mas nunca ultrapassava os limites.<br />
—Meu irmão — disse, em tom confidencial, enquanto o mencionado<br />
cortava seus fígados de ave com um cui<strong>da</strong>do metódico— atrai to<strong>da</strong>s as loucas<br />
mães de Londres.<br />
—Ah, sim? — ela disse, embora não estava segura de que devesse<br />
estimular Freddie a detrimento de seu irmão. Edward, tal como ela se obrigou a<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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pensar nele, não parecia o tipo de pessoa que abun<strong>da</strong>sse em provocações.<br />
—Sim — disse Freddie, e chocou o ombro com ela em um gesto de<br />
cumplici<strong>da</strong>de—. Elas tentam caçar para as suas filhas, mas ele nunca cai. Nem<br />
sequer conseguimos que flerte.<br />
Edward franziu o cenho olhando o prato, mas não demonstrou<br />
aborrecimento algum.<br />
—Nem todos os homens nasceram para flertar — Florence observou, e se<br />
sentiu estranha por ter saído em sua defesa—. Talvez ele... quero dizer você...<br />
OH, Deus. Me perdoe lorde Greystowe, não deveria falar em seu nome.<br />
—Edward — ele corrigiu, com um tom de géli<strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de que<br />
demonstrava que era o sobrinho <strong>da</strong> Hypatia.<br />
—Edward — ela disse, e as bochechas se acenderam quando percebeu seu<br />
olhar estranho e calculadora—. Estou segura de que suas razões para não<br />
flertar com as filhas <strong>da</strong>s mães são muito razoáveis.<br />
—Ah! —exclamou Freddie, aparentemente sem temer a ira de seu irmão—.<br />
Edward está casado com suas responsabili<strong>da</strong>des. Com seu milho, ovelhas e sua<br />
fábrica têxtil em Manchester.<br />
Edward deixou sua faca e garfo.<br />
—Freddie — disse com expressão perfeitamente conti<strong>da</strong>—. Não está bem<br />
dizer que um homem está casado com suas ovelhas.<br />
Florence se engasgou com uma parte <strong>da</strong> torra<strong>da</strong>. Um dos criados teve que<br />
<strong>da</strong>r uns tapinhas nas costas até que deixou de tossir.<br />
—Vamos ver — brincou Edward—, seguro que uma garota do campo como<br />
você está familiariza<strong>da</strong> com o lado mais animal <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>.<br />
Florence estava quase segura de que brincava. Ela viu uma emoção<br />
pequena torci<strong>da</strong> canto <strong>da</strong> boca surpreendentemente sensual. Entretanto seu<br />
tom de voz era completamente sério.<br />
Presa em uma confusão sem nome, Florence amassou o guar<strong>da</strong>napo sobre<br />
sua saia. Quaisquer que fossem as razões que esta família a tinha acolhido,<br />
não queria que pensassem dela como uma mulher vulgar, nem que seu pai não<br />
havia <strong>da</strong>do proteção como era devido. Se alguma vez tinha ouvido os jovens de<br />
seu povo brincando sobre estas coisas, tinha sido puramente por acidente.<br />
—Não sei na<strong>da</strong> disso — balbuciou—. Diria que quando me pai cortava o<br />
peru, sempre perguntava se eu queria uma fatia do peito.<br />
Florence querido provar com isto a boa educação que regia na casa do<br />
pároco, mas sua declaração provocou em Freddie uma ruidosa tosse que<br />
afogou em um punho fechado. Quanto a Edward, embora não sucumbi-se à<br />
risa<strong>da</strong>, era muito visível a faísca em seu olhar.<br />
—Muito apropriado — demarcou—, a carne branca é a mais tenra. —Tinha<br />
a cabeça inclina<strong>da</strong> sobre o prato, mas quando elevou o olhar através de suas<br />
pestanas, era como se esta derramasse como uma risa<strong>da</strong> sobre seu colete.<br />
Florence nunca tinha visto um homem rir dessa maneira, só com os olhos. Era<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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tanto enigmática e atraente, e era totalmente impossível não levar a mão ao<br />
peito.<br />
—Edward — brigou Hypatia—, você está fazendo a garota se sentir<br />
desconfortável.<br />
O mais correto teria sido negá-lo, mas Florence nesse momento<br />
experimentava dificul<strong>da</strong>des para articular.<br />
—Não há por que se preocupar — disse Freddie, recuperado de seu acesso<br />
—. O nosso velho Edward fez uma pia<strong>da</strong> <strong>da</strong> tempora<strong>da</strong>. Não tema, que não<br />
voltará a tentá-lo de novo até agosto.<br />
—Freddie! —advertiu Hypatia, que tampouco celebrou aquela brincadeira.<br />
Apesar <strong>da</strong> desaprovação <strong>da</strong> duquesa, Florence sentiu que o calor<br />
abandonava suas bochechas. O efeito dos irmãos nela não poderia ter sido<br />
mais diferente. Graças a Deus pelo Freddie. Suas palavras voltaram a fazê-la se<br />
sentir como parte <strong>da</strong> diversão, em lugar de ser o objeto <strong>da</strong> mesma. Quando<br />
Edward avançou uma sucinta desculpa, ela aceitou com um leve gesto de<br />
digni<strong>da</strong>de.<br />
—Vê, Edward — disse Freddie—, não só é bonita mas também sabe<br />
perdoar.<br />
Florence devolveu seu sorriso amável. Que jovem mais agradável, pensou.<br />
Se foi um exemplo do que Londres tinha para oferecer, sua busca de um<br />
marido não seria na<strong>da</strong> difícil.<br />
Capítulo 3<br />
A semana seguinte foi dedica<strong>da</strong> à ativi<strong>da</strong>des de receber e devolver visitas.<br />
Florence duvi<strong>da</strong>va do adjetivo “fascinante” que usava tia Hypatia ao falar dela.<br />
A nebulosa de rostos e nomes a confundia e rara vezes ocorria algo para dizer.<br />
Como podia começar a falar? Não conhecia as pessoas <strong>da</strong>s quais os outros<br />
falavam, nem sabia de mo<strong>da</strong> além do que ma<strong>da</strong>me Victoire tinha empregado<br />
para vesti-la.<br />
Entretanto, tia Hypatia <strong>da</strong>va amostras de estar absolutamente contente.<br />
—Modesta e na<strong>da</strong> de vaidosa — sentenciou quando o lacaio a ajudou a<br />
subir no carro depois de uma visita ao elegante Park Lane. Com ar satisfeito,<br />
desdobrou seu vestido mais confortavelmente ao seu redor e logo riu <strong>da</strong> careta<br />
de Florence—. Não deveria ter medo de parecer aborreci<strong>da</strong>, queri<strong>da</strong>. Só<br />
pareceria estranha se tentasse ser uma pessoa muito desenvolvi<strong>da</strong>. O<br />
importante é que as pessoas a conheçam e vejam quão atraente é, o qual não<br />
poderiam deixar de ver embora fossem cegos.<br />
Estas declarações faziam Florence se sentir incômo<strong>da</strong>, mas, considerando<br />
quão generosa que a duquesa tinha sido e quão pouco tinha para oferecer a<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
ela, Florence realmente sentia que não tinha do que reclamar.<br />
Quando não estava ocupa<strong>da</strong> com as visitas, Freddie reivindicava o<br />
privilégio de primo para oficiar como uma escolta, e a levava para montar a<br />
cavalo nos parques ou a sair em navio pelo Tamises. Florence se divertia<br />
enormemente porque Freddie era um companheiro encantador, sabia muitas<br />
histórias engenhosas, mas também era capaz de fazê-la falar de si mesma. Por<br />
volta do final <strong>da</strong> semana, sabia mais dela do que quase qualquer outra pessoa<br />
viva.<br />
Florence tinha que se lembrar que o objetivo <strong>da</strong> duquesa era que ela não<br />
podia dirigir seus afetos para com ele. Seu sobrinho, conforme deduziu<br />
Florence, casaria com uma herdeira, uma dessas moças risonhas dos Estados<br />
Unidos, talvez, que não o obriga-se a formular constantemente elogios.<br />
—Isso é o que pensa? —perguntou ele quando ela compartilhou com ele a<br />
sua teoria. Ficou olhando com uma expressão estranha e eloquente que não<br />
esclarecia as coisas a Florence, e isso a irritava.<br />
Estavam inclinados sobre o corrimão de um navio de passeio que<br />
avançava agitado para o oeste <strong>da</strong> lagoa de Londres. Mais adiante ficava Vitória<br />
Embankment e as torres marrons e bicu<strong>da</strong>s do Parlamento. Estavam tão perto<br />
um do outro que os cotovelos quase se tocavam mas, como sempre, ela se<br />
sentia confortável com esse contato dele.<br />
—Você não gosta <strong>da</strong>s mulheres dos Estados Unidos? —perguntou para<br />
sondá-lo, esperando que sua resposta seria uma de suas ocorrências.<br />
Mas ele voltou seu olhar para um navio de carvão nas imediações. O<br />
pesado navio se bamboleava sob sua carga e a expressão de Freddie não era<br />
muito mais clara que o carvão, de repente seu olhar se voltou tão triste que<br />
Florence sentiu que a compaixão a oprimia o peito.<br />
— Eu gosto <strong>da</strong>s jovens inglesas — era tudo que ele disse—. As bonitas, de<br />
cabelo negro liso e olhos verdes como o vidro.<br />
Dita por um galante como ele, a insinuação não era para tomar a sério.<br />
Sem dúvi<strong>da</strong>, alguma americana superficial tinha quebrado seu coração e aquilo<br />
era a fonte de sua tristeza. Mas se assim tinha acontecido, ele não o revelou.<br />
Passou o momento e Freddie recuperou a alegria habitual.<br />
Seu irmão os acompanhou em algumas saí<strong>da</strong>s, o qual não era<br />
necessariamente motivo de alegria. Florence não sabia por que, mas Edward<br />
parecia haver cobrado antipatia por ela. A observação de Freddie de que seu<br />
irmão não era capaz de formular mais de uma frase engenhosa por tempora<strong>da</strong><br />
parecia acerta<strong>da</strong>. Não que Florence queria seguir escutando brincadeiras tolas<br />
sobre as ovelhas. Com a primeira tinha bastado. Ain<strong>da</strong> assim, não julgou<br />
necessário para franzir o cenho ca<strong>da</strong> vez que a olhava. Se tivesse sido para<br />
ela, teria tentado de evitá-lo, mas não queria privar ao Freddie do visível<br />
alegria que provocava sua companhia. Este adorava a seu irmão mais velho, e<br />
apesar <strong>da</strong>s maneiras parcas de Edward, Florence via que o sentimento era<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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Emma Holly<br />
mútuo. Tampouco podia culpar Edward de pecar <strong>da</strong> falta de correção. Onde<br />
quer que fosse, ele a apresentava como sua prima. Tími<strong>da</strong> como era, não podia<br />
deixar de se sentir agradeci<strong>da</strong> de ser vista em companhia desses dois homens<br />
imponentes.<br />
Se apenas a maioria tivesse demonstrado algo mais de calidez! Florence<br />
tinha chegado à conclusão de que Edward não era um homem feio.<br />
Certamente, sua constituição não era tão frágil como a de Freddie, mas era de<br />
altura. Tinha ombros mais largos, membros mais pesados e poderosos. Seu<br />
rosto era interessante se a gente era capaz de olhar além de seu cenho. Sua<br />
expressão tinha uma intensi<strong>da</strong>de e inteligência que era impossível ignorar. Em<br />
reali<strong>da</strong>de, as sobrancelhas pairava sobre seus olhos e seu nariz era tão<br />
acentuado como a de tia Hypatia. Entretanto tinha uma testa ver<strong>da</strong>deiramente<br />
nobre e uma mandíbula forte, e nem o crítico mais exigente <strong>da</strong> beleza humana<br />
poderia encontrar um defeito na perfeição de sua boca sensual. Suas mãos<br />
pensou com um estremecimento interior desconhecido, também eram<br />
agradáveis. Eram grandes e cui<strong>da</strong>dosas e hábeis. Para Florence, era difícil<br />
imaginar uma tarefa que não pudesse realizar. Quando os três saíram juntos<br />
para passear pelo Rotten Row, Florence se sentia tão orgulhosa <strong>da</strong> companhia<br />
dos dois irmãos que suspeitava que o brilho de suas bochechas a delatava. O<br />
estilo cavaleiro de Freddie chamava atenção de todos e Edward, que montava<br />
um magnífico corcel negro de peitos poderosos, era tão imponente que outros<br />
cavalos se afastavam ao vê-lo chegando. Suas mãos apenas pareciam mover<br />
as rédeas. O cavalo de Freddie brincava com excelente ânimo, mas o do<br />
Edward se comportava como se fosse muito orgulhoso para fazer algo exceto<br />
precisamente o que Edward deman<strong>da</strong>va. Florence achava isto assombroso. Em<br />
sua experiência, os cavalos eram animais destinados quase exclusivamente<br />
aos tolos e fanfarrões, e era evidente que Edward não era nem um nem outro.<br />
Seu cavalo se chamava Sansón, por sua larga juba de cor caramelo.<br />
A égua baio de Florence, aluga<strong>da</strong> em um estábulo local, parecia muito<br />
atraí<strong>da</strong> pelo grande cavalo negro. Era uma criatura formosa, com um an<strong>da</strong>r tão<br />
leve como de um gato, mas se Florence deixava de prestar atenção por um<br />
momento, esta se aproximava de Sansón e roçava seu focinho contra o<br />
pescoço do animal.<br />
—Ela está apaixona<strong>da</strong> —disse Freddie, rindo dela <strong>da</strong> décima vez que<br />
Florence tentou apartar à égua—. Edward terá que levar ao Buttercup de volta<br />
ao Greystowe para o harém do Sansón.<br />
Certamente, Florence já tinha ouvido conversas desse aspecto. Nos batepapos<br />
do povo, os cavalos e suas criação eram um tema tão importante como<br />
o tempo. Na<strong>da</strong> do que Freddie poderia dizer a envergonharia. Entretanto, por<br />
alguma razão, possivelmente porque Edward estava olhando fixo nela ou<br />
porque a égua escolheu esse momento para se aproximar de Sansón com<br />
renovados ardores, Florence se sentiu totalmente invadi<strong>da</strong> por uma repentina<br />
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on<strong>da</strong> de calor. Dos pés à cabeça, todo seu ser pulsava com aquela maré<br />
ardente. Florence nunca tinha experimentado na<strong>da</strong> parecido. O suor se<br />
condensado entre seus seios e ali onde sua coxa se apertava contra a de<br />
Edward, sentiu que queimava como se a perna dele fosse uma brasa de<br />
carvão.<br />
Com um leve grito, estendeu a mão para impedir que fosse esmaga<strong>da</strong><br />
entre ambas as montarias. Com a palma <strong>da</strong> mão, bateu no quadril de Edward,<br />
justo onde suas calças cor cruzavam a virilha. Sua perna era mais dura do que<br />
ela esperava. Contraiu os dedos ao tocar e quando sentiu um músculo que<br />
reagiu fisicamente ao contato, aquele calor desconhecido e agudo aumentou.<br />
Edward se afastou ao mesmo tempo em que lançava uma imprecação. —<br />
Pelo amor de Deus! —exclamou, ruborizado — Por que não presta atenção<br />
onde põe a mão?<br />
— Eu... Eu — Florence gaguejou, mas antes que pudesse formular sua<br />
desculpa, ele já havia se lançado entre as árvores para as margens de<br />
Serpentine, arrancando partes <strong>da</strong> grama no galope do Sansón.<br />
Angustia<strong>da</strong>, Florence tentou conter as lágrimas. Em to<strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong>,<br />
ninguém tinha falado com tanta animosi<strong>da</strong>de. A ver<strong>da</strong>de, não podia negar que<br />
o merecia. Edward devia pensar que ela era idiota por duas vezes: primeiro,<br />
por não controlar seu cavalo, e segundo, pela ousadia de tocá-lo onde<br />
nenhuma <strong>da</strong>ma deveria ousar. O fato de que não ter sido intencional, pouco<br />
importava. O pior de tudo era que havia testemunhas de sua vergonha. Duas<br />
mulheres jovens com chapéus de plumas colori<strong>da</strong>s se detiveram junto ao<br />
caminho arenoso e agora riam bobamente, ocultas atrás de suas mãos<br />
enluva<strong>da</strong>s. Florence teve a desagradável certeza de que as tinha conhecido em<br />
uma de suas visitas. As senhoritas Wainwright, conforme recor<strong>da</strong>va, cuja mãe<br />
tinha feito tantas e tão diretas perguntas sobre Freddie e seu irmão. Aquela<br />
mulher tinha sido a mais avassaladora, e Florence tinha pensado que talvez tia<br />
Hypatia havia decidido que o nariz que queria torcer era a sua, e era por isso<br />
que a tinha jogado na socie<strong>da</strong>de.<br />
Certamente, Florence não tinha cooperado em na<strong>da</strong> para consumar essa<br />
ambição. Elas também arrancaram ao meio galope, antes de Florence decidir<br />
se devia cumprimentá-las ou não com um gesto <strong>da</strong> cabeça.<br />
A única coisa que ela estava alivia<strong>da</strong> era que Freddie não havia<br />
testemunhado a zombaria <strong>da</strong>s duas mulheres.<br />
—Não se preocupe com Edward — disse Freddie, <strong>da</strong>ndo uns tapinhas no<br />
seu cavalo —. Deus sabe que eu o amo, mas tem um gênio detestável.<br />
—Tem razão — ela disse, sentindo que tremia de cima abaixo—. Meus<br />
defeitos como cavaleiro são óbvias.<br />
—Ora! Não diga isso — disse Freddie, desprezando a ideia com um gesto<br />
de mão—. Monta tão bem como qualquer pessoa. Não é sua culpa que Edward<br />
escolheu uma égua que sinta atração por seu cavalo. Ao ouvir essas palavras,<br />
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o coração de Florence saltou.<br />
—Edward escolheu o cavalo?<br />
—Claro que sim! Não confia em ninguém para esse tipo de coisas. Deixou<br />
louco o homem na feira do Tattersall. Não é muito lento, disse, e não muito<br />
rápido isso não é tão bonito o suficiente. E ao final, olhe o que recebe por seus<br />
esforços, esta criatura apaixona<strong>da</strong>.<br />
A égua deu um coice como se sentisse ofendi<strong>da</strong>. Florence sentiu que a<br />
maior parte de sua dor se perdeu na risa<strong>da</strong> que compartilhou com Freddie. Mas<br />
nem tudo.<br />
A censura de lorde Greystowe era como uma mordi<strong>da</strong> poderosa.<br />
Edward continuou galopando até chegar aos tranquilos jardins de<br />
Kensington. Até então, a necessi<strong>da</strong>de de torná-lo completamente um Phaeton 8<br />
e caleche 9 havia feito esquecer a marca que a palma <strong>da</strong> mão <strong>da</strong> senhorita<br />
Fairleigh tinha deixado a impressa de fogo em sua coxa. Aquela jovem era<br />
muito inocente para seu próprio bem. Muito inocente para o bem dele.<br />
Suprimindo uma imprecação, desmontou sob os salgueiros que cresciam<br />
nas margens do Long Water. Sua ereção minguante provocava certo<br />
desconforto, mas ele a ignorou. A estas alturas, já estava acostumado, ou<br />
deveria estar. Bastava só pensar na moça e seu sexo começava a se irrigar.<br />
Pior ain<strong>da</strong>, a jovem começava gostar dele. A maioria <strong>da</strong>s garotas em sua<br />
posição eram umas maliciosas ou ambiciosas, mas Florence era uma criatura<br />
encantadora, e estava tão ansioso para provocar. Cem vezes ao dia pensava<br />
em alguma ocorrência para provocar seu rubor, e logo tinha que recor<strong>da</strong>r que<br />
cortejá-la era assunto de Freddie. Com um suspiro, tirou o chapéu e penteou<br />
com a mão o cabelo suarento afastando <strong>da</strong> testa. Uma garça sulcava as<br />
pláci<strong>da</strong>s águas do lago diante de seus olhos, e a visão de seu lento avanço<br />
acalmou seus nervos agitados. Como se quisesse recor<strong>da</strong>r quanto tinha<br />
trabalhado, Sansón soprou impaciente em sua orelha.<br />
—Sim — disse Edward, esfregando o focinho espumoso do cavalo—. É um<br />
bom menino.<br />
Melhor que seu amo. Sansón não perdeu o controle quando a égua se<br />
esfregou contra ele. Tampouco Sansón pensava em voltar a visitar Cumberland<br />
Terrace. Foram três vezes nessa semana, e ca<strong>da</strong> encontro era mais desinibido<br />
que o anterior. Imogene estava fora de si de tanto prazer. Edward sacudiu a<br />
cabeça com um gesto de repugnância e abriu o colarinho para sentir a brisa.<br />
Não podia usar sua amante para exorcizar a luxúria que sentia pela prometi<strong>da</strong><br />
de seu irmão. E embora Imogene não soubesse, não estava bem. Não, tinha<br />
que lutar contra esse demônio para sossegar a cabeça. Florence não era para<br />
ele. Florence era para Freddie. E se <strong>da</strong>vam admiravelmente bem. Seguindo<br />
8 - Phaeton = Pequena carruagem, descoberta e leve, de quatro ro<strong>da</strong>s. = Fáeton<br />
9<br />
- Caleche = Carruagem de dois assentos e quatro ro<strong>da</strong>s, aberta por diante.<br />
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suas instruções, Freddie tinha posto em cena uma imitação muito boa de um<br />
homem ca<strong>da</strong> vez mais preso em uma <strong>da</strong>ma. Tampouco seu interesse parecia<br />
fingido. Sentia afeto por aquela moça, ver<strong>da</strong>deiro afeto. Repetia coisas que ela<br />
havia dito, planejava excursões para agradá-la e, como era Edward, desfrutava<br />
do tempo que passavam juntos.<br />
Sem ir muito longe, alguns dias antes Edward tinha contado como havia<br />
deixado fascinado o duque de Devonshire e o seu cavalo. —Essa besta<br />
insensata quis comer o chapéu <strong>da</strong> pobre moça — disse rindo—. Sabe o que ela<br />
disse? “Bem, Excelência, não tinha ideia de que este chapéu fosse feito de tão<br />
boa palha.” Isso demonstra coragem, Edward. Coragem. Especialmente para<br />
uma moça que tem medo de até sua própria sombra. —Freddie estava<br />
orgulhoso dela, como um homem deveria estar orgulhoso de sua futura mulher.<br />
Pensando bem, o plano de Edward não podia gozar de melhores perspectivas.<br />
Se ele não se sentia tão atraído, estava seguro de que aquilo teria<br />
causado alegria nele.<br />
Freddie, Florence e a duquesa ain<strong>da</strong> se encontravam no pátio atrás de um<br />
enorme edifício paladino no Piccadilly, esperando Edward. Durante os últimos<br />
quatro anos, aquela mansão marrom e branca tinha agasalhado a Royal<br />
Academy of the Arts. Segundo tia Hypatia, a exposição priva<strong>da</strong> <strong>da</strong> primavera,<br />
que assistiriam, era o primeiro grande acontecimento <strong>da</strong> tempora<strong>da</strong>. O aspecto<br />
<strong>da</strong> multidão confirmava sua afirmação. A seu redor, a nata <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de de<br />
Londres se dirigia lentamente para a entra<strong>da</strong>, vesti<strong>da</strong> com roupas finas, e com<br />
um aspecto orgulhoso difícil de superar. A duquesa, que sempre era objeto de<br />
atenção, sau<strong>da</strong>va com um gesto a muitos dos que passavam, todos os quais<br />
pareciam se felicitar de sua sau<strong>da</strong>ção. Surpreendentemente, muitos também<br />
sau<strong>da</strong>vam Florence com um gesto <strong>da</strong> cabeça. Ela fazia o possível para sorrir e<br />
se inclinar, mas se sentia muito agita<strong>da</strong> para tentar uma sau<strong>da</strong>ção mais alegre.<br />
Para seu alívio, não viu as senhoritas Wainwright.<br />
—Não mexa com o vestido — disse tia Hypatia, e quis suavizar seu<br />
comentário com um tapa.<br />
Florence apenas a ouviu. Não sabia se alegrava ou lamentava de Edward<br />
ter decidido assistir à exposição. A duquesa se firmava em seu braço, era<br />
ver<strong>da</strong>de, e Freddie sempre estava feliz de contar com sua presença. Quanto a<br />
Florence, começava a pensar que a companhia de Edward ficava ca<strong>da</strong> vez mais<br />
opressiva para seu estado de ânimo. Era como se não pudesse respirar<br />
normalmente quando ele estava perto. Se por acaso ele a roçava, começavam<br />
a tremer as mãos. Só a visão de seus ombros, vestindo uma de sua tradicional<br />
túnica negra, provocavam umas palpitações desconheci<strong>da</strong>s.<br />
Hoje foi sua cartola o que a seduziu. Edward usava com absoluta<br />
superiori<strong>da</strong>de, e seu brilho quase igualava ao de seu cabelo ondulado, aparado<br />
tão perto <strong>da</strong> linha do pescoço que os cachos do cabelo não alcança a camisa. O<br />
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que podia levar um homem a tratar o seu cabelo como se corresse o perigo de<br />
se converter em um selvagem? O que aconteceria, Florence se perguntou, se<br />
ele o deixasse crescer?<br />
A pergunta, certamente, não fazia sentido, e a resposta não era assunto<br />
seu. Decidi<strong>da</strong> a não continuar pensando nisso, curvou as mãos por diante e se<br />
preparou para saudá-lo.<br />
Ele se apresentou com sua habitual rígi<strong>da</strong> inclinação de cabeça e cenho<br />
franzido, um cenho que se voltou mais profundo quando dedicou um olhar ao<br />
seu vestido cor a<strong>da</strong>masca<strong>da</strong> de cintura baixo. Florence levava um de seus<br />
novos espartilhos franceses, ajustado só um pouco mais do que era habitual. A<br />
cor a favorecia, como favorecia o encaixe de se<strong>da</strong> que adornava o pescoço e as<br />
mangas. O busto era modesto, a curva de sua polonesa não mais extravagante<br />
do que poderia levar qualquer mulher de sua i<strong>da</strong>de. Seu chapéu era uma<br />
maravilha de simplici<strong>da</strong>de: um sombreiro de cetim inclinado com uma só<br />
pluma branca no bordo, tão pequena que ficava presa de seu penteado em alto<br />
como um pires a uma taça. Freddie tinha sofrido uma espécie de êxtase ao vêla<br />
e tinha declarado que superava a algo inventado pelos pintores. E Freddie<br />
sabia de mo<strong>da</strong>. Por isso, Florença se recusou a acreditar que o cenho franzido<br />
de Edward era devido a seu vestido.<br />
Por dedução, isso significava que o cenho estava dirigido a ela.<br />
—Florence— Edward disse, e não disse mais na<strong>da</strong>, depois ele se virou para<br />
servir de escolta a sua tia.<br />
A desilusão que ela sentiu quando ele desviou o olhar dela foi<br />
completamente inexplicável.<br />
—Tem certeza que quer vir? —sussurrou no ouvido de Freddie quando,<br />
como o resto <strong>da</strong> multidão, começaram a subir a esca<strong>da</strong>ria dupla que <strong>da</strong>va ao<br />
salão—. Eu acho que você não tenha nunca ameaçado?<br />
—Quem, eu? —Freddie abriu os olhos cheios de surpresa—. Deus, não. Eu<br />
não poderia deixar de . Edward é um autêntico patrão <strong>da</strong>s artes. Espera e<br />
observa. Todo mundo começará a fofocar sobre como vai vestido ca<strong>da</strong> qual e<br />
quem corteja a quem, e já verá que nosso velho Edward fica olhando os<br />
quadros. Ao parecer, Freddie pertencia aos grupos <strong>da</strong> fofoca. Assim que<br />
entraram no salão, Florence o perdeu entre um grupo de homens que riam. Fez<br />
gestos para que se aproximasse, mas ela não quis ir, não só porque seus<br />
companheiros pareciam um tanto superficiais, mas sim porque desejava ver a<br />
exposição. Isso era, para ela, o atrativo que tinha Londres. Não as festas, nem<br />
as cartes de visite, a não ser se afun<strong>da</strong>r no coração <strong>da</strong> arte e cultura. Quando<br />
não divisou Edward nem à duquesa, se resignou a <strong>da</strong>r uma volta sozinha.<br />
E, felizmente, ninguém prestou a menor atenção enquanto visitava uma<br />
sala atrás de outra. Ca<strong>da</strong> parede requeria um comprido momento de reflexão,<br />
porque os quadros estavam pendurados uns em cima de outros, até o teto.<br />
Para Florence não importava a confusão. Fascinava ver aquelas obras em<br />
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pessoa, em vez de vê-los como gravuras reproduzi<strong>da</strong>s em uma revista.<br />
Inclusive agra<strong>da</strong>va os quadros maus, porque adivinhava as pincela<strong>da</strong>s e as<br />
cores e imaginava o pintor de carne e osso trabalhando. Que maravilhoso devia<br />
ser, pensou, ter essa habili<strong>da</strong>de para criar.<br />
Alguns quadros eram bons. Por um longo minuto ficou encanta<strong>da</strong> pelo<br />
retrato <strong>da</strong> grande senhora Bischoffshein, pintado por Millais. Seu caráter ficava<br />
tão bem retratado que Florence pensou que a conhecia. Harpia, pensou, mas<br />
com senso de humor. Também se deteve quando chegou frente ao quadro<br />
titulado Too Early' que, por sorte ou por acidente, pendurava, solitário, por<br />
cima de uma formosa lareira de mármore. No quadro apareciam quatro moças<br />
encantadoras, mas com uma atitude que delatava seu desconforto, esperando<br />
com seus acompanhantes em uma sala de baile vazia.<br />
—Você gosta? —perguntou uma voz grave e familiar.<br />
Florence sentiu que o coração disparava. Não lembrava de nenhuma<br />
ocasião em que Edward tivesse pedido sua opinião antes. Lançou um olhar de<br />
soslaio em sua direção, mas felizmente, ele tinha seus severos olhos azuis fixos<br />
no quadro. Respondeu com a voz mais serena possível.<br />
—Eu gosto muito — disse. O pintor capturou muito bem esse sentimento<br />
embaraçoso de chegar entre os primeiros, o que se pode fazer do que outra<br />
coisa que sorrir.<br />
Edward alisou as lapelas.<br />
—Você gosta dos quadros que contam histórias?<br />
—Sempre e quando se tratar de uma história interessante.<br />
—E que opinião merece esse francês Monet, ou Sisley? —Pela primeira<br />
vez, Edward a olhou diretamente nos olhos, e a intensi<strong>da</strong>de de seu olhar, igual<br />
a seu tom de voz, eram desafiadoras. Florence sentiu uma agitação conheci<strong>da</strong><br />
na boca do estômago. Nenhum homem deveria ter pestanas tão grossas. Por<br />
um momento, sentiu o rosto tão quente que pensou que se fosse desmaiar.<br />
Teve que engolir antes de voltar a falar.<br />
—Acredito que não conheço sua obra.<br />
Edward assentiu, como se sua resposta fora exatamente o que esperava.<br />
—Vêem comigo — disse—, Eu tenho algo a te mostrar.<br />
Para sua surpresa, ele a agarrou não pelo braço, mas sim pela mão.<br />
Através de suas luvas, Florence sentiu o calor de sua pele, e sentiu seus<br />
próprios dedos tragados pela enorme mão. Só podia rezar para que ele não<br />
sentisse a repentina umi<strong>da</strong>de na palma <strong>da</strong> mão.<br />
Edward a levou através de um labirinto de portas em arco para a menor<br />
<strong>da</strong>s galerias. Lá, passou um binóculo de prata e apontou para um quadro<br />
pendurado, como se a Academia se envergonhasse de ter aceito, em um canto<br />
sujo e no alto, perto do teto.<br />
Florence se levou o binóculo aos olhos.<br />
—O que estou vendo é Monet ou Sisley?<br />
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—Nenhum dos dois — ele disse, com um tom perverso o que ela já estava<br />
acostuma<strong>da</strong>—. É um quadro de Whistler.<br />
Florence o sentia respirar, lenta e regularmente. Edward tinha se situado<br />
justo atrás dela, suas largas pernas roçavam seu vestido, enquanto com as<br />
mãos inclinava com o binóculo para orientar seu olhar. Florence sentiu que<br />
seus braços começavam a tremer. Só pararam quando enfocou no quadro.<br />
—OH — suspirou, incapaz de guar<strong>da</strong>r para si essa sensação maravilhosa.<br />
O quadro era uma ponte bem depois do pôr-do-sol, uma noite nebulosa, com a<br />
sombra de um solitário remador se afastando corrente abaixo. Nunca tinha<br />
visto na<strong>da</strong> parecido. Era algo completamente novo, uma mescla de sutis cores<br />
que, de algum jeito, criavam um mundo. Sentiu que sua mente se abria de<br />
uma forma desconheci<strong>da</strong>. Este quadro pensou, é um quadro do futuro.<br />
Edward parecia compartilhar sua emoção.<br />
— Não é magnífico? —perguntou, pronunciando suas palavras<br />
pausa<strong>da</strong>mente.<br />
— É extraordinário! Se não é mas que manchas de azul escuro e claro,<br />
mas a gente sabe exatamente o que é, captou tudo com precisão. A água de<br />
noite, inclusive como se sente, como se todo mundo estivesse dormindo menos<br />
você. Me dá vontade de chorar só de olhar e, entretanto é muito, muito belo.<br />
Perdi<strong>da</strong> em meio de sua admiração, nem sequer se sobressaltou quando<br />
Edward depositou suas mãos brevemente sobre seus ombros, só um apertão<br />
rápido e quente, e já não estava.<br />
— Pensava que possivelmente o compraria —disse ele.<br />
Florence não pôde impedir, deixou o binóculo e se voltou para ele. Tinha<br />
uma expressão pensativa, e sua deliciosa boca estava relaxa<strong>da</strong>. Pela primeira<br />
vez, parecia tão jovem como Freddie. Poderia gostar dele, pensou ela. Se só se<br />
comportasse assim mais frequentemente, estou segura de que poderíamos ser<br />
amigos.<br />
—Sabe? Nunca conheci alguém que tenha comprado um quadro —disse.<br />
Ele riu com essa confissão, um som suave e aberto que roçou os ouvidos<br />
como o grunhido de um cachorrinho.<br />
— Tome cui<strong>da</strong>do, senhorita Fairleigh. Com este tipo de declarações,<br />
delatará suas origens.<br />
Seus olhos faiscavam tão amavelmente que Florence soube que estava<br />
brincando. Ain<strong>da</strong> assim, não foi capaz de segurar seu olhar. Era muito azul,<br />
muito quente. Em seu lugar, olhou suas mãos, que ain<strong>da</strong> sustentavam o<br />
binóculo.<br />
—É difícil ocultar minhas origens —disse, e também sorriu ligeiramente—.<br />
Tia Hypatia diz que nem sequer devo tentar.<br />
—Bom, se tia Hypatia disse... —concordou ele, e jogou bran<strong>da</strong>mente para<br />
trás a pequena pluma branca de seu chapéu inclina<strong>da</strong> para frente. Era um<br />
gesto que poderia ter tido seu irmão, um gesto amável e protetor. Florence<br />
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estremeceu ao senti-lo como nunca tinha acontecido com Freddie.<br />
—Tem frio, senhorita Fairleigh? — Edward perguntou, em voz baixa e<br />
curiosamente rouca. Se inclinou para diante para olhar seu rosto, um gesto<br />
necessário devido à sua altura. Ela via a sombra dos seus bigodes por debaixo<br />
de sua pele, cheirava um aroma selvagem de sua colônia. Não havia ocorrido<br />
que um homem tão sóbrio como ele usasse essas essências. Descobrir que sim<br />
e usava assumido uma espécie de remorso. Tem segredos, pensou. Não é o<br />
homem que parece.<br />
—Senhorita Fairleigh? — Edward perguntou. Com um gesto tão ligeiro que<br />
para Florence pareceu ter sonhado, apalpou com o dedo a curva <strong>da</strong> bochecha.<br />
Sua ponta era ligeiramente rugosa. Deve ter removido as luvas. O estômago<br />
apertou diante <strong>da</strong>quela intimi<strong>da</strong>de inespera<strong>da</strong>.<br />
—Estou bem —disse, possivelmente em um tom muito alto—. Bastante<br />
bem. Edward ficou rígido ante aquela advertência e retrocedeu meio passo.<br />
Abotoou sua elegante jaqueta e a alisou.<br />
—Talvez devêssemos resgatar tia Hypatia do salão de chá. —Sim disse ela,<br />
uma vez alivia<strong>da</strong> e decepciona<strong>da</strong>.<br />
Desta vez, a ofereceu o braço, sustentando o cotovelo bem afastado do<br />
flanco. Quando Florence passou a mão, a atitude amável de Edward tinha<br />
desaparecido. Seu braço bem poderia ter sido um bloco de madeira. Um<br />
suspiro escapou de seus pulmões engravatado. Tinha pensado que o irmão de<br />
Freddie era quente com ela, e tinha sido o bastante ingênua para acolher a<br />
mu<strong>da</strong>nça. Deveria haver sabido. Era evidente que seriam necessários muitos<br />
minutos de intercâmbios amistosos para derreter aquele homem de pedra.<br />
Lewis bateu na porta do quarto justo no momento em que Edward<br />
deslizava um corcel de ônix em sua impecável camisa branca. Estava<br />
pensando em sua estratégia para o baile dessa noite, uma estratégia que não<br />
contemplava esse gesto de se abandonar como o tinha feito na Academy. Seria<br />
civilizado com a senhorita Fairleigh, na<strong>da</strong> mais. Não a tocaria. Não sorriria.<br />
Sobre tudo, não <strong>da</strong>nçaria com ela. Até que encontrasse uma maneira de<br />
controlar essas reações que se tornavam inquietantemente imprevisíveis, não<br />
voltaria a se aproximar dela.<br />
Pouco importava que seus olhos fossem tão verdes como os prados <strong>da</strong><br />
Irlan<strong>da</strong>. Não importava que estivesse de acordo com que Whistler era um<br />
gênio, nem que sua maneira de se ruborizar desse vontade de estreitá-la<br />
contra seu peito e beijá-la até a inconsciência. A partir de agora, a chave de<br />
sua relação seria a distância.<br />
—Senhor? —disse Lewis. Ao não obter resposta de seu amo, o aju<strong>da</strong>nte se<br />
atreveu a entrar—. Temo que surgiu um pequeno problema.<br />
Edward pensou imediatamente em Freddie e os criados, mas desprezou o<br />
pensamento tão rapi<strong>da</strong>mente como pôde. Freddie tinha <strong>da</strong>do sua palavra de<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
honra. Era a única coisa que Edward precisava saber. Ajustou o corcel por<br />
debaixo do pescoço em ponta e agarrou sua gravata de laço branca.<br />
—Que pequeno problema?<br />
—Trata-se <strong>da</strong> senhorita Fairleigh.<br />
O coração Edward deu um salto. Maldita seja. Só seu nome bastava para<br />
que esticassem os músculos entre suas pernas.<br />
—Acaso a senhorita Fairleigh não se encontra bem?<br />
—Não precisamente, senhor. —Lewis agarrou a gravata <strong>da</strong>s mãos de<br />
Edward antes que este acabasse de enrugá-la—. Ao que parece, se pôs tão<br />
nervosa pensando em seu primeiro baile formal, que se encontra... prostra<strong>da</strong>.<br />
—Prostra<strong>da</strong>? —Edward elevou o queixo para que Lewis atasse a gravata.<br />
Uma imagem <strong>da</strong> senhorita Fairleigh se deprimindo cruzou inquietantemente<br />
por sua cabeça. Quase se viu si mesmo a agarrando quando desfalecia.<br />
—Um transtorno de estômago —esclareceu Lewis.<br />
Apesar de um impulsionou de simpatia, Edward riu.<br />
—Quer dizer que está tão assusta<strong>da</strong> que decidiu se retirar.<br />
—Sim, senhor —disse o aju<strong>da</strong> de quarto—. Sua valentia a abandonou, jura<br />
que voltará para o Keswick amanhã, em lugar de ficar em ridículo esta noite.<br />
— Em Keswick? —Franzindo o cenho, Edward se submeteu a um ligeiro<br />
acerto de seu cabelo.<br />
—É seu povoado —explicou Lewis, e Edward experimentou uma curiosa<br />
ponta<strong>da</strong> de desagrado porque seu criado estava informado desse detalhe e ele<br />
não—. A duquesa de Carlisle já não sabe o que fazer, enviou seu criado para<br />
ver se o jovem lorde Burbrooke poderia fazê-la ver a razão, mas seu irmão já<br />
saiu para seu jantar na casa dos Brawleighs.<br />
—Seguro que minha tia poderia...<br />
—Ela diz que é tarefa para um homem. A voz <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de que apela<br />
para o que é racional para uma mulher. —Dava a impressão de que Lewis<br />
duvi<strong>da</strong>va de que esta quali<strong>da</strong>de existisse entre as mulheres. Ain<strong>da</strong> assim,<br />
durante todo o ano, o aju<strong>da</strong>nte de câmara tinha tentado sem êxito levar a<br />
chefa <strong>da</strong>s cria<strong>da</strong>s para a cama.<br />
—Falarei com ela—disse Edward, embora sabia que aquilo contrariava<br />
suas resoluções—. O mais provável é que só necessite que alguém a assegure<br />
que não ficará sem <strong>da</strong>nçar as valsas.<br />
—Sim, senhor. —Lewis sustentou sua jaqueta para que ele deslizasse os<br />
braços nas mangas. Era um desenho muito comum, com um suave pescoço de<br />
se<strong>da</strong> e as costas de cetim. Sentava-lhe como uma segun<strong>da</strong> pele.<br />
Edward ignorou o comichão de excitação que subiu pelas costas. Aquela<br />
missão de boa vontade não representaria perigo algum. Ao fim e ao cabo, qual<br />
atrativo poderia ter uma mulher prostra<strong>da</strong>?<br />
—Escove os dentes —disse Lizzie, sustentando o frasco de pó dentifrício.<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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Emma Holly<br />
Florence afundou a cabeça no travesseiro. Jamais sairia desse quarto. Os<br />
Variz esperavam assistir quinhentas pessoas no baile dessa noite. Seu<br />
estômago se retorcia só em pensar. Tinha sido valente até agora. Realmente<br />
valente, mas aquilo era demais para esperar. Quinhentas pessoas! E tia<br />
Hypatia queria que ela os deslumbrasse. Teria sorte se conseguisse sobreviver.<br />
— Escove duas vezes —balbuciou.<br />
—Uma vez mais, antes de sair—insistiu Lizzie—. São ordens <strong>da</strong> duquesa.<br />
—Mas eu não penso em ir. Não penso ir! Não penso ir! —Sabia que estava<br />
se comportando como uma menina malcria<strong>da</strong>, mas não podia impedir. Não<br />
podia ir. Simplesmente não podia. Pode ser que por fora fosse uma jovem<br />
atraente mas se sentia irremediavelmente inepta. Com um grunhido, botou o<br />
travesseiro sobre a cabeça.<br />
—Francamente —bufou Lizzie, e Florence sabia que levou as mãos aos<br />
seus magros quadris—,me dá vergonha conhecê-la, senhorita Florence.<br />
—E você também deveria ter vergonha —disse uma voz que a fez se virar<br />
como um raio com o travesseiro agarrado ao peito, apesar de que sua bata era<br />
de um corte perfeitamente sóbrio. Tinha os cabelos soltos e caía sobre os<br />
ombros. E aquela era seu quarto. Tudo isso foi o suficiente para jogá-la em<br />
pânico.<br />
—Lorde Greystowe! —disse, com voz afoga<strong>da</strong>.<br />
Ele se sentou tranquilamente na beira <strong>da</strong> cama como se ela fosse uma<br />
inváli<strong>da</strong>. Florence pensou que pegaria sua mão, mas ele se limitou a acariciar a<br />
manta junto ao seu quadril.<br />
— Diga, Florence —começou—, me conte o que te assustou.<br />
Bastou só formular sua pergunta, Edward a fez se sentir como uma tola.<br />
Mas não era. Ninguém entendia o terrível que era para ela, e aquele homem,<br />
menos que ninguém, porque provavelmente nunca teve medo em sua vi<strong>da</strong>.<br />
Colocou o travesseiro no seu colo e enxugou uma lágrima.<br />
—Tia Hypatia disse que vai quinhentas pessoas no baile dos Vance.<br />
—E? —perguntou ele, como se quinhentas pessoas não fossem na<strong>da</strong>.<br />
voltou ter lágrimas em seus olhos, mas agora eram lágrimas de aborrecimento.<br />
— Ficarão olhando —disse, afun<strong>da</strong>ndo as unhas na palma <strong>da</strong> mão—.<br />
Ficarão olhando e sorrindo e falarão atrás de seus leques como se eu fosse<br />
uma vaca em uma feira de povoado.<br />
—Porque é muito atraente — ele esclareceu, com aquele mesmo tom<br />
exasperante de homem razoável.<br />
—Sim! —exclamou ela, ao bordo <strong>da</strong> histeria.<br />
Edward sorriu e o humor de Florence mudou imediatamente. Como se<br />
atrevia a zombar de seus temores? Antes que pudesse impedir, golpeou o peito<br />
com ambas as mãos. Edward as agarrou antes que ela pudesse <strong>da</strong>r um<br />
segundo golpe.<br />
—Vem — escolheu e deu um beijo suave sobre os nós dos dedos de ca<strong>da</strong><br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
punho. Este gesto a assombrou de tal maneira que nem pensou em retirar as<br />
mãos. Os olhos de Edward brilhavam com humor e algo que, se tratando de<br />
qualquer outro homem, ela haveria dito que era carinho—. Se me permitir,<br />
explicarei as estatísticas, senhorita Fairleigh. Com quinhentos convi<strong>da</strong>dos, ao<br />
menos a metade delas mulheres, pode estar segura de que... digamos... umas<br />
vinte serão mais bonitas que você. Muitas outras terão jóias mais<br />
deslumbrantes que as suas. Um bom número delas estarão vesti<strong>da</strong>s tão fora<br />
de tom que qualquer um que as veja não poderá apartar a vista. Acrescente<br />
isso quantos convi<strong>da</strong>dos são os protagonistas ou destinatários <strong>da</strong>s fofocas, e<br />
verá que nem sequer a décima parte dos pressente te olhará.<br />
—E uma décima parte são cinquenta —interveio Lizzie, orgulhosa de suas<br />
habili<strong>da</strong>des em matemática.<br />
Florence não se sentia nem impressiona<strong>da</strong> nem segura.<br />
—A única <strong>da</strong>nça que sei <strong>da</strong>nçar são bailes típicos do campo —disse, com<br />
voz ain<strong>da</strong> tremente—. Não recordo nem um só passo dos que o professor de<br />
<strong>da</strong>nça de tia Hypatia tentou me ensinar.<br />
Edward apertou suas mãos.<br />
— Recor<strong>da</strong>rá. Assim que começar a música, lembrará de tudo. Vamos,<br />
Florence. Onde está aquela jovem que fascinou o duque de Devonshire com<br />
seu engenho? Onde está sua valentia?<br />
—Na bacia —balbuciou Florence.<br />
—Não diga bobagens —disse Edward—. Isso era só a comi<strong>da</strong>.<br />
—E agora que saiu—acrescentou Lizzie, com sua típica mentali<strong>da</strong>de<br />
prática e campestre—, já não tem que se preocupar em ficar doente. Florence<br />
tinha os ombros afun<strong>da</strong>dos. Não queria ser forte. Queria ser débil e indefesa e<br />
ficar onde estivesse a salvo. Mas Lizzie contava com ela, igual a tia Hypatia, e,<br />
em certa maneira, também Edward. Se sua “prima” fosse uma covarde, ele<br />
não ficaria na<strong>da</strong> bem.<br />
—Suponho que não tenho alternativa.<br />
—Nenhuma alternativa —conveio Edward, e sorriu. Florence viu em seu<br />
olhar um pita<strong>da</strong> de orgulho e pensou que, finalmente, possivelmente não<br />
falharia.<br />
Capítulo 4<br />
Um calafrio ardente passou nos ombros nus de Florence. Edward a<br />
observava descer a esca<strong>da</strong> circular <strong>da</strong> tia Hypatia. Estava estampado no rosto<br />
uma expressão de absoluta estupefação.<br />
—Talvez —disse, com um tom excepcionalmente fraca —, você foi mal<br />
informado.<br />
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Florence não sabia como tomar sua reação, nem a sua própria. Edward<br />
nunca tinha olhado assim, como os outros homens, como se fosse um lanche<br />
que queriam devorar. Normalmente, aquele olhar a incomo<strong>da</strong>va. Agora, não<br />
entendia por que a adulava. Sem dúvi<strong>da</strong>, não desejava sua atenção. Era o<br />
oposto de tudo o que ela valorizava em um homem. Não era nem gentil, nem<br />
afetuoso e, certamente, na<strong>da</strong> de seguro. Sim, essa era a ver<strong>da</strong>de. O mais<br />
provável era que sua resposta seria apenas nervos.<br />
—O que foi mal informado ? —perguntou, e seu tom se aproximou<br />
perigosamente a histeria.<br />
—Sim —ele murmurou e levou a mão ao impecável peitilho. O anel de rubi<br />
com o selo de seu pai brilhou em seu dedo mindinho—. Temo que será a<br />
mulher mais bonita esta noite.<br />
— Basta —disse a duquesa, balançando a sua bengala de marfim—. Fique<br />
ao lado para que possa ver.<br />
Para a ouvir, Florence se virou lentamente. Sabia que tirou o melhor<br />
partido possível. Seu vestido era de cetim cor narcisista, com um corte baixo<br />
nos ombros e uma cau<strong>da</strong> de tule mancha<strong>da</strong>. Por debaixo desta magra capa, o<br />
vestido engolia metros e metros de tecido, uma extravagante amostra de cujas<br />
dobras surgiam trepadeiras de rosas de se<strong>da</strong> rosa<strong>da</strong>s. Outras rosas decoravam<br />
seu fino coque. No pescoço usava uma gargantilha forma<strong>da</strong> por milhares de<br />
pérolas urdidos para desenhar flores. A cintura do vestido exigia uns laços tão<br />
apertados que Florence se sentia como se duas grandes mãos a enlaçassem e<br />
rodeassem pelas costelas. Era uma sensação muito prazerosa, mas o resultado<br />
é que seus peitos ficavam tão exagera<strong>da</strong>mente elevados que temia que seu<br />
decote fosse muito pronunciado.<br />
Se assim fosse, tia Hypatia não mostrou nenhum sinal de desaprovação.<br />
Em seu lugar, tocou o colar com um dedo rígido já pela i<strong>da</strong>de. Assentiu com um<br />
gesto brusco.<br />
— Te cai bem — disse —. Nunca me convenceram as moças que usam<br />
fitas em torno do pescoço. Não se tiverem algo melhor que brilhar.<br />
—Agradeço que tenha me emprestado —disse Florence, que sabia que a<br />
duquesa pôs a mesma gargantilha <strong>da</strong> jovem—. Saberei cuidá-lo.<br />
—Estou segura que saberá —disse tia Hypatia. A luz proveniente de um<br />
candelabro na parede brilhou com uma faísca repentina em seu olhar. Acaso<br />
pensava em seu querido duque já falecido ou em alguma outra conquista de<br />
sua juventude? Não cabia dúvi<strong>da</strong> de que as tinha vivido. A duquesa era uma<br />
pessoa muito segura de si mesmo para que tivesse acontecido de outra<br />
maneira. Entretanto, Florence duvi<strong>da</strong>va de que algum dia compartilharia o<br />
segredo. E logo, assim que Hypatia piscou, o brilho desapareceu de seus olhos.<br />
Quando recuperou o controle de si mesma, deu ao criado um golpe seco na<br />
panturrilha com a bengala.<br />
--- John, esta esperando? —disse com voz seca o homem em questão—,<br />
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diga que tragam a carruagem.<br />
—Sim, Excelência —respondeu ele com sua voz cerimoniosa, como se<br />
receber golpes de sua ama fora uma questão de todos os dias. Florence se<br />
perguntou no que havia se metido quando deixou à duquesa tomá-la sob sua<br />
tutela. Se não podia viver para cumprir com os planos de Hypatia, acaso<br />
acabaria também com as panturrilhas dolori<strong>da</strong>s?<br />
Seu coração teve tempo suficiente para se agitar antes que o carro se<br />
aproximasse pausa<strong>da</strong>mente seguindo a linha de carros até a porta. Aqueles<br />
vestidos que entrou na sua vista enquanto esperavam! Essas se<strong>da</strong>s e pedras<br />
preciosas e nuvens de perfumes caros! Desta vez se alegrou de que ma<strong>da</strong>me<br />
Victoire não tivesse economizado nos gastos de seus vestidos. Ao menos teria<br />
o aspecto de alguém que pertencia a esse círculo.<br />
Quando chegaram na elegante entra<strong>da</strong> <strong>da</strong>s portas garagens, Edward a<br />
ajudou a descer do carro. O contato de suas mãos dificultou ain<strong>da</strong> mais a<br />
respiração que o espartilho impedia. Nunca tinha imaginado que um homem<br />
pudesse ter tanta força, porque parecia não pesar na<strong>da</strong> em seus braços.<br />
Quando Edward a deixou sobre o pavimento, seus olhares se cruzaram. Os<br />
olhos de Edward brilhavam como duas intensas e misteriosas chamas azuis e<br />
quentes, completamente concentrado nela. Florence sentiu um calor que se<br />
derramava sobre os seios. Por muito que o desejasse, era impossível mitigar a<br />
reação. Envergonha<strong>da</strong>, tocou no tule que cobria o corpete. Edward desviou o<br />
olhar.<br />
—Cui<strong>da</strong>do com a cau<strong>da</strong> do vestido — advertiu, com a mesma secura de<br />
sempre, e ajudou à duquesa descer.<br />
Quando esta esteve prepara<strong>da</strong>, se dirigiram juntos para a esca<strong>da</strong>.<br />
Agradeci<strong>da</strong> pela distração, Florence não podia conter sua curiosi<strong>da</strong>de. Jamais<br />
tinha estado em uma casa tão elegante.<br />
A seus olhos, aquilo parecia um palácio. Um par de tochas em forma de<br />
ninfas, com bolas de gás balançando sobre os ombros, iluminavam a zona de<br />
recepção, uma vez cruza<strong>da</strong> a porta. Enquanto o criado de libré anunciava seus<br />
nomes, Florence olhava com olhos exagerados. As ninfas não levavam mais<br />
indumentárias que um tecido vaporoso como um lenço que parecia se ajustar<br />
as suas partes íntimas. Tinham nus os seios, cujas pontas acabavam em uns<br />
mamilos grossos, não rigi<strong>da</strong>mente grossos, posto que as ninfas tinham frio, a<br />
não ser suaves, como se a brisa que soprava sobre os lenços beijasse<br />
bran<strong>da</strong>mente sua pele.<br />
De repente, sentiu um impulso irracional. Gostaria de tocar aquele bronze<br />
gentil. E logo, o que parecia ain<strong>da</strong> mais intrigante, pensou que gostaria de<br />
ocupar o lugar <strong>da</strong>s ninfas, igualmente nua, e ser beija<strong>da</strong> pela suave brisa e<br />
admira<strong>da</strong> pelos convi<strong>da</strong>dos. Ao fim e a cabo, uma estátua não podia se<br />
comportar como uma tími<strong>da</strong>. Uma estátua só podia ser adora<strong>da</strong>. Tocou a base<br />
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metálica, e se surpreendeu como estava fria.<br />
—Florence —advertiu a duquesa com um sibilar de voz.<br />
Ela acelerou seus passo com o fôlego entrecortado. No que estava<br />
pensando? Sem dúvi<strong>da</strong>, seus medos mais recentes tinham virado sua cabeça.<br />
A sua maneira, a casa dos Vance era tão labiríntica como a estação do<br />
Euston. Aquela mansão do Knightsbridge tinha sido desenha<strong>da</strong> por Robert<br />
A<strong>da</strong>m em um estilo rico e clássico. Em todos os salões abertos aos convi<strong>da</strong>dos<br />
(e havia muitos) se elevavam colunas de mármore e tetos de estuque dourado<br />
magnífico, esplêndi<strong>da</strong>s entalhe. Os quadros eram tão bem trabalhados que<br />
Florence nunca tinha visto na Academy of the Arts. Com dificul<strong>da</strong>de, abriu<br />
caminho entre o Gainsbouroughs e Reynolds e seguiu a uma cria<strong>da</strong> por umas<br />
esca<strong>da</strong>s até chegar ao quarto de banho <strong>da</strong>s mulheres.<br />
Naquela concorri<strong>da</strong> penteadeira, uma atenta cria<strong>da</strong> pegou sua capa,<br />
arrumou seu cabelo e, o melhor de tudo, mostrou um lugar tranquilo onde<br />
podia se sentar. Ali, ao resguardo de uma tela de palmeiras planta<strong>da</strong>s em<br />
suportes de vasos, enquanto o ar suave <strong>da</strong> noite entrava por uma janela<br />
aberta, Florence fechou os olhos e tentou recuperar o fôlego. Disse a si mesma<br />
que o faria <strong>da</strong> seguinte maneira: tomaria a festa com calma; falaria quando<br />
falassem; falaria quando o pedissem e, sobre tudo, prestaria atenção a<br />
qualquer cavalheiro que se apresentassem. Quanto antes estivesse instala<strong>da</strong><br />
em sua própria casa, mais rápido poderia pagar a tia Hypatia pela fé<br />
deposita<strong>da</strong> nela, por não falar de dinheiro.<br />
Tinha começado a refrescar o rosto quando três mulheres jovens se<br />
detiveram do outro lado <strong>da</strong> entupi<strong>da</strong> cortina de novelo. Para consternação de<br />
Florence, eram as duas senhoritas Wainwright, vesti<strong>da</strong>s com idênticos vestidos<br />
de tarlatana. Estavam tão perto que ia ser impossível sair sem que a vissem.<br />
Possivelmente ficaria mais um pouco onde estava. Ao fim, a discrição era a<br />
cara mais aprecia<strong>da</strong> <strong>da</strong> valentia. Uma vez justifica<strong>da</strong> sua covardia desta<br />
maneira, Florence se deu ânimos para esperar mais tranquilamente possível.<br />
—Dizem que está loucamente apaixonado —dizia a maior <strong>da</strong>s irmãs<br />
Wainwright. Se chamava Greta, conforme recor<strong>da</strong>va Florence, e a menor se<br />
chamava Minna. As duas irmãs eram atraentes, e pareciam amazonas, com seu<br />
cabelo escuro e brilhante e seus olhos igualmente escuros e brilhantes. Seus<br />
cachos de cabelo, que Lizzie tinha renunciado propor a Florence para seu<br />
cabelo, penduravam em perfeitos saca-rolhas que chegavam aos ombros. As<br />
duas cantavam admiravelmente e tinham todo um repertório de afetações. Seu<br />
único defeito, se é que era um defeito e não um produto <strong>da</strong> imaginação de<br />
Florence, era uma certa petulância que aparecia em suas bocas. Em reali<strong>da</strong>de,<br />
quaisquer que fossem as ambições <strong>da</strong> Hypatia, Florence não podia se imaginar<br />
brilhando a estas encanta<strong>da</strong>s jovens.<br />
— Me custa muito acreditar que seus afetos estejam comprometidos. —<br />
disse uma terceira mulher que Florence não conhecia—. Todo mundo sabe que<br />
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é um galanteador incorrigível. Seguro que só tenta se comportar como um bom<br />
primo.<br />
—Possivelmente — objetou a senhorita Minna com um tom altivo e<br />
superior—. Mas um dos dois primos não aprova a relação. Eu mesma o vi<br />
quando a rechaçou. Arrancou galopando sem dizer uma palavra quando a<br />
pobre garota se chocou contra seu cavalo. Pensei que estalaria em lágrimas ali<br />
mesmo.<br />
Meu Deus, pensou Florence, e quis se levantar <strong>da</strong> cadeira. Estavam<br />
falando dela, dela e Edward. Com o coração pulsando a to<strong>da</strong> pressa, se<br />
encolheu em seu lugar e esperou que as mulheres não a vissem.<br />
Felizmente, estas estavam muito concentra<strong>da</strong>s em sua fofoca para olhar<br />
ao seu redor. E enquanto Florence mantinha o fôlego, a terceira sussurrou<br />
furiosamente no ouvido de Minna. Quando acabou, os cachos de cabelo<br />
tremeram de pura indignação.<br />
— Bem, isso —disse—, é a calúnia mais horrível que ouvi. Freddie<br />
Burbrooke adora às mulheres. Qualquer que o tenha conhecido sabe. Em<br />
qualquer caso... —disse, <strong>da</strong>ndo um golpe com seu leque pintado à mão—, não<br />
sei por que teríamos que nos preocupar com uma perfeita desconheci<strong>da</strong>. Se<br />
não fosse por essa velha bruxa decrépita que a leva a to<strong>da</strong>s as partes,<br />
ninguém a prestaria atenção.<br />
—A ver<strong>da</strong>de é que é atraente —disse Greta, com o tom de quem se sente<br />
muito segura de sua própria beleza para ver uma ameaça.<br />
—Mas é uma atração de leiteria — reprovou Minna—. E quem de nós pode<br />
estar segura de que essas bochechas rosa<strong>da</strong>s não são produto de algum<br />
xarope?<br />
Se o trio tivesse visto Florence nesse momento, descobriria que as suas<br />
bochechas rosa<strong>da</strong>s eram ver<strong>da</strong>deiras. Até as orelhas queimavam. Sentiu alívio<br />
quando viu as mulheres se dirigir à porta. Isso sim, a terceira lançou sua frase<br />
final.<br />
—É uma atração animal — disse, quando se afastaram com o frufru de<br />
seus vestidos—. É o suficiente e gor<strong>da</strong>, e os homens são os piores de todos os<br />
animais. Ouviu o que fez o cavalo de Devonshire com seu chapéu?<br />
Florence levou as mãos às bochechas com um gesto brusco. Realmente as<br />
pessoas se dedicavam a falar disso?<br />
Uma risa<strong>da</strong> suave e musical a trouxe de volta à reali<strong>da</strong>de. Florence elevou<br />
o olhar. Uma moça magra de cabelo loiro encrespado e sar<strong>da</strong>s separava uns<br />
cachos junto à orelha, como um caçador africano que encontrou sua presa.<br />
—Por seu olhar de terror —disse—, acredito que você é a infame senhorita<br />
Fairleigh.<br />
As palavras <strong>da</strong>quela moça eram tão dolorosas que Florence só conseguiu<br />
rir. Se levantou e a saudou com uma ligeira inclinação. —Exatamente —disse—.<br />
Com as bochechas de leiteira incluí<strong>da</strong>s.<br />
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—E eu —respondeu a moça—, sou Meredith Vance, a debutante menos<br />
agracia<strong>da</strong> de Londres. —Apertou a mão de Florence com um gesto seco e<br />
pouco feminino—. Vamos sair juntas e demonstrar a essas pobres presunçosas<br />
que as garotas normais, comum e as leiteiras sabem se comportar?<br />
Florence não tinha reconhecido a senhorita Vance, mas sabia que era a<br />
filha do anfitrião e, portanto, a filha de um duque. Por isso, sua oferta a<br />
desconcertou por um momento.<br />
—Será uma honra para mim, senhorita Vance —respondeu quando<br />
conseguiu recuperar a fala.<br />
A senhorita Vance franziu o nariz.<br />
— Me chame de Merry —disse, como se Florence fosse a filha de um dos<br />
pares de seu pai—. Assim me chamam to<strong>da</strong>s as minhas amigas e estou segura<br />
de que nós duas seremos.<br />
A generosi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> senhorita Vance cativou Florence. Por muito que tivesse<br />
sau<strong>da</strong>des de Keswick, seu povoado não tinha sido mais que o lar de numerosas<br />
anciãs muito refina<strong>da</strong>s. Florence não recor<strong>da</strong>va quando tinha sido a última vez<br />
que tinha tido uma amiga de sua i<strong>da</strong>de. Certamente, pensou mais calma, a<br />
generosi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> senhorita Vance a impedia de pensar em se esconder no<br />
quarto de banho <strong>da</strong>s <strong>da</strong>mas to<strong>da</strong> a noite.<br />
—Já verá como meus irmãos se lançarão em cima de você — predisse sua<br />
salvadora.<br />
Florence tentou adotar uma atitude demonstrando que para ela essa era<br />
uma boa notícia.<br />
Edward estava apoiado contra a parede com sua taça de champanha,<br />
observando um interminável desfile de homens girar em torno de Florence<br />
Fairleigh no salão. Tal como ela tinha advertido, era uma bailarina especial. E<br />
não tinha na<strong>da</strong> de surpreendente que nenhum de seus acompanhantes<br />
parecesse importar. Mas bem, olhavam-na com olhos caninos, tentando com<br />
seus comentários engenhosos que ela levantasse suas tími<strong>da</strong>s pálpebras.<br />
Inclusive os homens maiores se emprestavam a este jogo, como se Florence,<br />
em sua inocência, os fizesse recor<strong>da</strong>r a própria.<br />
Só Freddie teve êxito. Chegou tarde com uma avalanche de desculpas e<br />
imediatamente convidou Florence a <strong>da</strong>nçar uma valsa. Em poucos minutos, ela<br />
sacudia a cabeça rindo, se sentindo mais cômo<strong>da</strong> em seus braços que com<br />
nenhum outro homem. Seu sorriso deslumbrou Edward do outro lado do salão.<br />
Freddie era bom com ela. Freddie a permitia ser ela mesma. Inclusive quando a<br />
separou para apresentá-la a seus amigos, ela conservou aquele olhar radiante.<br />
Edward a viu falando com eles e os viu rir ante qualquer ocorrência de<br />
Florence. Graças a algum subterfúgio, Freddie tinha encontrado uma maneira<br />
de compartilhar seu encanto com ela.<br />
Seus temores anteriores bem podiam ter sido um sonho. Certamente, já<br />
não necessitava sua aju<strong>da</strong>.<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
Edward afundou as mãos nos bolsos, mais cabisbaixo do que jamais<br />
lembrava ter estado. Não deveria olhá-la dessa maneira. Só conseguia se<br />
torturar. Mas como podia dirigir seu olhar para outro lado? Peter Vance <strong>da</strong>nçava<br />
com ela agora, uma alegre polka que não poderia haver posto melhor em<br />
evidência sua rigidez no baile. Por que cativava aquela estupidez dela? Sentia o<br />
coração pulsar com violência quando ela inclinava seu magro pescoço para<br />
olhar os pés vacilantes, quando seu vestido roçava a perna de Vance, quando a<br />
via —Deus tenha pie<strong>da</strong>de de sua alma— se ruborizado depois de que Vance ter<br />
se inclinado para murmurar alguma provocação em seu fino ouvido de<br />
caramujo.<br />
Edward rangeu os dentes. Era um idiota. Um ver<strong>da</strong>deiro e absoluto idiota.<br />
A obsessão que sentia por aquela moça não tinha absolutamente nenhum<br />
sentido. Não fazia bem nenhum. Nem a ele, nem a ela, nem a Freddie.<br />
—As pessoas começam a falar na afronta —disse uma voz afônica e<br />
infantil a seu lado.<br />
Pego por surpresa, Edward se virou e descobriu diante dele o sorriso largo<br />
e sardento <strong>da</strong> filha mais nova de seu anfitrião. Recordou havê-la conhecido na<br />
feira do Tattersall, uma menina louca por cavalos, tão plaina em sua linguagem<br />
como em seu aspecto.<br />
—Senhorita Vance—disse, e se inclinou com um gesto de cortesia para<br />
beijar sua mão—. Perdoe-me por não haver notado sua presença.<br />
Deu-lhe um golpe seco com seu leque que fez pensar mais em tia Hypatia<br />
que em uma mulherzinha coquete de dezessete anos.<br />
—Acaso não me ouviu? As pessoas dizem que Florence Fairleigh não a<br />
agra<strong>da</strong>.<br />
Confundido, Edward entrecerrou os olhos.<br />
— Você conhece à senhorita Fairleigh?<br />
—Claro que sim —disse ela—. Sua prima e eu somos grandes amigas...<br />
desde que ouvi essas bruxas Wainwright falando mal dela na penteadeira <strong>da</strong>s<br />
<strong>da</strong>mas.<br />
Edward sentiu que esticava to<strong>da</strong> a coluna. Alguém tinha ferido Florence?<br />
Alguém tinha se atrevido? Quais eram as bruxas Wainwright?<br />
Seu grunhido involuntário fez rir a sua acompanhante.<br />
—As bruxas Wainwright, cuja mãe não deixou de perseguir você estes<br />
últimos dois anos.<br />
—Ah —disse ele, e franziu inconscientemente os lábios com um gesto de<br />
desagrado—, Greta e Minna.<br />
—Sim, Greta e Minna. E se você não <strong>da</strong>nçar com sua prima, todo mundo<br />
ficará convencido de que a desaprova. —A moça entrecerrou os olhos e apoiou<br />
a ponta de seu leque no meio do peito—. Não é ver<strong>da</strong>de que você não gosta<br />
dela, não? Não me agra<strong>da</strong>ria na<strong>da</strong> pensá-lo. Porque é evidente que é uma<br />
moça boa e perfeita para seu irmão. —Se sua intenção for ser cruel, me veria<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
obriga<strong>da</strong> a diminuir em uma boa medi<strong>da</strong> a avaliação que lhe tenho.<br />
Edward se surpreendeu ao se inteirar de que a senhorita Vance tivesse<br />
alguma avaliação por ele. Ao ser pego por surpresa, só teve a presença de<br />
espírito suficiente para piscar quando ela o agarrou por ambas as mãos e o<br />
puxou para a multidão no salão. Que rabugice a sua para se comportar com<br />
esse descaramento em público! —Dançaremos até chegar onde ela está—<br />
disse, o obrigando a elevar os braços até a posição adequa<strong>da</strong>—. Agora ela está<br />
com o meu irmão Peter, e já pediu duas <strong>da</strong>nças. Se voltar a fazê-lo, mamãe se<br />
assustará e pensará que pensa fazer uma declaração. Ele saberá que terá que<br />
ceder. Ao contrário do que Edward esperava, a senhorita Vance, a garota<br />
sardenta e louca por cavalos, se mostrou ser uma bailarina consuma<strong>da</strong>. Quase<br />
antes que se desse conta, o tinha feito girar entre os outros casais até chegar<br />
junto a Florence. Não estava seguro, mas suspeitava que a senhorita Vance<br />
quem tinha tomado o comando.<br />
O mundo de Florence se encolheu até abranger uma só alma. Edward<br />
estava diante dela. Edward, o Alto. Edward o Sombrio. Edward, o os olhos como<br />
brasas e lábios sensuais. Peter Vance se deslocou e desapareceu no seu campo<br />
de visão, embora não tinha se afastado mais de um metro. Florence só<br />
conseguiu ver o irmão mais velho de Freddie. Aquilo não era bom augúrio,<br />
pensou, na<strong>da</strong> bom.<br />
—OH —disse, com uma voz ridícula, e levou uma mão ao peito para<br />
impedir que o coração saltasse pela boca—. Edward.<br />
—Florence — ele respondeu, com uma leve e formal inclinação <strong>da</strong> cabeça.<br />
Seus ombros eram ver<strong>da</strong>deiramente largos. E a jaqueta de seu fraque negro<br />
rodeava perfeitamente a magreza de sua cintura! Com a digni<strong>da</strong>de que era o<br />
habitual, Edward se endireitou—. Me concederia a honra desta <strong>da</strong>nça?<br />
Florence piscou. —Quer <strong>da</strong>nçar comigo?<br />
Ele franziu o cenho e ela se sentiu em segui<strong>da</strong> mais alivia<strong>da</strong>. Era o Edward<br />
carrancudo que estava acostuma<strong>da</strong>.<br />
—Sim, quero <strong>da</strong>nçar contigo. Tem alguma objeção, prima?<br />
—OH, não — ela respondeu—. Estaria... estaria encanta<strong>da</strong>.<br />
—Nesse caso... — ele disse.<br />
Como se a tivessem condenado, a orquestra começou uma valsa. Florence<br />
sentiu que a pele se arrepiava quando ele a pegou em seus braços. Soube<br />
imediatamente que aquela <strong>da</strong>nça era diferente. Edward a tinha colhido com<br />
completa segurança, como se tivesse nascido para reinar nos salões de baile. A<br />
mão com que sujeitava a cintura quase a levantava instavelmente a ca<strong>da</strong><br />
passo que <strong>da</strong>va.<br />
—Deixa de olhar os pés — ele sussurrou, e por um momento aproximou<br />
sua bochecha à sua.<br />
Ante aquele contato, Florence sentiu que suas extremi<strong>da</strong>des se<br />
convertiam em mel, líqui<strong>da</strong> e quente, como se a tivessem deixado se<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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Emma Holly<br />
derretendo ao sol.<br />
—OH —disse, fascina<strong>da</strong>, apesar de to<strong>da</strong>s as ideias razoáveis que<br />
aconselhavam se calar—. Mas sabe <strong>da</strong>nçar divinamente.<br />
Ele soltou uma risa<strong>da</strong>, a segun<strong>da</strong> vez que ela o via fazer. Tinha vontade de<br />
voltar a ouvir esse alegre som. Queria ouvi-lo todos os dias. Edward estreitou<br />
seu abraço e, de repente, os seios do Florence tocaram ligeiramente seu peito.<br />
Aquilo, pensou ela, enjoa<strong>da</strong>, era ain<strong>da</strong> mais agradável. Suas pernas, tão largas,<br />
tão seguras, roçavam as dobras de seu vestido. Ela só tinha que seguir seu<br />
movimento, só tinha que se deixar levar.<br />
—É como voar—disse, incapaz de ocultar seu sorriso para si.<br />
Devolveu o sorriso, seu rosto acompanhando seu olhar, seus olhos azuis<br />
brilhantes e acesos.<br />
—Assim é a <strong>da</strong>nça, Florence, é para isto que a inventaram. Ela reteve o<br />
fôlego com prazer quando ele girou ain<strong>da</strong> mais rápido. Os demais casais<br />
pareciam se afastar, como as águas no seu caminho. A orquestra acelerou o<br />
ritmo vertiginoso e magia <strong>da</strong> música. Ela se agarrou com firmeza a seus<br />
ombros e fechou os olhos.<br />
—É bela como uma rosa — ele murmurou, o bastante alto para que ela o<br />
ouvisse.<br />
Com um suspiro silencioso, a atraiu ain<strong>da</strong> mais para ele. Ela sentiu a<br />
calidez de seu corpo, a dureza de seu peito. Agora respirava rapi<strong>da</strong>mente<br />
devido ao esforço. Para dentro. Para fora. Agitando seu cabelo, sentindo o calor<br />
em sua bochecha. A música a enfeitiçou. Algo pulsou dentro dela, uma dor,<br />
ânsias indescritíveis. Acreditou que ele murmurava seu nome. Sim, pensou, e<br />
pronunciou a palavra com lábios mudos. Possivelmente ele a tinha visto.<br />
Edward apertou a mão de Florence na sua, seus fortes dedos enviaram uma<br />
mensagem que seu corpo não podia deixar de ler. Sem aviso prévio, uma on<strong>da</strong><br />
de calor a banhou inteira. Os joelhos fraquejaram e cederam e tropeçou sobre<br />
os pés de Edward.<br />
Ele a agarrou antes que caísse.<br />
—Meu Deus — ela disse, envergonha<strong>da</strong> por sua que<strong>da</strong>—. Temo que de<br />
tanto girar acabei me enjoando.<br />
Desta vez o cenho franzido de Edward era mais signo de preocupação que<br />
de censura. Estreitou a cintura até que recuperou o equilíbrio.<br />
—Vamos, vem tomar um pouco de ar.<br />
Edward não quis ouvidos suas objeções, e a conduziu para fora do tumulto<br />
e <strong>da</strong> sala de baile por um corredor até uma grande estufa. Florence teria<br />
gostado de ver aquela maravilha durante o dia. Com o teto alto por cima de<br />
suas cabeças, a estrutura de ferro branco brilhava fracamente à luz <strong>da</strong> lua.<br />
Possivelmente, como o Crystal Palace, a tinha desenhado o grande Paxton. A<br />
estrutura era, sem dúvi<strong>da</strong>, bastante imponente. Pequenos abajures japoneses<br />
com forma de pagodes* dourados e negros iluminavam os caminhos<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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serpenteantes. Com suas botas esmagando o cascalho, Edward a conduziu<br />
deixando para trás enormes palmeiras e bancos de samambaias e uma grande<br />
lacuna com lírios em cujas águas dormitavam peixes laranja. Finalmente, se<br />
deteve sob uma fresca cúpula de vidro onde cresciam rosas de todos os tons e<br />
cores imagináveis banhando tudo na fragrância do aromas.<br />
—Vem aqui. disse, e a fez se sentar em um primoroso banco de ferro<br />
forjado—. Feche os olhos e respire. —Florence se surpreendeu ao ver que se<br />
sentava junto a ela e <strong>da</strong>va tapinhas na mão—. Lizzie te apertou muito forte os<br />
laços, não é isso?<br />
—OH, não— ela disse, e abriu rapi<strong>da</strong>mente os olhos para encontrar seu<br />
olhar—. A cria<strong>da</strong> de tia Hypatia não a teria deixado. Foi a <strong>da</strong>nça, acredito.<br />
Tantas voltas. Foi maravilhoso, sem dúvi<strong>da</strong>, mas de repente tive muito calor.<br />
Ele relaxou o cenho e seus olhos acostumou com a escuridão. Tinha uma<br />
expressão do mais peculiar.<br />
—Disse que te deu muito calor.<br />
—Sim. —Florence se abanou ao recor<strong>da</strong>r—. Um calor assombroso. Como<br />
se alguém me tivesse deixado cair em uma panela de vapor. Acha que vou<br />
ficar doente, o que você acha?<br />
Sabia que as palavras não tinham sentido. Embora a <strong>da</strong>nça não tivesse<br />
sido tão desastrosa como ela temia, queria voltar para casa.<br />
—Não — ele disse, mas tocou sua bochecha com o dorso <strong>da</strong> mão.<br />
—Agora volto a sentir outra vez! —exclamou Florence, com a voz afoga<strong>da</strong>.<br />
—Florence — ele interrompeu, sua voz uma mescla de risa<strong>da</strong> e grunhido—.<br />
Não pode ser tão ignorante para não saber por que te deu tanto calor.<br />
— Bem... — ela começou a dizer, e seu olhar se deteve em seus lábios<br />
sorridentes—. Estou segura de que não é... conheci outros homens atraentes<br />
antes, para que saiba, mas nunca me afetaram assim!<br />
—Não? —Seus olhos eram pesados, seu tom um grunhido suave e<br />
insinuante—. Não a fizeram sentir calor de dentro para fora? Não fizeram<br />
desejar e sentir como uma dor, pensar que morreria se não os abraçava?<br />
Edward aproximou a cabeça, e seus lábios roçaram sua bochecha como<br />
um pe<strong>da</strong>ço quente de cetim.<br />
—Edward — ela reclamou com voz afoga<strong>da</strong>, e um estremecimento<br />
substituiu seu rubor. Florence desejava que ele não tivesse dito essas coisas,<br />
que não se aproximasse tanto—. Não terá intenção de me beijar!<br />
— É Isso, precisamente... — ele disse com a mesma mescla de risa<strong>da</strong> e<br />
grunhido, e deslizou a boca ao longo de seu queixo—. Asseguro que não tenho<br />
a intenção. O sentido comum o proíbe e também a decência. E ca<strong>da</strong> gota de<br />
afeto que meu coração derrama por meu irmão.<br />
Ela não entendia o que Freddie tinha haver ver com tudo isso, mas estava<br />
segura de que o que ele fazia agora se podia descrever como um beijo. Tinha<br />
deslizado os lábios por cima dos seus, suaves mas firmes e se separou para<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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Emma Holly<br />
respirar rapi<strong>da</strong>mente. Ela elevou as mãos até seu peito com as palmas para<br />
frente, com intenção de rechaçá-lo, mas sentiu que, misteriosamente, não<br />
conseguia. Se sentia como a vítima de um hipnotizador, apanha<strong>da</strong> no feitiço de<br />
seu magnético poder. Seu peito era tão duro, tão quente. Incapaz de resistir,<br />
pinçou com os dedos no tecido engomado de sua camisa.<br />
— Me detenha, Florence — ele murmurou, tremendo sob seu contato—. Me<br />
detenha antes que possa machucar aos dois.<br />
— Se detenha você mesmo — ela advertiu, embora não poderia nem<br />
imaginar de onde tinha tirado o descaramento para falar dessa maneira.<br />
Ao menos não estava zangado. Com uma risadinha leve, beijou o seu<br />
queixo, e então fez algo que nunca ninguém tinha feito. Primeiro lambeu o<br />
lábio inferior, logo pressionou mais à frente com a ponta de sua língua, até<br />
finalmente abrir a dobra exterior de seus lábios.<br />
—Que doçura —disse, e voltou a fazê-lo, mais profun<strong>da</strong>mente que antes.<br />
Florence estava desconcerta<strong>da</strong> mais a frente do medo. Aquela curva suave<br />
e úmi<strong>da</strong> deslizou entre seus dentes antes que tivesse a força de vontade para<br />
detê-la. Agora sentiu o gosto do ponche de champanha que ele tinha bebido,<br />
sentiu a textura de sua língua quando esfregou contra a sua. O efeito era<br />
particularmente sedutor. Dava vontade de lambê-lo na sua vez, de fechar os<br />
olhos e suspirar. Mas aquilo era uma intimi<strong>da</strong>de que <strong>da</strong>va vergonha, algo que<br />
nem sequer um marido se entregaria. E agora ele a chupava, sugando sua<br />
língua como quisesse arrancá-la <strong>da</strong> boca. Os ombros esticaram e com as mãos<br />
se agarrou aos braços de Edward. O coração pulsava como uma raposa no final<br />
<strong>da</strong> caça<strong>da</strong>. Um beijo já era bastante sério, mas isto... esta invasão carnal<br />
descara<strong>da</strong>... Não podia permitir, simplesmente não podia.<br />
—Me deixe — ele sussurrou, quando ela virou a cabeça para o lado—. OH,<br />
Deus, Florence, ficarei louco se não poder te beijar.<br />
Escapou de sua garganta um som, um gemido apagado. Sua doce e rouca<br />
prece a fez estremecer de cima a baixo. Tinha razão, se sentia atraí<strong>da</strong> por ele.<br />
Aquele calor suave corria por suas veias, demorando em baixo do seu ventre e<br />
suas coxas, como uma maré que nenhuma força podia deter.<br />
— Me deixe — ele repetiu, como se intuísse sua progressiva debili<strong>da</strong>de.<br />
Beijou seu pescoço, e logo o lóbulo <strong>da</strong> orelha—. Um beijo, Florence. Um beijo<br />
para nos satisfazer aos dois. Ninguém nos verá. Jamais deixaria que alguém<br />
nos visse.<br />
Ela tentou pensar em tia Hypatia, nos quinhentos convi<strong>da</strong>dos que de<br />
repente poderia sair para tomar ar. Tentou pensar no que tinha vindo procurar<br />
aqui. Um homem agradável e seguro que se transformasse em seu marido.<br />
Não uma uva sem semente mal-humorado e perverso que primeiro a insultava<br />
e logo rogava que concedesse um beijo.<br />
Infelizmente, seus esforços foram em vão.<br />
—Só um? —inquiriu, em uma bafora<strong>da</strong> vergonhosa para tomar ar.<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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Emma Holly<br />
Cobriu sua boca com um gemido que pareceu um suspiro, procurando com<br />
a língua, a acariciando, rodeando lentamente pelas costas. Desta vez, devolveu<br />
o beijo. Não pôde resistir. Ele era suave, mas implacável, como o melaço<br />
deslizando por uma frigideira quente.<br />
—Sim —felicitou ele por sua tentativa de penetração—. Florence. Me beije<br />
o mais profun<strong>da</strong>mente que puder. —Deslizou uma mão por suas costas até<br />
segurar a cabeça na palma <strong>da</strong> mão. Inclinou seu pescoço, a guiando, pensou<br />
Florence, sentindo um alarme peculiar e cálido, de modo que sua<br />
vulnerabili<strong>da</strong>de diante de sua posse seria absoluta. <strong>Além</strong> disso, seu pescoço<br />
não era o único que se inclinava. Edward tinha começado a levar para trás, e<br />
ela se sentiu tonta quando ele a deixou descansar sobre a madeira do banco.<br />
Os tecidos e o cetim se esfregavam e assobiavam. Ela teve que se apertar as<br />
suas costas para não cair, e logo descobriu que desejava se agarrar as suas<br />
costas. Era larga e era um prazer que não podia resistir. Sua calidez, o<br />
movimento lento e ondulante de seus músculos. Edward elevou a boca para<br />
pegar ar, e voltou a se afun<strong>da</strong>r.<br />
Oh, a cabeça <strong>da</strong>va voltas. Ele a pegou pela cintura, logo baixou até o<br />
quadril, e finalmente se introduziu por debaixo do vulto de suas anquinhas para<br />
agarrar seu traseiro como se tivesse sau<strong>da</strong>des <strong>da</strong> textura generosa de sua<br />
carne. Seu gemido não foi o protesto que deveria ter sido. Seu peso era tão<br />
agradável entre as pernas. Isto era o que homens e mulheres estavam<br />
destinados a fazer. Sua dureza era o oposto adequado a sua suavi<strong>da</strong>de, sua<br />
pressão a sua falta de resistência. Sucumbiu à necessi<strong>da</strong>de de apertá-lo com<br />
força, e deslizou os braços por debaixo de sua jaqueta.<br />
Para surpresa dela, sentiu a camisa úmi<strong>da</strong> que aderia à sua pele.<br />
—Florence —grunhiu ele—, não sabe o que faz.<br />
Mas então, a beijou novamente, desta vez com mais força, como se sua<br />
vi<strong>da</strong> dependesse <strong>da</strong> desmedi<strong>da</strong> pilhagem de sua boca. Edward apertou os<br />
dedos sobre seu pescoço, e os deslizou por debaixo <strong>da</strong> gargantilha de tia<br />
Hypatia. Quando o anel de seu pai roçou sua pele, Florence sentiu o calor febril<br />
do metal. Seu aroma se derramava sobre ela, não só a colônia, mas também<br />
um aroma sutil e animal. Ele começou a empurrar seus quadris contra os dela,<br />
lentamente, mas com força, esfregando abaixo do centro do seu ardor. O calor<br />
pareceu redobrar quando ela se deu conta de que seu viril membro não era tão<br />
suave. Pelo contrário, era grosso e palpitava, duro, como uma criatura que<br />
necessita de um acompanhante.<br />
De repente, presa no pânico, tentou se desprender, mas ele redobrou a<br />
força de seus abraço. Tinha começado a murmurar seu nome, a cravando com<br />
sua dureza. Parecia que seu corpo tinha escapado a seu próprio controle.<br />
Florence não podia esperar que o controlasse, não podia se deter e pensar.<br />
Teve que recorrer aquilo sobre o qual tinha ouvido brincar tantas vezes os<br />
moços <strong>da</strong> aldeia. Procurou entre suas pernas e deu nas suas partes um forte<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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apertão. Aparentemente, tinha feito como era devido porque, afogando um<br />
grito, Edward recuou bruscamente como se o tivessem apunhalado. O brilho<br />
escuro de seu olhar foi suficiente para que Florence tremesse. Levou a mão na<br />
boca ardendo enquanto tentava levantar.<br />
—Sinto muito — disse quase incapaz de articular palavra—. O machuquei?<br />
—Se me fez mal?! Pelo amor de Deus? —exclamou ele, alisando os cabelos<br />
com as duas mãos. Logo deixou cair à cabeça e respirou várias vezes, longo e<br />
profundo para levantar o ventre e o peito. O lugar onde ela tinha apertado<br />
ain<strong>da</strong> fazia vulto entre suas pernas, o tecido negro tenso pulsando como um<br />
coração vivo. Ao vê-lo, Florence voltou a sentir calor e soube que tinha perdido<br />
a cabeça. Era evidente que não podia se reprovar ter posto fim a sua afronta!<br />
Como se Edward intuísse seu olhar, abriu os olhos. Diferente dela parecia<br />
ter recuperado a calma.<br />
—Fez exatamente o que tinha que fazer — disse—. Sou eu quem deve<br />
pedir desculpas. Bebi mais champanha que podia, me aproveitei <strong>da</strong> sua falta<br />
de experiência. Minha atitude foi de tudo revoltante, e te prometo que jamais<br />
voltará a acontecer.<br />
Edward estava dizendo que só a tinha beijado porque tinha bebido muito.<br />
A confissão a deveria ter aliviado, mas não foi assim. Florence pregou as mãos<br />
sobre a saia.<br />
—O que tem feito não é absolutamente horrível. —Ele deixou escapar uma<br />
risa<strong>da</strong> rouca.<br />
—Me alegro de que não tenha sido horrível, mas não foi correto. Não deve<br />
deixar outros homens ficar contigo a sós onde possam tentar.<br />
—Não sou tão imatura para não saber disso— ela respondeu, seca, com<br />
um correspondente indício de ira—. Só que... e bem, se supõe que é meu<br />
primo!<br />
—Assim é. —Edward suspirou e voltou para puxar o cabelo, deixando<br />
umas mechas para cima que <strong>da</strong>vam um aspecto cômico. Tinha razão ao se<br />
preocupar de seus cachos. Em reali<strong>da</strong>de, sim, podiam se voltar selvagens. Mas<br />
ele não se deu conta. Assinalou o caminho com um gesto <strong>da</strong> cabeça—.<br />
Possivelmente deve ir. Não quero que ninguém sinta sua falta.<br />
Ela sabia que tinha razão. Se levantou e alisou as dobras do vestido,<br />
embora sentia um perverso rechaço à ideia de ir. —Está seguro de que se<br />
encontra bem?<br />
—Sim — ele respondeu, severo—. Agora, vá. Florence deu alguns passos<br />
vacilantes e se voltou. —Seu cabelo.<br />
Ele franziu o cenho e a olhou.<br />
—Tem umas mechas apontando para cima. Terá que pentear.<br />
— Farei Isso — ele assegurou.<br />
E Florence não teve mais desculpa para ficar.<br />
Assim que a viu partir, Edward afrouxou as pernas. Como podia ter sido<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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tão irresponsável? Qualquer um poderia tê-los visto. Florence teria<br />
protagonizado a ruína de sua reputação, por não falar de seus planos para<br />
salvar Freddie. Edward não podia nem imaginar como tinha chegado tão longe.<br />
To<strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong> tinha respeitado o valor <strong>da</strong> disciplina. Inclusive antes que seus<br />
pais morrerem e o deixarem sozinho para cui<strong>da</strong>r de Freddie, tinha sido dono de<br />
suas paixões. Edward não chorava quando brigavam, nem quando cortava os<br />
joelhos, nem quando era objeto de brincadeira de seus companheiros porque<br />
se negava a acossar aos meninos de condição inferior. Edward era um<br />
Greystowe, um duque inglês. Quando se fixava um objetivo, o seguia.<br />
Certamente não estava acostumado provocar situações em que a filha de<br />
um pároco se via obriga<strong>da</strong> apertar os testículos.<br />
—Maldita seja disse, e queria saber exatamente o que estava<br />
amaldiçoando.<br />
Com um suspiro comprido e lento se ajeitou. Arrumou o cabelo tão bem<br />
como pôde e apreciou a consideração de Florence por tê-lo advertido. Não<br />
conseguia ter uma ideia do que Florence pensava dele, nem tampouco podia<br />
<strong>da</strong>r o luxo de se lamentar por ter caído nas graça de seus olhos. Se ela<br />
permanecia separa<strong>da</strong> dele, melhor. Era evidente que não podia confiar nele<br />
para cumprir suas próprias decisões.<br />
Imogene o encurralou a meio caminho do corredor que ia até o salão de<br />
baile. Edward não pôde evitá-la. Com a exceção do ruído longínquo <strong>da</strong> gritaria<br />
e um querubim de mármore com um ramo de rosas nos braços, estavam<br />
sozinhos.<br />
—Enfim te encontro —disse ela com voz suave, fazendo subir os dedos<br />
pelo peito do Edward—. Charles ficará em seu clube esta noite. Pensei que<br />
possivelmente queria me fazer rolar pelos chãos.<br />
Segurou sua mão e a manteve a distância. Seu cabelo brilhava como a<br />
linhaça na luz incerta dos abajures de gás, e sua pele era de cor marfim.<br />
Estava tão sedutora como sempre, tão bela e hábil, mas não despertava nele<br />
mais sentimentos que uma estátua.<br />
—Pensava me retirar.<br />
—Ah, sim? —Imogene deixou escapar uma risa<strong>da</strong>—. Reconheço que as<br />
festas dos Vance são um pouco aborreci<strong>da</strong>s, embora deva dizer que sua tia e<br />
sua pequena pupila parecem estar se divertindo. Essa moça é to<strong>da</strong> uma<br />
sensação. Será melhor que te cuide ou terá mais que uma prima em suas<br />
mãos. Seu irmão está parecendo como um apaixonado. Edward ficou rígido ao<br />
ouvir seu tom de voz.<br />
—Florence Fairleigh é uma mulher perfeitamente respeitável. Se meu<br />
irmão decide cortejá-la, a duquesa e eu dificilmente reprovaríamos. Imogene<br />
abriu desmesura<strong>da</strong>mente os olhos.<br />
—Pois, é obvio. Estou segura de que é uma jovem tão agradável como<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
você diz.<br />
—É —insistiu Edward.<br />
Imogene inclinou a cabeça para um lado, e logo desprezou sua<br />
perplexi<strong>da</strong>de. Acariciou-lhe o braço.<br />
—Vamos, meu amor, não falemos de nossos parentes. Deixa te levar para<br />
casa —disse, e elevou as sobrancelhas com um gesto—. Em minha casa, se<br />
quiser.<br />
Edward vacilou. Não tinha nenhuma dúvi<strong>da</strong> de que a intenção de Imogene<br />
era que a festa acabasse em sua cama, um lugar que ele jurou não voltar a<br />
frequentar. Por outro lado, se usasse o carro em que tinha vindo, teria que<br />
enviar de volta a procurar a Hypatia. Partir com o Imogene economizaria ao<br />
condutor uma viagem. <strong>Além</strong> disso, deixaria de postergar a conversa que tinha<br />
pendente com ela.<br />
—Pensava voltar para casa —advertiu—, mas se a oferta se mantém,<br />
estaria encantado.<br />
—Certamente que se mantém—disse Imogene, <strong>da</strong>ndo um golpe brincalhão<br />
no ombro.<br />
Tal como ele tinha suspeitado, ela tinha a intenção de mu<strong>da</strong>r de opinião. O<br />
carro ain<strong>da</strong> não tinha saído <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de dos Vance quando Imogene<br />
deslizou até seu assento e fechou as cortinas. A lanterna que se balançava na<br />
boleia por cima <strong>da</strong> porta <strong>da</strong>va ao interior um ar de ninho iluminado. O estofo do<br />
carro era azul, um cetim brilhante de tons pálidos que fazia jogo com os olhos<br />
do Imogene.<br />
—Agora sim — ela disse, lascando um beijo profundo e perito em sua boca<br />
—. Assim está muito melhor.<br />
Ele não a deteve. Esperava, mas que bem suspeitava, que se tratava de<br />
uma prece, que seu beijo tivesse nele o mesmo efeito que o de Florence. Mas a<br />
ver<strong>da</strong>de era tal como tinha temido. A lembrança do contato com Florence,<br />
apesar de sua inocência, era mais excitante que a Imogene real. Aquele prazer<br />
tinha sido mais fresco, mais agudo, mais correto, e que Deus tivesse pie<strong>da</strong>de<br />
de sua alma. Beijar Imogene era incorreto em certos sentidos que ele não tinha<br />
tido o valor de analisar. Ao cabo de um momento, se reclinou em seu assento.<br />
—Precisamos conversar.<br />
—Meu Deus —disse ela com uma risa<strong>da</strong> agu<strong>da</strong> e nervosa—. Estou segura<br />
que eu não gosto de como isso soa.<br />
Ele pôs suas mãos sobre a dela, que descansava suave e relaxa<strong>da</strong> sobre<br />
sua coxa.<br />
—Sabe, te admiro, Imogene. É uma <strong>da</strong>s mulheres mais belas e vitais que<br />
jamais conheci. Não pode imaginar o agradecido que me sinto pelo tempo que<br />
me dedicaste.<br />
—Edward —disse ela, soltando a mão, enquanto um rubor ligeiro tingia as<br />
bochechas—. Não quero seus agradecimentos. Por que faz isto? Estamos bem<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
juntos. A paixão que compartilhamos é especial.<br />
Edward olhava sua mão ali onde tinha a saia agarra<strong>da</strong> de cetim. Não havia<br />
maneira de dizer aquilo sem feri-la, mas possivelmente era o melhor. Talvez o<br />
mais apropriado para um cavalheiro iria deixar que ela o odeia.<br />
—Para mim não é especial —confessou, o mais pausa<strong>da</strong>mente que pôde.<br />
Ela negou com a cabeça, como se não pudesse acreditar no que ouvia. —<br />
Minha tia tinha razão quando falava de você. É um bastardo perverso e cruel.<br />
Como todos os Greystowe. A menos que haja outra mulher disse, e entrecerrou<br />
os olhos iluminados—. Diga que não é Milicent Parminster, essa cadela de<br />
dobro cara. Arrancarei o seu maldito couro cabeludo.<br />
—Não há ninguém — disse ele, enquanto se perguntava quando tinha<br />
conhecido à tia de Imogene—. Simplesmente não posso seguir com isto.<br />
Ela soltou um bufado.<br />
—Acreditarei que não pode seguir com isto o dia que me contarem quem<br />
tem cansado os testículos.<br />
—acabou, Imogene — ele seguiu—, estou cansado de me sentir sujo.<br />
Se arrependeu de ter pronunciado essa palavra no momento em que saiu<br />
de seus lábios. Ela repetiu, mu<strong>da</strong>, aquela última palavra dela. Logo, cobriu a<br />
cara com as mãos.<br />
—É sua prima, não é ? A garota que se ruboriza e que não deixa de lançar<br />
olha<strong>da</strong>s coquetes a seu irmão. Essa sim que é uma moça limpa. O bastante<br />
limpa para gritar!<br />
—Não há ninguém — ele repetiu, e sua negação se converteu em um<br />
grunhido ameaçador.<br />
Mas a Imogene não enganava.<br />
—Maldita seja! —riu, com uma risa<strong>da</strong> que parecia de vidro—. O capitalista<br />
Edward Burbrooke se apaixonou pela ratinha de campo de seu irmão!<br />
Ele a agarrou, pelo braço.<br />
—Se falar disto com alguém, me encarregarei de arruinar a sua vi<strong>da</strong>.<br />
Nesse momento, acreditava em sua própria ameaça, ain<strong>da</strong> sendo injusta.<br />
Mas, felizmente, <strong>da</strong>va a impressão de que Imogene acreditava.<br />
—OH, não o repetirei —disse ela em tom zombador—. Essa pobre imbecil<br />
assustadiça se encarregará de urdir to<strong>da</strong> a vingança que necessito. Espero que<br />
apodreça sem mim, Edward. Espero que passe to<strong>da</strong> a maldita vi<strong>da</strong> sonhando<br />
com uma mulher que não poderá ter.<br />
Em segui<strong>da</strong>, ela deu um golpe no teto com seu leque e ordenou ao<br />
condutor que o deixasse ao lado <strong>da</strong> estra<strong>da</strong>. Edward estava a quilômetros de<br />
casa, mas não protestou. Sabia que o passeio de volta não seria tão<br />
desagradável como a lembrança de sua maldição.<br />
Capítulo 5<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
O piquenique tinha sido ideia de Freddie. Uma recompensa, isso foi o que<br />
disse, porque Florence tinha passado a prova de três bailes em uma semana,<br />
sem mencionar uma apresentação diante <strong>da</strong> rainha. Se inclinar frente à<br />
monarca tinha sido de longe o transe mais fácil, apesar de ter tido que praticar<br />
como caminhar para trás com um vestido de cau<strong>da</strong>. Não tinha na<strong>da</strong> de<br />
aterrador. A rainha Vitória havia trazido a Florence para a memória <strong>da</strong>s viúvas<br />
rechonchu<strong>da</strong>s e amáveis de Keswick. Em qualquer caso, se alegrava de ter<br />
superado essa experiência.<br />
Agora, momentaneamente livre de obrigações, estenderam a manta sobre<br />
a grama no jardim <strong>da</strong> casa de tia Hypatia, uma pequena extensão cerca<strong>da</strong> por<br />
um muro alto de tijolos. A sombra de um relógio de sol <strong>da</strong>va a Freddie no<br />
ombro uma pitoresca santuário que brotava uma cortina de hera que recobria<br />
um pedestal de pedra. O ânimo descontraído de Florence tinha tanto a ver com<br />
a presença de Freddie e a ausência de qualquer outra pessoa, com a taça de<br />
vinho e a uva passa de Corinto que tinha posto na sua mão. Tranquila pela<br />
primeira vez desde que Edward abandonou seus sentidos na festa dos Vance,<br />
estava senta<strong>da</strong> no meio do círculo de sua saia de chintz negro, roupas que<br />
an<strong>da</strong>va pela casa em seus tempos do Keswick, e observava Freddie beliscar de<br />
vez em quando entre os restos de comi<strong>da</strong> fria.<br />
Ele estava deitado de costas, com a jaqueta aberta e a camisa arregaça<strong>da</strong><br />
até os cotovelos. Seu perfil era o de uma moe<strong>da</strong> grega. Seu físico era de um<br />
jovem atleta. Entretanto, mais que qualquer desses traços, Florence foi atraía<br />
pelo seu bom caráter, sempre tão a flor de pele. Pensou que tinha o rosto mais<br />
agradável que jamais tinha visto. Hoje ficou em silencio, em mais de uma<br />
ocasião ela o tinha surpreendido a olhando com um semblante de profun<strong>da</strong><br />
reflexão. Não tinha o aspecto de um homem apaixonado. Afetuoso, sim, mas<br />
não apaixonado. Fora por despeito ou não, ao parecer, a amiga <strong>da</strong>s Wainwright<br />
tinha razão. Mas para Florence isso não importava. Não tinha o mínimo desejo<br />
de pôr reserva ao coração de Freddie,<br />
—Um centavo por seus pensamentos — ele disse, e deu seu chapéu de<br />
palha com uma bolinha feita de grama.<br />
—Estou contente — ela respondeu—, porque estou tomando sol e não<br />
estou com o meu espartilho.<br />
Ele escondeu seu sorriso desenhando círculos na manta.<br />
—Como cavalheiro que sou, fingirei não ter ouvido isso.<br />
Florence sorriu a sua vez e se perguntou se algum dia encontraria um<br />
pretendente com quem se sentisse tão cômo<strong>da</strong> como com ele. Tocou-lhe o<br />
ombro com a ponta do dedo.<br />
—Posso te fazer uma pergunta?<br />
Se virou para olhar.<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
—Você pergunte, queri<strong>da</strong>.<br />
—É uma pergunta, pessoal — ela advertiu—, uma pergunta que pode<br />
inspirar pensamentos tristes.<br />
—Não por isso negarei minha anuência.<br />
Ela deixou a taça de vinho sobre a grama.<br />
—Sei que perdeu seus pais quando era jovem, mas não sei como<br />
morreram.<br />
—Ah — disse ele e fechou os olhos— Para seu alívio, Florence viu que não<br />
o tinha ofendido. —Fizeram uma viagem ao Egito para conhecer as pirâmides.<br />
Na viagem de volta, um dos passageiros subiu a bordo contagiado com a febre<br />
amarela. Foi um broto muito virulento. Morreram vinte e dois passageiros antes<br />
que pudessem contê-la, entre eles meus pais. Minha mãe foi uma <strong>da</strong>s que<br />
cuidou dos doentes, Salvo a uns quantos, conforme dizem, e morreu como uma<br />
heroína. Suponho que meu pai se sentiu orgulhoso dela ao final.<br />
Havia nessas palavras uma pontinha de tristeza. Florence quis consolá-lo,<br />
mas não estava segura se devia. Acaso seu pai tinha sentido vergonha de sua<br />
mulher? Tinha algum motivo? Se perguntou no íntimo. Em lugar de formula<strong>da</strong>,<br />
Florence alisou o algodão estampado de flores e desgastado de seu vestido.<br />
—Foi então quando Edward se converteu em seu tutor? Florence não pôde<br />
evitar se ruborizar ao pronunciar seu nome mas Freddie não se deu conta.<br />
—De fato, foi tia Hypatia quem se converteu em nossa tutora. Edward só<br />
tinha dezessete anos e eu tinha doze. Mas ele foi como meu pai a partir de<br />
então, se referir a isso.<br />
—Foi difícil?<br />
—Deixar que Edward se encarregasse de mim? Não, absolutamente,<br />
porque o tinha feito sempre. Inclusive de meninos, ele tomava seu dever de<br />
irmão mais velho muito a sério. —A expressão de seu rosto se suavizou com as<br />
lembranças—. Nosso pai era um homem estrito. Um homem duro, diria, até o<br />
ponto de que às vezes parecia cruel. Seu pai tinha sido igual. Segundo conta a<br />
tradição familiar, nosso bisavô era um esbanjador. Faltou pouco para jogar<br />
Greystowe e deixar à família em um asilo de pobres. Possivelmente as<br />
gerações que ficaram para reparar o <strong>da</strong>no tinham razão em adotar métodos<br />
tão estritos. Qualquer que seja a razão, Edward se interpôs muitas vezes entre<br />
a vara de meu pai e eu.<br />
Freddie se virou, se apoiou sobre um cotovelo e, sobre a mão com que ela<br />
enrugava o vestido, pôs a sua.<br />
—Quer que te conte a melhor historia de Edward?<br />
Ignorando o repentino tombo que deu seu coração —por que se importaria<br />
o papel de Edward naquele relato? —, ela sorriu ante sua expressão juvenil.<br />
—Claro que terá que me contar isso.<br />
Freddie se acomodou apoiando a mandíbula na palma <strong>da</strong> mão.<br />
— Você pode não saber disto, mas Greystowe está construído sobre um<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
lago com uma ilha no centro e uma família de orgulhosos cisnes negros que<br />
voltam ca<strong>da</strong> ano para a cria de seus pintinhos.<br />
—Cisnes negros?<br />
—Tal como o ouviu. São uns bichos desagradáveis e ruidosos, se quiser<br />
que te diga a ver<strong>da</strong>de, mas bastante atraentes para contemplá-los. Em<br />
qualquer caso, quando Edward tinha sete anos, nosso pai decidiu que tinha que<br />
aprender a na<strong>da</strong>r. O levou à força até a parte mais profun<strong>da</strong> do lago de<br />
Greystowe e o empurrou no lago. Claro, Edward começou imediatamente a <strong>da</strong>r<br />
tapas e se afundou. Quando meu pai julgou que tinha engolido água suficiente,<br />
o tirou, deixou recuperar o fôlego e voltou a lançá-lo na água.<br />
—Meu Deus! —exclamou Florence levando uma mão ao peito.<br />
—Já te disse que meu pai era um homem severo. Suponho que seu pai fez<br />
o mesmo com ele. O agra<strong>da</strong>va dizer que os homens de Greystowe são feitos de<br />
ferro.<br />
—Mas Edward poderia ter se afogado!<br />
—Não demorou muito tempo em manter a flutuação — assegurou Freddie,<br />
e a reconfortou com uns tapinhas na mão—. Sendo Edward como é, quando<br />
chegou meu turno de aprender, insistiu que o deixassem ele me ensinar. Disse<br />
a meu pai que a responsabili<strong>da</strong>de o prepararia para ser um líder. Sempre teve<br />
mais êxito que eu quando se tratava de convencer o duque.<br />
Florence sacudiu a cabeça como se fosse testemunha de um horror sem<br />
nome.<br />
—Não irá me dizer que Edward te afundou no meio do lago!<br />
—A ver<strong>da</strong>de é que não —riu Freddie, e ela relaxou os ombros, alivia<strong>da</strong>—.<br />
Mas sim colocou a ideia na cabeça de que tinha que me ensinar em um só dia<br />
ou, se não, nosso pai faria. Ficamos no lago até meia-noite, tiritando como dois<br />
gatos empapados.<br />
—E aprendeu a na<strong>da</strong>r?<br />
—O suficiente para satisfazer as expectativas de meu pai. E fui<br />
melhorando com o passar do verão. Edward estava tão contente que me <strong>da</strong>va<br />
lições ca<strong>da</strong> dia. Dois anos mais tarde, ganhei um prêmio de natação no colégio.<br />
Edward não sabe que eu sei disso, mas até hoje, ele guar<strong>da</strong> essa me<strong>da</strong>lha em<br />
uma prateleira junto a sua cama. Florence sentiu que seus olhos ardiam.<br />
—Que história maravilhosa. Me dá vontade de ser sua prima de ver<strong>da</strong>de, e<br />
assim poderia te <strong>da</strong>do incentivo.<br />
—Isso eu teria gostado. —Freddie roçou sua bochecha onde se derramou<br />
uma solitária lágrima—. Agora me deixará te perguntar algo.<br />
—Vamos, Freddie, sabe que não posso contar as coisas como você.<br />
—Não é algo que requer contar uma história. Ao menos, não penso assim.<br />
—Muito bem — concordou ela, e alisou uma vez mais a saia—. Pergunte o<br />
que queira. Ele inclinou a cabeça ante sua resposta, entrecerrando os olhos,<br />
mas só disse:<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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Emma Holly<br />
—O que pensa de Peter Vance?<br />
—O filho do duque de Monmouth? —Florence se incorporou, surpreendi<strong>da</strong>.<br />
—Sim, tia Hypatia me disse que esta manhã te mandou violetas e te<br />
convidou à ópera com sua família.<br />
Ela saudou com uma careta a lembrança do cartão de convite que<br />
acompanhava o buquê de flores. Algo dizia “violeta escondi<strong>da</strong> na sombra” e a<br />
“beleza doce e singela” que seu perfume delatava. Era um sentimento<br />
adulador, inclusive poético, mas Florence havia sentido extremamente<br />
incômo<strong>da</strong> ao lê-lo.<br />
—Estou segura de que só as mandou para agra<strong>da</strong>r a sua irmã —disse<br />
Florence—. E embora não fora assim, é o filho de um duque.<br />
—O filho menor —demarco Freddie.<br />
—Sim, mas não acredito que seja alguém em quem deveria pensar. Eu só<br />
sou a filha de um pároco.<br />
—Pode pensar em quem te <strong>da</strong> vontade. É uma garota doce e atrativa. A<br />
pergunta é, você gosta de Peter Vance?<br />
Florence ficou olhando o céu, para as nuvens brancas compactas e aos<br />
par<strong>da</strong>is que voavam por cima de suas cabeças para os prados de Grosvenor<br />
Square. Gostava de Peter Vance? Não tinha nem a metade do senso de humor<br />
de Freddie, mas era atraente e apaixonado e, sem dúvi<strong>da</strong>, merecia uma jovem<br />
melhor do que uma como ela. A intuição dizia que seria carinhoso com sua<br />
mulher e que teria uma amante ao término de seis meses. Aquilo não<br />
inabilitava como candi<strong>da</strong>to a marido, ao menos não o tipo de marido que,<br />
conforme tinha contado ao senhor Mowbry, ela procurava.<br />
Se seus pensamentos ultimamente se viram dominados por uma figura<br />
mais alta, morena e imensamente perigosa, se tratava de uma insensata ideia<br />
romântica que faria o possível por enterrar.<br />
—Suponho que o encontro seria agradável —disse—. Mas como posso<br />
saber? Dancei com ele e não falamos de na<strong>da</strong>. Me trouxe uma taça de ponche<br />
e disse um elogio sobre meu penteado. A única coisa que sei é que gosta dos<br />
cavalos, que é bom de se ver e que tem uma irmã simpática.<br />
—As irmãs simpáticas são importantes.<br />
Dava a impressão de que Freddie só brincava, mas Florence não pôde<br />
sorrir.<br />
—Deve pensar que sou uma pessoa com um horrível sangue-frio.<br />
—Você, Florence? Jamais.<br />
—Entretanto, sair à caça de um marido desta maneira, como se fosse uma<br />
parte de carne, no lugar de um ser humano que se ataria para mim por to<strong>da</strong> a<br />
vi<strong>da</strong>.<br />
—Que horroroso seria isso!<br />
Deu-lhe um empurrão se apoiando em seu ombro musculoso.<br />
—Vagabundo! Você sempre me faz rir. Devo confessar que quase quero<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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me casar contigo.<br />
Aquela frase o fez se deter em seco.<br />
—Isso é ver<strong>da</strong>de? —perguntou Freddie, ocultando os olhos de seu olhar.<br />
Florence se perguntou se o tinha alarmado.<br />
—Tenho medo — reconheceu ela, com o tom mais ligeiro possível—. Mas,<br />
por favor, não conte a sua tia. Teria um ataque.<br />
—Não estou tão seguro disso. Pelo que tenho visto, tenho muito apreço.<br />
—Nem tanto carinho para convi<strong>da</strong>r a uma total desconheci<strong>da</strong> a se unir a<br />
sua família!<br />
Ele ficou olhando por debaixo <strong>da</strong>s sobrancelhas, o mesmo olhar calculador<br />
que tinha visto durante todo o dia.<br />
—Poderia ser uma surpresa — disse, e alisou a manta junto a seu joelho—.<br />
Florence, realmente querer se casar com alguém como eu?<br />
—Como pode duvi<strong>da</strong>r? É o homem mais agradável que conheci. É<br />
divertido, generoso, e quando estou contigo, quase me sinto valente.<br />
Freddie levou uma mão ao coração.<br />
—Meu Deus, sou um modelo de virtudes.<br />
Reprovou suas palavras com um estalo <strong>da</strong> língua. Apesar de que seus<br />
olhos brilhavam com algo mais que a risa<strong>da</strong>, ela deveria saber que não falava<br />
sério.<br />
Mas então ele pigarreou.<br />
—Florence?<br />
—Sim, Freddie.<br />
Ele respirou fundo e deixou que as palavras saíssem precipita<strong>da</strong>mente.<br />
—Quer se casar comigo? Quer casar comigo de ver<strong>da</strong>de? Já sei que não<br />
sou tão bom como poderia ser, mas não sou tão mau como outros. Não bebo,<br />
não jogo nem digo palavrões. Não trabalho muito, mas poderia me pôr a isso, e<br />
sempre faria todo o possível para que fosse feliz.<br />
Florence abriu os olhos como dois pires. Freddie, o homem que a tinha<br />
servido de modelo para seu ideal, queria que se casasse com ele. Deveria ter<br />
se sentido emociona<strong>da</strong> e, de fato, em parte assim era, mas além <strong>da</strong> emoção,<br />
uma sensação desconheci<strong>da</strong> e pareci<strong>da</strong> com o pânico começava a brotar em<br />
seu peito.<br />
—Não pode falar sério — disse, e parte dela queria que reconhecesse que<br />
brincava.<br />
—Sim, Florence, falo sério. —Freddie se sentou e segurou suas mãos—. Eu<br />
gostaria muito que se casasse comigo. Ou seja, se você acha que iria desfrutar<br />
se juntar comigo.<br />
Florence sentia o coração pulsar como um tambor. Pensou que só a ideia<br />
de Edward a impedia de se lançar aos braços de Freddie, porque Edward a<br />
tinha beijado, fazia seu coração se fechar e tinha arrepiado dos pés à cabeça.<br />
Mas Edward não se casaria com ela. Inclusive se assim fosse, não era o<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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Emma Holly<br />
que ela necessitava. Peter Vance poderia desiludi-la, mas Edward romperia seu<br />
coração. Sabia disso com tanta certeza como sabia seu nome. Prometeu a si<br />
mesma que não acabaria como seu pai, a metade de sua alma perdi<strong>da</strong><br />
chorando um amor que jamais voltaria a ver. Florence não era uma tola que<br />
perde a cabeça por suscetibili<strong>da</strong>des do coração. Era uma garota sensata.<br />
Apesar do qual, não podia obrigar a si mesma a aceitar.<br />
—Não sei o que dizer —balbuciou.<br />
—Diga que sim — respondeu Freddie, premente.<br />
—Mas, Freddie. Como posso? Sua tia pensará que traí sua confiança.<br />
—Asseguro que não, mas estou disposto a me enfrentar inclusive a isso se<br />
estiver segura de que quer me ter.<br />
Ela procurou seus olhos queridos e generosos, uns olhos que, por uma vez,<br />
pareciam tão tímidos e inseguros como ela mesma. Podia fazê-lo feliz, pensou.<br />
Não estavam apaixonados, mas havia carinho entre eles, e também respeito.<br />
Podia construir um lar que ele sentiria prazer em chamar dele. Podia aplacar a<br />
tristeza que às vezes intuía atrás de seu sorriso. Quanto a ela.. .<br />
Estaria segura, segura como nunca o tinha sonhado. Freddie era um bom<br />
homem. Jovem, em certo sentido, mas decente até a medula.<br />
—Sim —disse finalmente, apertando as mãos—. Me sentiria honra<strong>da</strong> de<br />
ser sua esposa. Não sabia com certeza que mãos estavam mais frias: as do<br />
Freddie ou as suas.<br />
—Parabéns —disse Edward, embora com a mandíbula quase muito rígi<strong>da</strong><br />
para pronunciar essa única palavra. Seu irmão tinha anunciado a notícia no<br />
salão privado de Hypatia, entre as cômo<strong>da</strong>s cadeiras e os grossos tapetes, ela<br />
curva<strong>da</strong> sobre seus trabalhos de malha que tanto a entretinha junto ao fogo <strong>da</strong><br />
lareira—. Certamente, quererá que as bo<strong>da</strong>s sejam rápi<strong>da</strong>s.<br />
A Florence enrugou o cenho e olhou para o Freddie, que plantou um beijo<br />
no dorso <strong>da</strong> mão. O gesto foi um intercâmbio tão natural de <strong>da</strong>r e receber que<br />
Edward sentiu que o coração se retorcia no peito.<br />
—Sim —conveio tia Hypatia—. Um casamento pequeno e discreto, e assim<br />
não romperá seu duelo de maneira muito drástica. O pároco de St. Peter's é<br />
meu amigo. Estou segura que poderá fazer uma pausa para celebrar sua<br />
cerimônia.<br />
—Não entendo —disse Florence, e seu olhar foi de Edward a sua tia—.<br />
Você não está irrita<strong>da</strong>. Parece satisfeita. Não pretendo insultá-la, Excelência,<br />
mas eu pensava sinceramente que você tinha decidido me patrocinar porque<br />
esperava que eu ofuscasse Greta e Minna.<br />
—E acredita que esta bo<strong>da</strong> não as ofuscará? —respondeu Hypatia, com<br />
uma espécie de latido que era uma risa<strong>da</strong>—. Não, não, queri<strong>da</strong>, embora<br />
reconheço que <strong>da</strong>nificar as ambições de sua mãe dá a este transe um sabor<br />
adicional, te asseguro que não tinha pensado em um motivo como esse. Tenho<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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Emma Holly<br />
carinho por você, Florence. Agora mais que nunca. Fez de meu sobrinho um<br />
homem feliz.<br />
—Mas se só sou...<br />
—Só é minha afilha<strong>da</strong> — disse a alegre e men<strong>da</strong>z tia de Edward quando<br />
ela se inclinou para beijá-la na bochecha—. Não somos esnobes. Estou segura<br />
de que será uma boa contribuição ao nome Burbrooke.<br />
Florence começou a chorar, lágrimas lentas e grossas que tentou se<br />
esconder atrás de suas mãos. Com um sorriso terno, Freddie a atraiu para seu<br />
ombro e acariciou seu cabelo. Era como se Florence pertencesse a esse lugar,<br />
como se já estivessem casados.<br />
—Vamos, vamos —disse—. Não há por que chorar.<br />
—Você tem sido tão generoso comigo — ela disse com um soluço choroso<br />
—. Não sei como poderei pagar por tudo.<br />
—Pode pagar sendo feliz — disse Freddie—. Na reali<strong>da</strong>de, tudo o que<br />
pedimos.<br />
Freddie cruzou um olhar com Edward por cima do ombro de Florence. Em<br />
sua expressão havia uma dor que Edward logo poderia suportar, uma dor nem<br />
tanto por si mesmo mais pela Florence, como se, entre os dois, estivessem<br />
cometendo um terrível pecado contra a jovem.<br />
Mas não cometiam nenhum pecado. Edward puxou a gola <strong>da</strong> jaqueta e<br />
apertou a mandíbula. O que faziam era salvá-la. Fazê-la feliz. Até o mais tolo<br />
podia ver que ela e Freddie estavam destinados a ser felizes. Aquele não seria<br />
um matrimônio como o de seus pais, um homem frio e uma mulher miserável.<br />
Isto seria o mais parecido a uma historia de amor que Edward jamais tinha<br />
visto. Se um engano o tinha feito possível, pois, que assim fosse.<br />
—Todos queremos que seja feliz — disse, e sua voz soou mais amável do<br />
que pretendia.<br />
Ela se virou para olhá-lo, sua bochecha ain<strong>da</strong> apoia<strong>da</strong> contra o peito de<br />
Freddie. Seus olhos ain<strong>da</strong> deslumbrados, suaves com sua emoção, verdes<br />
como os brotos <strong>da</strong> primavera. Sem mais arma que aquela, tinha-o cravado<br />
literalmente ao chão.<br />
Pelo amor de Deus, pensou Edward, com um calafrio de terror. Eu a amo.<br />
—Obrigado — ela disse, como se sua aprovação fosse o mais importante<br />
do mundo—. Me sinto orgulhosa de fazer parte <strong>da</strong> família.<br />
Com isto, estendeu a mão, uma mão pequena e suave.<br />
Edward pensou que o mais difícil que tinha feito em sua vi<strong>da</strong> era segurá-la<br />
e logo deixá-la ir.<br />
Capítulo 6<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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Emma Holly<br />
A ideia de Edward ter de um casamento rápi<strong>da</strong> não era a mesma que sua<br />
tia. Ele não via nenhuma razão para esperar além <strong>da</strong> obtenção de um<br />
documento de autorização especial. Por seu lado, Hypatia o advertiu contra,<br />
<strong>da</strong>do a entender sem necessi<strong>da</strong>de ter pressa.<br />
— De jeito nenhum —sentenciou—. Qualquer <strong>da</strong>ta antes dos seis meses é<br />
simplesmente vulgar.<br />
Entretanto, aquilo foi bem antes de Imogene Hargreave mostrar suas<br />
garras.<br />
Hypatia soube <strong>da</strong>s notícias antes dele. Edward estava sentado à mesa do<br />
café <strong>da</strong> manhã quando seu carro a deixou diante de sua porta. Não esperou<br />
que a anunciasse Grimby, mas sim entrou <strong>da</strong>ndo grandes perna<strong>da</strong>s. Edward<br />
levantou o olhar de seu prato, muito surpreso pela aparição de sua tia para<br />
aventurar uma sau<strong>da</strong>ção. O tecido de seu vestido se agitava ruidosamente<br />
com sua pressa, e, quando se deixou cair em uma cadeira, lançou uma nuvem<br />
de essência de lavan<strong>da</strong>. Tinha o chapéu torcido, e suas luvas amarelas eram<br />
uma ofensa contra seu vestido cor púrpura. Não se via sua bengala por<br />
nenhum lado.<br />
—Temos um problema —disse, arrancando as luvas como se quisesse<br />
<strong>da</strong>nificá-las. Seguiu o chapéu, com um gesto igualmente enérgico.<br />
Edward engoliu a última parte <strong>da</strong> torra<strong>da</strong>. Uma mecha de cabelos branco<br />
prateados apontava para cima <strong>da</strong> cabeça de Hypatia. Suspeitando que sua tia<br />
precisava se recuperar mais do que ele, deslizou sua xícara de chá quente a<br />
ela.<br />
—Que problemas?<br />
Seu rosto retorceu de raiva. Edward não a tinha visto tão enfureci<strong>da</strong> desde<br />
a primeira e única vez que seu pai o tinha golpeado. Freddie tinha seis anos,<br />
conforme recor<strong>da</strong>va, e o duque o tinha levado a caça de cachorrinhos, o qual<br />
era uma prática comum para os cavaleiros sem experiência, a quem<br />
encomen<strong>da</strong>va a caça dos cachorrinhos de raposas antes que começasse a<br />
tempora<strong>da</strong>. Freddie não tinha entendido o que aconteceria até que chegou o<br />
momento de marcá-lo com o sangue <strong>da</strong> vítima. Nesse momento, tinha sofrido<br />
um ataque de nervos, e tinha se negado a deixar que seu pai o ungisse na<br />
frente com o sangue, o qual não era uma surpresa, posto que o menino ain<strong>da</strong><br />
dormisse pelas noites com um coelho embalsamado. Só a intervenção de<br />
Edward tinha detido o duque, que gritava a seu filho como se queria deixá-lo<br />
surdo. Por este atrevimento, Edward tinha ganho um olho arroxeado.<br />
Imediatamente soube que seu pai se arrependia desse gesto. O duque se<br />
tornou muito silencioso e, de fato, pegou Freddie e o levou de volta à casa,<br />
também com muita suavi<strong>da</strong>de, como se quisesse consolá-lo. Quando tia<br />
Hypatia se inteirou do que tinha acontecido deu no seu irmão mais velho uma<br />
bofeta<strong>da</strong>, o duque aceitou seu julgamento sem dizer uma palavra.<br />
Agora parecia que queria golpear a alguém, embora se limitasse a<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
encrespar os dedos com força ao redor <strong>da</strong> xícara.<br />
—É esse bastardo do Charles Hargreave —disse—. An<strong>da</strong> por aí contando<br />
às pessoas que viu alguém que se parecia “extraordinariamente com Freddie<br />
Burbrooke” saindo de uma casa de entrevistas muito especial no Fitzroy Street.<br />
Edward afundou em sua cadeira. Apesar de seus temores, a notícia o<br />
pegou completamente despreparado. Essa casa de entrevistas muito especial<br />
era um bordel de homossexuais que se especializava em meninos menores de<br />
i<strong>da</strong>de. Se aquilo era ver<strong>da</strong>de...<br />
—Não acredito —disse, sem fôlego e sofrendo um repentino sufoco—.<br />
Freddie me deu sua palavra. E embora não tivesse feito, jamais faria algo para<br />
se aproveitar dos jovens.<br />
Seu irmão não faria isso, disse a si mesmo, e a mera possibili<strong>da</strong>de parecia<br />
insuportável. O irmão que ele amava não faria isso. Apertou as mãos com tanta<br />
força que a pele dos nódulos empalideceu.<br />
— Eu concor<strong>da</strong>r contigo —disse sua tia—. Quaisquer que sejam suas<br />
falhas, Freddie nunca foi um abusador —adicionou, franzindo os lábios com<br />
desagrado—. Fazer o que você quer que ninguém faça, com aqueles que são<br />
muito jovens para <strong>da</strong>r seu consentimento, para inclusive entender o risco, não<br />
me parece que seja <strong>da</strong> consideração de Freddie. Entretanto, pouco importa se<br />
a história seja ver<strong>da</strong>de ou não. Se as pessoas acreditarem, o <strong>da</strong>no já parecerá.<br />
Edward se deu um murro na coxa.<br />
—É Imogene. Aquela maldita cadela disse a seu marido.<br />
Hypatia ficou olhando, ajuizando com uma fina sobrancelha franzi<strong>da</strong>. Não<br />
parecia importar se sua tia permitiria semelhante linguagem. Edward esfregou<br />
a dor na testa.<br />
—Sinto muito —disse—, não deveria ter perdido a calma.<br />
—Claro que deve. A conduta de Hargreave é desprezível, embora seja sua<br />
mulher quem está atrás disso. —Mais calma agora, segurou a xícara de chá<br />
branca e azul e fez girar o líquido no interior com um movimento circular.<br />
Edward lembrou dos comerciantes que conhecia, planejadores, homens de<br />
negócios. Seu olhar era tão frio como os deles—. Não perguntarei por que Lady<br />
Hargreave pode ter alguma ofensa contra esta família. Só espero que ninguém<br />
terá relações com ela no futuro.<br />
—Disso pode estar segura —disse Edward, com uma risa<strong>da</strong> que foi de uma<br />
vez breve e amarga.<br />
—Parece-me bem. —Com um movimento brusco, a duquesa arrumou o<br />
vestido—. Tudo o que temos que decidir agora é como levar Florence a<br />
Greystowe.<br />
—A Greystowe? — ele perguntou, surpreso por aquela vira<strong>da</strong> na conversa.<br />
— Bem, não podemos deixar que fique em Londres. Se não, acabará<br />
ouvindo os rumores. E não podemos mandá-la a nenhuma outra parte sozinha.<br />
Ela já está meio apaixona<strong>da</strong> pelo Freddie. Se garantirmos que os dois estejam<br />
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Emma Holly<br />
juntos, se sentirá sua no final do verão.<br />
Sem se <strong>da</strong>r plenamente conta do que fazia, Edward levou uma mão ao<br />
ventre. No final do verão. Só demoraria isso?<br />
—Necessitarão uma acompanhante — disse, e sua própria voz soou<br />
estranhamente distante—. Está disposta a ir com eles?<br />
—E mais do que isso. Acredito que será melhor que você também venha.<br />
—Eu? A dor que ferroava o ventre aumentou.<br />
—Confio no Freddie —disse a duquesa—. Mas confio ain<strong>da</strong> mais nele<br />
quando sabe que você o vigia.<br />
Edward desejou fechar os olhos e sacudir a cabeça. Florence. Em sua casa.<br />
Com Freddie. Deixando seu aroma nos corredores. Sua risa<strong>da</strong>. Seus passos<br />
ligeiros. Sua tia nem suspeitava o que me pedia. Aquelas eram, em reali<strong>da</strong>de,<br />
boas notícias, embora significasse que iria viver a maldição de Imogene.<br />
Maldita seja, tinha cumprido sua palavra. Aparentemente, não tinha contado a<br />
ninguém que ele tinha se apaixonado por Florence. Tinha encontrado uma<br />
maneira melhor de ferir, através de Freddie, através do irmão que ele levava<br />
no coração. Mas ao menos levariam Florence para fora de seu alcance. Não<br />
confiava em sua antiga amante de manter a boca fecha<strong>da</strong> em caso <strong>da</strong>s duas<br />
se encontrarem cara a cara.<br />
Edward encontrou uma ocasião para falar com Freddie naquela tarde. O<br />
encontrou no estúdio, sentado em uma cadeira com as cortinas fecha<strong>da</strong>s, uma<br />
garrafa e uma taça ao alcance <strong>da</strong>s mãos. Um solitário abajur queimava na<br />
mesa junto de seu cotovelo. A tênue luz amarela <strong>da</strong>va a seu cabelo marrom<br />
ondulado uma cor doura<strong>da</strong>. Pelo estado desordenado de sua roupa, parecia<br />
estar estirado e bebendo algumas horas. Tinha o colarinho aberto, e a gravata<br />
amarfanha<strong>da</strong> e enruga<strong>da</strong>. Parecia um anjo cansado, um anjo que se lamentava<br />
de seu antigo estado de graça. Onde tinha ouvido as notícias? No clube? Na<br />
rua? Sem saber por onde começar se aproximou do irmão e o olhou de cima.<br />
Seu irmão não devolveu seu olhar.<br />
—Quer uma taça? —perguntou, com a língua pastosa mas segura—.<br />
Podemos brin<strong>da</strong>r pelo final de Freddie Burbrooke tal como o conhecemos.<br />
—Sei que não fez o que eles contam —disse Edward, com a respiração<br />
entrecorta<strong>da</strong>.<br />
Freddie acabou sua taça e serviu outra. O gargalo <strong>da</strong> garrafa tilintou<br />
contra a bor<strong>da</strong> <strong>da</strong> taça de cristal, mas o licor não derramou.<br />
—Como soube? —perguntou, com uma calma sinistra—. Sou um desviado<br />
não é isso? Vítima de apetites antinaturais. Quem pode dizer onde acaba<br />
minha depravação?<br />
Edward agarrou seu irmão pelos ombros e o sacudiu. A taça caiu contra o<br />
peitilho de Freddie, salpicando uísque sobre os dois antes de cair no chão. A<br />
cabeça de Freddie se sacudia de um lado ao outro como se fosse uma boneca<br />
de pano, mas Edward não podia se deter.<br />
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Emma Holly<br />
—Sei que não o fez —repetiu, desta vez quase gritando—. Eu sei!<br />
Com uma súbita explosão de energia, Freddie o empurrou. Não era tão<br />
forte como Edward, mas era o bastante forte. Se levantou e pôs uma cadeira<br />
entre os dois.<br />
—Você não sabe na<strong>da</strong>, maldito seja. Posso ver o medo em seu rosto. Ouçoo<br />
em sua voz —disse e mexeu no cabelo com uma imprecação, depois do qual<br />
o assinalou com um dedo acusador—. Não pode saber por que não conhece<br />
na<strong>da</strong> desse meu lado. Não sabe como funciona. Não sabe como pensa. Não te<br />
culpo por duvi<strong>da</strong>r de mim, Edward, mas juro que preferiria morrer antes de<br />
fazer algo assim.<br />
Edward se aproximou <strong>da</strong> cadeira e pôs uma mão sobre o ombro de<br />
Freddie. Seu irmão tremia, os dentes batendo com to<strong>da</strong> a intensi<strong>da</strong>de de sua<br />
miséria. Tinha os olhos vermelhos mas secos. Pareciam queimar quando cruzou<br />
seu olhar com Edward.<br />
—Nunca — Freddie repetiu, com voz tensa e rouca—. Nunca com ninguém<br />
que não seja igual. Nunca com ninguém que não deseja tanto quanto eu.<br />
A horrível duvi<strong>da</strong> que sentia remeteu. Sabia que Freddie dizia a ver<strong>da</strong>de e,<br />
entretanto, por agradecido que se sentisse, não queria ouvir aquilo. Não queria<br />
saber que tinha havido outros, além do criado, além dos meninos na escola.<br />
Miro a cadeira vazia, a mancha de licor que se secava no assento....<br />
—Tia Hypatia e eu decidimos que iremos ao Greystowe. Você, eu, ela e<br />
Florence..<br />
—Florence? —Freddie franziu o cenho, surpreso—. Edward, não tenho a<br />
intenção de levar adiante com este compromisso. Cedo ou tarde, Florence<br />
saberá.<br />
—Por isso vamos a Greystowe.<br />
—Para o resto de nossas vi<strong>da</strong>s?<br />
Edward se inclinou para pegar a taça caí<strong>da</strong>.<br />
—Só pelo verão. As lembranças morrem logo. Já verá que o próximo<br />
escân<strong>da</strong>lo fará que as pessoas esqueçam este.<br />
—E se isso não acontecer? Pelo amor de Deus, Edward, pense em<br />
Florence. Não parece na<strong>da</strong> justo....<br />
—Por que não? É o mesmo homem que propôs matrimônio. O mesmo<br />
homem que ela se apóia com alegria. O mesmo homem que <strong>da</strong>rá um teto para<br />
protegê-la e porá a comi<strong>da</strong> na mesa.<br />
—A vi<strong>da</strong> é algo mais que tetos e comi<strong>da</strong>s...<br />
—Você é mais que uma comi<strong>da</strong> para ela, Freddie. É seu amigo. —Edward<br />
sabia que dizia a ver<strong>da</strong>de, sim, sabia que assim tinham que ser as coisas, para<br />
bem de todos. Possivelmente Florence merecia se casar com alguém mais que<br />
um amigo. Possivelmente merecia o mundo. Aquilo não significava que não se<br />
sentiria perfeitamente contente sendo a mulher de Freddie. E Freddie estaria<br />
contente sendo o marido de Florence. Contente e seguro. Neste velho mundo<br />
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miserável, quem tinha direito de pedir mais? Com um nó na garganta, Edward<br />
destampou a garrafa e se serviu. Freddie olhou com olhos arregalados como<br />
seu irmão bebeu a bebi<strong>da</strong> em um gole só. O espesso uísque irlandês deu a<br />
Edward no ventre um murro. Tossiu antes de falar—. Direi a Lewis que saímos<br />
amanhã.<br />
—Amanhã?<br />
—Amanhã —repetiu Edward, com voz áspera, implorando para si que essa<br />
decisão não destruísse a todos.<br />
Florence saía <strong>da</strong> biblioteca com um livro quando o mordomo a informou<br />
que seus primos a esperavam no estúdio.<br />
—Meus primos?<br />
—Lorde Greystowe e o visconde Burbrooke.<br />
—Sim, claro — ela disse, e alisou o vestido com gesto nervoso—.<br />
Obrigado, John. Em segui<strong>da</strong> subiu.<br />
Refletiu pensando no que quereriam, posto que já tinha passado a hora de<br />
suas reuniões. Talvez estava relacionado com o noivado? Mas parecia pouco<br />
provável que falassem disso sem a duquesa, que essa noite jantava em casa<br />
de amigos.<br />
—Cavalheiros —disse, tentando aparentar uma atitude calma quando<br />
entrou no elegante salão.<br />
Os dois se ergueram com uma mesura. Para consternação dela, viu que os<br />
dois rostos transmitiam gravi<strong>da</strong>de. Em reali<strong>da</strong>de, Florence nunca tinha visto<br />
Freddie tão sério. Deus, pensou, e seu coração deu um estranho salto. Será que<br />
pensam anular o enlace.<br />
—Há algum problema? —perguntou, levando a mão ao pescoço—. Tia<br />
Hypatia não terá sofrido algum acidente, não?<br />
—Não, não —disse Edward. Seu sorriso pareceu forçado inclusive a ele<br />
mesmo—. Freddie, aqui —disse, pondo um braço sobre o ombro de seu irmão<br />
—, tem uma surpresa para ti. Freddie não tinha boa cara, mas assentiu<br />
mostrando seu acordo.<br />
—Pensei que te agra<strong>da</strong>ria uma viagem a Greystowe. Conhecer os fantasmas de<br />
minha infância e todo isso.<br />
Florence respondeu piscando, e logo sorriu.<br />
—Eu adoraria, Freddie. Será um prazer absoluto. —Deu uns passos rápidos<br />
para cruzar a sala e estreitar suas mãos—. Como sabia que jogava tanto menos<br />
o campo?<br />
—Não tem por que ir — ele disse—. Só se realmente desejar.<br />
Havia algo em seus olhos que ela não podia decifrar, algum inexplicável<br />
mal-estar, como se estivesse fazendo aquela oferta sob pressão. Edward<br />
pigarreou.<br />
—O que aconteceu? —perguntou Florence, e deslizo as mãos até as<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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lapelas de sua jaqueta—, por acaso você não quer ir?<br />
—É obvio que quero ir. Só pensei que possivelmente você lamentaria<br />
perder o resto <strong>da</strong> tempora<strong>da</strong>.<br />
Florence saudou a ideia com uma risa<strong>da</strong>.<br />
—Pagaria por perder o resto <strong>da</strong> tempora<strong>da</strong>. Você esta bem, Freddie? Está<br />
pálido.<br />
— Bebi muito no clube — ele confessou, se separando e <strong>da</strong>ndo um puxão<br />
na sua jaqueta—. Eu acho melhor ver com o mordomo de tia Hypatia se tem<br />
algum remédio.<br />
Depois de dizer isso, abandonou rapi<strong>da</strong>mente o salão como se o<br />
perseguissem. Florence ficou olhando.<br />
—Que estranho —disse—. Freddie não costuma se exceder.<br />
—Suponho que seus amigos queriam brin<strong>da</strong>r o noivado.<br />
A explicação soava falsa, ela se esqueceu do mistério com um encolhendo<br />
de ombros. Sem dúvi<strong>da</strong> Edward tentava esconder alguma travessura e não<br />
queria que chegasse nos ouvidos dela. Agora já não tinha que se preocupar<br />
com isso. A brusca saí<strong>da</strong> de Freddie os tinha deixado os dois sozinhos. Como<br />
sempre, a presença de Edward, e as perturbadoras sensações que inspirava<br />
nela, eram mais que suficiente para ocupar seus pensamentos.<br />
—Quer que peça algo fresco para beber? —perguntou, embora esperava<br />
que ele negasse.<br />
—Não — ele disse, e manuseou o chapéu de se<strong>da</strong> negra. Ela pensou que<br />
ele se retiraria nesse momento, mas Edward permaneceu onde estava, como<br />
se estivesse pregado no tapete de Axminster. —Conhaque? —ofereceu ela.<br />
Ele voltou a negar com um gesto de cabeça e, continuando, pareceu fazer<br />
provisão de vontade.<br />
—Está contente, não?<br />
A pergunta parecia mais uma acusação que uma in<strong>da</strong>gação, e era mais<br />
pessoal do que ele tinha direito de perguntar. Florence se sentiu irrita<strong>da</strong>.<br />
—Certamente que estou contente. Por que não teria que estar?. Freddie é<br />
um homem maravilhoso. Um ver<strong>da</strong>deiro cavalheiro.<br />
Edward se ruborizou com esse indireta dele, e esticou a mandíbula.<br />
— Me alegra ouvi-lo —disse, com um tom claramente zombador—. Sempre<br />
esperei que a mulher de meu irmão apreciasse as virtudes nobres.<br />
—Mais do que você pode apreciar — disse ela, e devolveu um olhar<br />
igualmente carregado de ira.<br />
Não se tinha <strong>da</strong>do conta em que momento se aproximaram tanto, mas<br />
agora estavam com os narizes quase se tocando, os dois vibrando de fúria. Seu<br />
aroma estava ameaçando atrair para sua pele, almíscar e sal, temperando seu<br />
sangue contra sua vontade. Maldito seja, pensou, por ser tão condena<strong>da</strong>mente<br />
masculino.<br />
—Se o fizer mal... — ele ameaçou.<br />
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—Eu? Eu o fazer mal? Você é quem... —De repente se calou bruscamente<br />
e não falou mais. Uma ver<strong>da</strong>deira <strong>da</strong>ma fingiria que seu encontro na estufa dos<br />
Vance jamais tinha tido lugar.<br />
Em qualquer caso, Edward não a deixaria se conduzir como uma <strong>da</strong>ma.<br />
—Não, não —disse, com voz impaciente—. Acaba o que foste dizer. Eu sou<br />
quem...o que?<br />
Ela se endireitou e girou o rosto.<br />
—Não tem nem a menor importância,<br />
—De maneira que não tem nem a menor importância, né?<br />
Quando segurou seu queixo e a obrigou a se voltar, ela sentiu como se<br />
tivesse estado esperando to<strong>da</strong> a noite precisamente esse gesto dele, seu corpo<br />
vibrou de excitação, inclusive enquanto seu coração se acelerava presa pelo o<br />
medo. Os pulmões funcionavam como dois foles.<br />
—Florence — ele grunhiu, e as fossas nasais abriram como se também<br />
pudesse cheirar os segredos de sua carne. Ele pressionou sua boca contra a<br />
dela, todo ele convertido em uma ardente força masculina. A invadiu, atraindo<br />
para si, com sua mão de ferro em torno de sua mandíbula. A beijou e Florence<br />
sentiu que seus joelhos começavam a tremer, sentiu que suas mãos se movia<br />
para agarrar pelo casaco. Edward a beijou até que ela deixou escapar um<br />
gemido, até que ca<strong>da</strong> fio de pensamento racional tinha abandonado seu<br />
cérebro. O musculoso pescoço estava úmido sob a palma de sua mão, e sua<br />
respiração reverberava sobre sua bochecha. Edward a atraiu com força para<br />
ele, seu abraço esmagando o vestido, suas coxas duras e quentes através do<br />
frágil tecido. Com um antebraço cruzando por debaixo <strong>da</strong>s nádegas, seus<br />
quadris começaram a oscilar como aquela noite no baile, O vulto entre eles era<br />
surpreendentemente grande. Dava a impressão de que queria marcá-la com<br />
ele, obriga<strong>da</strong> a tomar sua medi<strong>da</strong> contra sua pele. Ela não podia se soltar, logo<br />
podia se debater, mas aquele abraço comprido e intenso não a assustou como<br />
na primeira vez. Ao contrário, para sua própria surpresa, desejou que ele a<br />
explorasse com as mãos, desejou ver a forma que adotava seu desejo. Aquela<br />
era uma paixão em que uma mulher podia se afogar. Voluntariamente. Sem<br />
pie<strong>da</strong>de. Até que rogasse a seu sedutor que fizesse com ela o que desejasse;<br />
Certamente, deveria ter sabido o que Edward desejava não tinha na<strong>da</strong> haver<br />
com ela.<br />
Justo quando ela se preparava para acrescentar seu próprio apetite a esse<br />
beijo, ele arrancou sua boca e a manteve separa<strong>da</strong> pelos ombros.<br />
—Isto —disse, com voz rouca— não há a menor importância.<br />
Saiu a grandes passos <strong>da</strong> sala sem pronunciar outra palavra. Besta,<br />
pensou ela, indigna<strong>da</strong>. Besta horrível e arrogante, Não podia se sentir atraí<strong>da</strong><br />
por um homem como esse. Simplesmente não podia. O que tentava<br />
demonstrar? Que gostavam de seus beijos? Que possivelmente não era <strong>da</strong>ma<br />
suficiente para seu irmão?<br />
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—Sim que sou — disse, jurando à sala em silêncio—, Sim que sou. —<br />
Deixou escapar um suspiro comprido e trêmulo, alisou o cabelo e arrumou o<br />
penteado. Ela não era uma heroína de folhetim que despenhava alegremente<br />
pelo abismo de sua própria ruína. Era a filha de um pároco, uma mulher<br />
nasci<strong>da</strong> de boa família. Aquela... anomalia em seus sentimentos não a faria<br />
fraquejar. Enquanto Freddie Burbrooke quisesse se casar com ela, ela estaria<br />
mais que contente de se casar com ele.<br />
Entretanto, uma questão completamente diferente era saber se estava<br />
mais que contente de se converter na cunha<strong>da</strong> de Edward.<br />
Maldito louco, pensou, se apoiando contra a pesa<strong>da</strong> porta do estúdio. A<br />
tinha beijado. Havia tornado a fazê-lo. E a única razão tinha sido sua insinuação<br />
de que seus beijos não tinham a menor importância. O que esperava que<br />
dissesse? Que estava secretamente apaixona<strong>da</strong> por ele e que Freddie, “o<br />
perfeito cavalheiro”, já podia ir a passeio? Como se aquilo fosse uma solução.<br />
Tampou os olhos e sacudiu bruscamente a cabeça. Seria preferível rezar para<br />
que ela o odiasse.<br />
Certamente, depois do fiasco dessa noite, havia não poucas<br />
probabili<strong>da</strong>des de que, em efeito, acabasse o odiando.<br />
A viagem a Greystowe foi tão diferente como o dia <strong>da</strong> noite, comparado<br />
com o que tinha feito para Londres. Ao que parecia, Edward era dono de um<br />
vagão de ferrovia.<br />
—É o espólio obtido depois de manchar as mãos com a indústria —disse<br />
Freddie, provocador, quando ajudou Florence a subir a esca<strong>da</strong>, que olhava,<br />
encanta<strong>da</strong>.<br />
No interior, o vagão era tão elegante como o salão <strong>da</strong> duquesa. As<br />
paredes estavam revesti<strong>da</strong>s com olhos de pássaros perdiz, as poltronas e<br />
cadeiras com tapeçaria de cetim verde escuro. Um acolchoado de se<strong>da</strong> negra<br />
cobria o arco do teto e um grosso tapete <strong>da</strong> China, com intrincados desenhos<br />
em vermelho e dourado, cobria o chão. O efeito era o de um resplendor<br />
suntuoso, masculino, tão suntuoso que Florence ruborizou ao vê-lo. Não podia<br />
deixar de imaginar Edward estendendo uma jovem ansiosa no sofá,<br />
possivelmente a beijando como tinha beijado a ela. Como seria sentir essa<br />
suave se<strong>da</strong> sob a pele? Como sussurraria ao se esfregar contra ela? Com um<br />
leve estremecimento, desprezou a absur<strong>da</strong> imagem.<br />
Aquilo conduzia ao desastre.<br />
—Meu Deus! —exclamou, e logo baixou a voz porque nesse momento<br />
entrava Edward—. Não irás dizer que é dono de todo o trem? —Freddie riu e se<br />
voltou para seu irmão.<br />
—Florence quer saber se é dono de todo o trem.<br />
—Não — ele disse, com a secura costumeira. Se inclinou para segurar a<br />
mão <strong>da</strong> duquesa—. Essa honra pertence a Midland Railway.<br />
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Com seu tom, insinuava a Florence que sua pergunta tinha sido ingênua.<br />
Com um suspiro, ela se virou. Temperamental, era a palavra com que Freddie o<br />
tinha definido, mas ninguém como ela parecia despertar nele o pior de seu<br />
temperamento. Felizmente, levava consigo uma livro de Charles Dickens para<br />
se entreter durante a viagem. Com todo aquele luxo, o vagão não era o<br />
suficientemente grande para ela e o temperamento de Edward.<br />
Quanto a ele, parecia sentir o mesmo. Primeiro sumiu na leitura do London<br />
Times e logo, em um montão de correspondência. Ela pensou que não devia se<br />
importar. Desfrutaria <strong>da</strong> viagem, tal como pensava desfrutar de sua estadia em<br />
Greystowe.<br />
Teve tempo de sobra para pôr a prova o seu propósito, porque a viagem<br />
não foi curta. Greystowe, conforme informou Freddie, se encontrava na região<br />
do East Midlands, não longe de Peak District. À medi<strong>da</strong> que o trem avançava<br />
estalando e cuspindo fumaça para o coração <strong>da</strong> Inglaterra, passaram por<br />
pitorescas aldeias e prósperas ci<strong>da</strong>des comerciais. Para seu alívio, o fedor do ar<br />
de Londres se desvaneceu rapi<strong>da</strong>mente. A pedra <strong>da</strong>s construções se voltou<br />
doura<strong>da</strong> e suave, e a paisagem ficou prazenteiramente ondulante. As ovelhas<br />
pastavam nas colinas, mas também estava sendo cultivos e plantados.<br />
Brilhavam, ain<strong>da</strong> verdes e recém crescidos, sob o claro céu de junho.<br />
A garota de campo que havia nela se embebia de tudo como um bálsamo<br />
curativo.<br />
Finalmente, quando o sol começava a se ocultar detrás dos Montes,<br />
entraram em um vale resguar<strong>da</strong>do. Seus campos, alimentados pelo rio<br />
Derwent, estavam separados não por sebes mas sim por muralhas de pedra<br />
erodi<strong>da</strong>s pelo tempo. Os prados eram maravilhosamente verdes. Depois de sua<br />
estadia em Londres, aquela cor quase feria seus olhos.<br />
A estação estava situa<strong>da</strong> nos limites <strong>da</strong> aldeia de Greystowe, um conjunto<br />
agradável de lojas Tudor com vigamento de madeira. O vagão de Edward foi<br />
desenganchado do resto e rebocado até uma via morta.<br />
—Graças a Deus — disse Freddie, se esticando até que estalaram os ossos<br />
<strong>da</strong> coluna. Florence fez eco de seu sentimento com um sorriso, mas guardou o<br />
esticar para mais tarde. Tia Hypatia não teria aprovado, embora levasse horas<br />
dormindo. Com uma ternura que desmentia seu ânimo de poucos amigos,<br />
Edward tocou sua tia no ombro. Com esse gesto de amabili<strong>da</strong>de, tinha um<br />
rosto dolorosamente belo.<br />
A duquesa despertou sobressalta<strong>da</strong>..<br />
— Meu Deus — disse—. Seguro que fiquei adormeci<strong>da</strong> um momento.<br />
Ninguém teve a rudeza de contradizê-la, mas inclusive Edward participou<br />
do intercâmbio de sorrisos.<br />
Um carro grande e antigo os esperava no caminho, acompanhado por<br />
outro muito mais singelo e no que meia dúzia de criados com libré carregaram<br />
a bagagem. Sua eficiência silenciosa era algo admirável de presenciar. Era<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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evidente que a chega<strong>da</strong> de Edward tinha agilizado o ritmo de suas tarefas.<br />
— Nos não estamos muito longe —disse Freddie, e a abraçou pelos<br />
ombros. Sua calidez era ain<strong>da</strong> melhor acolhi<strong>da</strong> depois de to<strong>da</strong>s essas horas de<br />
indiferença de Edward. Entretanto, teve que reconhecer que surpreendia ver<br />
que demonstrava impaciência por voltar para a vi<strong>da</strong> do campo. Se havia<br />
alguém que tinha sido criado para viver na ci<strong>da</strong>de esse era Freddie, com sua<br />
fascinação pelas pessoas e as festas e as fofocas até o amanhecer.<br />
— Me diga que Cook nos espera com um apetitoso jantar —pediu ao<br />
condutor do carro, que sem dúvi<strong>da</strong> era um antigo criado <strong>da</strong> família.<br />
—Poderia ser, senhor —respondeu o cara, um gran<strong>da</strong>lhão de cabelo<br />
grisalho—. Eu pensei ter cheirado um pudim de Yorkshire antes de sair. O<br />
estômago de Florence rugiu ao ouvir falar de comi<strong>da</strong>. Tinha tomado um ligeiro<br />
chá no trem, mas na<strong>da</strong> mais. Freddie, certamente não pôde ignorar aquele som<br />
tão pouco próprio de uma <strong>da</strong>ma.<br />
—Rosbife —disse, esfregando as mãos com uma alegria exagerado—.<br />
Molho de rabanete e de carne.<br />
Ela riu e deu um tranco no ombro para que parasse.<br />
—Qualquer um diria que leva dias jejuando!<br />
A seu lado, Edward reencontrou seu cenho sério.<br />
A igreja estava situa<strong>da</strong> no interior do povoado, com uma bela escola<br />
anexa, construí<strong>da</strong> de pedra. Os fun<strong>da</strong>dores <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de – aqui lançou um olhar a<br />
Edward— não tinham regulado esforços nas janelas, to<strong>da</strong>s as quais estariam<br />
submeti<strong>da</strong>s a impostos.<br />
Florence sorriu quando recordou que seu pai reclamava <strong>da</strong> prefeitura que<br />
construía as janelas. Os meninos necessitam luz, tinha exortado. Luz e ar e um<br />
lugar onde os pequenos olhos possam se perder. Pobre papai. Tanto amor<br />
naquele coração grande e quente e ninguém a quem consagrá-lo exceto a sua<br />
filha e seu rebanho. Não tinha sido suficiente. Por muito que ele tentasse<br />
ocultá-lo, ela sempre tinha sabido que uma parte de seu pai tinha quebrado<br />
com a morte de sua mãe.<br />
Freddie observou que a escola tinha chamado sua atenção.<br />
—Terá que visitar quando voltar a abrir suas portas.<br />
—Sim — ela disse, e apertou timi<strong>da</strong>mente sua mão. Estariam aqui então?<br />
Queria Freddie dizer com isso que viveriam em Greystowe? Permitiria que<br />
ensinasse? Florence já o tinha feito em seu próprio povoado. Como a filha do<br />
pároco, era algo que se esperava dela. Quando se casasse com o Freddie, seria<br />
uma <strong>da</strong>ma mas, pouco apreciaria essa honra se significava que tinha que ficar<br />
em casa todo o dia costurando!<br />
Estas perguntas se acumulavam em seu interior enquanto avançavam<br />
através do primoroso povoado, mas a presença de Edward a obrigava ficar<br />
para si. Não sabia se Freddie tinha falado com seu irmão sobre o futuro. Teriam<br />
uma pequena casa própria? Queria Freddie ter uma casa? Estava a ponto de<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
arrebentar com to<strong>da</strong>s as coisas que queria perguntar. Ain<strong>da</strong> sem saber, a ideia<br />
<strong>da</strong>quele que podia ser seu lar acrescentava interesse a to<strong>da</strong>s as almas que via<br />
passar.<br />
Florence observou que as pessoas sau<strong>da</strong>vam Freddie, e se tocavam o<br />
chapéu ao ver o duque.<br />
Todos os pensamentos sobre o futuro desapareceram quando teve sua<br />
primeira visão <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de. O vagão de ferrovia deveria tê-la prevenido,<br />
tanto como a menção <strong>da</strong> fabrica têxtil. Mas apesar destas indiretas, o tamanho<br />
<strong>da</strong>quela mansão a deixou sem fala.<br />
Greystowe se estendia ao longo de um montículo como uma pequena<br />
ci<strong>da</strong>de gótica, uma ci<strong>da</strong>de fortaleci<strong>da</strong>. Apesar de ser uma construção<br />
relativamente moderna, com seu correspondente rendilhado e suas janelas e<br />
arca<strong>da</strong>s, a casa estava coroa<strong>da</strong> por ameias de pedra. A água refletia seus<br />
blocos e torres, nem tanto por vai<strong>da</strong>de para pôr as de relevo. <strong>Além</strong> dos cisnes,<br />
Florence não pôde impedir de pensar em um fosso. Aquela casa não an<strong>da</strong>va<br />
com rodeios a respeito de seu fim. Estava construí<strong>da</strong> para impressionar, para<br />
dominar, para voltar a refletir uma época em que os senhores eram os<br />
senhores e todos outros não eram.<br />
Seus lábios tremeram quando olhou de esguelha e viu a expressão severa<br />
de suserano de Edward. Pensou que sem dúvi<strong>da</strong> a teria fascinado passear por<br />
ali com uma armadura, ou sair montado em Sansón para aterrorizar as forças<br />
inimigas <strong>da</strong> Inglaterra. Tão baixo devia se sentir agora, reduzido a aterrorizar<br />
aos ratos do campo.<br />
—Lar doce lar —disse Freddie, e a ameaça de bom humor de Florence se<br />
desapareceu. Não podia imaginar algo que se parecesse menos a uma casa. As<br />
flamas do sol poente refletiam em inumeráveis fileiras de janelas. Rosa<strong>da</strong>s nas<br />
janelas inferiores, cor verde lima nas superiores.<br />
Seria necessário um milagre, pensou, para fazer que uma moça se<br />
sentisse cômo<strong>da</strong> aqui. Inclusive enquanto pensava nesta impossibili<strong>da</strong>de, a<br />
porta principal, um enorme arco couraçado cuja abertura requeria de dois<br />
fornidos moços, se abriu para deixar ver uma larga fila de criados. Estavam<br />
alinhados nas largas esca<strong>da</strong>s de granito, tão direitos e impecáveis como um<br />
regimento em formação. Seus librés eram de cor par<strong>da</strong> e negras, com<br />
brilhantes botões de latão nas jaquetas. Edward esperou que todos formassem,<br />
precisamente porque tinha a intenção de passar inspeção. Quando acabaram<br />
de fazê-lo, um homem e uma mulher deram um passo adiante.<br />
O homem era alto e elegante, de cabelo negro prateado e pálidos olhos<br />
cinza. A mulher, um pouco maior, era rechonchu<strong>da</strong> e alegre apesar de seu bom<br />
humor, sua atitude era de autori<strong>da</strong>de. Florence previu que se tratava <strong>da</strong> ama<br />
de chaves.<br />
—Bem-vindo a casa, Excelência — disse o homem—. Recebemos seu<br />
telegrama e tudo está preparado.<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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Emma Holly<br />
—Arrumei o melhor quarto de cima para a senhorita —adicionou a mulher<br />
—, e a duquesa —aqui, se impunha uma mesura— terá seus aposentos de<br />
sempre no an<strong>da</strong>r térreo.<br />
—Muito bem —disse Edward. Se voltou para Florence, no seu olhar havia<br />
uma pita<strong>da</strong> de cautela estranha nele. Se ela não o tivesse conhecido melhor,<br />
teria dito que se preocupava com sua reação—. Florence, este é nosso<br />
mordomo, Nigel West, e nossa ama de chaves, a senhora Forster. Os dois estão<br />
há muitos anos conosco. Se necessitar de algo, um dos dois estará encantado<br />
em te aju<strong>da</strong>r.<br />
—E nos permita dizer — acrescentou a senhora Forster—, que é um prazer<br />
conhecer a jovem prometi<strong>da</strong> de lorde Burbrooke.<br />
— Eu acho que você já disse — exclamou Freddie, e deu à mulher um<br />
grande abraço.<br />
Esta riu quando ele a fez <strong>da</strong>r voltas, esquecendo momentaneamente sua<br />
digni<strong>da</strong>de. Florence sorriu com aquele espetáculo. Se deixasse Freddie, todo<br />
mundo se sentia confortável. Como é natural, Edward pôs fim à gritaria.<br />
—Temos que entrar —disse—. Seguro que as <strong>da</strong>mas precisam se refrescar.<br />
A senhora Forster recuperou imediatamente a compostura.<br />
—Imediatamente, milorde. Se as <strong>da</strong>mas querem me seguir.<br />
É um ogro, pensou Florence enquanto a ama de chaves a conduzia esca<strong>da</strong><br />
acima. É um velho amargurado que não suporta ver ninguém feliz. Aquele<br />
pensamento a tranquilizou, como se fosse um escudo que a protegia <strong>da</strong><br />
confusão. Mas quando se introduziu no esplendor branco e azul de suas<br />
habitações, esperava algo que a faria se sentir vergonha. Não era a enorme<br />
cama de bal<strong>da</strong>quim, nem a vista assustadora do lago, nem sequer aquela<br />
esplêndi<strong>da</strong> obra esculpi<strong>da</strong> na chaminé. Era o quadro que pendurava por cima:<br />
a ponte azul de Whisder, inclusive mais belo que quando tinha pendurado<br />
naquele pobre e sujo rincão <strong>da</strong> Academy.<br />
—Meu Deus — disse, respirando profun<strong>da</strong>mente e levando as mãos à<br />
boca. Ele tinha recor<strong>da</strong>do sua admiração por aquele quadro, e tinha se dignado<br />
compartilhar o prazer de ter com ela. Que a mesma horrível criatura que tinha<br />
utilizado seus beijos para insultá-la pudesse ser tão considerado, era algo que<br />
superava sua capaci<strong>da</strong>de de imaginação.<br />
A senhora Foster esperava justo atrás dela.<br />
—É uma mescla muito estranha —disse—. Lorde Greystowe diz que é arte,<br />
mas se você não gostar, levarei isso a outra parte...<br />
—OH, não —disse Florence—. Não há outro quadro que eu queira olhar<br />
com tanta vontade como este.<br />
Não tinha sido justa, pensou, quando a ama de chaves se retirou.<br />
Possivelmente tinha algum motivo que explicasse esse comportamento,<br />
perverso como era, que ela não entendia. Possivelmente, em reali<strong>da</strong>de<br />
pretendia que aquilo fosse uma desculpa.<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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Emma Holly<br />
Possivelmente os porcos algum dia voariam pelos céus, adicionou seu<br />
outro eu, mais prático. Mas embora não houvesse mais que uma pequena<br />
possibili<strong>da</strong>de de que ele não estivesse em seu contrário, só se preocupava em<br />
não defrau<strong>da</strong>r a seu irmão, tinha que fazer todo o possível para ganhar isso e é<br />
tudo o que quero, se prometeu: ser amigos, oferecer a outra face, como teria<br />
querido seu pai. Pelo bem dela e pela felici<strong>da</strong>de de Freddie, sabia que tinha que<br />
tentar.<br />
O jantar, transcorreu pacificamente, excetuando o intento de Florence de<br />
agradecer a Edward ter pendurado aquele magnífico quadro em seu quarto, foi<br />
seguido de um passeio pelo jardim <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de. Edward não via por que<br />
tinha que acompanhá-los, mas quando sua tia segurou seu braço em busca de<br />
apoio, não pôde encontrar uma maneira cavalheiresca de negar. Apesar de sua<br />
irritação, o prazer que sentia Florence era um gozo para os olhos. Edward sabia<br />
que a casa a tinha impressionado. Greystowe era muito grandiosa para acolher<br />
a uma simples filha de pároco. Entretanto, fascinaram os jardins a Florence,<br />
uma fascinação que se adivinhava no brilho de seus olhos. Suas bochechas<br />
ficaram rosa<strong>da</strong>s. Quando passaram pela pérgula* por onde subiam as parreiras<br />
de uva, inclusive se atreveu a aplaudir.<br />
Igual a seu pai, Edward se inclinava por paisagens singelas. Greystowe<br />
rechaçava a disposição dos canteiros de flores à francesa, e se inclinava por<br />
acertos mais naturais, mais parecidos com os de um parque. Por outro lado,<br />
na<strong>da</strong> crescia desconjuntado. Os arbustos e os claros estavam cui<strong>da</strong>dosamente<br />
planejados. Entretanto, ao menos na aparência, aquelas terras poderiam ter<br />
cansado as mãos de Deus. Inclusive o jardim de rosas, que tinha sido um<br />
projeto especial de sua mãe, tinha um ar admiravelmente espontâneo.<br />
Florence tinha começado a caminhar sobre o atalho de concha moí<strong>da</strong><br />
quando desatou uma repentina gritaria dos cães que avisaram a Edward que<br />
uma parte dos habitantes <strong>da</strong> mansão ain<strong>da</strong> tinha que <strong>da</strong>r as boas-vin<strong>da</strong>s. A<br />
matilha se lançou correndo pelo prado sem deixar de ladrar, meneando<br />
freneticamente a cau<strong>da</strong>, com o guar<strong>da</strong>-florestal pisando os calcanhares.<br />
—An<strong>da</strong>! —exclamou o pobre homem—. Asa, venha, cães, parem de uma<br />
vez!<br />
Edward se preparou para uma cena embaraçosa. Não tinha se equivocado.<br />
Em questão de segundos, o galgo irlandês já tinha posto as patas nos seus<br />
ombros. Não foi o último em perpetrar o assalto. Entre latidos e gemidos de<br />
alegria, uma dúzia de línguas lamberam suas mãos e uma dúzia de focinhos se<br />
dedicaram a cheirar tudo o que veio em vontade.<br />
—Basta — ele disse, lançando a um lado a uns quantos. Para seu<br />
assombro, os cães obedeceram.<br />
Então viu o porquê.<br />
Todos os cães menores se retorciam furiosamente aos pés de Florence. Era<br />
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Emma Holly<br />
ver<strong>da</strong>de que ela se ajoelhou para acariciá-los, mas mesmo assim, aquela<br />
variante de atenção não tinha precedentes. Nem sequer Freddie, a quem os<br />
cães conheciam, se fazia merecedor de tal acolhi<strong>da</strong>.<br />
Florence levantou o olhar <strong>da</strong> multidão de cães revoltosos. Seus olhos, de<br />
uma vez sorridentes e tímidos, se encontraram com os seus. Por um momento,<br />
o tempo ficou suspenso. Para salvar sua digni<strong>da</strong>de, ele não podia desviar o<br />
olhar. O olhar de Florence o fez se ruborizar até sentir calafrios. De repente, se<br />
endureceu, ferozmente, mas sentiu a reação de seu organismo como algo<br />
distante. Ao olhá-la, teve um sentimento de união que não podia desprezar<br />
com a pura razão, como se o afeto dos cães os tivesse irmanado<br />
misteriosamente. Esta é igual, parecia dizer o favoritismo que demonstravam.<br />
Esta é igual ao amo que queremos. Absurdo, pensou. Totalmente absurdo.<br />
—Bem — observou tia Hypatia—, as pessoas tem razão quando fala de seu<br />
magnetismo animal.<br />
Florence levantou a cabeça, alarma<strong>da</strong>, e o rosado de suas bochechas se<br />
converteu em digno rival <strong>da</strong>s rosas <strong>da</strong> mãe de Edward.<br />
—OH, não – disse —. Nunca despertei esta reação nos cães. Só nos gatos<br />
e... e nos meninos. Seguro que simplesmente se deve que levo os aromas do<br />
jantar.<br />
Isso, pensou Edward, não explica o efeito que teve nele. Inclusive agora<br />
diante de sua família, diante do guar<strong>da</strong>-florestal e diante de Deus, era incapaz<br />
de controlar a luxúria que experimentava pela futura noiva de seu irmão.<br />
Sentia ver<strong>da</strong>deira ardência nas mãos por tocá-la, tocá-la de qualquer maneira.<br />
Até a mais leve carícia do perfil suave de seu rosto, ou beijar a ponta do nariz,<br />
teria <strong>da</strong>do satisfação. Jamais havia sentido tal desejo por uma mulher. Tia<br />
Hypatia havia dito a ver<strong>da</strong>de. Era um animal. E Florence, ao parecer, era o ímã<br />
que não podia resistir.<br />
Florence tinha sobrevivido aquele dia. Tinha sobrevivido à viagem no trem<br />
e o silencioso jantar, além <strong>da</strong>quela atitude evidente de desaprovação de<br />
Edward pelo absurdo assunto com os cães. Como se ela quisesse se usar para<br />
se converter no centro <strong>da</strong>s atenções! Agora estava junto à janela em seu<br />
quarto às escuras, e reinava o silêncio, exceto pelo som dos roncos de Lizzie no<br />
quarto contíguo. A donzela estava compreensivelmente cansa<strong>da</strong>. Tinha viajado<br />
a Greystowe em um trem público, junto com a cria<strong>da</strong> <strong>da</strong> duquesa, o mordomo<br />
de Edward e uns quantos criados que não eram necessários para cui<strong>da</strong>r <strong>da</strong><br />
casa em Londres. Lizzie tinha lamentado de ter que deixar a ci<strong>da</strong>de até que<br />
descobriu que a trocavam por um casarão antiquado de muita linhagem.<br />
—Têm água corrente —tinha informado com voz entrecorta<strong>da</strong> pela emoção<br />
—. Água quente e fria. E banheiros na ala dos criados. É todo um palácio,<br />
senhorita Florence. Se até têm gás no an<strong>da</strong>r de baixo!<br />
Isso último era o que mais a agra<strong>da</strong>va. Lizzie jamais tinha se<br />
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Emma Holly<br />
entusiasmado a suja tarefa de avivar os abajures. Não é que pensasse que<br />
nesta casa a encarregariam a ela desses misteres. Graças a tia Hypatia, Lizzie<br />
tinha chegado ao mais alto <strong>da</strong> hierarquia dos criados. Só o mordomo e a ama<br />
de chaves tinham direito a lhe <strong>da</strong>r ordens, um fato cujo alcance só agora<br />
começava a entender.<br />
—Nunca fui tão feliz —tinha declarado—. Nunca.<br />
Florence deveria ter sido capaz de dizer o mesmo, Freddie era um homem<br />
maravilhoso. Seu futuro estava virtualmente assegurado. Mas em lugar de<br />
desfrutar <strong>da</strong> realização de seu sonho, ficou insone, inquieta, com a testa<br />
apoia<strong>da</strong> no vidro, seu pensamento fixo em um único espinho. Com um suspiro,<br />
olhou para os prados <strong>da</strong> mansão. Sua janela <strong>da</strong>va ao lago iluminado pela lua<br />
frente a casa, o mesmo lago em que Freddie tinha aprendido a na<strong>da</strong>r. Uma<br />
ponte em arco de pedra unia suas margens nas ilhas no centro. Entre as copas<br />
<strong>da</strong>s árvores aparecia um teto mourisco bicudo, Florence se perguntou para que<br />
servia o edifício que o sustentava, se era simplesmente um disparate ou um<br />
lugar onde a pessoa poderia se proteger de uma tormenta. Parecia grande, e<br />
sua arquitetura era diferente a tudo o que havia na proprie<strong>da</strong>de, Florence se<br />
estremeceu e esfregou a bochecha contra a malha vaporosa <strong>da</strong> cortina. Era<br />
uma construção exótica e oriental, um lugar para a libertinagem e as<br />
entrevistas secretas, o lugar que moraria um homem. Com que facili<strong>da</strong>de<br />
imaginava Edward nesse contexto, apesar de suas maneiras secas. Acaso não<br />
tinha mobiliado seu vagão de trem? Seguro que nele aparecia a veia do<br />
sibarita. Seguro que naquele esconderijo fumava charutos, pensou, e bebia<br />
vinhos caros. E, certamente, se reuniria com mulheres. As viúvas locais. As<br />
jovens lavadeiras descara<strong>da</strong>s. Elas teriam conhecido algo mais que seus beijos.<br />
Não teriam medo de desven<strong>da</strong>r o mistério que guar<strong>da</strong>va entre as pernas. Elas<br />
o tocariam, nu e o sentiriam endurecer. Não teriam medo elas, não, não com o<br />
Edward para guiá-las. Edward saberia como proteger a uma mulher <strong>da</strong>s<br />
consequências <strong>da</strong> indiscrição.<br />
Com um grito apagado de irritação, Florence fez desaparecer aqueles<br />
absurdos pensamentos. Por muito incertos que fossem, sua imaginação a<br />
perturbava. O coração pulsava muito rápido e sentia que uma calidez sedosa<br />
se alojou em seu ventre. Aquela reação era imotiva<strong>da</strong>, o que importava o que<br />
Edward fizesse com outras mulheres? Para ela não significava na<strong>da</strong>. Na<strong>da</strong>.<br />
Então, justo quando estava a ponto de se voltar, viu uma figura monta<strong>da</strong> a<br />
cavalo, passeando tranquilamente na margem do lago. Era Edward, e Sansón.<br />
Parecia uma criatura saí<strong>da</strong> de um mito, um só ser. Enquanto observava,<br />
Edward fez com que o cavalo diminuísse a marcha ao passar por um trecho de<br />
pedras.<br />
Cui<strong>da</strong> desse cavalo, pensou, muito mais do que jamais cui<strong>da</strong>rá de mim.<br />
Então uma idéia veio a sua cabeça, e soube o que podia fazer para ganhar o<br />
respeito de Edward.<br />
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Sua mão se fechou sobre as cortinas e seu corpo inteiro vibrou com uma<br />
espécie de emoção diferente. Ali estava a resposta. Estava segura. Aprenderei<br />
a montar, pensou, a montar tão bem como montaria uma <strong>da</strong>ma de berço<br />
nobre.<br />
Com o coração pulsando de emoção por sua decisão, Florence encontrou<br />
Freddie na sala de bilhar depois do café <strong>da</strong> manhã. Como era devido, estava<br />
vestido para montar, embora naquele momento não fazia mais do que jogar as<br />
bolas na mesa. Quando levantou o olhar depois de seu último tiro, seus olhos<br />
brilharam com um gesto de aprovação.<br />
— Ah — disse—, tem um aspecto magnífico.<br />
Presa de um nervosismo pouco habitual, ao menos em uma conversa com<br />
Freddie, Florence alisou a frente de seu traje cor bege.<br />
Com um sorriso, Freddie deixou seu taco.<br />
—O que você gostaria de fazer hoje? Poderíamos ir no povoado e conhecer<br />
os pastores que, para que saiba, estarão encantados de saber que há uma<br />
<strong>da</strong>ma na casa. Ou poderíamos visitar o canal. Não estamos muito longe <strong>da</strong><br />
eclusa, e os botes dos arredores são o tipo de obras de arte que até incultos<br />
como eu podem apreciar. Os donos os pintam <strong>da</strong> proa a popa como se fossem<br />
carros de ciganos. São muito belos. <strong>Além</strong> disso, estou seguro de que os Quack<br />
and Waddle estariam encantados de nos convi<strong>da</strong>r a comer.<br />
Seu entusiasmo era contagioso, mas Florence resistiu.<br />
—Em algum momento, queria fazer tudo isso. Especialmente que nos<br />
convidem a comer. Mas hoje, isso sim, se não se importar, eu gostaria de<br />
montar. Nunca gozei de grandes possibili<strong>da</strong>des em casa. Não podíamos nos <strong>da</strong>r<br />
ao luxo de ter um cavalo para mim sozinha. Estive pensando que deveria<br />
aprender a fazer melhor.<br />
Freddie inclinou a cabeça a um lado.<br />
—Não monta na<strong>da</strong> mau.<br />
—Não montar na<strong>da</strong> de mal não é o mesmo que montar bem. Você e eu<br />
vamos... vamos nos casar. Não quero que sinta vergonha de mim.<br />
—Não sentiria vergonha nem que montasse como um saco de batatas.<br />
Florence olhou suas mãos, agora prega<strong>da</strong>s por debaixo <strong>da</strong> cintura. Estava<br />
incomo<strong>da</strong>mente consciente de que não estava sendo sincera com ele. Não era<br />
o julgamento de Freddie que ela esperava melhorar. Mesmo assim, a opinião de<br />
seu irmão também importava a Freddie. Se Florence conquistasse Edward,<br />
Freddie também estaria mais feliz.<br />
—Queria melhorar meu estilo de montar —disse e se obrigou a cruzar um<br />
olhar com ele—. Você não tem que me ensinar. Se preferir, também poderia<br />
fazê-lo um dos criados. Qualquer que saiba mais que eu seria de aju<strong>da</strong>. Por<br />
favor, Freddie. De ver<strong>da</strong>de quero aprender.<br />
—Vejamos — ele disse. Parecia perplexo por sua insistência. Quando<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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Emma Holly<br />
franziu suas sobrancelhas doura<strong>da</strong>s, enrugou a pele <strong>da</strong> testa—. De acordo.<br />
Será um prazer para mim te ensinar o que possa.<br />
—Está certo de que não se importa?<br />
—Absolutamente. —Freddie fez ro<strong>da</strong>r uma bola verde no canto <strong>da</strong> mesa e<br />
sorriu.. —Será divertido. Já tem um estilo bastante bonito. Em pouco tempo não<br />
haverá quem se iguale a você.<br />
—Freddie, não é minha intenção...<br />
—Já sei — ele riu—. Não quer chamar a atenção. Transformaremos você<br />
em uma sem igual discreta, em uma amazona perfeitamente inofensiva.<br />
Florence se sentia tão agradeci<strong>da</strong> que se elevou sobre a ponta de suas botas<br />
para beijá-lo na bochecha.<br />
—Isso seria maravilhoso —disse, se ruborizando por seu atrevimento.<br />
Capítulo 7<br />
Era um dia perfeito para montar a cavalo, um dia quente, uma brisa com<br />
aromas de rosa e um sol cintilante. Florence e Freddie cruzaram o pátio traseiro<br />
até chegar a um estábulo, um passeio mais comprido do que ela esperava. A<br />
ala onde se alojavam os serventes do Greystowe ocupava virtualmente a<br />
metade <strong>da</strong> labiríntica mansão, e o estábulo não era de menores proporções.<br />
Igual à estrutura principal, era uma construção de pedra. Telhas de piçarra azul<br />
protegiam seu teto e altas janelas aboba<strong>da</strong><strong>da</strong>s <strong>da</strong>vam às casinhas dos cavalos.<br />
Estes estavam mais limpos e melhor alimentados que muitas <strong>da</strong>s pessoas que<br />
Florence tinha visto em Londres. Até os gatos tinham aspecto de estar mais<br />
sãos e melhor alimentados.<br />
Graças a Deus, os gatos se limitaram a <strong>da</strong>r umas quantas voltas em torno<br />
de seus tornozelos e a deixaram tranquila.<br />
Com a eficiência que caracterizava os trabalhos de Greystowe, Freddie<br />
atribuiu um ro<strong>da</strong>do e a Florence uma égua marrom nervosa com um nome<br />
pouco prometedor de Nitwit 10 .<br />
—Já se tranquilizara — assegurou o moço quando a égua começou a <strong>da</strong>r<br />
cabaça<strong>da</strong>s de lado a lado—. O que não gosta é do estábulo. Assim que sair a<br />
terreno aberto, ficará tão dócil como você queira.<br />
Posto que ain<strong>da</strong> se encontravam dentro do pátio do estábulo, Florence não<br />
sabia se emprestava crédito a essas palavras. Nitwit a fazia saltar na cadeira<br />
como um marinheiro bêbado. Felizmente, a égua decidiu se acalmar um pouco<br />
quando deixaram para trás os jardins <strong>da</strong> mansão.<br />
—Tomem cui<strong>da</strong>do por onde an<strong>da</strong> —avisou o moço de quadra ao vê-los<br />
partir—. Os texugos têm feito <strong>da</strong>s suas.<br />
10 - Nitwit = Imbecil, tolo. (N. do T)<br />
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Freddie sorriu, se despediu com uma sau<strong>da</strong>ção e açulou a seu cavalo até<br />
pegar um ritmo mais ágil.<br />
—Iremos para os baixos — disse—, e veremos como está seu estilo. Os<br />
baixos. Era uma sucessão de colinas de escassa altura onde pastavam as<br />
ovelhas e cruzado por um arroio estreito. Depois de cavalgar um breve<br />
momento, Freddie se deteve em um claro estofo de trevos.<br />
—Este é um lugar adequado. Certamente, normalmente não deveria<br />
galopar com um cavalo que nunca montou. Se importaria Sooty e eu nos<br />
sacudimos o pó enquanto você espera? Por isso vejo, tem vontade de correr.<br />
O cavalo pintalgado soprou ruidosamente para mostrar seu acordo.<br />
Florence riu.<br />
—claro que sim. Sacu<strong>da</strong> o pó que queira. Nitwit e eu desfrutaremos <strong>da</strong><br />
paisagem. Em reali<strong>da</strong>de, Nitwit desfrutava mais dos trevos que <strong>da</strong> paisagem,<br />
mas Florence sentia suficiente admiração em nome dos dois. Freddie montava<br />
tão bem como seu irmão, embora seu estilo fosse diferente, mais indolente,<br />
como se fora o ânimo do cavalo o que o impulsionava a galopar, não o domínio<br />
de Freddie sobre a besta. Se encolhia dobrado sobre o pescoço de Sooty,<br />
levantando o traseiro por cima <strong>da</strong> arreios sem toca<strong>da</strong>, seu cabelo dourado loiro<br />
se agitando ao vento como uma segun<strong>da</strong> crina. Era alto para se tratando de<br />
um cavaleiro, mas Florence jamais tinha visto um com mais brio.<br />
Lá fora, Freddie era livre. Ela jamais tinha pensado nele como alguém que<br />
não o fosse, não como seu irmão, embora ao vê-lo agora, soube que ele<br />
também tinha limitações que tinha que deixar para trás.<br />
Besta e cavaleiro diminuíram o ritmo até o meio galope, percorrendo uma<br />
parte do caminho de i<strong>da</strong>. O galope de Sooty era suave como a manteiga, uma<br />
delícia para os olhos. Para compartilhar o prazer, Freddie lançou um grito e a<br />
saudou agitando o braço.<br />
Até que Sooty deu com a fossa.<br />
Foi sua pata direita que cedeu. Florence ouviu o cavalo lançar um chiado e<br />
o viu cair. Freddie caiu com ele. Deixou escapar um grito e logo o silêncio.<br />
Intuindo seu alarme, Nitwit começou a se mover, nervosa, quando Florence<br />
afundou os calcanhares e a obrigou a cruzar o campo.<br />
—Venha —urgia, empapa<strong>da</strong> pelo suor—. Venha!<br />
A três metros <strong>da</strong> que<strong>da</strong>, Nitwit se negou a seguir.<br />
Inclusive a essa distância, Florence não podia ver Freddie, só o cavalo que<br />
<strong>da</strong>va pata<strong>da</strong>s no ar. Meu Deus pensou, Freddie deve ter cansado debaixo. De<br />
um salto esteve em terra. A ruptura era grave. O osso <strong>da</strong> pata direita de Sooty<br />
aparecia através <strong>da</strong> pele, e as pontas estilhaça<strong>da</strong>s apareciam em meio ao<br />
sangue. O cavalo tinha os olhos entreabertos e gemia com voz rouca, como se<br />
pedisse aju<strong>da</strong>. Florence quis se deter, mas não podia até que tivesse visto<br />
Freddie.<br />
Como temia, o encontrou debaixo do cavalo, as pernas apanha<strong>da</strong>s por seu<br />
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peso, os olhos abertos tão grandes eram e vazio.<br />
—Freddie! —gritou e se ajoelhou a seu lado. Estava pálido como uma<br />
folha.<br />
E não respirava.<br />
O gemido que escapou dela foi como o do cavalo. Não podia estar morto.<br />
Era impossível. O que faria Edward? Edward morreria também. Tocou a<br />
garganta de Freddie. Sentiu o pulso. Tinha que fazer algo. Não podia movê-lo,<br />
mas tinha que despertá-lo, tinha que conseguir que respirasse. Meu Deus<br />
pensou, desta vez fez uma ver<strong>da</strong>deira prece. Por favor, rogo isso me diga o que<br />
fazer.<br />
Não soube se Deus respondeu, mas de repente decidiu e deu uma<br />
palma<strong>da</strong> na cara.<br />
—Freddie, Freddie, acor<strong>da</strong>!<br />
Logo viu que estremecia e deu na outra bochecha. Ele reagiu procurando<br />
ar, tentando se incorporar para respirar. Tinha os olhos arregalados, como se<br />
não soubesse onde se encontrava. Um segundo mais tarde, tentou se sentar.<br />
Seu gemido foi quase muito leve para ser audível.<br />
—Não se mova — ela ordenou, o retendo. A ela mesma também faltava o<br />
ar, e se sentia tão alivia<strong>da</strong> que logo que podia articular palavra—. Sofreu uma<br />
que<strong>da</strong> grave. Acredito que te machucou, mas poderia te haver prejudicado a<br />
coluna.<br />
—Uma que<strong>da</strong>? — ele perguntou. E então viu o que jazia entre suas pernas<br />
—. Maldita seja — disse, e era a primeira vez que ela o ouvia amaldiçoar—.<br />
Havia dito isso. Me advertiu que havia texugos, e eu o esqueci. — tampou os<br />
olhos com o antebraço—. Meu Deus, matei o meu cavalo — disse, e deu um<br />
murro sobre a erva.<br />
Florence o sujeitou antes que voltasse a se machucar.<br />
—Freddie, foi um acidente.<br />
—Um acidente que só sofreria um idiota, um estúpido, um inútil... Tudo o<br />
que wu toco machuco. Deveriam me fuzilar. Deveriam me alistar e me colocar<br />
em um quartel. Edward não me perdoará isso nunca. Florence acariciou seu<br />
rosto pálido e frio. Mais que sua linguagem, chocava outra coisa.<br />
—Freddie, Edward pode se sentir decepcionado, mas o único que não te<br />
perdoaria é que se você se matasse.<br />
Freddie baixou o braço. Umas lágrimas se deslizaram por seu rosto, mas<br />
ela viu que suas palavras o tinham acalmado.<br />
—Tem que voltar para casa e encontrá-lo. Diga que traga para cá uns<br />
homens. E um rifle. —Florence ficou olhando o cavalo que respirava com<br />
dificul<strong>da</strong>de. Ele voltou a tampar os olhos—. Vá depressa, Florence. Não quero<br />
que Sooty sofra.<br />
Foi a toa a pressa que pôde montando a um cavalo que tentava parar no<br />
caminho ca<strong>da</strong> vez que divisava a casa. Teve que esporeá-la com dureza antes<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
que a égua começasse a galopar, e só à força de vontade se manteve nos<br />
arreios. Desceu rapi<strong>da</strong>mente no jardim de rosas, recolheu o vestido e correu.<br />
—Edward! —gritou com o que ficava de fôlego—. Edward!<br />
O viu aparecer junto a Nigel West, no patamar do primeiro piso. Pensou<br />
que nunca havia sentido tão agradeci<strong>da</strong> de ver alguém em sua vi<strong>da</strong>.<br />
Edward empalideceu ao vê-la.<br />
—Florence, o que aconteceu?<br />
—É Freddie. Caiu do cavalo. —apertou o ventre e tentou recuperar o fôlego<br />
—. Tem que trazer uns homens e um rifle.<br />
Os dois homens desceram correndo a esca<strong>da</strong> no tempo que ela demorou<br />
em dizer essas palavras. Edward a agarrou pelos braços com tanta dureza que<br />
lhe fez mal.<br />
—Freddie se encontra bem?<br />
—Sim, acredito que sim, mas está preso debaixo do cavalo e Sooty tem<br />
uma pata quebra<strong>da</strong>. Freddie acredita que terá que ser sacrificado.<br />
Edward respirou profun<strong>da</strong>mente. E logo, visivelmente dono de si mesmo,<br />
falou com seu mordomo.<br />
—Nigel, vá procurar os homens e um rifle. Encontraremo-nos no estábulo<br />
e Florence nos levará aonde aconteceu.<br />
O mordomo se endireitou ain<strong>da</strong> mais do normal.<br />
—Também deveríamos levar Jenkyns. Pode se ocupar de Freddie se o<br />
necessitar.<br />
—Bem —disse Edward—. Que venha.<br />
A levou apressa<strong>da</strong>mente para o jardim antes que ela acabasse de<br />
entender as instruções que tinha <strong>da</strong>do. Felizmente, recordou de atar as rédeas<br />
de Nitwit a um banco, embora não recor<strong>da</strong>va como se montou no cavalo sem a<br />
aju<strong>da</strong> de um tamborete. Agora, Edward a levantou tão energicamente que<br />
faltou pouco para que se deslizasse do outro lado.<br />
Ele sacudiu a cabeça, agarrou as rédeas de suas mãos e a conduziu ao<br />
estábulo como se fosse uma menina. Sua raiva era uma energia fria e<br />
evidente. A égua o seguia como um cão maltratado. Entretanto, Florence não<br />
se deixava maltratar, não quando se tratava de proteger a quem amava.<br />
—Freddie lamenta —disse, com a mandíbula tensa de tanto tentar manter<br />
uma voz serena—. Lamenta mais do que você poderia fazer que o lamentasse,<br />
por muito que o tentasse. Não há na<strong>da</strong> que eu possa fazer para impedir que<br />
você grite com ele, mas não acredito que seja isso o que necessita.<br />
Edward se deteve em seco. Ficou olhando como se não a reconhecesse.<br />
Quando se voltou, apressou o passo.<br />
—Não tenho nenhuma intenção de gritar com meu irmão.<br />
—E com que olhos o olhará? Não o fará sentir que para ti esse cavalo<br />
significa mais que ele.<br />
Um músculo junto à maçã do rosto de Edward se esticou.<br />
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Emma Holly<br />
—Meu irmão não pensaria essas coisas.<br />
—Neste momento, não.<br />
Edward apressou ain<strong>da</strong> mais o passo. Florence sabia que não tinha direito<br />
de ditar seu comportamento, mas se negava a retirar nenhuma só palavra.<br />
Freddie pensava que não valia na<strong>da</strong>. Pensava que tudo o que tocava<br />
<strong>da</strong>nificava.<br />
—Tem que ser amável com ele—insistiu, apesar de seu coração pulsar na<br />
boca do estômago.<br />
Edward deixou escapar um bufado.<br />
—O banharei com o leite <strong>da</strong> bon<strong>da</strong>de humana.<br />
Seu tom de voz era o mais seco que jamais tinha ouvido Florence. Só<br />
podia esperar que tivesse entendido seu rogo.<br />
A seus olhos, era um monstro.<br />
Inclusive enquanto Edward <strong>da</strong>va ordens, as palavras com que ela o havia<br />
questionado <strong>da</strong>vam voltas na cabeça. Enquanto esperava que Jenkyns pegasse<br />
suas coisas, e embora galoparam como um raio cruzando os baixos, o que ela<br />
parecia pensar dele o fazia ranger os dentes.<br />
A seus olhos, era um monstro.<br />
Mas quando chegaram onde estava Freddie, to<strong>da</strong> sua preocupação se<br />
desvaneceram e só importava o seu irmão. O cavalo estava estendido sobre<br />
ele <strong>da</strong> cintura para abaixo. Aquilo não augurava na<strong>da</strong> bom. Com um só<br />
movimento, Edward desceu de Sansón e passou suas rédeas a um criado. Se<br />
ajoelhou na turfa junto a Freddie. Este entreabriu os olhos. Seu rosto tinha a cor<br />
azula<strong>da</strong> do leite não espessado. E brilhava, banhado pelo suor. Edward soube<br />
imediatamente que estava sofrendo. Sofrendo muito.<br />
—Eddie —disse, um nome que não tinha pronunciado desde que eram<br />
meninos. Falava com um fio de voz—. Tentei me mover, mas minha perna... —<br />
murmurou, com uma careta de dor—. Acredito que quebrei a perna. Me parece<br />
bastante justo, suponho, posto que quebrei a perna do meu cavalo.<br />
—Quieto — disse Edward, com voz serena, afastando seu cabelo <strong>da</strong> testa.<br />
O tom <strong>da</strong> voz de Freddie o alarmou. Tinha razão Florence? Acaso seu irmão<br />
pensava que o cavalo significava para Edward mais que ele?<br />
—Estúpido — disse Freddie, sacudindo a cabeça de um lado a outro —. O<br />
moço do estábulo tinha me advertido. O chefe do estábulo se ajoelhou do outro<br />
lado de Freddie. Tocou no braço de Edward.<br />
—Queira olhar nos olhos, milorde. Quero ver quão grave foi o golpe. Logo<br />
os homens poderão levantar o cavalo e o tiraremos. Edward assentiu com um<br />
gesto de cabeça. Jenkyns era o melhor médico em Greystowe, um homem<br />
sensato e com experiência, com as pessoas e os cavalos. Sem saber o que<br />
fazer, Edward se deslocou até a cabeça de Sooty e agarrou o focinho tremente.<br />
—Vamos —disse, por cima dos bufos rasgados do cavalo—. Logo sairá<br />
desta. Nos olhos grandes e líquidos de Sooty aparecia tal imploração, e tal fé<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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Emma Holly<br />
na capaci<strong>da</strong>de de Edward responder a elas, que este sentiu como se uma<br />
prensa apertasse seu peito.<br />
—É um bom menino — disse, e as palavras ressonaram como cascalho no<br />
interior de sua garganta—. Foi um bom amigo para meu irmão.<br />
—Excelência —disse Nigel. O mordomo permanecia a um discreto passo<br />
atrás dele—. Jenkyns está preparado para movê-lo. Necessitamos sua aju<strong>da</strong><br />
para levantar o cavalo.<br />
—Sim — disse Edward, e se levantou <strong>da</strong>ndo um última palma<strong>da</strong> em Sooty.<br />
Para surpresa dela, Florence também interveio. Embora não podia nem<br />
imaginar que aju<strong>da</strong> poderia emprestar para levantar um cavalo, em alguma<br />
curva de seu pensamento Edward se alegrou de ver que não tinha perdido a<br />
calma.<br />
—Tem que manter fixas as pernas de lorde Burbrooke —explicou Jenkyns<br />
—. Não queremos que se movam quando o tirarmos. —O robusto chefe de<br />
estábulo se situou atrás dos ombros de Freddie, preparado para cui<strong>da</strong>r dele no<br />
momento que Edward desse o sinal.<br />
—Venha —disse Edward a outros homens—. No três.<br />
Tiraram no segundo intento. Tanto Freddie como o cavalo gritaram ao ser<br />
removidos.<br />
—Fica a um lado, Florence —disse Edward quando viu que seu irmão tinha<br />
ficado liberado. A julgar pela palidez de Freddie, se via que estava a ponto de<br />
vomitar. Ao parecer, Florence tinha chegado à mesma conclusão. Apesar <strong>da</strong><br />
advertência, esfregou suas costas enquanto Jenkyns o virava bran<strong>da</strong>mente<br />
para um lado. Florence não gritou nem fez dramalhões, se limitou a acariciá-lo<br />
como uma mãe faria com seu filho cansado.<br />
Quando seu enjoo passou, imobilizaram a perna de Freddie e o<br />
estenderam em uma maca. Nigel agarrou um extremo e Jenkyns no outro.<br />
Enjoado pela dor, Freddie ain<strong>da</strong> conseguiu tocar Edward antes que o levassem.<br />
—Cui<strong>da</strong> de Sooty — disse, apertando a mão com inusita<strong>da</strong> força—. Ele te<br />
conhece. Não quero que se vá sem um amigo.<br />
—Farei isso — foi a única coisa que conseguiu responder.<br />
Para surpresa de Edward, Florence não acompanhou o seu prometido.<br />
—Ficarei contigo —disse, com o rosto manchado pelas lágrimas mas com<br />
gesto decidido.<br />
—Comigo?<br />
Ela lançou um olhar ao criado que havia trazido a escopeta e logo baixou a<br />
voz.<br />
— Me equivoquei contigo, Edward. Eu deveria saber que não trataria<br />
Freddie com rudeza. E quero me assegurar de que se encontra bem.<br />
Ele abriu a boca e logo a fechou. Por sua cabeça desfilou muitos protestos.<br />
Possivelmente teria gritado com Freddie se ela não tivesse estado ali. Um<br />
homem como ele não permitiria caricias. E logo, Freddie necessitava mais, e<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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Emma Holly<br />
ficar ali era uma atitude muito pouco conveniente. Ela pertencia ao sexo frágil.<br />
Era ela quem não devia ver algo assim. Em seu lugar, olhou em seus olhos<br />
doces e teimosos e soube que não podia negar a aceitar seu gesto.<br />
—Como quiser — conveio. Apesar de que sua intenção era pronunciar<br />
calmamente as palavras, falou em voz baixa e terna como o suspiro de um<br />
amante a meia-noite. Desconcertado, levou o rifle ao ombro e pigarreou.<br />
Apoiou o cano contra o crânio do cavalo. Como se soubesse o que esperava,<br />
Sooty se acalmou.<br />
—Se afaste uns passos — disse—. Não quero que salpique em você.<br />
Florence tentou sem êxito engolir em seco, mais presa de preocupação do<br />
horror. Edward não tinha a intenção de voltar a olhá-la, mas seus olhos se<br />
cruzaram como tinha acontecido com os cães. Uma sensação estranha e<br />
magnética atirou do esterno, um puxão leve e doloroso, como se sua alma<br />
tentasse alcançá-la.<br />
Teria que ser minha, pensou. Só eu te faria feliz. Mas aquilo não tinha<br />
sentido. Ela pertencia a Freddie. Era a graça salvadora de seu irmão.<br />
Fechou um olho, olhou o cano <strong>da</strong> arma e piscou para esclarecer a visão. O<br />
cavalo deu um último suspiro. Edward apertou os dentes e logo o gatilho.<br />
A coronha<strong>da</strong> o fez retroceder um passo, mas o disparo foi limpo. Só um<br />
atoleiro de sangue que foi rapi<strong>da</strong>mente absorvido pela terra. Quando deixou<br />
descansar a arma, seus braços tremiam como se tivesse febre. Não opôs<br />
resistência quando Florence tirou ele para que voltassem para a casa.<br />
Edward não conseguiu chegar do estábulo até em casa. Apesar <strong>da</strong><br />
ansie<strong>da</strong>de que certamente sentia por ver seu irmão, suas pernas se negavam a<br />
levá-lo. Florence observou que se voltava ca<strong>da</strong> vez mais pálido até que,<br />
finalmente, diante de um carvalho enorme a cujo pé havia um rústico banco,<br />
apertou o braço de Florence em que se sustentava e a obrigou a se deter.<br />
—Tenho que me sentar —disse, e sua voz tinha um tom de fantasma<br />
—.Não posso deixar que Freddie me veja assim. Se deixou cair no banco e<br />
escondeu a cabeça entre suas mãos trementes. Florence se sentou a seu lado,<br />
com os joelhos voltados para ele, preocupa<strong>da</strong>. Edward suava, e não era<br />
precisamente por cansaço. Ela tirou as luvas e passou as mãos entre seus<br />
braços para desabotoar o colarinho. Enquanto fazia isto, ele a olhou com uma<br />
expressão nua, seus olhos implorando algo mais profundo que a compreensão.<br />
—Não tem problema — ela disse, passando a mão nas suas costas—.<br />
Respire lentamente. Seguro que logo se sentirá melhor.<br />
Florence guardou para si a certeza de que Freddie não pensaria mal <strong>da</strong><br />
reação de seu irmão. Não se tratava <strong>da</strong> opinião que Freddie tinha de Edward<br />
mas sim <strong>da</strong> opinião que Edward tinha de si mesmo. Pouco a pouco, à medi<strong>da</strong><br />
que ia regularizando sua respiração, a cor voltou para seu rosto.<br />
—Meu pai não teria movido nem um cabelo com uma coisa assim —<br />
confessou, com a cabeça ain<strong>da</strong> inclina<strong>da</strong>—Teria matado a esse cavalo e logo<br />
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Emma Holly<br />
teria chamado para jantar.<br />
Embora Florence sabia que ele exagerava, não riu.<br />
— Me perdoe por dizer isto, Edward, mas... além <strong>da</strong> força de caráter de<br />
seu pai, acredito que tem direito a que mova mais de um cabelo. E não pelo<br />
cavalo.<br />
—Não —conveio ele, sacudindo a cabeça com uma careta—. Não pelo<br />
cavalo. —Ao levantar, a luz peneira<strong>da</strong> pela folhagem <strong>da</strong>s árvores que<br />
balançava na brisa que bateu no seu rosto. Florence nunca o tinha visto tão<br />
desarmado. Tinha vontade de abraçá-lo, de embalar a cabeça contra seu peito.<br />
Suas mãos se retorceram com a intensi<strong>da</strong>de do impulso e se ruborizou por<br />
medo de que ele a olhasse e lesse nela o desejo proibido. Permaneceu assim,<br />
em um silêncio agônico, sem saber o que dizer, mas incapaz de ir. Finalmente,<br />
ele lançou um suspiro e virou o anel com o selo de seu pai no dedo mindinho. O<br />
rubi engastado lançou um brilho na luz cambiante.<br />
—Sempre me entendi melhor com Freddie que com o duque —disse<br />
—.Papai me respeitava.<br />
Ela elevou o olhar para observar seu rosto, uma intimi<strong>da</strong>de que era<br />
possível só porque ele olhava para os prados.<br />
—Isso é algo mau?<br />
Um sorriso torceu os lábios.<br />
—Meu pai me deu de presente meu primeiro cavalo quando tinha nove<br />
anos, que podia montar quando quisesse, sem a companhia de um aju<strong>da</strong>nte de<br />
estábulo. Freddie nunca se fez merecedor desse privilégio, embora tivesse<br />
doze anos quando papai morreu. Fizesse o que fizesse, sempre ficava curto.<br />
Segundo meu pai, sempre era muito suave ou muito caprichoso, ou um menino<br />
mimado de mamãe. Minha mãe —disse Edward, e arranhou a ponta do nariz—.<br />
Minha mãe era uma mulher delica<strong>da</strong>, que ficava nervosa facilmente, mas tinha<br />
um caráter muito doce. Necessitava o tipo de amor que Freddie <strong>da</strong>va. Sem<br />
condições. Sem perguntas. Mas meu pai não podia ver isso. Se Freddie queria<br />
sair para montar sozinho, tinha que roubar um cavalo do estábulo. Tinha que<br />
romper as regras de meu pai e se arriscar que dessem chicota<strong>da</strong>s.<br />
—Acaso insinuas que se seu pai tivesse deixado seu próprio cavalo a<br />
Freddie, este acidente não teria ocorrido?<br />
—Não, Freddie nasceu para montar. Mais que eu, para falar a ver<strong>da</strong>de. —<br />
de repente, elevou a mão para seu rosto. Com levantou o polegar, afastou um<br />
cacho que a brisa agitava contra sua boca—. Suponho que o que intento fazer<br />
é confessar que isso me agra<strong>da</strong>va.<br />
O contato de sua mão a aturdiu. Subjuga<strong>da</strong> e confundi<strong>da</strong>, ficou rígi<strong>da</strong><br />
enquanto ele seguia com o dedo na curva de seu lábio inferior. Sua expressão<br />
era pensativa, quase ausente. Acaso se <strong>da</strong>va conta do que fazia? Era possível?<br />
Só quando ele deixou cair a mão, ela falou.<br />
— Te agra<strong>da</strong>va o que?<br />
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—Ser o primeiro —disse ele—. O favorito de meu pai.<br />
—Seguro que isso é algo natural. Não foi mais que um menino.<br />
—Não sei. Às vezes penso que não deveria haver... Pois, eu o admirava,<br />
sabe? Sabia que era um filho <strong>da</strong> puta mas queria sua aprovação.<br />
—Era seu pai.<br />
—Freddie era meu irmão, e uma alma muito mais nobre. —Edward se virou<br />
por volta dela com o antebraço apoiado no joelho—. Tinha razão em brigar<br />
comigo hoje. Às vezes me pareço muito com ele. Fez mal a Freddie. Fez se<br />
sentir como o irmão desfavorecido. Mas ele não era menos. Simplesmente não<br />
podia ser mol<strong>da</strong>do segundo a forma que meu pai pensava apropria<strong>da</strong> para um<br />
homem de Greystowe. Nesse sentido, Freddie era mais forte que eu.<br />
—Se Freddie era mais forte que você, por que tinha que protegê-lo?<br />
Edward roçou seu joelho e arrumou com gesto nervoso as dobras de seu<br />
traje de montar. Florence sentiu que o corpo lhe esticava no mais profundo e<br />
desejou que sua própria reação não fosse visível. Por fortuna, ele olhava sua<br />
própria mão em lugar de olhar para ela, e suas exuberantes pestanas cobriam<br />
lhe os olhos. Em sua boca se desenhou uma curva suave e irônica.<br />
— Me agra<strong>da</strong>va proteger Freddie. Me agra<strong>da</strong>va mais que meu pai nos<br />
tivesse tratado como iguais.<br />
Hei aí esta a ver<strong>da</strong>deira confissão, pensou Florence. Isto era o que tinha<br />
esticado a mandíbula e tinha feito tremer sutilmente as mãos. Ain<strong>da</strong> assim,<br />
não era algo pelo qual a se sentir culpado. E durante tantos anos! Sentindo sua<br />
dor, Florence obedeceu ao impulso de acariciar seu espesso cabelo negro.<br />
Inclusive enquanto tentava acalmá-lo, se regozijava sentindo o cabelo sedoso<br />
que deslizava por seus dedos. Se envergonhava de pensar, mas de uma vez se<br />
alegrava de ter tirado as luvas.<br />
—Um pensamento tem suas consequências —disse, prudente e<br />
pausa<strong>da</strong>mente—. Meu pai me ensinou isso.— Entretanto, um pensamento não<br />
é um fato. O fato de que desfrutasse protegendo Freddie não era a causa <strong>da</strong><br />
cruel<strong>da</strong>de de seu pai. Tampouco penso que deva me preocupar muito pela<br />
possível desleal<strong>da</strong>de de suas emoções. Os meninos necessitam que seus pais<br />
os amem. Freddie era o preferido de sua mãe, não é isso? Bem poderia culpar a<br />
ela pelo que aconteceu, embora saiba que não o fará.<br />
Edward guardou silêncio um momento. Quando falou, pronunciou sua<br />
resposta em voz baixa e com um profundo sentimento.<br />
—É uma moça sábia. E é generosa.<br />
—É fácil ser generosa contigo. —Inspira<strong>da</strong> por esse tom de voz dela,<br />
Florence se atreveu a tocar sua bochecha. Ele virou a cabeça, pressionando a<br />
maçã do rosto contra seus dedos, roçando com os lábios a palma de sua mão.<br />
Então, como se tivesse feito algo que secretamente tivesse preferido não<br />
fazer, se separou bruscamente e levantou. Com um gesto seco, arrumou o<br />
colete.<br />
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—Tenho que consultar Jenkyns — disse —. Por favor fique até que esteja<br />
prepara<strong>da</strong> para entrar.<br />
Não esperou que ela o seguisse. Em reali<strong>da</strong>de, suas palavras eram uma<br />
proibição de segui-lo. Florence o viu avançar a grandes perna<strong>da</strong>s para a casa,<br />
uma vez mais convertido no mesmo de sempre, enquanto ela...<br />
Ela já não sabia quem era.<br />
Florence passeava para cima e para baixo pelo corredor no exterior <strong>da</strong><br />
ante-sala de Freddie. Esperava que o mordomo de Edward acabasse de instalálo.<br />
O chefe de estábulo tinha <strong>da</strong>do a Freddie uma dose de morfina, mas ain<strong>da</strong><br />
não estava adormecido. Apesar de que Florence sabia que devia esperar até<br />
amanhã para vê-lo, se sentia muito inquieta, tão inquieta que retorcia as mãos<br />
como uma heroína em uma obra dramática.<br />
Não podia tirar <strong>da</strong> cabeça a expressão de Edward. Quando ele a tinha<br />
cui<strong>da</strong>do sentado no pequeno banco, ela tinha pensado, tinha querido...<br />
Voltou a retorcer as mãos e caminhou no outro sentido. Por uma vez, tinha<br />
escutado os ditados de seu próprio coração. Quando ela o encontrou, era como<br />
se lesse ca<strong>da</strong> um de seus pensamentos. Seus lamentos pelo cavalo, seu medo<br />
pela saúde de Freddie. Mas sobre tudo, havia intuído que Edward esperava que<br />
ninguém se desse conta de sua vulnerabili<strong>da</strong>de. Florence, isso sim, não o via<br />
como um ser débil. Ao contrário, pensava que era o homem mais forte que<br />
jamais tinha conhecido. Era esse o ver<strong>da</strong>deiro Edward? O homem que partia o<br />
coração por um cavalo ferido? Que era capaz de se torturar pelas intrinca<strong>da</strong>s<br />
motivações de sua infância? Que se preocupava de que seu amor não tinha<br />
sido perfeito? E se esse era o ver<strong>da</strong>deiro Edward, o que significava para ela? A<br />
atração, para começar. Inclusive podia descartar que fora um simples capricho.<br />
Entretanto, não seria fácil ignorar a atração que exercia sobre ela quando<br />
despia sua alma. Nem sequer estava segura de que isso fosse o que desejava.<br />
O dilema parecia destinado a não ter solução. Nigel West saiu do quarto<br />
de Freddie e fechou cui<strong>da</strong>dosamente a porta. Como correspondia a sua posição<br />
— o mordomo se ocupava de Greystowe quando Edward estava ausente—,<br />
West era um homem de aspecto digno, de i<strong>da</strong>de média, espigado, as têmporas<br />
ligeiramente grisalhas. Teria tido um aspecto tão sério como o de seu amo se<br />
não fora por seus extraordinários olhos cinza. Eram uns olhos generosos e<br />
tranquilos em torno dos que se desenhavam umas íntimas rugas quando sorria.<br />
Agora sorriu a Florence.<br />
—Temo que estará adormecido —senhorita Fairleigh—. Nem sequer<br />
esperou que acabasse de arrumar os travesseiros. Pode entrar, certamente,<br />
mas duvido que desperte.<br />
—OH — ela disse, se sentindo como se tivessem bloqueado uma rota de<br />
escapamento—. Não quero incomodá-lo. —Deu meia volta para ir, mas voltou a<br />
se virar—. Você o cui<strong>da</strong>rá, senhor West? Já sei que a ama de chaves ou uma<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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<strong>da</strong>s cria<strong>da</strong>s poderia fazê-lo, mas certamente se sentirá mais cômodo com um<br />
homem.<br />
Nigel franziu o cenho como se suas palavras tivessem algum significado<br />
que ela mesma não tinha captado. Florence se perguntou se não se outorgou<br />
muitas atribuições. Não tinha autori<strong>da</strong>de alguma naquela casa, nem tampouco<br />
teria muito mais sendo a esposa de Freddie. Era Edward quem reinava em<br />
Greystowe. Justo no momento em que estava a ponto de retirar a pergunta,<br />
Nigel reagiu.<br />
—Suponho que eu o cui<strong>da</strong>rei. Já que milorde Edward está em casa, não sei<br />
muito bem a quem atender.<br />
Alivia<strong>da</strong> por não ter <strong>da</strong>do um passo em falso, Florence sorriu.<br />
—Você está há muito tempo trabalhando em Greystowe, não é ?<br />
—Desde que o pai de sua Excelência pagou por meus anos de escola. —<br />
Nigel sorriu ao ver sua expressão de assombro—. Então ouviu as histórias. São<br />
to<strong>da</strong>s ver<strong>da</strong>de. O velho duque era um diabo, mas acreditava na necessi<strong>da</strong>de de<br />
estimular as virtudes potenciais <strong>da</strong>s pessoas. Devo a esta família mais do que<br />
se pode dizer com palavras.<br />
Sentindo uma repentina ardência nos olhos, Florence olhou além dele,<br />
para o fundo do corredor. Também devia muito a essa família, muito para<br />
pensar em trair sua confiança. Eles tinham acolhido, a ela, uma singela garota<br />
de campo, como a noiva de Freddie. E Freddie... Freddie era o homem mais<br />
afetuoso que jamais tinha conhecido.<br />
—São complicados, não parece? —perguntou—. Inclusive Freddie.<br />
—Sim — conveio Nigel, e a suavi<strong>da</strong>de de sua voz a obrigou a engolir as<br />
lágrimas—. Mas são pessoas íntegras, todos e ca<strong>da</strong> um deles. Uma pessoa não<br />
poderia querer melhores amigos.<br />
Amigos, pensou ela. Se só seus desejos pudessem ser assim de singelos.<br />
Pouco depois de meia-noite, Edward cruzou o corredor e entrou no quarto<br />
de seu irmão. Não tinha intenção de despertar Freddie. Só queria estar na<br />
escuridão e ouvi-lo respirar. A perna entala<strong>da</strong> tinha uma forma curiosa sob os<br />
lençóis, como se compartilhasse a cama com uma múmia. Mas Edward ain<strong>da</strong><br />
estava muito sacudido para tomar com humor. Não sabia o que faria se<br />
perdesse seu irmão, não sabia o que seria dele. Tinha construído sua vi<strong>da</strong> em<br />
torno do amparo que o brin<strong>da</strong>va. Sem Freddie em perfeito estado de saúde ou<br />
sem sua habitual alegria, nenhum de seus lucros teria sentido algum.<br />
Se virou para a janela, as mãos aperta<strong>da</strong>s e os músculos em tensão.<br />
Florence, pensou. OH, Florence. Por que tenho também que me ocupar de<br />
você? E a noite não respondia. Com a lentidão própria de um sonho, as cortinas<br />
se incharam sob a brisa que ventilava o quarto. Suas bor<strong>da</strong>s, de uma brancura<br />
perfeita, desdobravam seus murmúrios pelo tapete. Edward olhou para a cama.<br />
A noite era tempera<strong>da</strong>, mas Freddie não podia resfriar. Com a perna sã já tinha<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
atirado a metade <strong>da</strong>s mantas. Com um sorriso irônico, Edward o cobriu até o<br />
peito.<br />
Turbado pelo movimento, Freddie se removeu em seu sonho e se virou<br />
levemente para um lado. Seu braço caiu fora <strong>da</strong> cama e deu a Edward na<br />
perna. Abriu os olhos.<br />
—Nigel?<br />
Edward se inclinou junto à cama.<br />
—Sou Edward. Só vim ver como estava.<br />
Freddie sorriu, e voltou a fechar os olhos.<br />
—Não tinha vindo ver como eu estava desde que mamãe e papai<br />
morreram.<br />
—Não sabia que você sabia.<br />
Ao se mover, brotou o murmúrio do atrito e Freddie encolheu de ombros.<br />
—Eu supunha que queria se certificar de que não estava sozinho. Não me<br />
importava. Me faz sentir seguro.<br />
—Está seguro. Sempre velo para que assim seja.<br />
Freddie riu baixo.<br />
—Não posso garantir isso, querido. Ain<strong>da</strong> não é Deus, embora saiba o<br />
muito que se empenha. Sua maneira cantarina de falar disse a Edward que<br />
ain<strong>da</strong> se encontrava sob o efeito <strong>da</strong> morfina. Teria que advertir Jenkyns que<br />
cui<strong>da</strong>sse <strong>da</strong>s doses. Não queria que Freddie se acostumasse.<br />
—Fez por ti —disse Freddie, jogando o lençol.<br />
—Quem fez o que por mim?<br />
—Florence —disse—. Me pediu que a ensinasse montar. Não disse, mas eu<br />
sei era você a quem queria impressionar.<br />
Edward sentiu que lhe faltava o ar. Era ver<strong>da</strong>de? Acaso Florence valorizava<br />
sua opinião? Hoje, enquanto roçava seu rosto, tinha pensado que algo o<br />
apreciava. Era uma alma compassiva. Possivelmente haveria tocado a qualquer<br />
outra pessoa com a mesma ternura. Certamente, depois de tudo o que ele<br />
tinha feito, lhe <strong>da</strong>ria igual o que pensava.<br />
Freddie voltou a rir.<br />
—Acredita que não a aprecia. Que é um velho resmungão.<br />
—Florence me chamou de velho resmungão?<br />
Mas o pensamento de Freddie, nublado pela droga, já estava em outro<br />
lugar.<br />
—Terá que me substituir. Você mesmo ensiná-la. —Emitiu uma espécie de<br />
estalo com os lábios e afundou nos travesseiros—. Será como quando me<br />
ensinou a na<strong>da</strong>r.<br />
Alarmado pela sugestão, Edward guardou silêncio. Estar a sós com<br />
Florence? Ensinar a Florence? Jamais em sua vi<strong>da</strong>.. A menos que quisesse seu<br />
irmão se casar com uma noiva mancha<strong>da</strong>.<br />
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Capítulo 8<br />
Segundo Jenkyns, Freddie não podia se mover até que seus ossos tenham<br />
uma chance de ser sol<strong>da</strong><strong>da</strong>s. Nigel se ocupava de sua comi<strong>da</strong> quando Florence<br />
bateu na porta.<br />
—Não quero seu maldito caldo —ouviu Freddie dizer —. Tenho a perna<br />
quebra<strong>da</strong>, não o estômago. —Era evidente que sua dor o tinha posto de mau<br />
humor. Apesar de seu desconforto, seu rosto se animou ao vê-la—. Finalmente.<br />
Uma enfermeira amável. Diga a este valentão desprezível que leve sua comi<strong>da</strong><br />
de hospital a outro lado. Florence o beijou na testa sem ruborizar.<br />
—Estou segura de que o senhor West só segue as ordens do médico.<br />
—Maldito médico de cavalos — murmurou Freddie, e em segui<strong>da</strong> apertou<br />
sua mão para se desculpar—. Deveria ir, carinho. O café <strong>da</strong> manhã te espera.<br />
Eu sou péssimo como doente. Sempre fui. Temo que se ficar, me abandonará<br />
por um banqueiro.<br />
Florence fez estalar a língua e negou os cargos em redondo.<br />
Fez o que Freddie pediu, isso sim, porque via que ele não estava de humor<br />
para vê-la. Ele e Nigel voltaram a discutir assim que fechou a porta. Pobre<br />
Nigel, pensou. Se alegrava de que o mordomo se ocupasse de Freddie. Este<br />
teria se aproveitado de qualquer <strong>da</strong>s cria<strong>da</strong>s. Desceu à sala de jantar para o<br />
café <strong>da</strong> manhã, uma formosa sala amarela com uma vista do lago agitado pela<br />
brisa. Para sua decepção, só Edward estava sentado à mesa.<br />
—Tia Hypatia.......?<br />
—Está dormindo —disse ele, com o mesmo tom seco de sempre.<br />
Pelo visto, ela pensou, o duque resmungão voltou. Serviu um prato com o<br />
que havia no aparador: ovos, salsichas, um pão-doce recém assado e<br />
morangos. Se negando a ceder ao medo, ocupou o assento na esquina junto a<br />
ele. Durante alguns minutos, o único som foi o tilintar <strong>da</strong> baixela e os<br />
estertores de um ronco que provinha <strong>da</strong> habitação contígua na piso térreo. A<br />
tia de Edward, que nunca tinha sido uma grande madrugadora, devia estar<br />
exausta pelas emoções do dia anterior.<br />
Florence queria sorrir, mas duvi<strong>da</strong>va que Edward apreciasse a brincadeira.<br />
Seu ânimo parecia mais escurecido que o de Freddie, e ele tinha as duas<br />
pernas sã. Florence começava a pensar que tinha sonhado com o homem que<br />
tinha visto no dia anterior.<br />
—Crê que teríamos que chamar um médico de ver<strong>da</strong>de? —inquiriu, com o<br />
perverso desejo de que dirigir um olhar. Inclusive seu desdém era preferível a<br />
ser ignora<strong>da</strong>. Edward deixou sua faca e garfo no prato. Quando a luz <strong>da</strong> manhã<br />
lhe deu nos olhos, brilharam como duas gemas claras e azuis. Por uma vez, sua<br />
jaqueta de montar não era negra mas sim de um tweed de suave tintura<br />
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marrom. Sua camisa era branca e não tinha colarinho. Tinha um aspecto<br />
esplêndido: grande e de largos ombros, com seu ar de nobre rural. Entretanto,<br />
não parecia relaxado. Florence não podia imaginar Edward alguma vez<br />
relaxado. Uma ruga breve e profun<strong>da</strong> apareceu entre suas sobrancelhas<br />
povoa<strong>da</strong>s. Para ele, aquela expressão era amistosa.<br />
—Temo que o médico do povoado é um pouco decrépito. Jenkyns sabe<br />
mais de ossos quebrados que ele. Se tivermos complicações, chamarei um<br />
médico de Londres.<br />
Seu olhar permaneceu fixo em Florence inclusive depois de acabar de<br />
falar. Ela tinha querido que ele a olhasse, mas agora que olhava, apenas podia<br />
ficar quieta. Seu olhar fixo e inescrutável inspirava vontade irrefreável de se<br />
retorcer em seu lugar. Quando Edward levou a xícara de café aos lábios, estes<br />
atraíram sua atenção como dois ímãs. Aqueles lábios sensuais, tão<br />
desconjurado com seu rosto severo, agitavam lembranças que era melhor<br />
esquecer. Agora passou a língua para limpá-los depois de deixar a xícara.<br />
Aqueles lábios a tinham beijado, e aquelas mãos, essas mãos grandes e<br />
bronzea<strong>da</strong>s haviam sustentado sua cabeça, tinham percorrido suas costas e<br />
tido as nádegas em sua palma. A ultima vez que o tinha feito ele não tinha tido<br />
que beber para ter essa desculpa. A desejava, embora possivelmente não<br />
gostasse. Pensou que ele recor<strong>da</strong>ria seus beijos com tanta nitidez como ela.<br />
Possivelmente queria beijá-la agora. Aquela possibili<strong>da</strong>de a fez estremecer.<br />
Nesse momento, se remexeu, incômo<strong>da</strong>, justo um pouco.<br />
—Florence — ele disse, com uma voz mais grave que o habitual.<br />
Surpreendi<strong>da</strong> em seu sonho, devolveu um olhar culpado.<br />
—Sim, Edward?<br />
—Dispus para que Merry Vance venha a nos visitar em Greystowe, para<br />
que não se aborreça enquanto Freddie está convalescente.<br />
—OH — ela disse, surpreendi<strong>da</strong> de que ele se preocupasse de sua<br />
comodi<strong>da</strong>de—. É muito amável de sua parte, mas não crie que Merry não terá<br />
muita vontade de deixar Londres durante a tempora<strong>da</strong>?<br />
Ele riu com uma risa<strong>da</strong> seca.<br />
—Só tem dezessete anos. E suspeito que jamais sairia se não fosse porque<br />
se colocou seu pai no bolso. Pensei que poderia substituir Freddie para te<br />
ensinar a montar. Segundo o que contam, é uma excelente amazona.<br />
—OH —disse Florence, a única palavra em que podia pensar. O chá e as<br />
salsichas se converteram em pedras em seu estômago. De repente, o motivo<br />
<strong>da</strong>s palavras de Edward ficou descoberto.<br />
Tinha renunciado a lhe ensinar a montar.<br />
Olhou sua saia, onde suas mãos traiçoeiras retorceram seu guar<strong>da</strong>napo<br />
até convertê-lo em uma bola. Agora engoliu em seco. Seu comportamento era<br />
ridículo. Não deveria deixar que ele a ferisse. Tampouco seria divertido se fosse<br />
ele quem tivesse que ensiná-la. A maioria <strong>da</strong>s vezes seu comportamento com<br />
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ela não era agradável. Contra sua vontade, pensou no troféu de natação de<br />
Freddie, que Edward guar<strong>da</strong>va em uma prateleira junto a sua cama. Então<br />
entendeu. Não podia seguir o negando. Queria algo mais que o respeito de<br />
Edward. Queria que ele gostasse dela, queria que cui<strong>da</strong>sse tanto dela como<br />
cui<strong>da</strong>va de seu irmão.<br />
—Estou seguro de que o fará bem —disse, e sua segurança era de uma<br />
suavi<strong>da</strong>de pouco habitual. Florence teve a impressão de que se inclinava para<br />
ela, embora não se atrevesse a levantar a cabeça—. Freddie estará orgulhoso.<br />
—Obrigado —atinou a dizer Florence—. Me agradou muito Merry Vance. Foi<br />
muito amável ao pensar nela.<br />
—É fácil ser amável contigo.<br />
Florence não pôde impedir de abrir exagera<strong>da</strong>mente os olhos. Acaso tinha<br />
a intenção de recor<strong>da</strong>r as palavras que ela tinha pronunciado no Jardim? Agiu<br />
como se quisesse esquecer suas confidências e esperava que ela fizesse o<br />
mesmo. Entretanto, talvez o aviso não fosse intencional, ou alguma escura<br />
humilhação que ela simplesmente não podia son<strong>da</strong>r. Ai, jamais conseguiria<br />
entendê-lo. Jamais !<br />
Infelizmente, saber isso não a impedia de querer tentar.<br />
No jardim de rosas reinava o zumbido de libélulas e abelhas. Tinham<br />
passado dois dias do acidente de Freddie, e Florence tomava o chá com tia<br />
Hypatia. Segundo a duquesa, o singelo vestido de algodão floreado de<br />
Florence, de seu próprio enxoval, era tristemente inadequado.<br />
—Tem o aspecto de uma garota de campo —se queixou. Florence não se<br />
sentiu ofendi<strong>da</strong>. À duquesa agra<strong>da</strong>va se queixar tanto como aos gatos o leite.<br />
Agora, ocultou seu sorriso atrás <strong>da</strong> beira doura<strong>da</strong> de sua xícara.<br />
—Pensava que os vestidos à hora do chá tinham que ser mais cômodos.<br />
—Assim é, mas de uma maneira peculiar e romântica. Olhe. —Com a<br />
agili<strong>da</strong>de que demonstrava ter quando tinha tomado uma decisão, Hypatia se<br />
levantou <strong>da</strong> cadeira e agarrou dois brotos de rosas amarelas. Com as pequenas<br />
tesouras de prata que penduravam de uma cor<strong>da</strong> amarra<strong>da</strong> a sua cintura, tirou<br />
velozmente os espinhos. Ato seguido tirou uma dos grampos do chapéu e<br />
sujeitou as flores, com folhas e tudo, ao talhe de Florence—. Aí tem.<br />
Marginalmente melhor. Nem sempre tomaremos o chá as duas sozinhas, tem<br />
que saber. Tenho minhas amizades por aqui.<br />
—Tinha esquecido— reconheceu Florence—. Você nasceu nesta casa, não<br />
é assim? Com o pai de Freddie?<br />
—O extraordinário é que sobrevivi — grunhiu a duquesa, embora o brilho<br />
em seus olhos fez pensar Florence que suas lembranças não eram tão<br />
desagradáveis—. Meu irmão, o duque, foi a pior uva sem semente que possa<br />
imaginar. Se soubesse as confusões em que me colocou!<br />
—Pensava que era um homem muito severo.<br />
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—Não até que herdou o título. Então tinha que ser um homem de<br />
Greystowe.—Com isto, fez uma careta que, Florence suspeitou era uma<br />
imitação do altivo duque—. O título o arruinou. Destruiu o humor e to<strong>da</strong> a<br />
humani<strong>da</strong>de que havia nele. Depois, não importou na<strong>da</strong>, mas que a honra<br />
familiar. Se apaixonou por uma jovem que tinha estado vendo durante mais de<br />
sete anos. Todos supuseram que se casariam. Mas a filha de um barão não era<br />
o bastante boa para ele. Deu de se cevar com a mãe do menino e também fez<br />
a vi<strong>da</strong> miserável — disse, e sacudiu a cabeça. — Suzanne era uma mulher doce<br />
como um torrão de açúcar e quase tão dura. Duvido que alguém lhe tenha<br />
levantado a voz antes de seu matrimônio. Quanto a mim, quando Stephen<br />
herdou o ducado, perdi um amigo. Não se dignou me <strong>da</strong>r nenhum tapinha nas<br />
costas até o dia em que me casei com meu próprio duque. Isso me fez<br />
merecedora de um abraço de meu irmão. E, com isso voltou a me querer.<br />
Florence estendeu uma mão além <strong>da</strong>s xícaras de chá para agarrar a <strong>da</strong><br />
duquesa. Com um sorriso agradecido, devolveu o apertão.<br />
—Não, queri<strong>da</strong>. Não deve ter pena de uma velha ricaça. Tudo isso<br />
aconteceu faz muito tempo. Entretanto, não era a duquesa o que mais<br />
preocupava Florence.<br />
—Tia Hypatia – disse—, não acredita que Edward corre o perigo de...<br />
—Ficar como seu pai? —disse a anciã, e soltou uma risa<strong>da</strong>—. Parece-me<br />
bem que se preocupe, mas não há muitas possibili<strong>da</strong>des de que isso ocorra.<br />
Temo que possa parecer uma frase cruel, mas penso que é melhor que meu<br />
irmão tenha morrido jovem. Certamente, melhor para Freddie. —Seu rosto se<br />
suavizou como estava acostumado a ocorrer às pessoas que memoravam seu<br />
nome—. Freddie foi criado com amor. Algum dia será um bom pai porque<br />
Edward foi tudo o que meu irmão deveria ter sido. Edward ain<strong>da</strong> o leva no<br />
coração.<br />
Era isso ver<strong>da</strong>de? Às vezes, isso pensava Florence. Em outras ocasiões,<br />
assaltavam-na grandes duvi<strong>da</strong>s. Teria gostado de ficar tranquila então, refletir<br />
sobre o que tinha ouvido. Entretanto, seu desejo não se cumpriria, porque a<br />
senhora Forster, a ama de chaves, escolheu esse preciso momento para<br />
anunciar a chega<strong>da</strong> de Merry Vance. Ao vê-la subir para o terraço, parecia uma<br />
criatura diferente <strong>da</strong> jovem impecavelmente vesti<strong>da</strong> que Florence tinha<br />
conhecido em Londres. Tinha o cabelo revolto, a cor sumi<strong>da</strong>, e seu vestido<br />
amarelo, muito elegante, enrugado e afeado pelo pó <strong>da</strong> viagem. Entretanto,<br />
seu sorriso era tão largo e generoso como sempre.<br />
—Sim, sim, já veem que chego antes do previsto —disse com seu habitual<br />
tom de felici<strong>da</strong>de logo que conti<strong>da</strong>. Com as duas luvas em uma mão se inclinou<br />
para beijar Florence na bochecha—. Londres esteve tão aborrecido como água<br />
de borragem agora que você não está. Simplesmente não pude esperar a vir a<br />
te sau<strong>da</strong>r. —Piscou alegremente ao inclinar a cabeça diante <strong>da</strong> duquesa—. Por<br />
favor perdoe minha informali<strong>da</strong>de, Excelência. Asseguro que não é na<strong>da</strong><br />
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pessoal. Se perguntar a qualquer um, dirão que sou uma irresponsável.<br />
—Farão isso? —inquiriu a duquesa.<br />
—Senhorita Vance — disse Edward quando apareceu nos confins do<br />
jardim. Sua sau<strong>da</strong>ção foi grave mas sua cara se estirou para cima como se<br />
estivesse a ponto de rir. Sem dúvi<strong>da</strong> tinha alcançado para ouvir a géli<strong>da</strong><br />
resposta <strong>da</strong> duquesa—. Espero que você e Buttercup tenham sobrevivido à<br />
viagem de trem de Londres.<br />
Buttercup? Pensou Florence. A égua de Londres? Acaso era possível que<br />
Edward a tivesse comprado para ela? Seria um gesto extravagante, e ela, em<br />
reali<strong>da</strong>de, não deveria aceitá-lo. Mas, e se Edward a tivesse comprado!<br />
Entretanto, Merry Vance sepultou aquela esperança irracional antes que tivesse<br />
tempo de se concretizar.<br />
—Não posso agradecer o suficiente —disse—, ter disposto que a tragam<br />
para mim. Ensinar é muito mais fácil quando se tem um bom cavalo.<br />
Edward baixou o olhar. De to<strong>da</strong>s as coisas, aquilo parecia envergonhá-lo.<br />
Lançou um olhar de soslaio, incômodo, a Florence, e por um instante seus<br />
olhos se fixaram nas rosas que a duquesa tinha pregado no seu vestido. Com<br />
ar distraído, sacudiu a cabeça e voltou sua atenção a Merry.<br />
— Bem, é um prazer. Em qualquer caso tinha que comprá-la. Meu cavalo<br />
começava a jogá-la em falta.<br />
Merry riu, com um sotaque surpreendentemente feminino.<br />
—Que maravilhoso! Um romance entre cavalos. Terei que me manter a par<br />
do ocorrido enquanto permaneça aqui. Sorriu a Edward enquanto dizia isto,<br />
como se suas palavras tivessem um significado que só eles dois conhecessem.<br />
Nesse momento, seu aspecto não tinha na<strong>da</strong> de anódino, não com aquele<br />
brilho em seus olhos e a luz do sol ardendo nas nuvens de sua loira cabeleira.<br />
Era uma pequena Valquíria, ágil e forte, embora seus peitos ain<strong>da</strong> não<br />
tivessem alcançado a plenitude. A ideia de que Edward pudesse achá-la<br />
atraente fez Florence se sentir visivelmente incômo<strong>da</strong>.<br />
Ele não a quer, disse a si mesma. Sua atitude era muito indiferente, muito<br />
evidente.<br />
Embora tivesse <strong>da</strong>do a Merry o seu cavalo.<br />
—Terá vontade de se refrescar —disse Edward, embora não com o mesmo<br />
tom de desaprovação que teria utilizado a duquesa.<br />
Merry gorjeou com a amável sugestão.<br />
—É ver<strong>da</strong>de —disse, em um arrulho de voz, e deu a Edward no peito com<br />
a ponta do dedo—. Fresca é meu segundo nome.<br />
Florence experimentou um impulso quase incontrolável de beliscá-la mas<br />
Edward não se alterou.<br />
—Podemos guar<strong>da</strong>r uma xícara de chá para você? —perguntou.<br />
—OH, não. —Merry jogou a um lado sua cabeleira doura<strong>da</strong> e se virou para<br />
a casa—. Seguro que posso conseguir algo na cozinha quando acabar. Vocês<br />
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três desfrutem. Encontrarei a minha velha cria<strong>da</strong> e a próxima vez que me<br />
vejam, terei me liberado de todo este pó e estarei mais decente.<br />
—Não muito decente —advertiu Edward, com perfeita circunspeção.<br />
—Claro que não —disse Merry, lançando uma pisca<strong>da</strong> por cima do ombro<br />
—. Isso não teria nenhuma graça.<br />
Florence logo que conseguia fechar a boca. Enquanto Merry cruzava<br />
tranquilamente o terraço, seu pequeno traseiro se agitava sob seu vestido<br />
poeirento. Tinha paquerado com o Edward. E Edward tinha respondido.<br />
—Hmm —disse tia Hypatia, quando Merry tinha desaparecido de vista—.<br />
Essa garota terei que vigiá-la.<br />
Florence não sabia se o dizia como um insulto ou um completo, nem<br />
tampouco viu na atitude de seu sobrinho uma chave. Sem deixar de olhar na<br />
direção que tinha tomado Merry, Edward prendeu as mãos por detrás <strong>da</strong>s<br />
costas. Florence esperava de todo coração que não estivesse olhando o<br />
traseiro de Merry.<br />
—É a filha do Monmouth —disse.<br />
—Sim. —A duquesa revolveu o chá em sua taça—. Em um par de anos,<br />
será uma boa esposa para um homem.<br />
—Quer dizer que <strong>da</strong>rá a um homem um bom maço de problemas.<br />
—Isso também —disse tia Hypatia.<br />
Florence deixou a um lado seu sanduiche de pepino e o empurrou para a<br />
beira de seu prato. Tinha perdido o apetite, junto com o que aquela tarde tinha<br />
de agradável. Um bom maço, é claro que sim! Pode que não tivesse o direito a<br />
pensar nisso, mas sabia que não gostava de como soava.<br />
Capítulo 9<br />
Para decepção de Florence, Nitwit tinha se convertido em ‘’seu’’ cavalo.<br />
—Hoje te ocupará de sua higiene –anunciou Merry quando entraram no<br />
concorrido estábulo. Para surpresa de Florence, Merry vestia calças. Pela<br />
primeira vez, havia uma mulher que atraía mais olhares que ela. Não sabia se<br />
ficava envergonha<strong>da</strong> por sua amiga ou admirando seu atrevido uso. Merry<br />
atuava como se estivesse vesti<strong>da</strong> para se apresentar diante <strong>da</strong> rainha e,<br />
embora ninguém se atreveu nem sequer assobiar, Florence suspeitava que os<br />
moços dos estábulos de Greystowe falariam disto durante anos. Por onde<br />
passassem, todos ficavam boquiabertos. Ao parecer, os únicos machos imunes<br />
ao espetáculo <strong>da</strong>quelas pernas femininas tão visíveis foram um trio de meninos<br />
pequenos que carregavam o feno sujo nas carretas.<br />
Agradecendo seus esforços, Florence avançou pelo chão de terra<br />
compacta. Suspirou quando chegaram à casinha de Nitwit. A parte superior <strong>da</strong><br />
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porta estava marca<strong>da</strong> por mordi<strong>da</strong>s de dentes, um testemunho mudo do<br />
desassossego <strong>da</strong> égua. Sem que impressionasse a presença de Florence, Nitwit<br />
enroscou o lábio e lançou um som rude.<br />
Olharam uma a outra enquanto Merry foi procurar Jenkyns para pedir<br />
ferramentas agrícolas.<br />
—Não foi minha escolha – Florence disse, enquanto a égua se dignava<br />
parar as orelhas—. Nos simplesmente teremos que tirar o melhor partido<br />
possível.<br />
Merry pode ouvir este último comentário.<br />
— Me parece bem. Não pode montar bem se você ou o cavalo estão<br />
incômodos com o outro.<br />
Para demonstrar a escassa probabili<strong>da</strong>de de que isso acontecesse, Nitwit<br />
deu umas pata<strong>da</strong>s contra o fundo de sua casinha.<br />
—Teremos que levá-la ao pátio – Florence disse—. Quando está aqui<br />
dentro, fica nervosa.<br />
—Frescuras. – Merry disse—. Tudo o que precisa é se acostumar.<br />
Com certa resignação, Florence a seguiu até a casinha. Dez minutos mais<br />
tarde, depois de que Nitwit tinha pisado duas vezes na Merry, saíram.<br />
—Possivelmente deveríamos pedir outro cavalo ao Jenkyns – sugeriu Merry.<br />
—Não, não. Verá que se acalmará quando sairmos ao portão.— Florence<br />
não queria reconhecê-lo, nem sequer para si mesmo, mas sua simpatia pela<br />
égua tinha aumentado desde que esta tinha tentado ofertar umas quantas<br />
pata<strong>da</strong>s a sua instrutora. A atitude corajosa de Merry <strong>da</strong>ndo a entender sua<br />
competência começava a pô-la nervosa. Não acreditava que fora correto que<br />
alguém mais jovem que ela fora tão hábil, nem tão temerária.<br />
Tampouco parecia bem alguém que evidentemente não necessitava um<br />
bom cavalo passassem a uma besta como Buttercup.<br />
Mordeu os lábios com esse pensamento pouco generoso. Seu pai estava<br />
acostumado a dizer que a inveja era um gole amargo. Agora entendia o que<br />
suas palavras eram sábias, porque com muita dificul<strong>da</strong>de conseguia engolir<br />
seu ressentimento. Certamente, não se justificava. Merry era uma garota<br />
agradável que <strong>da</strong>va amostras de sua generosi<strong>da</strong>de ao vir instruí-la nestas<br />
coisas. E, entretanto, Florence se sentiu nos céus quando Nitwit deu razão. Era<br />
ver<strong>da</strong>de que a égua gostava de sair a campo aberto. Apenas se alterou quando<br />
Florence esfregou seu ventre sensível.<br />
—Agora, levante suas patas – Merry disse—. Vejamos se te deixa olhar as<br />
ferraduras.<br />
Florence fez o que pedia, muito molesta para sentir medo.<br />
—Muito bem! – Merry exclamou quando Nitwit não protestou—. Os cavalos<br />
são animais caprichosos. Quando deixam olhar as patas, significa que confiam<br />
em ti.<br />
Florence esteve tenta<strong>da</strong> de contar que a maioria dos animais confiava<br />
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nela, mas conseguiu morder a língua. Merry não sabia o que acontecia com os<br />
gatos. Merry só tentava estimulá-la. O menos que Florence podia fazer era<br />
fingir que estava agradeci<strong>da</strong>.<br />
Estou agradeci<strong>da</strong>, pensou. Estou agradeci<strong>da</strong>.<br />
Mas teve que lutar para não ranger os dentes.<br />
Depois de verificar as ferraduras de Nitwit em busca de pedrinhas, Merry<br />
ensinou a pôr os arreios e a montar. Então, ao invés de olhar como montava<br />
Florence, agarrou o cabresto e pediu que soltasse as rédeas.<br />
—Estique os braços para os lados –ordenou— e não apóie os pés nos<br />
estribos e nem passe o joelho pela cabeça. Se sente olhando para diante e<br />
fique com as pernas atrás do patilha. Eu terei Nitwit. Você se concentre em<br />
equilibrar seu peso sobre o lombo do cavalo. Assim é como desenvolve um<br />
sentido de equilíbrio.<br />
A única coisa que Florence estava desenvolvendo era um sentido <strong>da</strong><br />
vergonha. Seus braços tremiam depois de levantar os pesados arreios por cima<br />
do lombo de Nitwit. O menor movimento sentia como se fosse escorregar.<br />
Ain<strong>da</strong> pior, os três meninos do estábulo se penduraram no muro do potreiro<br />
para assistir à cena.<br />
Ou era isso, ou não eram tão pequenos como para não se <strong>da</strong>r conta do<br />
ajustado <strong>da</strong>s calças de Merry.<br />
—Fez muito bem, senhorita – disse o mais alto. O mais baixo, um miúdo<br />
redondo com chapéu de palha, decidiu fazer equilíbrios sobre as pedras.<br />
Meu Deus pensou Florence, ao ver que suas piruetas a enjoavam. Apenas<br />
se atrevia a respirar por medo de cair. Nitwit era mais alta que Buttercup e<br />
estava acostuma<strong>da</strong> e parecia muito distante.<br />
—Está prepara<strong>da</strong> para passear de um lado ao outro? – Merry perguntou.<br />
O ‘’não’’ de Florence foi quase um grito. Merry riu e deu uns tapinhas em<br />
Nitwit no pescoço.<br />
—Não importa –disse—. Hoje se acostumará a estar senta<strong>da</strong>. Deixaremos<br />
o passeio para amanhã.<br />
Amanhã, pensou Florence, e desejou ser o bastante covarde para<br />
renunciar .<br />
Para seu imenso alívio, o dia seguinte foi melhor, e o seguinte ain<strong>da</strong><br />
melhor. No quarto dia de instrução, Merry amarrou Nitwit a um comprido laço<br />
de couro e a fez <strong>da</strong>r voltas em círculo pelo potreiro com Florence monta<strong>da</strong>. No<br />
começo, caminhavam lentamente, e logo mais rápido, e depois tentaram um<br />
suave trote. Merry a deixou montar no estilo <strong>da</strong>s mulheres para isto, mas<br />
Florence caiu de to<strong>da</strong>s as maneiras. Mas estava decidi<strong>da</strong>, especialmente com<br />
seu trio de admiradores. Não sabia se Jenkyns tinha <strong>da</strong>do permissão ou<br />
simplesmente pararam as suas tarefas, mas os três meninos de rosto imundo<br />
conseguiram ser espectadores todos os dias.<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
—Não se preocupe –diziam ca<strong>da</strong> vez que ela caía—. Na próxima, saberá<br />
como fazer.<br />
Apesar de sua vergonha, e embora seu traseiro estivesse cheio de<br />
machucados negras, Florence se alegrava de que eles estivessem ali para<br />
animá-la. Aqueles meninos eram muito grandes para ser vítimas de seus<br />
peculiares encantos, e muito pequenos para se interessar em seus encantos<br />
ordinários. Estavam ali porque o tinham decidido. Tinham que estar ali porque<br />
gostavam dela.<br />
—Te esqueça de subir e descer na cadeira –ordenou Merry, quando ela<br />
tentava subir e baixar—. Isto é para os tolos. O que tem que fazer é te balançar<br />
atrás e adiante do quadril. Com os movimentos do cavalo. É fácil. Sente com<br />
seu peso se desagrade com o cavalo.<br />
—Yuu—juuu! –exclamaram os meninos com a demonstração de Merry. Ela<br />
se limitou a rir.<br />
—Com o cavalo – ela insistiu—. Com o cavalo.<br />
Finalmente, o sétimo dia, Florence aprendeu. Nitwit soprava e se agitava<br />
como se Florence tivesse levado a cabo um milagre. Para falar a ver<strong>da</strong>de,<br />
assim ela se sentia. Que fácil era! E tinha razão! Era justo a postura que seu<br />
corpo tinha querido adotar todo o tempo.<br />
Então Merry a deixou pôr o pé no estribo.<br />
A segurança que Florence sentiu a assombrou, e ain<strong>da</strong> não tinha recorrido<br />
às mãos. Merry era um gênio. Nem sequer o meio galope a sacudia. Oh, seu<br />
coração pulsava a to<strong>da</strong> pressa, mas sua maneira de montar era estável como<br />
uma rocha. Quando tentaram um galope, Florence pensou que sua alma tinha<br />
asas. Ao an<strong>da</strong>r, aproveitou o máximo <strong>da</strong>s lições de Merry e Nitwit, bendita seja,<br />
voava por cima do chão como se suas patas fossem pistões e seus cascos<br />
estivessem montados em trilhos. Pela primeira vez em sua vi<strong>da</strong>, Florence<br />
soube o que as pessoas queria dizer quando falava do cavalo e o cavaleiro<br />
como se fossem um. Nitwit não era tão ligeira correndo como Buttercup, nem<br />
tão equilibra<strong>da</strong>, mas era forte e veloz e tão segura como uma cabra de<br />
montanha.<br />
—Que generosa é! – Merry exclamou, e Florence se sentiu orgulhosa de<br />
sua égua.<br />
A sorte quis que fosse Edward a primeira pessoa que encontraram saindo<br />
do estábulo. Florence se sentia muito excita<strong>da</strong> para guar<strong>da</strong>r as maneiras.<br />
—Consegui! –anunciou, agarrando as mãos e saltando—. galopei com<br />
Nitwit sem agarrar as rédeas.<br />
Edward sorriu. Sua mão era firme. Inclusive fez gesto <strong>da</strong>s sacudir um<br />
pouco.<br />
—Eu vi –disse—. Foi muito valente. Suponho que dentro de na<strong>da</strong> quererá<br />
trabalhar em um circo.<br />
A calidez de seu olhar despertou seu acanhamento.<br />
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Emma Holly<br />
—O circo não. Não para mim.<br />
—É to<strong>da</strong> uma amazona – Merry interveio—. Um camundongo com o<br />
coração de um leão.<br />
Suas palavras pareceram recor<strong>da</strong>r Edward de que ain<strong>da</strong> guar<strong>da</strong>va entre as<br />
suas nas mãos de Florence. As deixou ir como se queimassem e se voltou para<br />
Merry.<br />
— Você fez um bom trabalho, senhorita Vance. Meu chefe de estábulo não<br />
ficou curto em adulações.<br />
—É uma excelente professora – Florence conveio, muito emociona<strong>da</strong> para<br />
se sentir ciumenta—. Jamais pensei que poderia montar um cavalo dessa<br />
maneira.<br />
—Uma garota pode montar o que quiser se o propõe – Merry disse,<br />
Sorrindo a Edward com um olhar o sugerindo—. Para isso parecemos.<br />
Nem sequer Florence pôde deixar de captar o duplo sentido. Edward<br />
fechou os lábios com gesto sério enquanto sacudi seu dedo indicador.<br />
—Seu pai lavaria sua boca por isso, senhorita Vance.<br />
—Me chame de Merry – ela disse, mas ele já se afastava. O suspiro que ela<br />
lançou quando o observava ir foi muito eloquente—. Meu Deus, alguma vez viu<br />
um par de ombros assim?<br />
Florence olhou seus ombros e logo a Merry. Levou a mão ao peito e seu<br />
olhar era delicado e desejoso. Nesse momento foi quando caiu na conta e o<br />
coração deu um tombo. Merry não tinha vindo a Greystowe porque gostasse<br />
dela ou porque queria te ensinar, nem sequer porque ain<strong>da</strong> era muito jovem<br />
para tomar a tempora<strong>da</strong> a sério. Tudo isso poderia ser ver<strong>da</strong>de, mas Merry<br />
tinha vindo a Greystowe sobre tudo porque seu duque a fazia perder os<br />
estribos.<br />
Quando Merry voltou a olhá-la, suas suspeitas certamente eram visíveis.<br />
Sua instrutora sorriu, rufiona, cruelmente. Florence sentiu que seu coração se<br />
encolhia de simpatia. Merry não pode saber, mas nessas coisas, as duas eram<br />
iguais.<br />
—A primeira vez que o vi na feira de Tattersall – Merry confessou—, senti<br />
que os dedos me enroscavam dentro <strong>da</strong>s botas. Se tivesse a ousadia, acredito<br />
que o poderia ter. Não sou muito feia. E ele pensa que sou diverti<strong>da</strong>. Soube de<br />
homens que caem por coisas menores.<br />
Florence supôs que assim era. Respirou profundo para se assegurar que<br />
não era feia, e logo pensou melhor.<br />
—Possivelmente deveria tomar cui<strong>da</strong>do. Você é jovem, e ele é um homem<br />
amadurecido.<br />
O som que Merry deixou escapar foi uma mescla de gorjeio e gemido. Para<br />
assombro de Florence, entendia perfeitamente o que significava. Edward era<br />
mais que um homem amadurecido. Edward era o exemplo mesmo de tudo o<br />
que era masculino e, como tal, despertava os impulsos mais primitivos de uma<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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Emma Holly<br />
mulher. Um homem como Edward fazia que uma mulher quisesse esquecer<br />
tudo: as promessas, a decência, inclusive o sentido comum. Mas possivelmente<br />
devia se alegrar de que Edward exercesse o mesmo efeito em Merry.<br />
Possivelmente os sentimentos de Florence não devessem ser motivo de<br />
preocupação. Uma tentação humana e natural. Filha de pároco ou não,<br />
Florence sempre soube que ela era humana.<br />
—Espero que não acredite que sou um ser horrendo – Merry disse, tocando<br />
o braço de Florence—. Minhas amigas em Londres dizem coisas estúpi<strong>da</strong>s ou<br />
zombam. Você ao menos sabe o que sinto. No fim e a cabo, você e Freddie<br />
certamente se beijaram em segredo umas quantas vezes. Freddie é um jovem<br />
atraente na flor <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> –Uma vez recupera<strong>da</strong> a confiança, fez subir e baixar<br />
suas sobrancelhas de morango—. Um homem que necessita aju<strong>da</strong>, Florence.<br />
Um homem que está virtualmente encadeado a sua cama. Me acredite, se eu<br />
estivesse em seu lugar e Edward no do Freddie, sei muito bem que tipo de<br />
cui<strong>da</strong>dos o propiciaria.<br />
Com suas palavras, Merry pintava uma imagem que Florence não pôde<br />
desprezar. Viu Edward encadeado, o torso nu como uma estátua de mármore. E<br />
sua mão. Viu suas próprias mãos procurando segredos que haviam sido tími<strong>da</strong><br />
para explorar. Aquela grossura, aquela forma cambiante que se inchava...<br />
sentiu que o corpo se esticava, que algo sob seu ventre se apertava. Estava<br />
líqui<strong>da</strong> por dentro, e quente. Mas não podia deixar que Merry soubesse disso.<br />
Não podia deixar que Merry pensasse que o que planejava era correto. Soltou<br />
seu braço <strong>da</strong>s mãos de Merry.<br />
—Freddie é um perfeito cavalheiro –disse com seu tom de professora de<br />
escola mais censor possível—. Freddie jamais faria na<strong>da</strong> que comprometesse a<br />
honra de uma <strong>da</strong>ma.<br />
—Certamente que não –conveio Merry, que pelo visto não estava<br />
convenci<strong>da</strong>. E Florence sábia que na<strong>da</strong> do que ela havia dito serviria a jovem<br />
para refletir.<br />
A partir desse momento, os observou quando estavam juntos. Observou o<br />
depravado que estava Edward com Merry, como ria com suas brincadeiras,<br />
como seus olhos brilhavam quando discutiam sobre os méritos entre as<br />
característica de diversos cavalos . Merry não estava acostuma<strong>da</strong> a se retratar<br />
quando pensava que tinha razão. Se levantava do assento e <strong>da</strong>va golpes sobre<br />
a mesa.<br />
E Edward não parecia se importar.<br />
Tinha razão Merry? Acaso Edward só necessitava que o empurrassem? Sua<br />
atitude não era a de um homem apaixonado. Ao menos, não dos homens<br />
apaixonados que ela conhecia. Mas Edward era uma criatura distinta, de modo<br />
que possivelmente sentia mais do que demonstrava.<br />
Também observou para ver se ele a tocava, se fixou em seus sorrisos,<br />
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Emma Holly<br />
comparou seus olhares com os que tinha compartilhado com ela. Não eram as<br />
mesmas. Eram quentes e agu<strong>da</strong>s, tão agu<strong>da</strong>s como uma folha bem afia<strong>da</strong>.<br />
Florence via as diferenças e se equivocava horrivelmente ao se inquietar.<br />
Inclusive observou seu membro oculto para ver se aumentava quando ele e<br />
Merry estavam juntos. O rosto tinha ardido como se estivesse em chamas. E<br />
também outras coisas. Outras coisas para as quais não tinha nome se<br />
acendiam entre suas pernas.<br />
Finalmente, disse a si mesma que os namoricos de Edward não eram de<br />
sua incumbência.<br />
Também disse que se soubesse a ver<strong>da</strong>de a respeito dos sentimentos que<br />
Edward albergava por Merry, podia enfrentar a eles.<br />
Mas a ver<strong>da</strong>de era o último que ela podia enfrentar. A ver<strong>da</strong>de pressionava<br />
seu peito, escura e inquieta, como se a caixa de Pandora tentasse se abrir. No<br />
final, sem saber o que fazer, se sentou na tampa e fechou os olhos. Não sabia<br />
o pouco que faltava para que o segredo fosse liberado.<br />
Florence convenceu o mordomo para que a deixasse levar a bandeja de<br />
comi<strong>da</strong> para Freddie. Tinha deixado que Nigel carregasse muito com o cui<strong>da</strong>do<br />
de seu prometido. Aquilo mu<strong>da</strong>ria. Ela não podia se ocupar de tudo, mas podia<br />
arrumar os travesseiros. Podia alisar os cenhos franzidos e fazer que o<br />
aborrecimento desaparecesse. Podia fazer saber Freddie que jamais o deixaria<br />
de cui<strong>da</strong>r dele.<br />
Com esse propósito em mente, Florence sustentou a bandeja contra o<br />
quadril e chamou ligeiramente a sua porta.<br />
—Não acredito que devesse fazer isto –ouviu que dizia Nigel com voz seca<br />
no interior do quarto. Quando abriu a porta um momento mais tarde, tinha a<br />
cara vermelha. Ele e Freddie certamente tinham estado brigando outra vez.<br />
Tinha entrado bem a tempo, conforme pensou. O pobre homem devia estar<br />
desesperado para que alguém o relevasse .<br />
—Carinho! – Freddie exclamou. Tinha um travesseiro sobre as pernas e seu<br />
cabelo estava revolto como se o tivesse estado mexendo. Como de costume,<br />
pôs sua melhor cara para ela. Seu sorriso era cintilante.<br />
—chegou bem a tempo. Este meu carcereiro estava a ponto de me <strong>da</strong>r<br />
uma surra.<br />
—Deixarei-os a sós – disse Nigel, com voz tão severa como a do duque.<br />
Florence afogou um risinho olhando para Freddie assim que o mordomo<br />
saiu.<br />
—Não deveria atormentá-lo.<br />
Freddie a ajudou a deslizar a bandeja sobre seu colo.<br />
—Atormentá-lo?<br />
—Já sei que é difícil para você estar encerrado desta maneira, mas<br />
também é difícil para ele. O senhor West não foi treinado para trabalhos de<br />
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Emma Holly<br />
enfermeira. De vez assim que, também poderia brigar comigo, embora não<br />
seja mais que para lhe <strong>da</strong>r um descanso ao pobre homem.<br />
Freddie pestanejou como se não tivesse entendido nenhuma palavra.<br />
Florence tirou a tampa do guisado de vitela e ceva<strong>da</strong> que Cook tinha preparado<br />
para que Freddie conservasse sua força. Mas ela não acreditava em sua atitude<br />
de inocente.<br />
—Já sei que estiveram discutindo. A cara do senhor West estava vermelha<br />
como a beterraba quando abri a porta.<br />
Por alguma razão, Freddie também se ruborizou, e começou a jogar com<br />
seu garfo.<br />
—Né, sim. Estávamos, né, discutindo sobre os méritos de uma cadeira de<br />
ro<strong>da</strong>s. Eu digo que estou preparado para usar uma. Ele diz que não. e aí o<br />
motivo de nossa discussão.<br />
Florence ofereceu um guar<strong>da</strong>napo para que o prendesse na camisa. Sua<br />
vergonha falava bem de sua consciência, mas ela não queria deixar o tema.<br />
Não seria justo com o senhor West.<br />
—Estou segura de que o senhor West pode decidir se está preparado para<br />
que ponham em uma cadeira de ro<strong>da</strong>s.<br />
—Certamente –disse ele—. Certamente.<br />
Trespassou uma parte do guisado e logo o deixou sobre o prato. Seu olhar<br />
se cruzou com a dela. Levantou o braço e com uma ternura quase alarmante,<br />
aproximou a mão a sua bochecha. Murmurou seu nome, enquanto com a ponta<br />
dos dedos acariciava o cabelo. De repente, todo o afeto que Florence sentia por<br />
ele voltou como uma corrente. Com alívio, soube que era ver<strong>da</strong>de que o<br />
amava. Pode ser que não tivesse sau<strong>da</strong>des como tinha sau<strong>da</strong>des de Edward,<br />
pior o amava de uma maneira boa e sensata. De uma maneira duradoura.<br />
Sorriu-lhe e cobriu sua mão com a sua.<br />
—É a mulher mais encanta<strong>da</strong> que conheço – ele disse—. Inclusive quando<br />
briga comigo.<br />
Seu tom de voz era curiosamente melancólico.<br />
—Te entristeci – ela disse—, e nem sequer sei como o tenho feito.<br />
Ele sacudiu a cabeça. Deixou cair sua mão, e a calidez desapareceu<br />
rapi<strong>da</strong>mente <strong>da</strong> bochecha de Florence.<br />
—Só sinto pena de você, Florence, por consentir em se casar com uma<br />
criatura ridícula como eu.<br />
—Não é um ridículo. Somente é um péssimo doente. Meu pai era como<br />
você. Mas a partir de agora prestarei mais atenção, e me certificarei de que<br />
não te afunde no mau humor.<br />
—Se afun<strong>da</strong>sse tudo –replicou ele, com uma risa<strong>da</strong> que ela não entendeu.<br />
—Estou segura de que o senhor West te aju<strong>da</strong>rá a te animar se você o<br />
deixar.<br />
Ele voltou a rir, esta vez um som breve e agudo.<br />
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Emma Holly<br />
—O senhor West não aprova que me empreste muita ‘’aju<strong>da</strong>’’. O considera<br />
uma traição à confiança <strong>da</strong> família. No qual tem to<strong>da</strong> a razão.<br />
Florence entendia essa atitude em seu irmão, mas não em Freddie. Antes<br />
que pudesse perguntar o que queria dizer, o já se desentendeu do que a<br />
preocupava. Agarrou sua mão e estampou um suave beijo em sua palma. Não<br />
enroscaram os dedos nas botas, mas isso era porque ela era a sensata filha de<br />
um pároco, não uma garota atrevi<strong>da</strong> de dezessete anos. Ela e Freddie seriam<br />
felizes. Era tudo o que precisava saber.<br />
Ao menos isso se disse enquanto a escuridão crescia em seu interior.<br />
Nigel não estava em seu escritório. Edward queria perguntar a respeito de<br />
certa correspondência com a fábrica, mas seguro que nesse momento Freddie<br />
requeria sua aju<strong>da</strong>. Franziu o cenho, irritado porque temia postergar o assunto.<br />
Apesar de que provavelmente não era urgente, queria, de fato necessitava se<br />
concentrar no trabalho.<br />
Não podia deixar de pensar em Florence. Seus sentimentos tinham<br />
escapado a seu controle desde sua conversa no jardim. Ignorava por que se<br />
entregou a essas confissões falando de seu pai. Supôs que era produto do<br />
impacto vivido, ou simplesmente à presença de um ouvido compassivo.<br />
O ouvido compassivo de Florence.<br />
Ele tinha <strong>da</strong>do conta de que ela era uma criatura doce, mas ouvir suas<br />
palavras, tão singelas, sábias e amáveis, agravava muito mais sua sau<strong>da</strong>de.<br />
Ain<strong>da</strong> sentia sua mão pequena e cáli<strong>da</strong> em sua bochecha, a lembrança <strong>da</strong>quele<br />
contato leve que o tinha inflamado como um beijo. Florence era uma pedra em<br />
seus sapatos, um desejo feroz e impossível.<br />
Era o diabo quem sussurrava a sua consciência. Ela sente algo por você,<br />
Edward. Poderia fazê-la feliz. Poderia amá-la como nenhum outro homem. Que<br />
Freddie brigasse por seus próprios interesses. Acaso não merece te levar como<br />
um egoísta por uma vez?<br />
Enfastiado por sua própria debili<strong>da</strong>de, caminhou pelo corredor deixando<br />
escapar um grunhido. Uma cria<strong>da</strong> <strong>da</strong> limpeza deu um salto ao ouvi-lo, e quase<br />
deixou cair a bandeja que levava a comi<strong>da</strong> de meio-dia dos criados. Ajudou a<br />
equilibrá-la, o qual a fez tremer ain<strong>da</strong> mais.<br />
—Não sou nenhum ogro –disse bruscamente.<br />
—Certamente que não, milorde – ela respondeu, e entreabriu os olhos ao<br />
retroceder—. Claro que não.<br />
Maldita seja, pensou, e deu com o punho fechado sobre o marco de uma<br />
porta. Na<strong>da</strong> proporcionava alívio. Poderia haver possuído a to<strong>da</strong>s as mulheres<br />
entre Lancashire e Londres. Podia ter fornicado com uma pedra. Poderia ter<br />
derramado um rio de suas sementes e ain<strong>da</strong> desejava mais.<br />
A única mulher que desejava era ela.<br />
Queria encerrá-la em seus aposentos durante uma noite. Queria amarrá-la<br />
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Emma Holly<br />
a sua cama e se deslizar dentro dela do crepúsculo até o amanhecer. Queria<br />
seu calor, seu contato, seu fôlego entrecortado quando via a rígi<strong>da</strong> prova de<br />
sua luxúria. Queria seu cabelo sedoso se derramando sobre seu peito. Queria<br />
sua boca tenra de rosas vermelhas. Queria seus quadris, seus seios. Queria<br />
envolvê-la com suas mãos, agarrá-la pelos joelhos e as separar em todo seu<br />
esplendor.<br />
Queria possuí-la.<br />
Se apoiou sobre a parede com os braços estendidos e deixou cair à<br />
cabeça, respirando com dificul<strong>da</strong>de, tentando recuperar a compostura. Havia<br />
uma fileira de botas no interior <strong>da</strong> casa onde se deteve, sem dúvi<strong>da</strong> esperando<br />
que as lustrassem. Um dos pares era menor que o resto. Couro de pelica cinza<br />
suave com cordões <strong>da</strong> mesma cor. Antes que pudesse se deter, agarrou um<br />
deles. Os tornozelos eram suaves e flexíveis ao tocá-los com a palma <strong>da</strong> mão.<br />
O couro ain<strong>da</strong> era novo, e a costura <strong>da</strong> ponta era uma série de adornos<br />
entrecruzados. Apalpou o desenho com a ponta do dedo, sabendo que a bota<br />
pertencia a Florence. Não havia uma só mulher na casa que tivesse um pé tão<br />
perfeito. Em sua mente apareceu uma imagem, tão irrefreável como a maré, a<br />
imagem de Florence no estúdio <strong>da</strong> costureira, de pé e descalça com sua<br />
camisa e seus calções. Tinha aqueles diminutos pés brancos, esse dedo gordo<br />
adorável. Dedos dignos de beijar. Dignos de chupar.<br />
Seu surdo grunhido o devolveu à reali<strong>da</strong>de. Deixou cair às botas como se<br />
fossem duas brasas. Que insensato era, sonhando como um apaixonado com<br />
as botas de uma mulher. Faltava pouco para que tivessem que encerrá-lo no<br />
Bedlam.<br />
Fechou os olhos e apertou as mãos. Aquilo tinha que parar. Tinha que tirála<br />
<strong>da</strong> cabeça antes que ficasse louco. Só uma hora, implorou. Só uma hora sem<br />
aquela tortura. Deixou escapar um suspiro quando relaxou lentamente os<br />
punhos. Pode que Sansón não soubesse, mas estava a ponto de salvar a vi<strong>da</strong><br />
de seu amo.<br />
Normalmente, o estábulo ficava vazio a meio-dia, enquanto os criados<br />
comiam. Esse dia, Edward se alegrou de que assim fosse. Podia selar Sansón<br />
tão rapi<strong>da</strong>mente como qualquer moço de estábulo. Embora não tivesse podido,<br />
um momento de solidão valia bem aquela inconveniência. Sentia a plenitude<br />
de seu sexo, sua pele um matagal de nervos que ardiam. Não tem importância,<br />
pensou. Preciso sair a montar, <strong>da</strong>r um passeio comprido e sem destino fixo.<br />
Sansón relinchou quando ele se aproximou. Por desgraça, o poderoso<br />
corcel não estava sozinho.<br />
—Senhorita Vance – Edward saudou.<br />
Ela se virou e sorriu, um sorriso nervoso, pensou ele. Se perguntou se seu<br />
estado de ânimo era tão visível e tentou controlar sua expressão. Ela passou as<br />
mãos por aquelas calças extravagantes que gostava de usar. Tinha perguntado<br />
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como era possível que sua cria<strong>da</strong> a deixasse sair naquele estado, mas a pobre<br />
anciã era tão curta de vista que provavelmente não se inteirava.<br />
—Não quer me chamar de Merry? –perguntou, com mais serie<strong>da</strong>de do que<br />
ele tivesse querido—. Por minha parte , eu preferiria te chamar Edward.<br />
Posto que ele não estava seguro de como devia responder a essa<br />
pergunta, a ignorou.<br />
—Pensa sair para montar?<br />
Se essa não era a intenção dela, sim era a sua. A Edward agra<strong>da</strong>va Merry<br />
Vance. Era valente e diverti<strong>da</strong>, mas nesse momento não estava com ânimo<br />
para desfrutar de sua companhia. Uma garota recém saí<strong>da</strong> <strong>da</strong> escola que não<br />
sabia mais que jogar com fogo. Infelizmente, não sabia mais disso agora.<br />
— Me agra<strong>da</strong>ria que me montassem – ela disse, com voz rouca, suas<br />
sar<strong>da</strong>s perdi<strong>da</strong>s em muito pele que se ruborizava—. Talvez você possa me<br />
aju<strong>da</strong>r.<br />
Ele não foi tão rápido como deveria ter sido. As palavras <strong>da</strong> jovem não<br />
tiveram muito sentido até que ela se aproximou, pôs os braços ao redor de seu<br />
pescoço, e puxou sua cabeça para beijá-lo. Seu corpo respondeu sem pensar.<br />
Necessitava de uma mulher, qualquer mulher. Sua boca acessou a sua pressão.<br />
Seu coração se disparou e seu membro despertou e, antes que pudesse<br />
impedi-lo, tinha tirado a camisa <strong>da</strong> calça e a tinha levantado, e agora dez<br />
unhas acariciavam o pelo do peito.<br />
—OH – ela murmurou, quase sem fôlego, se afastando para admirar a pele<br />
que tinha posto ao nu—. Sabia que seria assim, muito, muito perfeito para as<br />
palavras.<br />
De repente aproximou o rosto e agarrou um bico do peito entre os dentes.<br />
Ele deixou escapar um grito e tentou afastá-la, mas tinha as mãos<br />
entrecruza<strong>da</strong>s pelas costas e agora a acariciava de uma maneira que o fez<br />
fraquejar os joelhos muito mais do que tivesse desejado. Sentiu que o invadiam<br />
sucessivas quebras de on<strong>da</strong> de calor. Agora Merry se retorcia contra ele como<br />
uma gata. Seus pequenos peitos eram suaves e estavam nus sob sua camisa<br />
de algodão. Seus mamilos estavam duros. Suas coxas... e bem, Edward não<br />
queria pensar em suas coxas. Aquelas calças não ocultavam nem a metade do<br />
que deveriam.<br />
—Merry –advertiu, se perguntando precisamente por onde devia agarrá-la<br />
—. Merry, detenha.<br />
—Já sei que não sou bonita – ela disse, entre denta<strong>da</strong>s que foram<br />
descendendo perigosamente—, nem tampouco sou experimenta<strong>da</strong> como as<br />
mulheres que frequenta mas , OH... –Agora estava de joelhos e começou a<br />
lamber a pele do ventre—. Estou disposta, Edward. Disposta a fazer o que você<br />
queira.<br />
Suas palavras foram como lançar uísque sobre as chamas. Edward reteve<br />
a respiração quando suas mãos encontraram seu testículo. Onde diabos tinha<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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Emma Holly<br />
aprendido uma menina tão jovem como Merry a ser tão ousa<strong>da</strong>? Com uma<br />
imprecação afoga<strong>da</strong>, a agarrou pelas pulsos.<br />
—Eu disse para parar, Merry, e digo a sério<br />
Sua expressão era divertidíssima: metade raiva, metade porte de menina<br />
de dois anos. Em qualquer outro momento, ele teria rido interiormente ao vêla.<br />
Mas também estava feri<strong>da</strong>, e ele sabia muito bem como era desejar algo<br />
que não se podia ter.<br />
—Você gosta de mim – ela disse, teimosa até o final—. Sei que você gosta.<br />
—Te estimo muito, mas isso não significa que tenha que me deitar contigo.<br />
—Sim quer, um pouco –Com as mãos ain<strong>da</strong> enlaça<strong>da</strong>s por detrás, se<br />
inclinou o suficiente para diante para roçar sua ereção com o queixo.<br />
Ele soltou uma risa<strong>da</strong> rouca e afastou os quadris <strong>da</strong> tentação.<br />
—Sim, quero, mas é muito jovem e de berço muito nobre para se entregar<br />
a esses tipos de jogos.<br />
—É porque sou muito plaina –disse com um bufo—. Te desagra<strong>da</strong> a ideia<br />
de lombriga nua.<br />
—Meu Deus. — Edward entreabriu os olhos e a obrigou a se levantar—. É<br />
uma garota perfeitamente atraente e estou seguro de que muitos homens,<br />
incluindo a mim, estariam encantados em muitas circunstâncias de te ver nua.<br />
Entretanto, não tenho intenção de pagar o preço que custa esse prazer. –<br />
Elevou uma mão quando ela quis falar, sem dúvi<strong>da</strong> para assegurar que<br />
ninguém exceto ela saberia—. Guarde este privilegio para um homem que te<br />
ame, Merry. Para ele será bela. E com ele, isto que me propõe fazer também<br />
será belo.<br />
Ela respondeu com um gesto de desagrado muito mais próprio de sua<br />
i<strong>da</strong>de que suas recentes iniciativas.<br />
—Fala igual o meu pai.<br />
—Muito bem –disse ele—. Prefiro muito mais que pense em mim dessa<br />
maneira.<br />
Ela tinha levado as mãos aos quadris e com seu olhar o percorreu <strong>da</strong><br />
cabeça até a entre suas pernas. Era um comer o com os olhos cuja franqueza<br />
lhe haveria flanco igualar a Imogene. Para sua surpresa, Edward se ruborizou.<br />
—Jamais poderia pensar em você como se fosse meu pai –declarou ela.<br />
Nesse momento ele não pôde a não ser rir. Merry Vance não seria um<br />
maço só,más bem, to<strong>da</strong> uma praga de problemas.<br />
Florence se deixou cair contra a parede exterior do estábulo apertando a<br />
maçã que ia <strong>da</strong>r ao Nitwit contra seu coração.<br />
Tinha olhado pela janela para se assegurar de que o estábulo estava<br />
vazio. Preferia se ocupar a sós com a égua, sem ter testemunhas <strong>da</strong>s absur<strong>da</strong>s<br />
coisas que lhe dizia ou dos beijos que <strong>da</strong>va no seu focinho. Também a égua<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
parecia mais tranquila sem público, como se estivesse envergonha<strong>da</strong> de<br />
reconhecer que tinha amor a sua singular cavaleiro.<br />
Não se esperava encontrar Merry e Edward abraçados. E muito menos<br />
<strong>da</strong>quela maneira! Merry estava de joelhos e atirava para cima a camisa de<br />
Edward enquanto com a boca roçava o ventre.<br />
Seu ventre nu.<br />
Os músculos se debulhavam como pedras à altura de seu ventre. Suaves e<br />
poderosos, se esticaram quando Merry deu voltas em torno de seu umbigo com<br />
a língua. Uma linha de pêlos negros como uma tinta surgia <strong>da</strong>quela fen<strong>da</strong><br />
curva<strong>da</strong>, e logo depois de estendia para seu peito. Outros músculos atiravam<br />
ao redor, largos e bronzeados com um leque de tendões que se estendiam para<br />
os lados.<br />
E tinha bicos dos peitos. Florence jamais tinha pensado na possibili<strong>da</strong>de<br />
de que os homens tivessem bicos dos peitos. Quem teria pensado que eram<br />
tão fascinantes? Eram pequenas e de cor acobrea<strong>da</strong>, e a ponta aparecia<br />
através dos nebulosos pêlos coroados por uma ponta rosa<strong>da</strong>.<br />
Apertou a maçã contra o coração e as pontas de seus próprios mamilos se<br />
endureceram até que doeu. Sua língua se curvou por cima de seu lábio<br />
superior. Teve vontades de beijar esses bicos do seu peito. Queria estreitar seu<br />
rosto nesse pêlo dele. Queria percorrer com suas mãos a curva larga e dura de<br />
suas coxas, e agarrar em suas mãos sua carne secreta.<br />
Edward tinha se excitado. Seu órgão se inchou ocupando o espaço entre o<br />
queixo de Merry e seu pescoço, se avultando contra o tecido de sua calça,<br />
como tinha acontecido aquela noite no baile. A luz que entrava pela janela <strong>da</strong><br />
casinha tinha iluminado aquela forma arquea<strong>da</strong>. Tinha a ponta redon<strong>da</strong>, e a<br />
base era mais avulta<strong>da</strong>. Era grande, pensou, com um estremecimento<br />
profundo e quente. Tão grande como uma Pippins 11 . Possivelmente doía sentir<br />
que uma parte do próprio corpo crescia tanto. Sua expressão poderia ser de<br />
dor. Tinha os olhos fechados, o rosto tenso com o desejo que Merry despertava<br />
nele.<br />
As unhas de Florence se fincaram na pele de Nitwit.<br />
O desejo que Merry despertava.<br />
Era ver<strong>da</strong>de, não podia negá-lo. Edward desejava à filha do duque.<br />
Florence não tinha sido na<strong>da</strong> especial. Aquela noite na estufa dos Vance,<br />
quando ele a tinha beijado e tinha mu<strong>da</strong>do sua vi<strong>da</strong>, ela simplesmente tinha<br />
estado convenientemente na mão.<br />
Merry lhe servia tanto como ela.<br />
Os olhos arderam mas não chorou. Se parou do estábulo e caminhou com<br />
passos firmes e comedidos para o arvoredo distante. Quando esteve bastante<br />
longe para que não a vissem, correu. Ao desaparecer no profundo do arvoredo,<br />
se deteve. Apoiou as mãos nos joelhos recuperando o fôlego, sua roupa interior<br />
11<br />
Pippins - colosso , maçã-raineta , varie<strong>da</strong>de de maçã .<br />
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Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
empapa<strong>da</strong> pelo suor, sua cabeça <strong>da</strong>ndo voltas pelo esforço <strong>da</strong> carreira.<br />
Se tivesse colocado um de seus espartilhos de Paris, teria desmaiado. Tal<br />
como estava, teve que se sentar, sem prestar atenção ao pó, aos insetos e<br />
nem às folhas secas do ano anterior. As raízes de um carvalho velho retorcido<br />
formavam os braços de seu assento, e seu tronco era o respaldo. Florence<br />
fechou os olhos e tudo o que tinha visto estava ali, marcado a fogo em sua<br />
memória. Com um grito baixinho, levou as mãos ao rosto úmido e febril. Mas<br />
nem sequer com esse gesto pôde eliminar aquela visão.<br />
A caixa de Pandora tinha liberado seu segredo nefasto.<br />
Já era bastante censurável desejar o irmão do homem com que pretendia<br />
se casar. Deveria estar agradeci<strong>da</strong> a Merry que tivesse demonstrado que<br />
persegui-lo era impossível.<br />
Mas não estava agradeci<strong>da</strong>.<br />
Se sentia doente de inveja, mais doente do que tinha estado com a per<strong>da</strong><br />
de Buttercup. Sentia o ventre contraído, tinha uma tensão na garganta e o<br />
coração doído com a ver<strong>da</strong>de que tanto tinha temido enfrentar. Não a tinha<br />
salvado seu afeto pelo Freddie, nem a lembrança do coração quebrado de seu<br />
pai, nem o enorme <strong>da</strong>no que Edward tinha infligido sem que ela tivesse feito<br />
na<strong>da</strong> para merecê-lo. Na<strong>da</strong> a tinha salvado. Florence estava perdi<strong>da</strong>.<br />
Florence estava apaixona<strong>da</strong> pelo duque de Greystowe.<br />
Capítulo 10<br />
A senhora Fortser acabava de aju<strong>da</strong>r Freddie com seu banho na cama.<br />
Segundo a ama de chaves, a rixa <strong>da</strong> manhã com o Nigel revestia tal gravi<strong>da</strong>de<br />
que o mordomo se viu obrigado a expressar suas reservas e não emprestar<br />
mais aju<strong>da</strong>.<br />
—E se dizem homens adultos –balbuciou enquanto reunia vasilhas e<br />
toalhas—. Brigando como dois meninos.<br />
Freddie teve a decência de manifestar sua vergonha. Estava sentado junto<br />
à janela em uma cadeira alta de respaldo azul, possivelmente um sinal de que<br />
tinha vencido na discussão <strong>da</strong>quela manhã. Uma <strong>da</strong>s pernas <strong>da</strong>s calças de seu<br />
pijama de se<strong>da</strong> estava descostura<strong>da</strong> por causa do estuque. Tinha uma fina<br />
camisa aberta à altura do peito. Era um peito atraente, tão atraente como o de<br />
Edward. Era mais pálido e não tão largo, mas igual de musculoso.<br />
Quando a senhora Forster viu quem tinha entrado, se apressou a fechar a<br />
camisa.<br />
—Deixe – ordenou ele, com um gesto lânguido <strong>da</strong> mão—. Hoje faz<br />
bastante calor e só é Florence. Duvido que minha futura mulher se deprima em<br />
ver meus gloriosos atributos masculinos.<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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Emma Holly<br />
O ama de chaves murmurou algo a respeito <strong>da</strong> ‘’moral moderna’’, mas<br />
Florence adivinhou que seu aborrecimento não era ver<strong>da</strong>deiro. A voz de Freddie<br />
a deteve na porta.<br />
—Obrigado, senhora Forster – disse, amável e sério—. Se comportou como<br />
um anjo.<br />
A senhora Forster guardou seu comentário de despedi<strong>da</strong>.<br />
—Suponho que eu tampouco me deprimirei ante seus gloriosos atributos<br />
masculinos.<br />
Freddie sorriu olhando seu enorme traseiro que se ia, e estendeu as mãos<br />
para Florence.<br />
—Bom dia, queri<strong>da</strong>. O que devo esta honra? Pensei que estaria ocupa<strong>da</strong><br />
em suas aulas.<br />
Florença obedecido seu gesto convi<strong>da</strong>ndo-a para se sentar no braço <strong>da</strong><br />
cadeira. Sem querer encontrou seu olhar, olhou para o peito esterno dividido<br />
em suas curvas suaves dos dois músculos.<br />
—Merry se foi. Partiu com sua cria<strong>da</strong> ao amanhecer. Acredito que ela e<br />
Edward tiveram uma desavença.<br />
—Não terá sido por você, seguro.<br />
—Não – concedeu Florence, mas não conseguia explicar o acontecido.<br />
Ain<strong>da</strong> via a expressão tensa de Edward enquanto Merry ron<strong>da</strong>va seu ventre<br />
com a boca. Ain<strong>da</strong> sentia as emoções que se desataram em seu interior<br />
quando Lizzie deu a notícia de que Merry tinha ido embora. Ela tinha tentado<br />
seduzir o duque e o duque a tinha man<strong>da</strong>do a passeio. Florence tinha muitas<br />
razões pelas quais deveria se lamentar de sua parti<strong>da</strong>. Mas, para sua<br />
consternação, estava exultante. Não pensava em dizer na<strong>da</strong> disto a Freddie.<br />
Com seu bom humor de sempre, acariciou sua bochecha com o dorso <strong>da</strong><br />
mão.<br />
—Muito bem. Não faz falta me contar o porquê. Posso imaginá-lo. Edward<br />
deve estar se torturando por não ter verificado isso antes. Estou seguro de que<br />
não terá desfrutado te decepcionando.<br />
—Eu... eu estou bem – ela disse, e seguiu delibera<strong>da</strong>mente com a mão na<br />
curva de seu braço.<br />
Freddie respirou bruscamente, surpreso. Seus olhares se cruzaram. A de<br />
Freddie era cautelosa, mas a disfarçou com um sorriso.<br />
—O que acontece, Florence?<br />
Ela brincava com a bor<strong>da</strong> <strong>da</strong> camisa de algodão que lhe cobria o peito.<br />
—Importaria que te beijasse, Freddie?<br />
Ele ficou boquiaberto.<br />
—Desde... certamente que não, carinho. Mas...<br />
Ela se inclinou antes que ele dissesse algo a respeito <strong>da</strong> inocência e a<br />
honra e do que seu pai pensaria se soubesse. Teve que guar<strong>da</strong>r silêncio quando<br />
ela passou a mão pela almofa<strong>da</strong> violeta atrás de sua cabeça. Aquela cor de<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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tecido ressaltava o azul de seus olhos, os olhos mais fascinantes que Florence<br />
jamais tinha visto. Seu rosto era uma prazenteira visão, os lábios bem<br />
delineados, as sobrancelhas uns arcos perfeitos. Freddie era mais que belo. Era<br />
tão cavalheiro de um poema.<br />
—Florence – ele murmurou, baixando suas pestanas doura<strong>da</strong>s. E fazendo<br />
provisão de valor, ela apertou, sem vacilar, os lábios contra os dele.<br />
Sua boca era suave. Recor<strong>da</strong>ndo Edward, recor<strong>da</strong>ndo Merry, Florence<br />
roçou sua raiz com a ponta <strong>da</strong> língua. Felizmente, Freddie entendeu o que<br />
pretendia. Suspirou e se abriu para ela e respondeu a seu roçar úmido e suave<br />
com o seu próprio. Conhecia aquele jogo melhor que ela. Ela se alegrou de que<br />
ele tomasse a iniciativa. Com os braços a estreitou ain<strong>da</strong> mais, a fez virar e a<br />
atraiu para ele. Os seios dela descansaram sobre seu peito, seu traseiro sobre<br />
suas coxas. Apesar do estuque, cabia perfeitamente.<br />
Seu beijo era delicado, cui<strong>da</strong>doso, como se o mais mínimo indício de força<br />
fosse quebrá-la. Era como se um anjo a balançasse em uma nuvem de calidez<br />
e generosi<strong>da</strong>de. A confusão que tinha sentido ao beijar Edward estava ausente,<br />
mas também a excitação. Ain<strong>da</strong> assim, as sensações que Freddie despertava<br />
nela eram agradáveis. Seu corpo se relaxou quando seus dedos percorreram<br />
seu pescoço para baixo, se atrasando em suas vértebras e fazendo largos<br />
números oito, como se se divertisse na textura de sua pele.<br />
Estimula<strong>da</strong> por seu progresso, Florence deslizou os dedos por debaixo <strong>da</strong><br />
camisa aberta. Quando roçou com o polegar a ponta de seu bico do seu peito,<br />
ele se endireitou e se afastou. Seu rosto não acusava aquela tensão que tinha<br />
visto em Edward, e só viu uma espécie de calma fraternal. Ao parecer, carecia<br />
de habili<strong>da</strong>des que possuía Merry para excitar os homens.<br />
—Sinto muito– disse, inclinando a cabeça—. Reconheço que não sou boa<br />
nisto.<br />
Sorriu-lhe, tirou a mão de seu peito e beijou os nódulos. Ela se sentiu<br />
incômo<strong>da</strong>, como uma menina a quem consente uma travessura.<br />
—Não tem feito na<strong>da</strong> mal. Pior acredito que se trata de assuntos que não<br />
devemos precipitar. A honra de uma mulher, uma vez perdido, nunca pode se<br />
recuperar. O que pensaria seu pai?<br />
—Sabia que diria isso<br />
—Viu. Você tampouco se sente cômo<strong>da</strong>. –Acariciou o cabelo com a palma<br />
de sua mão cáli<strong>da</strong>—. Não se entristeça queri<strong>da</strong>. Cinco meses não é uma larga<br />
espera.<br />
Talvez não era para ele. Mas muitas coisas podiam acontecer em cinco<br />
meses. Em lugar de dizê-lo, ela se aconchegou ain<strong>da</strong> mais contra ele. Seus<br />
movimentos pareciam não provocar nele reação alguma. Seu membro viril não<br />
se havia posto rígido, nem o coração pulsava rapi<strong>da</strong>mente. Freddie seguia<br />
sendo o que sempre era, um perfeito cavalheiro.<br />
Florence se perguntou o que faria se soubesse que sua prometi<strong>da</strong> não era<br />
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uma perfeita <strong>da</strong>ma.<br />
O convite de tia Hypatia não podia ter chegado em melhor momento.<br />
Florence estava desespera<strong>da</strong> por alguma distração depois de ter fracassado<br />
em tentar seduzir o seu prometido, embora a distração de uma visita a uma<br />
<strong>da</strong>s amigas de infância <strong>da</strong> Duquesa. Era curioso, mas diria que a reunião que<br />
teria lugar punha nervosa à duquesa, já que tão logo jogava com seu vestido e<br />
suas luvas, como se arrumava o cotovelo revestido de encaixe pela janela do<br />
carro aberta. Seu suspiro foi suave mas audível.<br />
—Acontece algo? – Florence perguntou.<br />
Tia Hypatia tamborilou com os dedos na porta <strong>da</strong> vitória.<br />
—Só as lembranças de uma anciã. Quando tiver minha i<strong>da</strong>de, suspeito que<br />
também terá o duvidoso prazer de ver as mu<strong>da</strong>nças que o tempo pode infligir<br />
naqueles que ama.<br />
—Você não é uma anciã – assegurou Florence.<br />
Tia Hypatia riu, um eco suave e seco de seu sobrinho maior.<br />
—Não são os anos, carinho. São os machucados. Entretanto, os amigos de<br />
nossa infância são os amigos que mais queremos. São nossos vínculos com o<br />
passado. Ninguém nos conhece tão bem nem nos perdoa tanto.<br />
Depois <strong>da</strong>quelas palavras tão sugestivas, o carro entrou por um caminho<br />
estreito e cheio de buracos. Umas paredes de pedra de escassa altura<br />
flanqueavam o caminho, com o passar do qual havia umas primorosas casas<br />
de dois an<strong>da</strong>res. Aquela diante <strong>da</strong> qual se detiveram se distinguia <strong>da</strong>s demais<br />
por ter sido recém limpa. Com vigamento de madeira e um teto de palha, não<br />
era muito maior que a casa paroquial em que Florence tinha crescido. Um<br />
pequeno jardim rodeava as paredes pinta<strong>da</strong>s de cal. O atalho de cascalho que<br />
conduzia à porta era perfeitamente reto, igual aos canteiros baixos cheios de<br />
pequenos brotos. As maravilhas estavam alinha<strong>da</strong>s como sol<strong>da</strong>dos a todo o<br />
comprido, em franjas alternas de laranja e amarelo. Aquele arrumação<br />
compulsivamente perfeito arrancou um sorriso de Florence.<br />
Para sua surpresa, tia Hypatia a tocou na manga para que se detivera.<br />
—Se sente um momento, queri<strong>da</strong>. Acredito que deveria te contar algo a<br />
respeito <strong>da</strong> mulher que vais conhecer. Catherine e eu crescemos juntas. Somos<br />
amigas e nos queremos muito. Jamais conheci a um ser tão fiel nem tão<br />
protetor <strong>da</strong>queles que ama.<br />
—Mas? –alcançou a dizer Florence quando a duquesa fez uma pausa.<br />
—Mas sofreu uma grande decepção de jovem, com um homem. Aquilo a<br />
amargurou e possivelmente a transtornou um pouco. Já sei que não a julgará. É<br />
uma alma generosa. Mas seria preferível que não falasse muito de seu<br />
compromisso com Freddie, embora ela te pergunte. Preocupa-lhe muito que<br />
outras mulheres cometam o mesmo engano que ela cometeu.<br />
—Medirei minhas palavras – Florence prometeu, e sentiu que seu coração<br />
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se abria para aquela mulher que não tinha conhecido. Com que capaci<strong>da</strong>de<br />
poderia ela mesma calçar esses dolorosos sapatos! Com um cui<strong>da</strong>do maior do<br />
habitual, ajudou à duquesa a descer do carro. Era ela a mulher leal,pensou<br />
Florence, ao permanecer tão fiel a aquela amiga de infância.<br />
Uma cria<strong>da</strong> de vestido marrom de tecido cruza<strong>da</strong> e avental respondeu a<br />
sua chama<strong>da</strong> à porta. Era uma mulher tão inofensiva que Florence jamais tinha<br />
visto: jovem, mas tão robusta como um estivador. Seus olhos se viam<br />
apagados em um rosto cansado, e em seus braços se adivinhavam grossos<br />
músculos. Pensando na advertência de tia Hypatia, Florence se perguntou se<br />
acaso a tinham contratado porque com esses traços não atrairia aos homens.<br />
Dentro <strong>da</strong> pequena casa, a ordem cômica do jardim se voltava opressivo. A<br />
cria<strong>da</strong>, provavelmente uma mulher que se ocupava de todos os trabalhos,<br />
como tinha sido o caso de Lizzie, as conduziu a um pequeno salão. Os móveis<br />
estavam impecáveis, eram ordinários e na<strong>da</strong> acolhedores, ao estilo <strong>da</strong> época<br />
anterior à rainha. O gosto moderno só aparecia na abundância de bagatelas<br />
que cobria as superfícies lustrosas do salão. O efeito teria sido agradável se<br />
não fora pela precisão militar com que dispuseram ca<strong>da</strong> objeto. Os candelabros<br />
e os paninhos de adorno, as fotos de marco dourado e as lembranças de<br />
cerâmica pareciam um exército contra as forças <strong>da</strong> desordem. Inclusive os<br />
raios do sol que entravam pela larga janela não diminuíam o efeito de um<br />
controle rigi<strong>da</strong>mente disposto.<br />
Curiosamente, ao entrar, sua anfitriã caminhou <strong>da</strong>ndo grandes perna<strong>da</strong>s<br />
até a janela e fechou as cortinas.<br />
—É pelos tapetes –murmurou por cima do ombro, uma recriminação suave<br />
e lúgubre.<br />
A robusta cria<strong>da</strong> inclinou a cabeça.<br />
—Sinto muito, senhora. Pensei que a suas convi<strong>da</strong><strong>da</strong>s gostariam de luz.<br />
O sorriso mesquinho e triste de sua ama não se alterou. Posto que nesse<br />
momento não as olhava, Florence a estudou com interesse. Sua figura não era<br />
tão magra como tia Hypatia, mas tampouco tinha engor<strong>da</strong>do muito. Seu cabelo<br />
tinha ain<strong>da</strong> uma pita<strong>da</strong> de cabelos grisalhos e loiros entre seu rosto, agora<br />
amassado com a i<strong>da</strong>de, devia ter sido muito atraente. Seus traços ain<strong>da</strong><br />
transmitiam um sentido delicado, como uma fina boneca de porcelana. Seu<br />
vestido, nem na mo<strong>da</strong> nem visivelmente o contrário, era de uma se<strong>da</strong> negra<br />
ligeiramente desbota<strong>da</strong>, como se a viuvez a tivesse acompanhado a maior<br />
parte de sua vi<strong>da</strong>.<br />
A descrição que tia Hypatia fazia dela como uma mulher decepciona<strong>da</strong><br />
pelo amor não a tinha feito pensar em sua condição de viúva Acaso perder o<br />
marido em uma morte prematura tinha amargurado sua visão <strong>da</strong> instituição do<br />
matrimônio? Seu pai não tinha sido assim, mas possivelmente Florence não<br />
conhecia o suficiente <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> para saber as formas que podia adotar a dor.<br />
Se endireitou senta<strong>da</strong> no sofá verde e duro, esperando que a amiga <strong>da</strong><br />
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duquesa se voltasse para elas e as sau<strong>da</strong>sse. Entretanto, a mulher ain<strong>da</strong> não<br />
tinha terminado com sua cria<strong>da</strong>.<br />
—Bertha – disse, com uma voz ain<strong>da</strong> mais suave que antes—. Esse que vi<br />
na porta detrás esta manhã é o menino do açougueiro?<br />
Um ligeiro rubor se derramou sobre o rosto que a mulher mantinha<br />
inclinado.<br />
—Jeb só veio deixar a carne.<br />
— Você sabe o que penso no fato de que minhas cria<strong>da</strong>s tenham<br />
admiradores.<br />
—Sim, senhora. Eu não faria isso. Nunca.<br />
Florence começava a sentir pena pela mulher envergonha<strong>da</strong>. Quando a<br />
cria<strong>da</strong> voltou o olhar para as convi<strong>da</strong><strong>da</strong>s de sua senhora, Florence a olhou com<br />
um ligeiro sorriso. Se a cria<strong>da</strong> a viu, não mitigou seu mal-estar.<br />
—Deseja que traga o chá, senhora?<br />
A anciã deu uns tapinhas na cria<strong>da</strong> em seu enorme ombro.<br />
—Sabe que só penso em ti, Berta. Podem enganar uma mulher com muita<br />
facili<strong>da</strong>de.<br />
—Sim, senhora. O chá?<br />
—Claro, Berta. E utiliza as tenazes para arrumar os bolos. Já sabe que não<br />
tolero que deixe marcas. —Com aquelas palavras, a anfitriã finalmente se virou<br />
para elas. Tinha um sorriso encantador, inclusive aprazível, como uma monja<br />
que dedicou sua vi<strong>da</strong> à oração. Florence sentiu certa calidez por ela, apesar do<br />
curioso trato que <strong>da</strong>va a sua cria<strong>da</strong>. Se levantou e ofereceu uma reverencia tão<br />
encantador como foi possível. A mulher deu amostras de apreciar o esforço,<br />
porque seu sorriso se torceu ain<strong>da</strong> mais em suas bochechas.<br />
—Você deve ser Florence Fairleigh. Hypatia me tem escrito de suas<br />
inumeráveis virtudes. Eu sou Catherine Exeter, a Honorável senhorita Exeter,<br />
até que meu pai morreu. Mas essa é uma velha história. Espero que me chame<br />
Catherine, como faz minha velha amiga Hypatia. Por todos os estragos que<br />
contou, é como se já a conhecesse.<br />
—Seria... seria uma honra para mim –Florence gaguejou, lançando um<br />
olhar de assombro a tia Hypatia. Quando ela tinha contado a sua amiga? Se<br />
sentiu francamente confundi<strong>da</strong> quando voltou a se sentar.<br />
—É a prometi<strong>da</strong> de Freddie Burbrooke, não é assim? –perguntou Catherine,<br />
se inclinando como um pássaro na bor<strong>da</strong> de uma fina cadeira estofa<strong>da</strong> de<br />
branco e verde. Sua atitude demonstrava interesse, um interesse do mais<br />
correto mas genuíno.<br />
—Sim – respondeu Florence, lutando contra seu impulso de se voltar para<br />
a duquesa em busca de uma chave. Sabia que não devia parecer muito<br />
entusiasta—. Acredito que nos entendemos. É um homem muito bom.<br />
—Não me cabe dúvi<strong>da</strong> de que parece – disse Catherine—. Mas uma mulher<br />
nunca toma muitas precauções. O rosto mais amável pode esconder um<br />
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coração de pedra, especialmente quando esse rosto pertence a um Burbrooke.<br />
Aquelas palavras inusita<strong>da</strong>s fizeram emudecer Florence.<br />
—Catherine – disse a duquesa, com um ar de recriminação tão amável<br />
como o de sua amiga.<br />
Como se fosse uma brincadeira, Catherine soltou uma risa<strong>da</strong> musical, uma<br />
risa<strong>da</strong> que devia ter encantado os seus pretendentes jovem.<br />
—Tem razão, é obvio. Não devo esquecer que aquele ninho de víboras é<br />
sua família – Seus olhos lançaram um brilho de humor enquanto <strong>da</strong>va tapas no<br />
braço do divã junto à Hypatia—. Graças aos Burbrooke conheci você. Por isso<br />
sempre estarei agradeci<strong>da</strong>.<br />
—Nos duas podemos estar – disse Hypatia, respondendo ao sorriso de<br />
Catherine com o seu —. Agora me diga, velha amiga, que rumores perdi desde<br />
que estive em Greystowe na última vez?<br />
Aquele casal tinha muitas coisas do que falar e Florence se alegrou de<br />
renunciar à carga <strong>da</strong> conversa. Suas palavras estavam infesta<strong>da</strong>s de<br />
exclamações como ‘’não’’ e ‘’para que saiba, é ver<strong>da</strong>de’’ e ‘’quem teria<br />
pensado que ela faria algo assim?’’. Florence se <strong>da</strong>va conta de quão bem o<br />
estavam passando. Assim que o chá e os bolos foram como<strong>da</strong>mente dispostos,<br />
se levantou para passear pela moradia, tomando cui<strong>da</strong>do de não tocar em seus<br />
adornos.<br />
Um precioso clavicórdio adornava a esquina mais afasta<strong>da</strong>, com um hino<br />
antigo <strong>da</strong> igreja <strong>da</strong> Inglaterra aberto em seu suporte de livro. Florence se sentiu<br />
tenta<strong>da</strong> de se sentar e tocar, apesar de que sua habili<strong>da</strong>de não era na<strong>da</strong> fora<br />
do comum. Em seu lugar, tocou o marco prateado que adornava a única<br />
fotografia sobre a tampa. Uma jovem elegante com um delicioso vestido<br />
moderno olhava serenamente a Florence. A semelhança entre ela e Catherine<br />
Exeter era assombroso. Tinha o mesmo cabelo loiro lustroso, a mesma<br />
perfeição de boneca no rosto. O fotógrafo tinha captado não só sua beleza mas<br />
também sua confiança. Aquela era uma mulher segura de seus encantos. Se<br />
Catherine Exeter tinha tido esse aspecto de jovem, a Florence custava<br />
imaginar o homem capaz de decepcioná-la.<br />
—Ah –disse Catherine—. Vejo que encontrou a foto de minha sobrinha. É<br />
bela, não te parece?<br />
—Muito bela –conveio Florence.<br />
Sua anfitriã cruzou o tapete puído e se plantou detrás dela. Com a ponta<br />
do dedo, ajustou em um milímetro a foto que Florence acabava de deixar.<br />
—Me escreve to<strong>da</strong>s as semanas. Me mantém a par <strong>da</strong>s notícias <strong>da</strong><br />
socie<strong>da</strong>de. A maioria são tolices. Mas minha Eugenia é uma garota sensata.<br />
Está casa<strong>da</strong> tão bem como pode estar uma mulher, com sua cabeça e não com<br />
o coração. Seu marido procura tudo o que ela pode desejar.<br />
—O que... afortuna<strong>da</strong> – Florence disse, sem saber muito bem como devia<br />
responder. Apesar de suas palavras, Catherine Exeter franziu o cenho, como se<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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aquela imagem não a satisfizera de tudo.<br />
—Sim –disse pensativamente, com os lábios deprimidos—. Afortuna<strong>da</strong>. Faz<br />
com ele o que quer. É a única maneira de tratar um homem. Minha Imogene<br />
não seria tão ingênua para se apaixonar por um Burbrooke.<br />
Florence lançou um olhar de través a sua anfitriã, se sentindo perplexa por<br />
aquele tom curioso de sua voz. Dava a impressão de que tentava se convencer<br />
de algo que sabia que não era ver<strong>da</strong>de E que ofensas podia ter ela contra os<br />
Burbrooke? Já os tinha mencionado em duas ocasiões com tom depreciativo.<br />
—Catherine advertiu Hypatia, mas esta vez sua amiga não quis renunciar<br />
ao perigoso tema.<br />
—Não, Hypatia –disse, sem deixar de olhar Florence—. Esta garota tem o<br />
direito de saber no que se está colocando. Seja cui<strong>da</strong>dosa, não digo que<br />
Freddie seja o pior dos homens Greystowe. Deixo essa honra ao seu irmão. Mas<br />
o sangue é mau. Eles esfriam o coração e transforma suas línguas viperinas.<br />
Ninguém pode dominá-los, nem com a beleza nem com os encantos. Não<br />
duvide em tomar o que necessita deles, mas não dê sua confiança. Não dê seu<br />
amor. Se o fizer, passará o resto de sua vi<strong>da</strong> amaldiçoando aquele dia.<br />
Florence sentia que o coração pulsava descompassa<strong>da</strong>mente na garganta.<br />
Aquelas declarações <strong>da</strong> mulher puseram uma cor<strong>da</strong> que não podia silenciar.<br />
Tinha <strong>da</strong>do a Edward seu amor e é ver<strong>da</strong>de que amaldiçoava aquele dia. E<br />
Freddie, acaso podia ser frio? Era essa a razão de não ter respondido a seus<br />
beijos? Mas não. Desprezou seus temores. Freddie a queria, aquilo não se podia<br />
fingir. Quanto a Edward, tinha quebrado seu coração, seria culpa dela, não<br />
dele. Nunca tinha prometido na<strong>da</strong> a ela. Talvez tinha sido um homem<br />
temperamental e brusco, mas ela julgaria qualquer coisa que era um homem<br />
sincero.<br />
—Estou segura de que deve estar equivoca<strong>da</strong> –disse, com o fôlego um<br />
pouco entrecortado ante a intensi<strong>da</strong>de do olhar de Catherine —. Edward e ... e<br />
Freddie são homens muito bons.<br />
—Os melhores –acrescentou Hypatia. Também tinha levantado e agora<br />
apoiou uma mão amiga nas costas de Catherine—. Nenhum dos dois é como<br />
seu pai.<br />
Catherine sofreu um breve estremecimento antes que recuperasse a<br />
compostura.<br />
—Talvez –disse—. Mas deve me prometer —seguiu, e agarrou as mãos de<br />
Florence—, se alguma vez fizerem mal, se alguma vez necessitar de aju<strong>da</strong>, me<br />
fará a honra de vir me ver.<br />
Florence não tinha nem a menor ideia do que devia responder. Por sorte,<br />
tia Hypatia soltou as mãos com que Catherine apertava as de Florence.<br />
—Estou segura de que não será necessário –disse—. Minha afilha<strong>da</strong> é uma<br />
garota sensata.<br />
Sua amiga piscou.<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
—Bem. Muito bem. Me alegra ouvi-lo. Mas se necessitar, não duvide em<br />
perguntar por mim.<br />
A duquesa acariciou o pescoço de Catherine ali onde aparecia por cima <strong>da</strong><br />
se<strong>da</strong> negra enruga<strong>da</strong> do vestido. Para ela, era um gesto de ternura pouco<br />
habitual.<br />
—Possivelmente deveríamos ir, queri<strong>da</strong>. Não queremos abusar de sua<br />
hospitali<strong>da</strong>de.<br />
—Isso jamais – disse sua amiga com um sorriso cáli<strong>da</strong> mas firme—.<br />
Sempre serão bem-vin<strong>da</strong>s. Mas sei que certamente têm que fazer outras visitas<br />
Letty Cowless jamais me perdoaria isso guardo para mim sozinha. Tem dois<br />
netos novos, já sabe. São varões.<br />
Hypatia riu, relaxa<strong>da</strong>.<br />
—Certamente, não podemos privá-la de seu direito de se gabar.<br />
As duas mulheres se abraçaram e trocaram beijos afetuosos. Florence<br />
acreditava ver a sombra <strong>da</strong> juventude em seus sorrisos. A sereni<strong>da</strong>de de sua<br />
amizade de to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong>. De repente, lamentou a parti<strong>da</strong> de Merry Vance. Algum<br />
dia alguém a conheceria como Catherine e Hypatia se conheciam, alguém que<br />
perdoaria seus defeitos e entenderia suas manias?<br />
Esperou que o condutor fizesse estalar as rédeas sobre os lombos dos<br />
cavalos para pronunciar a pergunta que se insinuava em sua cabeça.<br />
—Catherine é a mulher que o pai de Edward repudiou, não é?<br />
—Sim –reconheceu Hypatia, retorcendo a palma <strong>da</strong> mão sobre o punho de<br />
sua bengala de marfim—. Um de seus numerosos pecados. O curioso é,<br />
acredito eu, que Stephen realmente a amava. Sempre tratava à mãe de<br />
Edward com distância, como se fora sua culpa ter nascido filha de duque. A<br />
pobre nunca soube que engano tinha cometido. Sempre atenta e tentando se<br />
insinuar com ele.<br />
Florence estremeceu apesar do calor. Logo rogou a Deus porque nunca<br />
conhecesse esse tipo de dor.<br />
Edward tinha percebido de que Florence não estava bem. Não estava se<br />
alimentando bem, havia dito Jenkyns. Não saía para montar, não ria, não se<br />
escapulia ao canil para mimar aos cães. Sem um indício de sua antiga<br />
ansie<strong>da</strong>de, seguia à duquesa em sua ron<strong>da</strong> de visitas locais, tomando chá com<br />
as anciãs como se a vi<strong>da</strong> não tivesse na<strong>da</strong> mais interessante que as<br />
lembranças dos netos ou a mulher do inquilino tentando fingir que um vestido<br />
que fazia dez anos era novo. Em uma ocasião, inclusive tinham ido visitar<br />
aquela velha lunática, Catherine Exeter, que vivia nessa casa cuja porta os<br />
meninos do povo não se atreviam a tocar. Pensando em sua história, Edward<br />
sabia que tinha que ser tolerante embora em uma ocasião aquela <strong>da</strong>ma tinha<br />
jogado em Freddie, com apenas três anos, um montão de maçãs podres. O<br />
tinha chamado de fruto do diabo, simplesmente porque tinha pulado por cima<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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Emma Holly<br />
de seu muro enquanto brincava de esconde-esconde. Mais tarde se desculpou,<br />
e sua mãe o tinha aceito, mas Freddie nunca a tinha perdoado. Ela não sabia<br />
tricotar as meias três quartos que tecia para os pobres ou que fora uma mulher<br />
temerosa de Deus.<br />
Se Florence podia visitar uma mulher como essa sem se queixar, algo mal<br />
estava sem dúvi<strong>da</strong> acontecendo.<br />
Inclusive tia Hypatia observou sua per<strong>da</strong> de vitali<strong>da</strong>de.<br />
—Sente falta de sua amiga? —perguntou em uma noite depois do jantar—.<br />
É uma pena que tenha tido que partir, mas Edward poderia se encarregar de<br />
suas aulas.<br />
Florence disse que não com a cabeça.<br />
— A única coisa que acontece é que tenho sau<strong>da</strong>des <strong>da</strong> minha terra. Suas<br />
amigas me recor<strong>da</strong> às <strong>da</strong>mas que conhecia em Keswick.<br />
—Ah –disse tia Hypatia.<br />
Edward tivesse querido se fazer eco de seu cepticismo. Ter sau<strong>da</strong>des <strong>da</strong><br />
terra não era a causa <strong>da</strong>s olheiras de uma jovem, nem a razão por que<br />
brincava com a comi<strong>da</strong> como se fosse um pássaro. Recor<strong>da</strong>va a última vez que<br />
Florence o tinha olhado diretamente aos olhos. Por incômo<strong>da</strong> que aquela<br />
intimi<strong>da</strong>de pudesse ser, se <strong>da</strong>va conta de que a desejava. O que queria dizer<br />
ao sacudir a cabeça ante a sugestão de que ele a aju<strong>da</strong>sse com suas aulas de<br />
equitação? Sabia que uma decisão como essa não era recomendável, mas que<br />
ela a desprezasse diretamente o irritou como se houvesse meio doido uma<br />
urtiga. Que jovem mais irritante. Acaso pensava que tinha enviado Merry Vance<br />
pra casa para incomodá-la?<br />
Seus dedos se fecharam sobre o beira <strong>da</strong> taça de vinho. Tendo em conta<br />
essa conduta no passado, pode pensar precisamente isso.<br />
—Amanhã sairá para montar comigo –anunciou—. Não deve esquecer o<br />
que aprendeste.<br />
Ela o cravou com um olhar de assombro e seus olhos brilharam como o<br />
berilo lustrado sob a chuva. Tinha esquecido o que seu olhar podia provocar<br />
nele, como parecia chegar ao mais íntimo e atirar diretamente entre suas<br />
pernas. Por debaixo <strong>da</strong>s sombras <strong>da</strong> mesa, sentiu que começava a crescer. A<br />
ponta de seu pênis se estirou pela perna de sua calça. Aquilo era uma on<strong>da</strong> de<br />
calor que não tinha na<strong>da</strong> haver com o caldo de ave picante. Desviou o olhar<br />
antes que o rubor chegasse a seu rosto.<br />
—Se realmente o deseja – ela disse, com voz silenciosa e respeitosa—.<br />
Será um prazer sair a montar contigo.<br />
Aquela deferência acabou de irritá-lo.<br />
—Se não o desejasse, não o teria perguntado –disse bruscamente.<br />
Sua tia franziu o cenho mas Edward ignorou sua pergunta não dita. Que o<br />
pendurassem se tinha que se explicar. Depois de um momento, a duquesa<br />
voltou sua atenção ao caldo picante de curry.<br />
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Emma Holly<br />
—Muito bem –disse, com uma voz de uma vez suave e seca—. Nós não<br />
queremos a prometi<strong>da</strong> de Freddie se aborrecendo.<br />
Edward se negou a pensar no que estava fazendo, embora suspeitasse<br />
que sua noite de insônia fosse devido a seus sonhos de ter Florence para ele<br />
sozinho. Ignorou o rápido batimento no coração de seu pulso quando a<br />
levantou para ajudá-la a montar. Hoje não aconteceria na<strong>da</strong>. Na<strong>da</strong>. Esta<br />
pequena excitação que sentia não era mais que desejos não confessados.<br />
Entretanto, os desejos se fizeram mais intensos quando observou o elegante<br />
toque que Florence tinha <strong>da</strong>do a seu traje. Levava o mesmo traje ajustado que<br />
o tinha deixado sem palavras em Londres, aquele que fazia que seu peito<br />
parecesse provocadoramente o de uma pomba e sua cintura um círculo que<br />
um homem podia rodear com suas duas mãos. Suas botas eram negras e<br />
passa<strong>da</strong>s os laços até a parte alta <strong>da</strong>s suas panturrilhas. Edward tentou não<br />
sustentá-la mais do que demorou para pôr o pé esquerdo no estribo.<br />
Não sabia se ficava agradecido ou irritado de não dirigir uma só palavra<br />
exceto para agradecer.<br />
Fez trotar o Sansón com um estalo, e se dirigiu para o limite norte <strong>da</strong><br />
proprie<strong>da</strong>de, havia as ruínas do antigo castelo de Greystowe. Submetidos à<br />
depre<strong>da</strong>ção do duque, suas terra se encolheu a uns poucos hectares. Quando o<br />
avô de Edward reconstruiu a fortuna <strong>da</strong> família, tinha saqueado a fortaleza em<br />
ruínas para arrancar suas pedras. Agora só se divisava seu perfil entre a<br />
maleza. A Edward seu pai havia o trazido aqui muitas vezes. Esta é a fruta <strong>da</strong><br />
bebi<strong>da</strong> do demônio, estava acostumado a dizer. Sucumbe ao licor e aos jogos<br />
de azar e terá assegura<strong>da</strong> sua destruição.<br />
Seu pai teria estremecido ao saber quão romântico esse lugar era para o<br />
jovem Edward. Ali, as lições do duque tinham deixado seu rastro, mas para<br />
Edward, aquele era um lugar onde as fa<strong>da</strong>s podiam <strong>da</strong>nçar ou os dragões<br />
lançar seu último fôlego. Não cabia dúvi<strong>da</strong> de que não deveria ter trazido<br />
Florence a um lugar tão significativo para ele, ou tão isolado, embora nesse<br />
momento custava se mostrar sensato.<br />
—Deus meu –se maravilhou ela, com seu suave acento rural—. Que lugar<br />
mais maravilhoso. Eu posso imaginar aqui, tendo combates imaginários com<br />
suas espa<strong>da</strong>s, um par de paus.<br />
—Paus de vassoura – confessou ele e fez virar o seu cavalo que soprava.<br />
Muitas mulheres teriam descartado as ruínas como um montão de rochas<br />
inúteis. Agora sua reação provocava um sentimento agradável. Decidiu que o<br />
reconheceria. E que o desfrutaria. Aquele seria um dia de prazeres inocentes.<br />
Por uma vez, não <strong>da</strong>nificaria o prazer de sua companhia com pensamentos de<br />
tudo o que não devia fazer. Quando a ajudou a descer de Nitwit, se permitiu<br />
deleitar no curto breve e enluvado de suas mãos. Seu corpo estava vivo em<br />
ca<strong>da</strong> célula, pulsando, zumbindo. O ar era mais doce, o chão mais flexível.<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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Emma Holly<br />
Só desejou que Florence pudesse compartilhar uma parte de sua alegria.<br />
Ela o seguiu enquanto caminhavam com os cavalos lado a lado ao longo<br />
<strong>da</strong> velha estrutura. Até agora, tinha seguido sem problemas. Edward logo que<br />
tinha tido que reter Sansón. Agora se perguntava se não devia felicitar por sua<br />
habili<strong>da</strong>de, mas aquilo teria sido um completo exagerado. Sem dúvi<strong>da</strong> Merry<br />
havia dito quanto tinha melhorado. Sem dúvi<strong>da</strong> ela mesma sabia.<br />
Se detiveram diante <strong>da</strong> perspectiva de uma vasta paisagem. Os campos<br />
enormes e os pastos para as ovelhas e, na distância nebulosa e ondula<strong>da</strong>, os<br />
primeiros indícios azuis dos picos. Edward tirou os freios dos cavalos. Sansón<br />
não iria longe e Nitwit não o abandonaria. Aquele potro era o amo do estábulo,<br />
e certamente o amo <strong>da</strong>s éguas. Como dois velhos amigos, os cavalos<br />
começaram a arrancar o pasto <strong>da</strong> mesma parte de terra. Florence observou<br />
como entrechocavam as ancas enquanto seus pensamentos estavam a<br />
quilômetros de distância, com uma expressão que não era triste mas sim mas<br />
bem vazia. Ao diabo com as consequências, pensou Edward. Não podia<br />
suportar vê-la tão desanima<strong>da</strong>.<br />
—Não quer contar o que aconteceu? —perguntou—. Já me dei conta de<br />
que há algo que te incomo<strong>da</strong>, além de sentir sau<strong>da</strong>des de sua terra.<br />
Se sua preocupação a surpreendeu, Florence não deu sinais disso.<br />
Ao contrário, ficou olhando como se estivesse tratando com um igual, um<br />
olhar que nunca tinha visto. Florence tinha a tendência de mostrar claramente<br />
suas emoções, mas neste caso, Edward não podia as ler.<br />
— Estive pensando nas mulheres –disse—. Nos sentimentos <strong>da</strong>s mulheres.<br />
Edward tossiu, sem saber se estava preparado para descobrir onde<br />
conduzia aqueles.<br />
—Os sentimentos <strong>da</strong>s mulheres?<br />
—Sim —. Florence pregou as mãos por diante <strong>da</strong> cintura, uma pose<br />
perversamente afeta<strong>da</strong>—. Estive me perguntando se supõe que têm as<br />
mesmas necessi<strong>da</strong>des que os homens, ou se esses sentimentos são exclusivos<br />
do sexo masculino.<br />
O rubor que Edward tinha conseguido esconder a noite anterior alastrou<br />
como fogo sobre sua pele. De to<strong>da</strong>s as coisas que podia perguntar! Não queria<br />
pensar no que tinha inspirado a pergunta, mas tampouco podia ignorá-la<br />
detrás constatar que aquilo a turvava visivelmente. OH, Deus, enfim... O que<br />
tinham estado fazendo ela e Freddie ultimamente? Com a intenção de ganhar<br />
tempo, passou a mão pelo cabelo.<br />
—Certamente que as mulheres têm sentimentos –disse—. Não poderia<br />
jurar que são os mesmos que têm os homens, mas a julgar pelas provas que vi,<br />
são muito similares.<br />
Florence não deixava de olhá-lo aos olhos.<br />
—Quem proporciona essas provas são mulheres normais e decentes?<br />
Não...? –disse, fazendo um gesto com o braço, teria <strong>da</strong>r um nome a essas<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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Emma Holly<br />
mulheres que tinham outra conduta.<br />
Este sinal de sua já conheci<strong>da</strong> insegurança deu asas a Edward. Pondo as<br />
mãos sobre o ombro, disse:<br />
—Se, mulheres normais e decentes. Bem nasci<strong>da</strong>s. De nobre berço. Nem<br />
deprava<strong>da</strong>s nem doentes mentais. Te asseguro, é bastante natural que uma<br />
mulher experimente um desejo físico.<br />
Florence apertou os lábios e agora desviou o olhar. De cima abaixo, se<br />
ruborizou com uma cor digna de uma rosa em flor.<br />
—Florence –Cedendo à tentação, Edward acariciou a calidez sedosa de sua<br />
bochecha. Aquela sensação despertou nele umas vontades de gritar de prazer,<br />
mas não por isso suas carícias se voltaram mais intensas. Sua voz se voltou<br />
mais pausa<strong>da</strong>. Essa era sua carícia. Essa era a expressão secreta de seu amor<br />
—. Acaso alguém te há dito que as mulheres decentes não sentem desejo?<br />
Ela negou com a cabeça, rápi<strong>da</strong> e definitiva, mas Edward não estava<br />
seguro de acreditar. Ele mesmo tinha visto panfletos, escritos por médicos,<br />
sustentando que as <strong>da</strong>mas de boa família não eram muito propensas ao leito<br />
nupcial.<br />
—É perfeitamente natural –repetiu—. Direi ain<strong>da</strong> mais, no ato amoroso,<br />
uma mulher tem direito ao mesmo prazer que um homem.<br />
A cor de suas bochechas se intensificou e virou do rosado ao escarlate. Por<br />
um momento, Florence não atinou a fazer outra coisa que morder o lábio<br />
inferior. E logo, voltou a olhá-lo nos olhos, com um gesto de valentia e<br />
determinação, mas com tal incerteza que ele desejou ter o direito a estreitá-la<br />
em seus braços.<br />
—Não entendo o que quer dizer –disse—. Não a propósito do ato amoroso.<br />
Eu cresci no campo. Mas o outro, a parte do prazer. Não... não estou segura de<br />
que a enten<strong>da</strong>.<br />
O grunhido de Edward teria feito ro<strong>da</strong>r umas quantas pedras se tivesse se<br />
atrevido a deixá-lo sair. No caso de qualquer outra mulher, haveria dito que<br />
falasse com seu noivo. Era mais recomendável que esse tipo de coisas se<br />
solucionassem entre marido e mulher. Infelizmente, o prometido de Florence<br />
era Freddie. Por muita populari<strong>da</strong>de de que gozasse seu irmão com o belo sexo,<br />
sua ver<strong>da</strong>deira experiência com mulheres era um mistério que Edward não se<br />
interessava em son<strong>da</strong>r. Saberia Freddie como responder às perguntas de<br />
Florence? Quereria fazê-lo se pudesse? Edward não queria pensar que seu<br />
irmão fora muito egoísta para manter a sua esposa na ignorância, mas se via<br />
obrigado a reconhecer que era possível que sentisse vergonha.<br />
Deus meu, pensou. Não deveria fazer isto. Nem sequer deveria pensar<br />
nisso.<br />
Entretanto, era muito provável que estivesse fazendo a Freddie um favor.<br />
Este apreciava Florence. Se ela chegava no leito conjugal com umas quantas<br />
ideias a respeito do que aconteceria, sua noite de bo<strong>da</strong>s talvez não seria a<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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Emma Holly<br />
catástrofe que Edward temia. <strong>Além</strong> disso, Florence merecia saber a resposta.<br />
Deixou escapar um suspiro e atraiu seu corpo tremente contra seu peito. A<br />
maneira em que ela se apoiou nele, confia<strong>da</strong> e suave, despertou nele e queria<br />
abraçá-la assim para sempre.<br />
—Eu te ensinarei –disse, com a garganta aperta<strong>da</strong>—. Mas só para que<br />
apren<strong>da</strong> e só se me prometer que isto ficará entre nós.<br />
Finalmente, tinha conseguido impressioná-la de ver<strong>da</strong>de. Florence se<br />
afastou um pouco a cabeça para olhá-lo no rosto, os olhos abertos muito<br />
grandes que eram, e a boca rosa<strong>da</strong> entreaberta.<br />
—Você me ensinará?<br />
Edward não pôde impedir tinha a desejado muito tempo, com algo mais<br />
que seu corpo, com algo mais que inclusive seu coração. Ela despertava nele<br />
aquela parte que não podia mu<strong>da</strong>r, que a amaria para sempre, sem importar o<br />
que a vi<strong>da</strong> proporcionasse aos dois. Com um gemido de prazer quase agônico,<br />
inclinou a cabeça e a beijou. Ela não resistiu. De fato, pareceu se derreter<br />
diante de seu contato. Sua boca, seu corpo, to<strong>da</strong> sua suavi<strong>da</strong>de pressionando<br />
aquelas partes delas que mais o necessitavam. A inespera<strong>da</strong> capitulação fez<br />
que qualquer ideia que não fora a fome abandonasse a cabeça de Edward. Não<br />
podia recor<strong>da</strong>r a diferença entre o que tinha pensado fazer e o que não tinha<br />
pensado. Só podia desejar, só podia apropriar do momento e não deixá-lo ir.<br />
A agarrou pelas nádegas e a levantou até entre suas pernas. Aquela<br />
pressão acrescenta<strong>da</strong> fez que sua ereção pulsasse tão intensamente que<br />
chegou a fazer mal. Entrou profun<strong>da</strong>mente em sua boca, necessitado de<br />
degustá-la, de reclamá-la, de saciar ca<strong>da</strong> instante de desejo desde que a havia<br />
tocado pela última vez. Quando mordiscou a língua, emitiu um ruído como o de<br />
uma pomba assusta<strong>da</strong>. Edward sentiu que sua cabeça girava. Florence o<br />
abraçava, seus braços o tinham pego pelas costas até pôr as mãos em seus<br />
ombros. Ele quis arrancar suas luvas e morder a ponta dos seus dedos. Queria<br />
tirar seu vestido e se afun<strong>da</strong>r para sempre em seu sexo. Em seu lugar, a<br />
abraçou com tanta paixão que Florence ficou sem ar.<br />
Não conseguia se obrigar a abandonar sua boca, nem sequer pedir<br />
desculpas por sua cruel<strong>da</strong>de. Com uma impaciência que já não podia controlar,<br />
e sabendo que não podiam ficar ali ao ar livre, a levantou e levou como a uma<br />
menina até o velho lar semi destruído.<br />
—O que... o que faz? –perguntou ela quando ele a deixou. O sangue<br />
queimava as bochechas e seus grossos lábios. Tinha soltado o cabelo, um<br />
brilho de cor amêndoa por cima de seus seios palpitantes. Em seus olhos ardia<br />
um desejo que, pensou Edward, talvez nem poderia nomear. Parecia uma<br />
perfeita libertina. Uma inocente libertina.<br />
Ele não podia responder a sua pergunta. Não sabia que fazia. Em seu lugar<br />
voltou a beijá-la, profun<strong>da</strong>mente, incrustando sua boca na dela até que<br />
Florence gemeu e fraquejaram as pernas. Com seu próprio peso, Edward a<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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Emma Holly<br />
sustentava contra a lareira, seus joelhos pregados para estar a sua altura, seus<br />
quadris penetrando lentamente procurando as suas. Tinha o membro tão<br />
endurecido, tão sensível, que parecia sentir ca<strong>da</strong> dobra de tecido entre eles.<br />
Florence também o sentiu. A pressão de seu pênis, rígido contra seu monte<br />
vênus. A carne entre suas pernas era muito cáli<strong>da</strong>. Estaria umedeci<strong>da</strong>, pensou<br />
ele. Estaria soluçando por ele.<br />
Com um grunhido, se abriu ain<strong>da</strong> mais profun<strong>da</strong>mente. Fincou as unhas no<br />
seu pescoço. Algo despertou em Edward, algo escuro e proibido. Ele a agarrou<br />
pelos braços, os afastou e os esmagou sobre sua cabeça contra as pedras<br />
aqueci<strong>da</strong>s pelo sol. A manteve sujeita pelas mãos como se suas mãos fossem<br />
grilhões, como se ela fosse a prisioneira de seus desejos. Aquela imagem deu<br />
com força de uma chicota<strong>da</strong>. Seu corpo inteiro clamou por possuí-la, ali,<br />
naquele momento e dessa maneira, até saciar seu prodigioso desejo.<br />
—O que faz? –voltou a perguntar ela, trêmula, com o fôlego entrecortado<br />
junto a seu queixo.<br />
Ele se afastou um pouco a cabeça, sem soltar seus pulsos. Quando falou,<br />
logo que reconheceu sua própria voz.<br />
—Estou te ensinando.<br />
—me ensinando?<br />
—O que é o desejo.<br />
—Mas... –Florence mordeu o lábio, agora inchado por seus beijos—. Isso já<br />
sei.<br />
Edward teria sido capaz de gritar ao sentir aquela descarga de luxúria que<br />
se fincou entre suas pernas. Teve que afastar um pouco o quadril por temor de<br />
gozar como um menino inexperiente. Entretanto, não deu possibili<strong>da</strong>de de<br />
escapar. Tampouco ela demonstrava muita vontade de querer fazê-lo. Apesar<br />
de seu evidente receio, permaneceu tal como ele a tinha deixado, as pernas<br />
ligeiramente abertas, os braços elevados obedientemente por cima <strong>da</strong> cabeça.<br />
Sua submissão, inclusive seu medo, era um afrodisíaco que ele se sentia<br />
resistente a reconhecer. Entretanto, não podia negar sua atração, nem<br />
tampouco podia escarpar dela. O melhor que podia fazer era tentar suavizar a<br />
dureza de sua voz.<br />
—O desejo é o primeiro –disse, e sua voz foi mais rouca do que tivesse<br />
desejado—. E logo, o prazer. Alguém se constrói com o outro. Depende do<br />
outro. –Soltou-lhe uma mão para agarrar a ardente plenitude de seu seio. O<br />
mamilo apontava visivelmente através de seu corpete. Ele virou a palma <strong>da</strong><br />
mão e se endureceu ain<strong>da</strong> mais—. Sente? A dor do desejo? Em seus seios?<br />
Entre suas pernas?<br />
Ela assentiu com a cabeça, tremente, e ele a beijou como recompensa. A<br />
beijou até que sua cabeça retumbava ao uníssono com seu membro, até que<br />
sua paixão brotou do peito com um grunhido primitivo e animal. Acariciou os<br />
seios, cravando a sensível ponta, arranhando apenas a auréola torci<strong>da</strong> com as<br />
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unhas. Ela começou a se retorcer contra a armadilha de seu corpo, não para<br />
escapar a não ser para obter mais. Ele sabia o que sentia. Ah, quanto sabia.<br />
Baixou a cabeça até seus seios e mordeu uma ponta.<br />
—Edward – ela disse com o fôlego entrecortado, o empurrando fracamente<br />
pelos ombros—. Acredito que esta parte a entendo bastante bem.<br />
Ele levantou a cabeça e encontrou seu olhar. Logo que era capaz de<br />
recuperar o fôlego.<br />
—Terei que te tocar para te ensinar o que é o prazer. Terei que pôr meus<br />
dedos entre suas pernas e acariciar seu pequeno púbis.<br />
—Me... meu púbis?<br />
Ele sorriu, apesar de si mesmo. Que inocente era. Levantou a curva do seu<br />
queixo.<br />
—Se preferir, poderia chamá-lo seu jardim do amor. Ou o corredor do<br />
Cupido. Ou possivelmente seu gorduroso pão-doce? – respondeu com um<br />
risinho—. Em qualquer caso, saberá o que é agora mesmo... se decidir me<br />
deixar seguir.<br />
Ela refletiu um momento, e logo ergueu os ombros.<br />
—Sim. Decido te deixar seguir.<br />
A tensão que sentia se relaxou. Que maravilha de garota valente que era,<br />
que fruta mais doce, virgem e suculenta. Seus lábios brincaram com os dela,<br />
deixando que seus fôlegos se misturassem em suspiros ca<strong>da</strong> vez mais<br />
precipitados, deixando que ela provasse a ponta de sua língua. Quando ela se<br />
queixou bran<strong>da</strong>mente, o deu mais. Quando gemeu, deu tudo. Quando viu que<br />
seus temores se desvaneceram, agarrou o vestido lentamente, sem esquecer<br />
as anáguas, abrigando suas pernas logo que vesti<strong>da</strong>s com as suas. Quando a<br />
massa de tecido chegou a sua cintura, ela se liberou do beijo.<br />
—Quer que eu tire o vestido? –murmurou.<br />
—Sim – ele disse, com a mesma suavi<strong>da</strong>de—. Acredito que necessitarei<br />
<strong>da</strong>s mãos.<br />
—Se as necessitar, terá que me soltar a outra mão.<br />
Ele deixou escapar uma risa<strong>da</strong> mu<strong>da</strong>. Inclusive nesse momento, o espírito<br />
prático de Florence não retrocedia. Levou a mão ain<strong>da</strong> prisioneira à boca, a<br />
banhou com a língua <strong>da</strong> ponta de sua luva, e mordeu a carne tenra sob seu<br />
polegar. Quando ela estremeceu, ele a imitou, endurecendo até que a dor de<br />
desejá-la ardia nos olhos como lágrimas. Quando a soltou, suas mãos tremiam<br />
tanto como as dela. Apertando os dentes, deu um passo atrás, para apreciar o<br />
que havia despido. Suas pernas, cobertas pelas finas meias de encaixe, eram<br />
tão largas e curvilíneas como ele recor<strong>da</strong>va, suas mãos pequenas entre o vulto<br />
azul do vestido. Suas botas, Edward fechou os olhos com um espasmo de<br />
desejo, ajustavam aos tornozelos com uma devoção de amante. Ele não tinha<br />
pensado cair de joelhos, mas suas pernas já não o sustentavam. Caiu e ela<br />
teve um sobressalto. Um segundo mais tarde , Edward se aferrava o tornozelo<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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Emma Holly<br />
de suas botas.<br />
—Ai –disse ela, quando seus dedos acariciaram o osso por debaixo do<br />
couro—. Ai, Meu deus.<br />
Ele sorriu quando viu que os dedos se enroscavam, e então deslizou as<br />
mãos para cima. Sua Florence era uma mulher sensível, um violino bem<br />
afinado. Apoiou a têmpora contra seu quadril e soprou bran<strong>da</strong>mente através <strong>da</strong><br />
grama que cobria seu monte de Vênus. Seu estremecimento provocou mais<br />
agrado que outro de seus gemidos em to<strong>da</strong> regra.<br />
—Só um pouco mais –anunciou, desenhando um sugestivo círculo em sua<br />
coxa—. Só um pouco mais e já verá.<br />
As coxas tremeram quando ele os acariciou. Agora podia cheirá-la, um<br />
suave e doce aroma de almíscar. Com o coração desbocado, procurou com a<br />
boca a abertura de suas meias. Suas mãos seguiram, afastando o algodão,<br />
encontrando os cachos robustos e entupidos. Ela se esticou mas não se moveu.<br />
Ele sentiu que o esperava com o fôlego entrecortado. Penteou seus pêlos com<br />
a mão para acariciar seu púbis. Que maravilhosos eram aqueles segredos, e<br />
que deleite que ela os compartilhasse com ele! Bran<strong>da</strong>mente, acariciou o tenro<br />
leito de pêlos, delica<strong>da</strong>mente, até que suas carícias a convenceram para se<br />
relaxar. Então passou o polegar, ligeiramente, por cima <strong>da</strong> tími<strong>da</strong> e quente<br />
dobra de seus lábios. Tensa ou não, Florence estava molha<strong>da</strong>. A umi<strong>da</strong>de<br />
banhava sua pele e a dela, rica e fragrante e refina<strong>da</strong>. Que ele tivesse o poder<br />
para despertar essa reação nela o fazia de uma vez humilde e o excitava.<br />
—Este é seu púbis –disse com voz grave e rouca—. Isso é os segredos em<br />
seu interior. Eu gostaria de tocá-los, se me deixar. Eu gostaria de te ensinar a<br />
magia que podem despertar.<br />
—Esta é a parte do prazer?<br />
Ele sorriu e beijou os cachos enre<strong>da</strong>dos.<br />
—Sim, esta é a parte do prazer—. Não ouviu protestos, separou suas<br />
dobras com os dedos, esfregando para dentro e para cima. Sua pele aqui era<br />
sedosa como o cetim, lubrifica<strong>da</strong> pelo desejo. Florence deu um salto quando<br />
roçou o clitóris. Voltando a sorrir, ele o pressionou ligeiramente, com a ponta<br />
dos dedos apertando em ambos os lados. Sua recompensa foi um violento<br />
estremecimento. Florence deixou cair uma mão sobre ele como se queria detêlo<br />
e, em segui<strong>da</strong>, com a mesma rapidez, a retirou.<br />
—Está seguro de que é aí onde tem que estar? –perguntou.<br />
—Estou seguro – ele riu, e apertou ain<strong>da</strong> mais forte. Desta vez, ela gemeu<br />
—. Este é o segredo do prazer <strong>da</strong> mulher. Este pequeno broto rosado de carne.<br />
—Mas o sinto tão estranho. Se... OH! –disse, quase sem fôlego, quando<br />
cobriu com sua boca aquela confluência de nervos. Florence inclinou os quadris<br />
para diante, com um apetite inocente. Edward sentiu que o sangue rugia nas<br />
orelhas. Ignorava que faria isso até que já estava consumado. Florence tinha<br />
um sabor amargo , a especiarias e a céu. Com a língua, ele seguiu a roçando.<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
Com os lábios, a chupou. Deslizou os dedos e esfregou seu sexo inchado.<br />
—OH – ela exclamou, e lançou a cabeça para trás se apoiando na ruína do<br />
muro—. Quase dói.<br />
Ele não prestou atenção às palavras, só ao tom, só à mão que encontrou<br />
seu cabelo para apertá-lo com mais força. A fez subir pela colina até o clímax<br />
saboreando ca<strong>da</strong> exultante surpresa, ca<strong>da</strong> gemido de desejo. Edward ansiava<br />
seu prazer como um homem faminto anseia a comi<strong>da</strong>. Esta era Florence. Esta<br />
era a mulher que ele amava. Recorreu a todos os conhecimentos que suas<br />
amantes tinham irradiado. Quando empurrar, quando provocar, quando<br />
murmurar coisas que queria fazer. Sobre tudo, escutava seu corpo. Seus<br />
tremores diziam o que agra<strong>da</strong>va, a tensão de suas coxas, sua mão ca<strong>da</strong> vez<br />
mais aperta<strong>da</strong> contra sua cabeça, para aquilo, nenhuma outra mulher podia<br />
guiá-lo. Esse ato pertencia só a Florence. Quando experimentou o clímax, sua<br />
alma se sentiu exultante diante de seu grito. Deslizou a ponta do dedo em sua<br />
abertura, sentindo as contrações em seu interior quando com a boca a fez<br />
gozar uma vez mais. Não tinha que fazer isto. Tinha ensinado o que tinha<br />
prometido. Mas não podia deixá-la ir. Isto era tudo o que teria dela. Aquele<br />
primeiro conhecimento de seu corpo. A primeira introdução ao gozo de<br />
Florence.<br />
Queria fazê-lo tão memorável como fosse possível.<br />
Ao quinto orgasmo, seus joelhos fraquejaram. Florence caiu contra ele,<br />
que não estava preparado e ambos ro<strong>da</strong>ram no chão. Seu corpo despertou<br />
frente ao prazenteiro impacto de seu peso, recor<strong>da</strong>ndo de repente que suas<br />
necessi<strong>da</strong>des eram tão capitalista como as dela.<br />
Mais poderosas, pensou, lutando contra o impulso de fazer algo mais que<br />
acariciar suas costas. A diferença dela, ele tinha degustado os prazeres que<br />
seu membro podia experimentar. Sabia como era deslizar dentro <strong>da</strong> calidez de<br />
uma mulher quando estava bastante duro para gritar.<br />
Certamente, nunca soube como era fazer com um coração bem preso pelo<br />
amor.<br />
Ele pensou que Florence estaria estendi<strong>da</strong>. Pensou que a estreitaria<br />
enquanto se acalmava. Ao parecer, Florence não queria se acalmar. Se<br />
retorceu contra seu corpo e mordeu na desci<strong>da</strong> do queixo. Seus lábios<br />
despertaram nele um pulso desbocado.<br />
—Me ensina – disse —. Me ensina como posso te agra<strong>da</strong>r.<br />
Aquilo era uma deman<strong>da</strong> que ele não se atrevia a satisfazer. Emitiu um<br />
ruído, um rangido grave e ameaçador à altura do peito.<br />
—Me ensina — ela insistiu. O cabelo caía e os envolvia aos dois em uma<br />
cascata de fragrância de limão.<br />
Ele não soube como aconteceu, mas seus pulsos agora voltavam a estar<br />
em suas mãos. As tinha encadeado, as estirou para os lados. Sabia que devia<br />
soltá-la. Sabia, mas não podia. Tinha as pernas estendi<strong>da</strong>s debaixo dela, cujas<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
coxas estavam abertas sobre seu sexo. Queria também as aprisionar, converter<br />
suas pernas em uma segun<strong>da</strong> armadilha.<br />
—Não me peça isso –disse, com os dentes apertados.<br />
Ela o beijou na boca, um beijo juvenil com uma pequena insinuação de<br />
língua.<br />
—M e parece que é justo, Edward.<br />
Essa maneira de pronunciar seu nome terminou de desarmá-lo. Grave e<br />
palpitante, como se tivesse um significado para seu coração. Fez ro<strong>da</strong>r até ficar<br />
por debaixo dele e a apertou contra o chão, com seu maior tamanho e peso.<br />
Agora a tinha. Agora já não podia escapar. Agarrou-lhe a cabeça entre as mãos<br />
e alimentou sua paixão através <strong>da</strong> boca.<br />
—OH –gemeu ela, procurando ar—. Me volta a doer.<br />
Ele esteve a ponto de ejacular. Teve que levantar os quadris e, quando o<br />
fez, Florence deslizou a mão pelo espaço aberto. Antes que pudesse detê-la,<br />
agarrou seu sexo duro e palpitante. Seu corpo respondeu com um<br />
estremecimento, uma descarga enorme que sacudiu os nervos. Era incapaz de<br />
falar devido ao esforço que requeria reter seu orgasmo. Começou a suar por<br />
todo o corpo.<br />
—Dói? – ela perguntou, o esfregando bran<strong>da</strong>mente acima e abaixo—. Dói<br />
quando fica assim grande?<br />
—Tira –pediu, com voz rouca—. Pelo amor de Jesus e Maria, abre minhas<br />
calças e o tira.<br />
Mas no final ele fez antes que ela pudesse se adiantar, lutando com os<br />
broches, quase rasgando o linho enrugado. Seu membro acabou entre as mãos<br />
de Florence como se conhecesse seu lar habitual. Estava grosso, quente e<br />
pulsava com um desejo incontrolável. Ela o colheu com delicadeza. Tinha a<br />
mão úmi<strong>da</strong> e cáli<strong>da</strong> e tão pequena que logo que alcançava a rodeá-lo à altura<br />
<strong>da</strong> raiz.<br />
—Florence –grunhiu Edward, e os músculos tremeram. Estava o matando,<br />
essa maneira ligeira e curiosa de agarrá-lo, se deslizando dos testículo até o<br />
prepúcio. As carícias eram quase muito, mas ele se sentia morrer por<br />
momentos. Ela pareceu se <strong>da</strong>r conta. O colheu com mais firmeza. O apertou<br />
em sua tenra mão , que logo fechou e deslizou a todo o comprido de seu<br />
membro.<br />
A ponta de sua cabeça pareceu se levantar do crânio. A pressão se<br />
acumulou entre suas pernas, inchando seus testículos, o prepúcio. O instinto<br />
tomou a substituição. Edward lançou uma imprecação, colocou a mão dentro<br />
dos calções para aplainar o caminho. E então empurrou. Com a ponta, tocou<br />
seus lábios separados. Agora estava a sua mercê e ele se sentia enorme.<br />
Desesperado. A um só movimento do orgasmo. Grunhiu e penetrou com a<br />
ponta em seu interior. Os nervos arderam e desataram uma gritaria sur<strong>da</strong>. Ela<br />
estava úmi<strong>da</strong>. Quente. Para ele. A terra pareceu tremer ante o abraço sedoso<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
de seu corpo.<br />
—Edward –alcançou a dizer ela, sem fôlego.<br />
Em sua voz apareceu o medo. Ele se manteve em cima, tremendo,<br />
desejando romper a frágil barreira e fazê-la sua. Ela o aceitaria, ele sabia. Seus<br />
fluidos o diziam. E ele morria por demonstrar o gozo que homens e mulheres<br />
podiam compartilhar, o ansiava mais do que ansiava respirar. Mas não podia<br />
fazê-lo. Não podia manchar a noiva de seu irmão. Nem sequer por amor.<br />
Com um grunhido de homem torturado, se desprendeu. Agarrou as pernas<br />
com os braços e apertou contra os joelhos. Só capturando a si mesmo podia<br />
impedir de tomá-la onde estava. Amaldiçoou até que pensou que<br />
possivelmente a tinha assustado.<br />
Ela demorou pra se sentar. Quando o fez, pôs a mão na nuca.<br />
—Vá – disse ele, ficando rígido ao sentir seu contato—. Vá agora antes que<br />
te faça mal<br />
Sem dúvi<strong>da</strong> já tinha feito mal. Sem dúvi<strong>da</strong> as palavras eram bastante<br />
duras. Ela se separou e se levantou. Com o coração dolorido, ele ouviu como se<br />
recompunha o vestido. Por um momento, ficou de pé junto a ele. Não<br />
questionou sua decisão, só acariciou o cabelo atrás do ouvido, um gesto mais<br />
doce do que ele desejava. Edward pensou que então diria algo, mas Florence<br />
se afastou caminhando em silêncio e o deixou com seus pesares.<br />
Meu deus, Meu deus, pensou Florence, e não parava de repetir as mesmas<br />
palavras. Teve que refrear Nitwit antes de chegar à casa, porque sentia os<br />
nervos destroçados. Alisou o cabelo tudo o que pôde, o prendeu com os<br />
grampos que encontrou em seu cabelo. Os lábios ardiam depois dos beijos de<br />
Edward, e tinha os peitos ain<strong>da</strong> quentes por seu contato. Em reali<strong>da</strong>de, todo<br />
seu corpo parecia vibrar com o prazer que o tinha ensinado.<br />
E quando ela o havia tocado...<br />
Sentiu que o sangue rugia sob a pele. Seu membro se alargou e se inchou.<br />
E ele tinha pressionado sua cabeça sedosa contra sua carne como se fora a<br />
morrer se não encontrava aquele lar dele.<br />
Agora levou a mão ali onde ele tinha aproximado sua boca. Seu púbis,<br />
assim o tinha chamado. Ain<strong>da</strong> estava quente, ain<strong>da</strong> pulsando e líquido, como<br />
se o prazer fora um som que perdurava ao longo dos anos.<br />
OH, Deus, o que tinha feito? Certamente, algo que nenhuma noiva<br />
respeitável deveria fazer.<br />
Aquele pensamento a deixou gela<strong>da</strong>. Acaso cometeria um engano se<br />
casando com o Freddie quando tinha estes sentimentos por seu irmão e não<br />
por ele? Entretanto, no que parece, Freddie não desejava uma esposa que<br />
tivesse esses sentimentos. Sem importar o que dissesse Edward sobre quais<br />
eram os sentimentos normais, não cabia dúvi<strong>da</strong> de que Freddie era uma<br />
melhor referência para saber como devia atuar uma mulher decente.<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
Afligi<strong>da</strong> por sua confusão, apertou as mãos contra a boca. Seu corpo e,<br />
sim, seu coração se sentia melhor do que nunca com Edward. O que não<br />
significava que ela devia escutá-los. Edward não oferecia segurança nem afeto<br />
nem na<strong>da</strong> que se assemelhasse a um futuro. Edward só oferecia dores de<br />
cabeça. Inclusive, se por algum milagre, chegasse a pensar nela como sua<br />
mulher, ele não tinha o que ela necessitava em um marido, o que sabia que<br />
necessitava no momento em que tinha encontrado a seu enorme e alegre pai<br />
chorando enquanto manuseava as luvas de sua mãe. Freddie era justo o que<br />
necessitava. A amizade de Freddie, o amor sereno e equilibrado de Freddie.<br />
Nunca romperia seu coração, nunca a privaria de tudo o que valia a pena na<br />
vi<strong>da</strong>. E ela podia ser o que ele necessitava. Sabia que podia.<br />
Só tinha que separar seu coração dos sentimentos que guar<strong>da</strong>va para seu<br />
irmão.<br />
Capítulo 11<br />
— A trata como se fosse uma monja – disse Edward.<br />
Reclinado contra um montão de travesseiros na cama, Freddie tentava se<br />
arranhar por debaixo <strong>da</strong> ven<strong>da</strong>gem com um taco. Na mesa ao seu lado havia<br />
duas romances abertos, além de um baralho de cartas, uma garrafa do porto,<br />
uma carta escrito pela metade e uma fonte de frutas que maturavam<br />
lentamente. Edward reconhecia aqueles sinais de aborrecimento, mas não<br />
sentia inclinação alguma por simpatizar com ele. Aborrecido ou não, Freddie<br />
tinha suas responsabili<strong>da</strong>des. E Edward tinha a firme intenção de que<br />
cumprisse com elas.<br />
Embora parte de sua irritação era dirigi<strong>da</strong> a si mesmo, aquilo não diminuía<br />
em na<strong>da</strong> as obrigações de Freddie.<br />
Sem que parecesse muito impressionado pela indignação de Edward,<br />
Freddie lançou um olhar de soslaio a seu irmão.<br />
—Florence te disse que se sente como uma monja?<br />
—Não importa o que me tenha dito. Isto não pode continuar assim.<br />
Freddie deixou o taco a um lado.<br />
—Com isso que pensa?<br />
—Sim, maldita seja!<br />
—Sabe uma coisa, Edward? –perguntou Freddie, inclinando a cabeça a um<br />
lado—, quando te zanga, tem uma veia azul muito grosa que te palpita no lado<br />
do pescoço.<br />
Edward lançou uma imprecação e afundou as mãos nos bolsos.<br />
Ele mesmo sentia a veia palpitante.<br />
—Tem que tomar isto a sério, Freddie. Florence é uma mulher. Uma mulher<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
saudável, afetuosa. Com tudo o que isso implica. Tem direito a ser trata<strong>da</strong> com<br />
certa calidez.<br />
—Se entender bem o que quer dizer por ‘’certa calidez’, preferiria não<br />
fazê-lo.<br />
Edward piscou.<br />
—Preferiria não fazê-lo.<br />
Freddie fez girar as pernas pelo lado <strong>da</strong> cama, com uma careta de dor<br />
quando demorou um momento em acomo<strong>da</strong>r a perna feri<strong>da</strong>.<br />
—Preferiria não empurrar Florence a uma relação física. Quero que possa<br />
se retratar destas bo<strong>da</strong>s mu<strong>da</strong>r de opinião.<br />
Edward se sentia tão afligido com seus reparos que se levou o punho<br />
apertado ao sobrecenho. Se Freddie não tomava uma decisão com respeito a<br />
Florence, Edward duvi<strong>da</strong>va que pudesse sobreviver ao verão com sua saúde<br />
mental intacta. Vê-la era muito doloroso. Saber que tinha necessi<strong>da</strong>des que<br />
Freddie não satisfazia, necessi<strong>da</strong>des que o próprio Edward se ocuparia de<br />
satisfazer com todo o prazer do mundo. Ao menos uma vez que estivessem<br />
casados, já não seria necessária sua supervisão. Podia deixar aos recém<br />
casados a seu livre-arbítrio. Seguia negando com a cabeça quando Freddie se<br />
aproximou coxeando e se apoiou em seu braço.<br />
—Não posso forçá-la. Não seria justo.<br />
—Ninguém está falando de usar a força. Florence te aprecia, e suponho<br />
que você a ela. Não irá dizer que te desagra<strong>da</strong>?<br />
—Certamente que não –respondeu Freddie, desviando o olhar.<br />
—Sente-se resistente porque pensa que fará sua vi<strong>da</strong> miserável?<br />
—Ninguém poderia pensar isso.<br />
—Então, deci<strong>da</strong>, Freddie. Trata-a como uma mulher. Algum dia terá que<br />
enfrentá-lo. Você gostaria de ter filhos, não?<br />
—Deus sabe que sim –Freddie falava com um sotaque agressivo. Inspirou<br />
ruidosamente e soltou um suspiro—. De acordo. Farei o que diz. Tratarei-a<br />
com... calidez. Mas não porei em interdição sua virtude. Não pode me pedir<br />
isso.<br />
—Não peço – Edward disse isso, e sentiu que o ventre se apertava, em<br />
aberta contradição com o alívio que teria que sentir. Eram boas notícias.<br />
Freddie pensava cooperar—. Só quisesse que deixe de tratá-la como se fosse<br />
seu irmão.<br />
—Serei um perfeito Casanova –replicou Freddie, com uma careta. Ato<br />
seguido, deu as costas—. Já pode ir. Já disse o que tinha que dizer, e duvido<br />
que seja o que realmente quer.<br />
Isto último o murmurou tão baixo que Edward não estava seguro de ter<br />
ouvido. A dúvi<strong>da</strong> o deteve na porta.<br />
—Certamente que é o que quero. Sua felici<strong>da</strong>de é importante para mim.<br />
—E a de Florence?<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
—E a de Florence –assentiu Edward, se obrigando a uma ligeireza que não<br />
sentia.<br />
Freddie não respondeu a isto, só permaneceu de pé, banhado por um raio<br />
de sol, fazendo equilíbrios com sua perna sã. A brisa agitava a camisa à altura<br />
de seus largos ombros de remador. Apesar de seu acidente, seu aspecto era<br />
forte, um jovem elegante na flor <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Entretanto, tinha a cabeça inclina<strong>da</strong><br />
em atitude de derrota.<br />
Edward apertou os dentes. Esse acerto seria o melhor para todos. Não<br />
podia <strong>da</strong>r o luxo de duvi<strong>da</strong>r. Qualquer que fosse o valor que pessoalmente<br />
atribuía aos prazeres <strong>da</strong> carne, segundo a moral <strong>da</strong> maioria <strong>da</strong>s pessoas,<br />
Freddie seria melhor marido. Sem maior esforço, Edward podia nomear até<br />
meia dúzia de mulheres que saltariam ante a possibili<strong>da</strong>de de se casar com<br />
ele, sem importar que fora o filho mais novo. Atento, divertido, de<br />
temperamento estável, se não fora pelas inclinações desafortuna<strong>da</strong>s de seu<br />
passado, Freddie seria um modelo de virtudes. Se desse a Florence uma<br />
oportuni<strong>da</strong>de para que seus encantos atuassem sobre ele, Freddie não tinha<br />
motivos para adotar essa atitude de derrota. Essa união era a salvação de<br />
todos seus sonhos.<br />
Os sonhos de todos menos os seus.<br />
Aquele pensamento burlou suas defesas como um ladrão. Com gesto<br />
grave e triste, Edward não emprestou importância. O duque de Greystowe não<br />
podia <strong>da</strong>r o luxo de an<strong>da</strong>r à caça de sonhos.<br />
Freddie convidou Florence para comer na estufa <strong>da</strong>s laranjeiras, alegando<br />
que tinham direito a gozar de um programa a sós. Florence se sentia de uma<br />
vez feliz e preocupa<strong>da</strong> diante <strong>da</strong> perspectiva. Acolhia de boa vontade a<br />
oportuni<strong>da</strong>de de demonstrar que podia superar seus sentimentos por Edward,<br />
embora sua culpa interferia em seu propósito de se concentrar em seu<br />
prometido. Jamais tinha feito na<strong>da</strong> tão terrível como o que tinha feito com<br />
Edward nas ruínas, muito menos tentar guardá-lo como segredo. Seu pai<br />
sempre dizia que um matrimônio não se podia fun<strong>da</strong>r em uma mentira, mas<br />
também dizia que devíamos pensar em quão profun<strong>da</strong> podia ser a feri<strong>da</strong> de<br />
uma ver<strong>da</strong>de. Se Freddie se inteirasse dessa ver<strong>da</strong>de, acaso destroçaria o amor<br />
que sentia por seu irmão? E se isso acontecia que consequências teria para<br />
Edward? Acaso devia contar a Freddie se prometesse de todo coração que<br />
jamais voltaria a acontecer?<br />
Custava discernir o passo que devia <strong>da</strong>r, por muito que tentasse, e a<br />
chega<strong>da</strong> de Freddie não foi de muita aju<strong>da</strong>. Pensando no propósito que Freddie<br />
tinha confessado, seu estado de ânimo era decidi<strong>da</strong>mente estranho. Falou com<br />
dureza a Nigel quando o mordomo o trouxe na cadeira de ro<strong>da</strong>s e o deixou na<br />
pequena estufa. O conflito não era na<strong>da</strong> novo, mas a aparência genuína de sua<br />
raiva sim era. Como sempre, Nigel o suportava estoicamente, e desejou a<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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Emma Holly<br />
Florence um agradável programa quando se retirou.<br />
—Freddie... –começou a repreendê-lo Florence.<br />
Ele respondeu com uma careta, e logo agitou a mão no ar frente a sua<br />
cara como se aquilo fora a limpar o mau humor.<br />
—Já sei. Sou uma besta. Mas a partir de agora, levarei bem.<br />
—Sempre te leva bem comigo.<br />
—Ao menos temos isso. Ai, queri<strong>da</strong>. Esqueçamos como começamos e<br />
tratemos de desfrutar <strong>da</strong> noite. —Freddie lançou um olhar sobre a mesa<br />
prepara<strong>da</strong> entre as laranjeiras. Três candelabros iluminavam o cristal e as<br />
bandejas, enquanto que um centro de mesa de peônias 12 rosa<strong>da</strong>s<br />
acrescentavam sua essência no ar perfumado de cítricos. Freddie tocou uma<br />
pétala de cera—. Que simpático acerto o <strong>da</strong> senhora Forster. Jantaremos como<br />
se vivêssemos no país <strong>da</strong>s fa<strong>da</strong>s.<br />
—foi Lizzie –corrigiu Florence—. Minha cria<strong>da</strong>. Temo que agarra uma veia<br />
romântica.<br />
Freddie sorriu.<br />
—Não há na<strong>da</strong> de mal no romance. Eu mesmo poderia abun<strong>da</strong>r nisso.<br />
Entretanto, o jantar não teve na<strong>da</strong> de romântico. O silêncio planejou sobre<br />
o caldo de lagosta e se alargou enquanto comiam o bolo de pombo. Freddie se<br />
atrasou com o sorvete de limão, contando uma diverti<strong>da</strong> anedota a respeito de<br />
um amigo que acidentalmente se trancou na câmara de gelo de seu pai.<br />
—Era um bom tipo –acabou dizendo com um suspiro triste—. Seu segundo<br />
filho nasceu o ano passado.<br />
—Você será um bom pai – assegurou Florence, <strong>da</strong>ndo uma palma<strong>da</strong> na<br />
mão.<br />
Aquela declaração possivelmente o constrangeu. Coçou um ponto entre as<br />
sobrancelhas. A suas costas, o vidro <strong>da</strong> estufa era um espelho recoberto de<br />
uma nevoa. Tinha escurecido enquanto jantavam. O ar vibrava com o zumbido<br />
dos insetos, como certamente acontecia desde a aurora dos tempos. Florence<br />
teve a repentina e curiosa sensação de que ela e Freddie estavam sozinhos no<br />
mundo. Não podia ouvir a vi<strong>da</strong> de Greystowe de onde estavam: o silvo dos<br />
abajures a gás, o ir e vir dos criados. Só os grilos para fazer companhia.<br />
Sua solidão imaginária pesava com uma intensi<strong>da</strong>de que não<br />
compreendia.<br />
Acaso se sentiria assim quando estivessem casados? Se sentiria solitária<br />
demais também? Desconcerta<strong>da</strong>, observou o reflexo de Freddie que jogava<br />
com uma colher de prata e nos restos de seu sorvete derretido.<br />
—Parece cansado –disse —. Quer que eu o chame Nigel para que te leve<br />
de volta à casa?<br />
—Não – ele disse, com mais brutali<strong>da</strong>de do que ela esperava. Ele também<br />
pareceu se precaver de sua rudeza, e se desculpou—. Me perdoe Florence. Não<br />
12<br />
- peônias = Tipo de Flor<br />
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tinha intenção de que nosso jantar acabasse assim. Quero dizer... –Na<br />
expressão de seu rosto ela só pôde decifrar frustração—. Tinha me proposto<br />
um pouco muito diferente, mas me parece não sou capaz de levar a cabo<br />
minhas intenções.<br />
Agarrou as bor<strong>da</strong>s <strong>da</strong> mesa, o polegar para baixo e os outros dedos acima.<br />
Era a posição de alguém que se preparava para enfrentar um problema, e<br />
Florence se deu conta de que ela tinha adotado a mesma atitude.<br />
—Florence – ele começou—. Estive pensando no que aconteceu ontem.<br />
Em nosso beijo.<br />
Ela sentiu que o pavor batia as asas no peito. Estava zangado? Acaso a<br />
olharia mal pelo que tinha feito?<br />
—Já sei que não deveria ter sido tão direta disse, olhando o guar<strong>da</strong>napo<br />
em sua saia—. Prometo que não voltará a acontecer.<br />
Freddie tocou um lado <strong>da</strong> cabeça inclina<strong>da</strong>.<br />
—Não peça desculpas. O que fez não estava mau. Não quando se trata de<br />
um casal que se quer, e que estão comprometidos.<br />
—Então, o que tenho feito que te incomo<strong>da</strong>? –Não tinha a intenção de<br />
pronunciar a pergunta com um grito, mas esse foi o resultado—. Se você me<br />
dissesse do que se trata, eu pararia.<br />
—Ah, Florence – ele disse, e agarrou seu queixo para estampar um suave<br />
beijo em seus lábios trementes—. É muito boa, queri<strong>da</strong>. Por isso tenho que te<br />
dizer isto.<br />
—me dizer o que?<br />
—Que não deve esperar... Que eu não sou... –Encheu os pulmões de ar e<br />
voltou a começar—. Não sou um homem muito físico. Por favor, me acredite<br />
quando digo que te aprecio, inclusive te amo, e que te desejo to<strong>da</strong> a felici<strong>da</strong>de<br />
do mundo. Mas se o que desejas do matrimônio é uma estreita relação física,<br />
temo que está destina<strong>da</strong> a se decepcionar comigo. Acredito que seria preferível<br />
que te voltasse atrás.<br />
Florence se sentiu como se houvesse <strong>da</strong>do um golpe. Ele queria que ela se<br />
voltasse atrás? Que renunciasse a tudo o que tinha sonhado? Uma casa,<br />
família, um pouco de segurança e um homem bom e generoso para<br />
compartilhá-la? Ser rechaça<strong>da</strong> pelo Edward era uma coisa. Por aquilo, culpava<br />
a sua própria estupidez. Mas, que o fizesse Freddie, onde ela se acreditou a<br />
salvo, onde tinha depositado suas modestas esperanças com a absoluta<br />
confiança de que se cumpririam, aquilo era algo para o qual não estava<br />
prepara<strong>da</strong>. Seu ente era incapaz de abranger seu assombro, sem falar de sua<br />
vergonha. Uma vez mais. Uma vez mais, marginavam-na.<br />
Devia ser um castigo pelo que tinha feito. Ela tinha feito um voto de<br />
fideli<strong>da</strong>de para com Freddie muito tarde. Seu guar<strong>da</strong>napo caiu no chão quando<br />
se levantou bruscamente.<br />
—Não quer se casar comigo.<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
—Não – Freddie recolheu as mãos e as apertou—. Não é isso o que quis<br />
dizer. Para mim seria uma honra me casar contigo. Não tem nem ideia de<br />
quanto valorizo seu afeto. Mas estive pensando, possivelmente, você não<br />
deveria ter vontades de se casar comigo.<br />
O sangue de Florence se converteu em gelo, e os olhos ardiam a mais não<br />
poder. Ela sabia que ele se comportava generosamente. Assim era ele, um<br />
cavalheiro até o final. Não merecia se casar com um homem como ele.<br />
—Se assim o deseja –declarou, piscando para não mostrar as lágrimas—, o<br />
liberarei de sua promessa.<br />
Soltou as suas mãos.<br />
—Não se trata do que eu desejo, Florence.<br />
Ela não podia suportar suas gentis mentiras.<br />
—Por favor, me deixe –pediu, com to<strong>da</strong> a digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> que podia fazer<br />
provisão—. Quero estar sozinha.<br />
—Está segura, queri<strong>da</strong>? Poderia....<br />
—Por favor – ela repetiu, o interrompendo.<br />
Apenas se precaveu dos problemas que ele teve para fazer virar a cadeira.<br />
Era um aparelho difícil de dirigir, que devia empurrar uma segun<strong>da</strong> pessoa.<br />
Com um esforço, Freddie conseguiu levar aquele engenho até a porta.<br />
—Falarei contigo na manhã. Por favor, Florence, não deci<strong>da</strong> na<strong>da</strong> sem<br />
mim.<br />
Ela assentiu com um gesto de cabeça, incapaz de confiar em sua própria<br />
voz.<br />
Não chorou até que os grilos afogaram o ruído <strong>da</strong>s ro<strong>da</strong>s.<br />
Edward permaneceu na biblioteca até muito depois de que seu interesse<br />
por seus livros se desvaneceu. Seu aposento privado se encontrava na ala<br />
destina<strong>da</strong> à família e o corredor exterior cruzava diretamente por um lado <strong>da</strong><br />
estufa. Não tinha sido sua intenção escutar Freddie e Florence, nem recor<strong>da</strong>r<br />
sua existência. O resultado era que ali estava agora, um espectro junto à alta<br />
janela francesa, em suas mãos uma taça de conhaque, a segun<strong>da</strong> dessa noite.<br />
Tinha ordenado aos criados para não perambular perto do casal. Com o<br />
estômago fazendo um nó, se virou para aquele ponto onde a estrutura de ferro<br />
e vidro ficava em seu horizonte visual. Não podia distinguir grande coisa<br />
através <strong>da</strong> folhagem, apenas uma tênue brilho de velas. Levavam uma hora ali<br />
dentro será que Freddie a estava beijando? Sussurrando doces frases ao<br />
ouvido? Certamente, Edward devia esperar que assim fora. Devia esperar que<br />
Freddie a fizesse se sentir no céu.<br />
Nem se dizer que isso não era o que realmente esperava.<br />
Acabou seu conhaque de um só gole, logo olhou para trás, para a larga<br />
habitação revesti<strong>da</strong> de prateleiras e livros. Podia passear como o tinha feito<br />
mais cedo. <strong>Além</strong> dos herbários e dos gregos. Subindo pela galeria e descendo<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
pela esca<strong>da</strong> de caracol. Poderia lançar olha<strong>da</strong>s ira<strong>da</strong>s ao Platón e Plinio que<br />
emprestavam digni<strong>da</strong>de à entra<strong>da</strong> <strong>da</strong> biblioteca. Inclusive poderia folhear as<br />
ridículas novelas góticas <strong>da</strong> duquesa e se abandonar na risa<strong>da</strong>.<br />
Não fez nenhuma destas coisas. Como um parvo, ficou com o nariz<br />
virtualmente esmagado contra o vidro, observando um fulgor incerto e distante<br />
que não dizia absolutamente na<strong>da</strong>, embora de to<strong>da</strong>s as maneiras conseguisse<br />
torturá-lo.<br />
De repente se ergueu, e sentiu ca<strong>da</strong> músculo se esticando, alerta. A porta<br />
exterior <strong>da</strong> estufa se abriu. Agora viu que aparecia uma figura. Era Florence.<br />
Estava sozinha.<br />
Qualquer outra pessoa teria pensado que tinha decidido <strong>da</strong>r um passeio<br />
absorta em suas reflexões. Caminhava pausa<strong>da</strong>mente. As dobras de seu<br />
vestido desordenado a seguiam se arrastando sobre a erva. Só olhos<br />
agonizados pelo amor podiam perceber a rigidez de seus passos, como uma<br />
marionete dirigi<strong>da</strong> por cor<strong>da</strong>s pouco amigáveis.<br />
Quando passou a manga pelos olhos, Edward soube que tinha estado<br />
chorando.<br />
Não parou para pensar, nem sequer se perguntar o que tinha feito seu<br />
irmão. Saiu correndo, cruzou a porta francesa e seguiu pelo pórtico de colunas.<br />
Quando chegou ao prado, lançou um olhar nervoso mais à frente do espaço<br />
iluminado pelos abajures de gás. A viu se mover para a entra<strong>da</strong> <strong>da</strong> casa, para o<br />
lago.<br />
Com o fôlego mais entrecortado do que teria sido normal com esses<br />
pequenos esforços, se apressou em a seguir. Agora caminhava mais rápido. Se<br />
adiantava muito mais do que ele esperava. Nos borrados intervalos de seus<br />
pensamentos, sabia que sua atitude era ridícula. Uma mulher que soluçava não<br />
necessariamente queria nem tinha que ser resgata<strong>da</strong>. Tampouco seriam muitas<br />
as mulheres que se inclinariam por seus cui<strong>da</strong>dos se tivessem compartilhado a<br />
experiência que Florence tinha tido com ele. Mas não podia correr o risco de<br />
que ela tivesse sau<strong>da</strong>des de seu consolo e ele não estivesse ali para <strong>da</strong>r. Ele<br />
tinha que estar ali se ela o necessitava.<br />
Ele diminuiu quando a viu subir pela ponte que conectava a margem do<br />
lago à ilha. O pescoço esticou. Aonde ia? O que pretendia? Seguro que não<br />
pensaria em se lançar <strong>da</strong> ponte. Seja lá o que tinha acontecido, não podia ser<br />
tão grave. Apesar desta lógica, seus ombros não se relaxaram até que a viu<br />
cruzar o ponto médio do arco. Um dos cisnes adormecidos agitou suas asas em<br />
protesto. Pronunciando uma sur<strong>da</strong> imprecação, Edward a seguiu.<br />
Quase a perdeu no outro lado. Florence devia ter olhos de gato. Se Edward<br />
não conhecesse tão bem os atalhos <strong>da</strong> ilha, teria se perdido. Agora, teve que<br />
afinar o ouvido em um par de ocasiões para escutar o farfalhar de seu vestido<br />
nas pedras antes de saber onde tinha ido. Já havia começado a desenhar, altas<br />
e sombras escuras na noite no meio do campo. Florence não vacilou em<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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Emma Holly<br />
nenhum momento. Ele se deu conta de que se dirigia à casa de verão, como se<br />
sentisse atraí<strong>da</strong> por um farol invisível para ele.<br />
Agora, sentindo mais curiosi<strong>da</strong>de que alarme, se separou do atalho<br />
quando ela agarrou o pomo <strong>da</strong> pesa<strong>da</strong> porta mourisca. Não se moveu. Tentou<br />
novamente, e logo golpeou a madeira por debaixo do crescente de vidro.<br />
Quando viu que não conseguia na<strong>da</strong>, se deslizou soluçando a um banquinho.<br />
Aquilo era mais que suficiente para induzir Edward a <strong>da</strong>r a conhecer sua<br />
presença ali.<br />
Saiu <strong>da</strong>s sombras. Florence não pareceu na<strong>da</strong> surpreendi<strong>da</strong> de vê-lo.<br />
—Está fecha<strong>da</strong> –avisou, zanga<strong>da</strong> como uma menina contraria<strong>da</strong>.<br />
—Não está fecha<strong>da</strong>. É muito pesa<strong>da</strong>. E as dobradiças provavelmente<br />
estejam oxi<strong>da</strong><strong>da</strong>s.<br />
—E bem, então abre, maldita seja. –Aquela imprecação em seus lábios<br />
tinha um ar divertido, e teve que fazer um esforço para não sorrir. Florence<br />
tinha levantado e agora sorvia ruidosamente as lágrimas. Edward se perguntou<br />
se tinha a intenção de golpeá-lo, como essa noite antes do baile dos Vance.<br />
Certamente, parecia bastante tenta<strong>da</strong> de fazê-lo.<br />
Até ali chegava sua oferta de consolo, pensou, mas fez o que lhe pediu,<br />
apesar de que teve que apoiar o pé no muro e empurrar. Finalmente, com um<br />
sonoro chiado de protesto, a pesa<strong>da</strong> porta cedeu.<br />
Uma nuvem de pó os fez tossir os dois. Aquele edifício tinha sido o retiro<br />
de seu avô <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> familiar e, mais tarde, também tinha sido o refúgio de seu<br />
pai. Era um lugar de entrevistas secretas, uma sala de fumar, um refúgio para<br />
os vícios masculinos. Edward e Freddie tinham jogado às cruza<strong>da</strong>s em seu<br />
interior quando eram pequenos, mas após tinha passado muito tempo.<br />
Felizmente, havia uma pederneira e uma vela ain<strong>da</strong> na estante junto à porta.<br />
Edward acendeu a vela e se aventurou a visitar a enorme sala redon<strong>da</strong>.<br />
O azeite que queimava nos candelabros tinha um aroma rançoso, mas<br />
ain<strong>da</strong> queimava bem. Em segui<strong>da</strong> um fulgor amarelado iluminou um montão<br />
de almofa<strong>da</strong>s de cetim e tapetes de lã de se<strong>da</strong> e colunas orientais retorci<strong>da</strong>s.<br />
Não mais grosso que o braço de um homem, e adornado com flores que nunca<br />
cresciam, os pilares de ferro forjado tinham sido pintados para parecer de<br />
pedra. Umas mesas octogonais baixas com espelhos engastados na madeira<br />
falavam de ágapes servi<strong>da</strong>s estendidos no chão. Um narguile gordurento<br />
descansava sobre uma delas, sua mangueira enrosca<strong>da</strong> como uma serpente<br />
adormeci<strong>da</strong> em torno do cilindro de vidro. As cores <strong>da</strong> habitação eram ricas e<br />
escuras. Safira. Carmesim. O verde do pinheiro escurecido. O pó cobria todo<br />
aquele desdobramento decadente, ocultando a exótica madeira e recobrindo a<br />
pedra verde poli<strong>da</strong> que aparecia entre os tapetes. Entretanto, isto não inibiu<br />
Florence, que olhava tudo com enormes olhos.<br />
Boquiaberta, as bochechas tingi<strong>da</strong>s pelas lágrimas secas ficou olhando o<br />
arco de filigranas em cima de sua cabeça. Edward quase se imaginava as<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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Emma Holly<br />
visões de haréns que desfilariam por seu pensamento. Antes que começassem<br />
a desfilar pelo seu, pigarreou.<br />
—Posso te perguntar por que teria tanta vontade de entrar aqui?<br />
Ela se voltou para manusear um tecido carmesim recoberto de cogumelos.<br />
Ele suspeitava que tinha vergonha.<br />
—Suponho que pensei que passaria a noite aqui.<br />
— Porque ...?<br />
—Não adote esse tom comigo – ela disse, sua irritação tingi<strong>da</strong> pelo<br />
cansaço—, como se fora uma menina choramingando por uma boneca<br />
quebra<strong>da</strong>.<br />
Ele não atinou a responder ao princípio. Ficou mudo ao vê-la no lugar onde<br />
seu pai celebrava seus encontros, seu perfil logo que iluminado pela luz do<br />
abajur, sua figura suficiente para alimentar os sonhos de uma dúzia de<br />
gerações. Se sentia estranhamente próximo a ela, apesar de que<br />
evidentemente tinha cometido uma indiscrição. Mesmo tendo sau<strong>da</strong>des de sua<br />
recusa, pensou, e afogou uma risa<strong>da</strong> ante essa absur<strong>da</strong> ideia.<br />
—Me perdoe –disse, escondendo qualquer indício de humor—. Não tinha<br />
intenção de diminuir a importância de seus problemas. Por favor me diga o que<br />
acontece. Talvez Freddie tenha feito algo que te ofendeu?<br />
A resposta de Florence o pegou de surpresa. Deu um passo para se<br />
aproximar.<br />
—Não pode ter dito isso. Ele não diria isso.<br />
—Claro que não diria. O que em reali<strong>da</strong>de disse é que não deveria querer<br />
me casar com ele. “Destina<strong>da</strong> a te decepcionar comigo’’, isso foi o que disse –<br />
Florence se virou para olhá-lo com as costas apoia<strong>da</strong> no tecido de se<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />
parede. Como se sua confissão recor<strong>da</strong>sse seu mau gole, cobriu o rosto com as<br />
mãos. Um momento mais tarde, as deixou cair, resigna<strong>da</strong>.<br />
—Não sei o que farei —disse—. Tinha esperado... muito, disso não cabe<br />
dúvi<strong>da</strong>. As dívi<strong>da</strong>s me afun<strong>da</strong>ram. Não posso me <strong>da</strong>r o luxo de procurar outro<br />
marido, inclusive caso que alguém quisesse um bem que foi rechaçado.<br />
Suponho que no que diz respeito a mim, posso encontrar algum tipo de saí<strong>da</strong>,<br />
mas isso não soluciona a pergunta do que fazer com Lizzie – O lábio inferior<br />
tremeu e ela o mordeu—. Se há sentido tão a gosto, Edward. Desde que<br />
Freddie me propôs matrimônio, começou a acreditar que sua vi<strong>da</strong> será feliz.<br />
Uma solitária lágrima rodou por sua viçosa bochecha. Edward viu que<br />
havia nisso um pouco mais doloroso que meros soluços. Sabia que era Florence<br />
a que tinha começado a imaginar uma vi<strong>da</strong> feliz. Sem se deter pensar no<br />
preço, abriu os braços.<br />
—Veem aqui –disse. Como se ela tivesse estado esperando to<strong>da</strong> uma vi<strong>da</strong><br />
a oferta, correu para ele com um pequeno grito misturado com soluço. Seus<br />
braços se prenderam com força de suas costas. Seu corpo tremia mas estava<br />
quente. Se acoplou ao casaco de seu peito como se Deus o tivesse criado para<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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Emma Holly<br />
aquele abraço. Mais feliz do que tinha direito de estar, Edward esfregou a<br />
bochecha contra seu cabelo—. Já encontraremos uma solução. Sei que Freddie<br />
não tinha intenção de dizer o que você acredita.<br />
—Sim era sua intenção – ela insistiu, o rosto apertado contra sua camisa<br />
—. Estou segura. Tampouco me quer. Quando o beijei, pois... Digamos que não<br />
<strong>da</strong>va a impressão de que me quisesse em sua cama. OH, dá-me igual, maldita<br />
seja!<br />
Com um empurrão furioso, se separou de seu abraço.<br />
—O que tem de mau em mim? –perguntou, com os braços abertos para se<br />
destacar a si mesmo—. Qual é o defeito fatal que os homens de Greystowe<br />
encontram tão repulsivo? Acaso sou muito gor<strong>da</strong>? Muito magra? Ou<br />
possivelmente sou muito aborreci<strong>da</strong>? Não pode ser minha ousadia, porque não<br />
sou uma mulher atrevi<strong>da</strong> e, em qualquer caso, você gostou quando Merry<br />
Vance se comportou como uma atrevi<strong>da</strong>. Se não, se até deu de presente meu<br />
cavalo!<br />
Edward se viu obrigado a sorrir ao ouvir isso. Com que aquilo a tinha<br />
irritado? Ao ver seu sorriso, Florence cruzou seu braços e pareceu tão perigosa<br />
como podia parecer bela e doce filha de um pároco. Sabia que tinha chegado o<br />
momento de suavizar seu orgulho ferido gravemente.<br />
—Não é ver<strong>da</strong>de que dei de presente o cavalo. Deixei que o montasse.<br />
Sobre tudo porque ela supunha que essa era minha intenção, e me era<br />
absolutamente impossível explicar por que tinha feito uma compra tão<br />
extravagante para a prometi<strong>da</strong> de meu irmão.<br />
Essa, finalmente, era a explicação mais adequa<strong>da</strong> que podia <strong>da</strong>r. Florence<br />
inclinou a cabeça e arrastou seu sapato pelo pó.<br />
—É ver<strong>da</strong>de que comprou Buttercup para mim?<br />
—Sim, fiz isso.<br />
—E também fez pendurar esse quadro em meu quarto, que sabia que me<br />
tinha fascinado?<br />
—Sim.<br />
—Suponho que, na reali<strong>da</strong>de, não é um ogro. –Afundou a cabeça ain<strong>da</strong><br />
mais, afogando aquela confissão—. Suponho que também te sentirei falta.<br />
Começou novamente a chorar. Os olhos de Edward também arderam<br />
quando a estreitou contra ele. Sem dúvi<strong>da</strong> era um gesto temerário, mas não se<br />
importava.<br />
—Shhh – ele disse, e aproximou os lábios a sua cabeleira—. Não, ninguém<br />
sentirá falta de ninguém. Se casará com Freddie e ficará aqui.<br />
Ela sacudiu a cabeça contra sua camisa úmi<strong>da</strong>.<br />
—Não posso obrigar que se case comigo. Não se ele não o deseja.<br />
—Estou seguro de que o deseja. –Como se tivessem vontade própria, seus<br />
lábios encontraram a suave pele de bebê de sua têmpora. Florence estreitou as<br />
costas.<br />
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—Não o deseja. Você gosta mais me beijar que ele.<br />
—Estou seguro de que isso não é ver<strong>da</strong>de – ele murmurou, apesar de não<br />
estar seguro de sua negação. Sua boca tinha chegado no rosado lóbulo <strong>da</strong><br />
orelha. Tentou convencer a si mesmo para não mordê-la.<br />
—É ver<strong>da</strong>de –insistiu ela—. Sei que é um cavalheiro, Edward. Mas é<br />
possível Freddie ter algum problema físico?<br />
Aquilo despertou seu alarme. Ele se levantou e desfez o abraço de ambos.<br />
—Freddie não tem nenhum problema. Absolutamente nenhum.<br />
—Então tem que ser eu. Não sou bastante mulher para fazer que me beije.<br />
—Meu Deus – gemeu Edward—. É bastante mulher e já pode me acreditar.<br />
Ela entrecerrou os olhos.<br />
—Você não me desejava. Ao final, não.<br />
—Sim te desejava. Como te desejei desde que nos conhecemos.<br />
—Mas parou!<br />
—E quase morri ao tentar. –Edward atraiu os quadris de Florence para ele,<br />
para o impulso palpitante de sua excitação—. Toca isto, Florence. Touca e verá<br />
quão duro estou. Comprido e grosso. Isto é o que você me provoca. Basta<br />
apenas respirar. Com apenas se introduzir em meu pensamento. Sou um<br />
maldito animal no cio, queri<strong>da</strong>, então não me diga que não é mulher o<br />
bastante.<br />
Um novo rubor se acrescentou nas manchas de suas lágrimas. A ponta de<br />
seu nariz estava avermelhado e não separava os cílios. Ain<strong>da</strong> assim, Edward<br />
pensou que era a criatura mais deliciosa que jamais tinha visto. Seus quadris<br />
se contraíram quando toca<strong>da</strong>s, um retorcimento ligeiro e devastador.<br />
Necessitava maior prova de suas afirmações, sem dúvi<strong>da</strong> a teve. Seu membro<br />
deu um salto como um salmão na desova e seu fôlego brotou apressa<strong>da</strong>mente<br />
de seu peito. Suas mãos se fecharam ao redor de seu traseiro, possivelmente<br />
para deter seu movimento, ou possivelmente para estreitá-la com mais força,<br />
era impossível dizer. Qualquer que fora sua intenção, ela ficou quieta ante o<br />
batimento do coração ca<strong>da</strong> vez mais capitalista de seu sexo. Seus olhares se<br />
cruzaram.<br />
—Quero saber –disse ela, as palavras converti<strong>da</strong>s em fôlego e fogo—. Sei<br />
que cometo um engano, mas agora já não posso ferir Freddie. Se não tiver um<br />
marido, quero saber como se sente uma mulher em ser deseja<strong>da</strong>.<br />
Durante um momento, Florence pensou que Edward se deprimiria. Seu<br />
rosto empalideceu rapi<strong>da</strong>mente e fechou os olhos. Quando os voltou a abrir, o<br />
azul que havia neles brilhava como uma chama. Ela esperava uma discussão,<br />
ou uma elegante evasiva como a que tinha usado Freddie. Em seu lugar, ficou<br />
olhando, pestanejou e logo esmagou sua boca contra a dela.<br />
A partir desse momento, foi ela a que se sentiu débil.<br />
—Ah, Florence – ele disse, entre seus beijos profundos e devoradores—.<br />
Não me obrigue a fazer isto.<br />
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Mas ela não podia pensar em nem um só motivo para detê-lo. Ela tinha<br />
perdido tudo, seus sonhos, seu futuro, inclusive sua reputação se veria<br />
arruina<strong>da</strong> quando se difundissem as notícias de seu compromisso frustrado. Por<br />
que não teria que tentar, por uma vez em sua vi<strong>da</strong>, alcançar aquilo que<br />
realmente desejava? Tampouco teria podido deter Edward. Seu abraço a<br />
embargava, não só sua força nem seu tamanho, a não ser a proprie<strong>da</strong>de<br />
flagrante de seu contato. Ele deslizava as mãos, apertando, esfregando, como<br />
queria reclamar ca<strong>da</strong> centímetro de seu corpo. Não se deteve pensar em que<br />
algo podia despertar sua vergonha. A tocou onde quis.<br />
Com um leve gemido, a levantou em velo e a apertou contra a parede. O<br />
único lugar onde ela podia colocar as pernas era ao redor de sua cintura. Ele<br />
empurrou seu corpo entre as pernas, desejoso de esfregar sua parte mais dura<br />
com a parte dela mais necessita<strong>da</strong>.<br />
—Espera – ela disse, quando ele finalmente a deixou respirar.<br />
Com o fôlego entrecortado, deixou cair sua cabeça para ela.<br />
—Me perdoe. Não deveria me movido tão rápido. Ou ter sido tão rude.<br />
Edward não a tinha entendido. Ignorando suas desculpas, ela encontrou os<br />
broches de pérola que sujeitavam seu peitilho e começou a passá-los pelas<br />
casas. Sua respiração se alterou.<br />
—O que esta fazendo? –perguntou.<br />
—Estou te tocando <strong>da</strong> maneira que antes não me deixava. Necessito<br />
provas do que faço contigo. Necessito em minhas mãos.<br />
—Necessita uma prova? –A pergunta foi pronuncia<strong>da</strong> com dificul<strong>da</strong>de. Ela<br />
assentiu com um gesto tímido e esperou que ele não a detivera. Ele<br />
estremeceu—. Uma prova. –Deixou que ela deslizasse as pernas pelos lados.<br />
Deu um passo para trás, logo outro e se entregou à tarefa de se desprender de<br />
sua roupa—. Me permita – disse, com voz rouca e tensa.<br />
Com uma maldição com sinal de sua impaciência, se desfez de sua<br />
jaqueta de cetim.<br />
A antecipação flutuava ao seu redor como uma fumaça do narguilé<br />
deveria ter flutuado tão longe. Sentiu como se houvesse algo mais que seu<br />
corpo que estivesse a ponto de desvelar-se aos olhos de Edward lançavam<br />
brilhos à luz do abajur, e o rubor tingia suas bochechas e iluminava seus<br />
grossos lábios de sedutor. Parecia belo e estranho, a vítima de uma escravidão.<br />
Sua escravidão. Ela tinha pedido e ele tinha respondido. Sob suas mãos<br />
grandes e mãos direitas, abriu em dois o peitilho, tirou aquele objeto<br />
engomado e branca por cima <strong>da</strong> cabeça, e seus músculos se flexionaram sob<br />
uma pele suave e bronzea<strong>da</strong>. Foi como se o fôlego de Florence ficasse<br />
agarrado na garganta. Seus ombros eram largos, seus bicos do peito duas<br />
moe<strong>da</strong>s brônzeas remata<strong>da</strong>s em ponta. Sua musculatura era uma mescla de<br />
operário e David marmóreo. Mas era muito mais excitante que uma estátua.<br />
Aquela mancha de pêlo escuro que descendia, sedutora, pelo meio do peito, a<br />
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calidez de sua pele, a maneira em que suas costelas se expandiam quando<br />
respirava e a fez se sentir como se fora capaz de entregar até sua alma para<br />
tocar seu corpo.<br />
—Sigo? –perguntou ele, e deixou descansar os dedos na cintura <strong>da</strong> calça.<br />
O inchaço que ela percebeu cativou seu olhar. Era uma coisa viva e palpitante,<br />
o objeto de sua insaciável fascinação.<br />
E era evidente que ele temia que ela não queria vê-lo.<br />
—Por favor –disse Florence , as palavras quase afoga<strong>da</strong>s—. Eu posso<br />
fazer? Estive desejando te tocar desde que perdi a calma no baile dos Vance.<br />
Sua risa<strong>da</strong> foi um som de increduli<strong>da</strong>de.<br />
—E eu que pensava que possivelmente te <strong>da</strong>ria um susto de morte.<br />
—Não – ela murmurou—. Nem sequer quando desejava que assim fosse.<br />
Ele deixou cair os braços aos lados. Ela se aproximou. Ca<strong>da</strong> vez mais. Que<br />
extraordinário era saber que durante todo esse tempo tinham estado pensando<br />
no outro, e que ele também tinha desejado que o tocasse. Seu ventre traduzia<br />
sua respiração agita<strong>da</strong> enquanto ela lutava com o broche metálico. Os botões<br />
foram mais fáceis. A pressão exerci<strong>da</strong> sobre eles quase os fez saltar. Cui<strong>da</strong>ndo<br />
de seu órgão inchado e rígido, baixou os calções ao redor de seu promontório.<br />
Ele lançou a cabeça para trás quando ela tirou de suas calças até os<br />
tornozelos. Com os dedos, roçou o pêlo de suas pernas, deixando a seu<br />
passado um comichão que o pôs arrepiado.<br />
—Florence – ele gemeu, e sua voz pulsava como um coração.<br />
Ela o olhou de baixo. Olhou o peito peludo e as belas extremi<strong>da</strong>des, viu<br />
sua virili<strong>da</strong>de imponente e aquele curioso pequeno saco que pendurava por<br />
debaixo. Se deslocou para cima, mais antes Florence se perguntou o que<br />
significava aquilo. Ele agora observava sua reação, seu olhar intenso e ardente.<br />
Apesar <strong>da</strong> atenção, ela não podia tirar os olhos <strong>da</strong>quela parte dele que tanto<br />
tinha mu<strong>da</strong>do, que se erguia gloriosamente. Recordou o suave que tinha sido<br />
ao tocar-lo e sem impedir as veias que o sulcava não pareciam tão suaves. A<br />
ponta chegava até a cintura de Edward, e parecia se inclinar<br />
ameaçadoramente sobre ela, como zangado ante suas pretensões.<br />
—Como você o chama? –sussurrou.<br />
—Isto? –Edward agarrou seu membro na mão, a puxando lentamente em<br />
direção à ponta de tom vermelho. A pele que a cobria se moveu, mais<br />
amplamente do que ela esperava. Sentiu que algo se remexia nela como se ele<br />
a tocasse. Com o dedo mais comprido tocou a pequena fen<strong>da</strong>—. É meu pênis.<br />
Minha pau.<br />
—Seu pau? – ela sussurrou, pronunciando a palavra dura e afia<strong>da</strong>. Aquela<br />
coisa deu um salto como se conhecesse seu nome. Florence se aventurou a<br />
tocar o saco que pendurava—. E isto?<br />
—São os ovos – disse ele, e soltou o membro.<br />
Ela se aproximou ain<strong>da</strong> mais, e conservou o equilíbrio agarrando seus<br />
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joelhos. Não pensava deixar que o medo pudesse com ela essa noite.<br />
—Posso os beijar? Posso te beijar por to<strong>da</strong> parte como você me beijou?<br />
Durante um segundo ele não pôde responder. Ela temeu que uma vez<br />
mais tinha ido além dos limites. E então acariciou bran<strong>da</strong>mente a bochecha.<br />
—Pode beijar tudo o que goste. Já te disse que podia ter uma prova.<br />
Mas a principio ela não o beijou. Ao princípio somente apertou seu rosto<br />
entre suas pernas, apoiando uma e outra bochecha, assimilando suas texturas<br />
através de sua própria pele, de seus aromas, seu pulso vital e nervoso. Ele<br />
suspirou ao sentir as carícias lentas e felinas, e logo se esticou quando ela<br />
explorou com a língua.<br />
—Sim –alcançou a dizer ele—. Lamba-me. Como se minha pele fosse doce.<br />
—Você é doce – ela afirmou e encontrou um ponto que o fez estremecer—.<br />
E grande.<br />
Ele se atrasou naquelas palavras, perceptivelmente, como se a afirmação<br />
fosse obscuramente mágica.<br />
—Não muito grande –murmurou—. Não muito.<br />
Suas palavras eram um convite à risa<strong>da</strong>. Ele queria ser grande. Se sentia<br />
adulado porque ela pensava que sim o era. E ela sabia com um instinto que<br />
pertencia a seu sexo. Quanto maior a espa<strong>da</strong>, mais capitalista o homem que a<br />
brandia. Quanto mais capitalista o homem, mais seguras às pessoas a quem<br />
amava.<br />
—Não sei – disse e tocou a magra pele arrepia<strong>da</strong> de seu escroto—. Penso<br />
que talvez deveria ter medo.<br />
Ele só pôde responder retendo o fôlego porque ela tinha deslizado a boca<br />
em torno <strong>da</strong> ponta amadureci<strong>da</strong> e cora<strong>da</strong>. Era suave e doce, o mais suave de<br />
tudo. Jogou com a ponta <strong>da</strong> língua sobre a curva acetina<strong>da</strong> e a chupou, um<br />
prazer peculiarmente infantil. E também era interessante aquela pequena<br />
fen<strong>da</strong>. Ele mesmo a havia tocado e ela pensou que seria prazenteiro. Quando o<br />
tentou, ele soltou um gemido, a dor e o prazer mesclados em um só ruído.<br />
Flexionou os quadris e a ponta quente e redon<strong>da</strong> empurrou contra a pressão de<br />
sua língua. Ela sentiu um gosto latejante e deliciosamente salgado.<br />
As mãos de Edward se perderam em sua cabeleira, e logo a fez se afastar.<br />
—Basta –disse e a fez se erguer —. Não sabe o que está fazendo.<br />
Por um momento, suas palavras a feriram.<br />
—Então, ensina-me – respondeu.<br />
Mas em lugar de obedecer, ele a beijou , um saque lento e exaustivo. Os<br />
joelhos fraquejaram e de repente a levantou em seus braços, em reali<strong>da</strong>de a<br />
fez flutuar até que a deixou em um suave montão de almofa<strong>da</strong>s que cheiravam<br />
a antigos perfumes. As sucessivas capas de seus vestidos foram caindo sob<br />
suas mãos peritas: vestido, anágua, espartilho. Florence sentiu vergonha ao se<br />
ver tão nua diante de seus olhos, como se a tivesse despojado de sua<br />
armadura.<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
—Não –disse ele, quando ela tentou ocultar seus segredos—. Não me<br />
negue o prazer que desejava para mim mesma.<br />
Não cabia dúvi<strong>da</strong> de que agra<strong>da</strong>va seu corpo nu. Se aproximou e a<br />
acariciou inteira, e logo a explorou com a boca. As pontas de seus mamilos<br />
fizeram merecedoras de beijos que arrancaram gemidos. Quando ele viu as<br />
marcas que tinha deixado seu espartilho, as esfregou até que a irritação<br />
começou a desaparecer.<br />
Mas não tirou as botas.<br />
—Tem medo de ver os pés nus? – ela perguntou, provocadora, porque sua<br />
admiração tinha feito recuperar a confiança.<br />
—Possivelmente –disse ele, com um sorriso alegre e ansioso.<br />
O impacto que sentiu nela quando ele apertou e fez que suas partes nuas<br />
se encontrassem apagou a pergunta <strong>da</strong> cabeça.<br />
—OH –disse ela, se retorcendo com entusiasmo contra ele—. OH, Meu<br />
deus.<br />
Ele riu e logo grunhiu em seu pescoço.<br />
—foi cria<strong>da</strong> para isto, Florence. Cria<strong>da</strong> para o amor.<br />
Agradou como soava aquilo. Cria<strong>da</strong> para o amor. Devolvendo um sorriso,<br />
se inclinou sobre os pés para receber seu beijo. Sua alegria se voltou ain<strong>da</strong><br />
mais vertiginosa, depois de ter começado como uma dor. Agora se entregou a<br />
ele, como se jamais em sua vi<strong>da</strong> tivesse conhecido o medo.<br />
—Que doce — ele murmurou, intuindo sua capitulação.<br />
Passou a mão pelo ventre e através de seus cachos, logo gemeu ante o<br />
calor que acolheu suas carícias. Sem dúvi<strong>da</strong> procurando mais, deslizou os<br />
dedos entre suas dobras. Ela sentiu a dor prazenteira que tinha experimentado<br />
antes e se retorceu sob seu peso, desejando o que sabia que ele podia <strong>da</strong>r,<br />
empurrando com os quadris quando já não podia ficar quieta.<br />
Esta vez ele a observou se excitar até que Florence teve que fechar os<br />
olhos.<br />
—Sim –implorou ele, rouco e excitado junto a sua orelha—. Goza para<br />
mim, amor, goza.<br />
O estalo de prazer foi mais agudo que a primeira vez. Florence deixou<br />
escapar um grito ante o tremor líquido e assombroso, e novamente quando<br />
seus dedos seguiram a acariciando com redobra<strong>da</strong> paixão. Eram sucessivas<br />
on<strong>da</strong>s de amor que estalavam, uma depois <strong>da</strong> outra, um fluxo e vazante, que<br />
batia as asas no profundo dela. Quando ele finalmente a soltou, ela estava<br />
debilita<strong>da</strong>, excita<strong>da</strong> dos pés a cabeça depois de sacia<strong>da</strong>. Como se fosse um<br />
sonho, sentiu-o estender a seu lado. Sentiu que movia o braço rapi<strong>da</strong>mente,<br />
violentamente, até que afogou um suspiro, ficou rígido e um jorro de algo<br />
quente salpicou o quadril.<br />
Ele suspirou aliviado quando aquele líquido deixou de brotar, como um<br />
homem que acaba de se aliviar de uma carga.<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
Derramou sua semente, pensou ela. Procurou prazer a si mesmo com sua<br />
mão. Florence tocou seu braço suarento que ele tinha deixado cair sobre sua<br />
cintura.<br />
—por que tem feito isso? –perguntou—. Por que não me deixou fazê-lo?<br />
Ain<strong>da</strong> respirando com dificul<strong>da</strong>de, ele a beijou no nascimento do pescoço.<br />
—Sinto muito, Florence. Não estava seguro de que queria fazê-lo e não<br />
podia esperar. Verte foi muito para mim. Eu também tinha que gozar.<br />
—Então terá que me ensinar a fazê-lo mais rápido.<br />
Ele se apoiou sobre o cotovelo e se elevou sobre ela. Pequenas rugas<br />
nasceram de seus olhos sorridentes, quentes e reconfortantes, como se ele<br />
visse to<strong>da</strong>s as inseguranças que ela tentava ocultar atrás de seu tom de<br />
insegurança.<br />
—Não – objetou ele, com os lábios sussurrando, excitados, junto aos dela<br />
—. Quero que o faça lentamente.<br />
Agora ensinou como, quando seu órgão começou a se inchar assim que<br />
ela o rodeou com seus dedos. Mostrou os lugares onde gostava que o tocasse.<br />
Como uma carícia <strong>da</strong> língua e a palma de sua mão escorregava com mais<br />
deleite. Como seu membro se enraizava no profundo dele e como podia<br />
esfregá-lo detrás de seu escroto, como um ligeiro apertão no momento<br />
adequado o fazia tremer de prazer.<br />
Ela fez tudo o que ele ensinou e se sentiu na glória com seus gemidos.<br />
Excitaram-na ain<strong>da</strong> mais do que poderia ter sonhado. A respiração<br />
entrecorta<strong>da</strong> de seu fôlego, a expressão tensa e dolorosa de seu rosto quando<br />
tentava fazer que o prazer perdurasse. O broto de sua semente no momento<br />
do clímax foi uma revelação, nem tanto sua quanti<strong>da</strong>de como sua repentina<br />
explosão. Que maravilhas eram os homens. Não protestou quando ele afundou<br />
a boca entre suas pernas, apesar de que sua nudez fazia que aquele ato fora<br />
ain<strong>da</strong> mais estranho que antes, e sua ascensão ao prazer a esgotou até tal<br />
ponto que não pôde permanecer acor<strong>da</strong><strong>da</strong>.<br />
—Doce como o mel –ouviu que ele murmurava quando começava a dormir.<br />
Ele a sustentou junto a seu corpo quente, os braços protetores a envolvendo<br />
pelas costas. Apesar de tudo o que tinha vivido, dormiu tão placi<strong>da</strong>mente como<br />
uma menina.<br />
A cobriu enquanto ela dormia, com o coração pulsando mais pausado, e<br />
todo o corpo felizmente depravado e, à força de vontade, com a mente<br />
ausente <strong>da</strong> pressão <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de. Uma noite, pensou, uma noite até o<br />
amanhecer. Depois, faria o que tinha que fazer. Devolveria a seu irmão. Sabia<br />
que era um engano, talvez inclusive impossível, esquecer essa noite. Mas que<br />
alternativa tinha? Ele se casar com Florence e abandonar Freddie aos lobos? A<br />
tentação de fazer precisamente isso era quase mais forte do que era capaz de<br />
suportar. Mas, embora se casando com ele, Florence fora feliz, aquela era uma<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
solução egoísta. De fato, era abominavelmente egoísta. Como poderia viver<br />
consigo mesmo, sabendo que tinha destruído a última oportuni<strong>da</strong>de de seu<br />
irmão para se salvar?<br />
Ain<strong>da</strong> podia obter que aquilo funcionasse. Podia obtê-lo. Nenhum deles<br />
teria exatamente o que desejava, mas tampouco veria sua vi<strong>da</strong> arruina<strong>da</strong>. E,<br />
enquanto isso, ele teria sua noite.<br />
O que podia importar uma noite se o <strong>da</strong>no já parecia?<br />
Feito, mas não consumado, dizia sua consciência.<br />
Ignorou aquela voz de recriminação, e se desprendeu lentamente de sua<br />
ama<strong>da</strong> para encontrar o quarto de banho. Não se arrependeria dessa noite,<br />
passasse o que acontecesse.<br />
Empurrou a um lado três poeirentas cortinas de veludo antes que<br />
encontrasse a porta oculta. Sentiu o fresco chão de mármore sob seus pés<br />
enquanto jogava um olhar a seu redor, e recuperava lembranças. Era um<br />
aposento ricamente adornado, resplandecente de ladrilhos árabes e paredes<br />
doura<strong>da</strong>s, o luxo que coroava o pavilhão. Umas aranhas se escapuliram no<br />
interior do ralo do banheiro, mas descobriu que a água ain<strong>da</strong> fluía dos grifos.<br />
Fez o que tinha que fazer rapi<strong>da</strong>mente, lavou o rosto, e logo vacilou quando<br />
seu olhar encontrou um armário índio de madeira esculpi<strong>da</strong>. A madeira estava<br />
revesti<strong>da</strong> de estatuetas, ca<strong>da</strong> uma esculpi<strong>da</strong> par representar as posturas do<br />
amor. Algumas só eram possíveis para os contorcionistas. Quanto a outras, ele<br />
e Florence as tinham praticado essa noite. Ele e Freddie riram <strong>da</strong>quele armário<br />
quando eram pequenos, mas agora Edward recordou o que continha: laços de<br />
se<strong>da</strong>, cilindros de laços de se<strong>da</strong>.<br />
Olhou por cima do ombro para a habitação onde Florence dormia. Ele<br />
havia dito que queria as lembranças. Por que não uma lembrança <strong>da</strong> fantasia<br />
que o tinha açoitado desde aquele dia nas ruínas? Abriu a porta do armário. No<br />
interior, por debaixo de um Bu<strong>da</strong> sorridente esculpido em cedro, havia um<br />
cofre que nunca tinha visto. Era um cofre barroco francês de cor doura<strong>da</strong>, com<br />
flores ornamentais engasta<strong>da</strong>s. Estava fechado, mas encontrou a chave a um<br />
lado. Preso de curiosi<strong>da</strong>de, Edward abriu a tampa.<br />
Os conteúdos incluíam uma coleção de cartas antigas, pacotes de carta<br />
amarra<strong>da</strong>s com cintas vermelhas de cetim. Junto a elas havia um porta retrato<br />
de ouro gravado, grande como a palma de sua mão. Ao abri-lo, ficou<br />
assombrado. O retrato no interior era a imagem calca<strong>da</strong> de Imogene<br />
Hargreave. Por um momento, suspeitou que alguém tinha jogado uma<br />
desagradável brincadeira. Logo se deu conta de que o retrato não podia ser de<br />
Imogene. Para começar, a roupa era muito antiga. O cabelo loiro <strong>da</strong> retrata<strong>da</strong><br />
estava estirado para trás e logo caía em brilhantes cachos. Embora a cara<br />
fosse familiar, o olhar era diferente de Imogene. Eram olhos mais doces, mais<br />
fáceis de ferir.<br />
Que curioso, pensou, assombrado pela coincidência. Agarrou uma carta<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
amarela<strong>da</strong> do monte. Abriu-a pela página final. ‘’Tua sempre, Catherine’’, dizia<br />
a jovem assinatura de traços femininos.<br />
Catherine, disse Edward, enquanto tentava mentalmente entender aquele<br />
mistério. A que escrevia só podia ser Catherine Exeter. As cartas não eram<br />
bastante velhas para ser as de seu avô e de seu pai tinha cortejado qualquer<br />
outra Catherine, as pessoas de Greystowe teriam sabido. As velhas intrigas<br />
demoravam para morrer em um povo como aquele.<br />
Mas o que devia pensar <strong>da</strong>quele curioso parecido com a Imogene? Devia<br />
existir alguma relação entre elas. Era a única explicação razoável.<br />
Possivelmente Catherine Exeter era a tia <strong>da</strong> que falava Imogene, a que tinha<br />
advertido sobre seu coração frio e implacável. A boca torceu em um sorriso<br />
amargo. Já se imaginava o que Catherine Exeter tinha que dizer dos homens de<br />
Greystowe. Se aquela velha amargura<strong>da</strong> era alguma indicação de como<br />
envelheceria Imogene, tinha sorte de ter se afastado dela.<br />
Entretanto, não se sentia um homem com sorte. Sentia como se um ganso<br />
tivesse pisado sua tumba. Aquele estremecimento percorreu<br />
desagra<strong>da</strong>velmente as costas. Talvez tivesse em comum com seu pai mais<br />
traços do que pensava.<br />
Não, ele disse, e desprezou a possibili<strong>da</strong>de. Ele era seu próprio dono, com<br />
seus próprios pecados, um dos quais estava agora aconchegado dormindo<br />
sobre um montão de almofa<strong>da</strong>s de cetim. Não deveria perder aquela noite<br />
desempoeirando o passado de outras pessoas. Tudo o que importava era o<br />
presente, o presente e as lembranças que poderia trazer. Procurou algum<br />
objeto mais familiar, e encontrou um cilindro de veludo negro. Quando desfez o<br />
nó, oito tiras de se<strong>da</strong> acolchoa<strong>da</strong> se desenrolaram em sua mão. A respiração<br />
acelerou. Acaso devia fazer isso?<br />
Se importaria Florence? Acaso sabia ela o que devia importar?<br />
Pensou que não importaria e isso foi o que mais o excitou. Órfã de uma<br />
mãe que a orientasse, e sem uma amiga casa<strong>da</strong> de sua mesma i<strong>da</strong>de, Florence<br />
ignorava as formas que o amor podia adotar. Não sabia o que era o mais<br />
habitual e que não o era. Suas perguntas a respeito dos ‘’sentimentos’’ <strong>da</strong>s<br />
mulheres o tinham demonstrado.<br />
Mas acaso desfrutaria se ele a convertia em sua prisioneira?<br />
Edward fechou os olhos, imaginando as tiras negras de cetim em<br />
contraste com sua pele rosa<strong>da</strong>. Podia fazer que desfrutasse. Se o fazia<br />
gentilmente e <strong>da</strong>va segurança. Se demonstrava que não havia na<strong>da</strong> que temer.<br />
Riu ironicamente com um bufo. Na<strong>da</strong> que temer exceto as paixões<br />
transbor<strong>da</strong>ntes de seu coração. Ele era quem devia ter medo. Se ela confiava<br />
nele para permitir, ele sabia que a marcaria para sempre como dela.<br />
Florence despertou sentindo que havia algo errado. Alguém... beijava seus<br />
pés. Enroscava os dedos contra a boca que fazia cócegas e sorriu sem abrir os<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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Emma Holly<br />
olhos.<br />
—Florence –disse uma voz rouca e amante—. Acorde e olhe que bela é,<br />
como ca<strong>da</strong> parte de você é um sonho do que deveria ser uma mulher — A voz<br />
se aproximou e o calor de um grande corpo masculino se sustentou sobre ela,<br />
ain<strong>da</strong> deita<strong>da</strong>—. É meu sonho do que deveria ser uma mulher, amor, meu<br />
sonho <strong>da</strong> beleza.<br />
Ela abriu os olhos e pensou que to<strong>da</strong> a beleza pertencia a ele. Tinha seu<br />
rosto próximo, suas bochechas ruboriza<strong>da</strong>s com o que ela tinha chegado a<br />
reconhecer como desejo. Seus olhos azuis ardiam em suas margens acetinados<br />
de negro. Seus lábios eram uma curva celestial. Não se fixou em suas<br />
sobrancelhas sérias nem na dureza de sua mandíbula. Seu nariz altivo era<br />
perfeito. Seu amor, assim o parecia, tinha convertido todos seus defeitos em<br />
virtudes.<br />
—Me alegro de te agra<strong>da</strong>r – Florence disse, com as bochechas queimando<br />
atrás desse reconhecimento—. É o primeiro homem que desejei que me<br />
admire.<br />
—O primeiro, hein? –Edward escondeu um sorriso infantil e logo deixou um<br />
caminho de beijos ao do braço—. Espero que sinta contente quando vir o que<br />
fiz.<br />
—O que fez? –Florence tentou se levantar para olhar a seu redor, mas seus<br />
braços não cederam. Estavam amarrados pelos pulsos a um par de colunas,<br />
abertos para os lados como um x. Também tinha as pernas presas, mas não a<br />
um objeto, mas um ao outro, à altura dos tornozelos e dos joelhos. Os nós não<br />
faziam mal mas eram sólidos. Deus, como podia ter dormido quando fazia<br />
aquilo?<br />
—Por que fez isso? –perguntou bruscamente, sentindo uma ameaça de<br />
pânico—. Por que estou amarra<strong>da</strong>?<br />
—Shhh – ele respondeu. Pôs uma mão sobre o peito, o cobrindo com sua<br />
calidez—. Não te farei mal.<br />
A maneira em que se mordia o lábio desmentia sua segurança. Seu olhar,<br />
sempre orgulhoso e severo, desta vez implorava aceitação, mas Florence<br />
ignorava de que aceitação se tratava.<br />
—por quê? –perguntou, embora começasse a se acalmar sob seu contato.<br />
—Porque eu a desejo. Porque eu sonhei em faz. Porque — disse e<br />
percorreu com o dedo a parte média de seu ventre—, porque me sentirei mais<br />
seguro.<br />
Florence teve que sorrir ante esta confissão.<br />
—Como poderia ter medo de mim?<br />
Ele abaixou a cabeça e, lentamente, a esfregou contra a sua. O roçar de<br />
seu bigode provocou um estremecimento.<br />
—É uma ameaça para o controle que exerço sobre mim mesmo, Florence.<br />
Quando me toca, me empurra ao limite. Poderia te amar como quero se<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
soubesse que não me tentará além do que é lícito fazer. –Abriu a boca perto <strong>da</strong><br />
parte baixa de sua mandíbula, com o fôlego soprando, quente, contra seu<br />
pescoço, e então deslizou a língua para apalpar o pulso.<br />
—O que é lícito fazer? – ela repetiu.<br />
—Há limites – ele disse, seus lábios murmurando sobre suas sobrancelhas<br />
—. Coisas que não devemos fazer. Mas se me deixa te amar esta vez, desta<br />
maneira, compartilharemos até a última gota de prazer que possamos<br />
descobrir.<br />
—Que limites? –Florence queria gritar. Que coisas? Entretanto, algo a<br />
deteve, algo como um estremecimento de engano. Ela era a princesa no<br />
castelo do ogro, livre para abrir qualquer porta exceto uma. Se conseguir que<br />
seu príncipe o explicasse, acaso não romperia o encanto?<br />
—Realmente deseja isto? —perguntou, apontando suas amarras.<br />
Ele se afastou e ficou montado sobre sua cintura. A larga sombra de seu<br />
sexo se agitou contra seu ventre. Sob a luz do abajur parecia enorme, quase<br />
grotesco, e, entretanto ela o achava tão belo como o resto de seu corpo. Muito<br />
grande para sustentá-lo. Muito perfeito para não fazê-lo. Edward esfregava as<br />
palmas sobre as pernas musculosas, possivelmente ardendo em desejos de<br />
tocá-la. Seu olhar ia de seu pulso esquerdo ao direito, e se atrasava nas<br />
ataduras de veludo. Respirava agita<strong>da</strong>mente, como se a só visão de suas<br />
ataduras o excitasse.<br />
Quando seus olhares se cruzaram, os olhos de Edward brilharam como<br />
duas pedras preciosas, as pupilas enormes, mas serenas.<br />
—desejo isto mais do que imagina – disse.<br />
—Então estou segura de que eu também desfrutarei.<br />
Ele sorriu com um gesto de carinho que a reconfortou.<br />
—Farei todo o possível para não fazer de você uma mentirosa.<br />
—Espero que assim seja – ela disse, provocadora.<br />
Ele riu, e a fez se levantar até ficar de joelhos.<br />
Edward não tinha mentido. Seus beijos eram agora diferentes, mais livres,<br />
mais exuberantes, como se com suas ataduras ela tivesse liberado as dele.<br />
Seus gemidos eram mais audíveis, sua pele mais febril. Fez que os corpos se<br />
esfregassem um com outro com o entusiasmo próprio de um ser muito menos<br />
civilizado.<br />
—Você gosta disto? –sussurrou ao ouvido — Você gosta de meu pênis<br />
contra sua pele?<br />
Ela não podia negá-lo.<br />
—Está úmi<strong>da</strong> – disse com o fôlego entrecortado, enquanto deslocava a<br />
ponta palpitante por cima do ventre.<br />
—Está chorando por você, Florence. Quer fornicar com seu precioso e doce<br />
figo –Edward riu, com uma risa<strong>da</strong> rouca e escura, ao ver seu estremecimento<br />
involuntário—. Minha pobre pequena Florence. Não tinha a intenção de te<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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Emma Holly<br />
assustar com minhas palavras.<br />
—Não estou A... assusta<strong>da</strong>.<br />
Ele voltou para rir e a estreitou com tanta força que seu membro pareceu<br />
arder entre os dois corpos.<br />
—Direi um segredo, amor. Não me importa se esteja um pouco assusta<strong>da</strong>,<br />
contanto que desfrutes do que te faço sentir.<br />
A beijou antes que pudesse responder, profun<strong>da</strong> e possessivamente,<br />
afugentando todo pensamento de sua mente exceto aquela sorte doce e<br />
embriagadora de seu contato. Suas mãos eram sua salvação, seu pênis era a<br />
marca com que a fazia dele. E ela era dele, totalmente, e não havia nenhum<br />
pingo de sua alma que não se entregou. Voluntariamente, se rendeu a seus<br />
desejos, fascina<strong>da</strong> porque podia <strong>da</strong>r aquilo que ele desejava, fascina<strong>da</strong> até<br />
com essas diminuta faíscas de medo. Edward poderia fazer algo. Algo.<br />
Mas ele não queria feri-la. Ela sabia que ele não o faria, e a confiança que<br />
sentia era, em si mesmo, um prazer. O fato de ela, durante tanto tempo se<br />
assustou até de sua própria sombra, pudesse confiar a um homem não só seu<br />
corpo, mas também a satisfação do seu próprio, a encheu de um ardente e<br />
penetrante brilho de orgulho. Nem sequer Freddie teria concedido isso. Para<br />
descobrir qual era sua mais profun<strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de, só podia confiar em Edward.<br />
E agora, enquanto se esticava com um indício de consciência de si<br />
mesmo, ele se aproximou por detrás. Ela suspirou com a ameaça de<br />
embriaguez que a mu<strong>da</strong>nça de posições a tinha inspirado. Agora não podia vêlo,<br />
e ele não podia ver seu rosto. Agora tinha a liber<strong>da</strong>de para sentir, para<br />
reagir, conservando aquele pequeno tris de modéstia.<br />
—É uma gata – ele disse para ouvir seu gemido débil como um ronrono.<br />
Para sublinhar as palavras, percorreu as costas bran<strong>da</strong>mente com as<br />
unhas, <strong>da</strong> curva <strong>da</strong>s nádegas até a base do pescoço. Ela retorceu a coluna e<br />
estirou os braços contra os limites de suas ataduras. Apesar dessa postura tão<br />
pouco ortodoxa, jamais havia sentido tão livre dentro de seu próprio corpo.<br />
Tinha os pulsos ata<strong>da</strong>s à parte baixa <strong>da</strong>s colunas, atirando dela para os lados,<br />
mas não para o alto. Uma limitação tão singela, mas que diferença sentia<br />
interiormente! Tenho sorte de ser uma mulher bela, pensou, se isso me fizer a<br />
mulher que este homem deseja.<br />
—Estou me aproximando – advertiu ele—. Agora nos esfregaremos juntos<br />
como o mordomo e seu prato favorito.<br />
Com os joelhos flanqueou suas coxas e deslizou os braços ao redor <strong>da</strong><br />
cintura. Seu queixo se alojava perfeitamente por cima de sua cabeça. Fiel a sua<br />
palavra, roçou seu peito com as costas dela, lenta e firmemente, e a forte<br />
pressão de músculos e pele foi como um prazer profundo que esquentava seus<br />
ossos.<br />
Seu gozo escapou em um suspiro comprido e nervoso.<br />
—Você gosta disto? – ele perguntou, desenhando círculos nos seus seios.<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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— Me faz sentir como embriaga<strong>da</strong>.<br />
—E isto? –Com suas enormes mãos a cobriu no ventre e pressionou o<br />
traseiro contra o palpitante calor de seu sexo. Florence lançou a cabeça para<br />
trás contra seu ombro.<br />
—Sim –disse—. Isso também.<br />
Sentiu prazer tão lentamente como ela o tinha <strong>da</strong>do a ele, e com as mãos<br />
roçou como uma pluma as partes delas que mais o sentiam, seus mamilos, sua<br />
boca, aqueles ossos sensíveis entre os ombros. Também acariciou o triângulo<br />
de pêlos entre suas pernas e riscou desenhos por cima de seus quadris. A<br />
acariciou até que sua pele pareceu zumbir sob suas mãos, queimando,<br />
desejando, se estirando ca<strong>da</strong> vez mais para a próxima carícia. Quando ele<br />
finalmente deslizou um dedo entre as dobras aperta<strong>da</strong>s entre suas pernas, o<br />
contato fez que todos seus nervos saltassem ao uníssono.<br />
Entretanto, nem sequer aqueles prazeres podiam nublar sua consciência<br />
do que ele fazia com seu pênis. Agora o esfregou contra ela: contra as<br />
nádegas, contra o nascimento <strong>da</strong>s costas, contra a dobra onde ca<strong>da</strong> nádega se<br />
encontrava com suas pernas. Foi introduzindo na junção aperta<strong>da</strong> entre suas<br />
pernas, o suficiente para tocar seus lábios antes de retirá-lo. Dava a sensação<br />
de que a explorava, como se seu órgão fosse uma terceira mão. Agora sentia a<br />
pressão úmi<strong>da</strong> e alheia do pequeno olho, quente e hábil. Se esticou até os<br />
limites de sua pele, se endurecendo como o ferro à medi<strong>da</strong> que continuava a<br />
posta em cena.<br />
—Prepara<strong>da</strong>? – ele perguntou, com voz dura mas ain<strong>da</strong> controla<strong>da</strong>—. Está<br />
prepara<strong>da</strong> para voar por cima do precipício?<br />
Ela logo que podia se mover, as on<strong>da</strong>s de desejo faziam pesar as<br />
extremi<strong>da</strong>des. Conseguiu assentir levemente com um gesto de cabeça. Para<br />
ele foi suficiente. Nesse momento acabou sua provocação, acabou o roçar<br />
luxurioso de pele contra pele. O substituiu a força e também a determinação. A<br />
rapidez de sua ascensão foi embriagadora. Em questão de segundos, seu corpo<br />
se esticou, se retorceu de um prazer que tirou o fôlego e se liberou de suas<br />
amarras com uma força cega. Ele devia se <strong>da</strong>r conta de que acontecia. Seus<br />
quadris se moviam mais rápido, pressionavam mais duro e um momento mais<br />
tarde se uniu a ela naquela doce convulsão. Grunhindo bran<strong>da</strong>mente, fincou os<br />
dentes no seu ombro quando sua semente explodiu com força contra suas<br />
costas.<br />
Foi uma experiência singular, sentir como ele se voltava mais suave a<br />
sustentando, sabendo que tinham compartilhado aquele espasmo de gozo.<br />
Ele se sentou e a atraiu para si. Esta é a nudez, pensou ela. Deixar que<br />
alguém te veja se perder na loucura de sua própria pele. Edward beijou onde<br />
tinha fincado os dentes, e logo a lambeu. Sua pele reagiu com um tremor ao<br />
contato de sua língua.<br />
— Me Mordeu –disse, tão surpreendi<strong>da</strong> por seu gesto como o estava por<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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Emma Holly<br />
suas próprias vontades de aventura. Era evidente que tinha muito que<br />
aprender dos segredos <strong>da</strong> noite de núpcias.<br />
Edward, que não entendeu suas palavras, murmurou uma desculpa e se<br />
inclinou para soltar as ataduras. Olhou os pulsos para se assegurar de que não<br />
estavam feridos. O pulso direito tinha uma marca onde ela tinha puxado sem<br />
querer no momento final. Beijou aquela irritação passageira, e levou a mão ao<br />
peito.<br />
—Está bem, amor? –perguntou, e ela adivinhou sua preocupação em seus<br />
belos olhos.<br />
Ela sempre se sentiria bem quando ele a chamasse dessa maneira.<br />
—Só cansa<strong>da</strong> –disse, e seu agradecimento foi interrompido por um bocejo.<br />
A resposta o fez sorrir.<br />
—Então, veem –disse—. Arrumarei isto para que passemos a noite.<br />
Depois do que pareceu minutos de um sono agitado, Edward despertou<br />
com o barulho <strong>da</strong> chuva no teto de madeira <strong>da</strong> cúpula. Uma réstia de pequenas<br />
janelas circulares se desenhava em torno <strong>da</strong> cúpula doura<strong>da</strong>. Por elas se<br />
derramava uma páli<strong>da</strong> luz chapea<strong>da</strong> que não fez na<strong>da</strong> para alegrar seu<br />
coração. Se sentia duro por ter dormido no chão, duro e frio. Se afastou de<br />
Florence durante a noite, deixando que ela abraçasse as almofa<strong>da</strong>s em busca<br />
de calor. Sabia que não devia ficar, mas ficou a olhando um momento mais.<br />
Sua pele macia, rosa<strong>da</strong> pelo sonho, seu cabelo de cor amendoeira que se<br />
derramava em uma brilhante torrente.<br />
Florence era apenas um pintinho saído do ovo, uma menina-mulher com<br />
as mãos prega<strong>da</strong>s por debaixo <strong>da</strong> bochecha. Podia alguém vê-la assim e não<br />
desejar proteger sua doçura?<br />
Recordou como o tinha pego com sua boca, to<strong>da</strong> curiosi<strong>da</strong>de e destreza<br />
acidental. Pensou em como tinha deixado que a atasse, como tinha se<br />
retorcido e suspirado entre seus braços. Seu desejo era tão limpo como o<br />
córrego que alimentava as terras baixos. Nenhum gesto podia manchá-la. Ao<br />
menos, não à mulher em que se converteu nesse dia.<br />
Sorrindo cruelmente com seus lábios magros, alisou o lençol de cetim<br />
dourado sobre as costas. A vi<strong>da</strong> a mancharia. As decepções, as desilusões, os<br />
julgamentos estreitos do mundo. Algum dia saberia o suficiente para se sentir<br />
envergonha<strong>da</strong> do que tinham feito. Entretanto, por agora, era inocente <strong>da</strong><br />
única maneira que importava. Freddie Burbrooke levaria uma virgem à cama.<br />
Edward não <strong>da</strong>va crédito a sua versão de que Freddie não queria se casar<br />
com ela. Aquilo não era mais que um absurdo remorso. No final, seu irmão faria<br />
o que a sensatez exigia. Se casaria com Florence Fairleigh. Seria a salvaguar<strong>da</strong><br />
de seu futuro e do futuro do nome dos Greystowe.<br />
Com o olhar agora quente, Edward deixou de olhar à futura noiva de seu<br />
irmão. Disse a si mesmo que Freddie saberia cui<strong>da</strong>r dela. Freddie seria mais<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
generoso que mil maridos que podia nomear. Engoliu em seco para aliviar<br />
aquela espessura dolorosa na garganta.<br />
Havia só uma coisa que Freddie não faria.<br />
Não duraria a chama pura e brilhante que ardia no profundo de sua carne.<br />
Capítulo 12<br />
Florence se aconchegou contra seu travesseiro, abraçando o último de<br />
seus sonhos contra seu peito. Se sentia alegre como uma tola. Durante todo<br />
aquele tempo, tinha tido medo de Edward. Possivelmente fora certo que a<br />
intimi<strong>da</strong>va, inclusive agora, quando ela sabia que ele a amava. Isso sim, era<br />
um tipo de intimi<strong>da</strong>ção bastante agradável, excitante.<br />
Que aventura seria estar casa<strong>da</strong> com ele! Lamentava romper a promessa<br />
feita a Freddie, mas tampouco ele parecia desejar esse matrimônio com ela.<br />
Agora estava segura de que um homem encantador como ele não teria<br />
problemas para encontrar uma noiva mais adequa<strong>da</strong>, menos apaixona<strong>da</strong>.<br />
Pobre Freddie, pensou. Não tinha ideia do que perdia. Mas, quem era ela<br />
para julgar sua natureza? O mais seguro era que ele pensasse que a<br />
desafortuna<strong>da</strong> era ela.<br />
Esticou os braços com um gesto de suprema satisfação. Apesar de seus<br />
momentos tudo tinha acabado com a melhor <strong>da</strong>s soluções. Logo que sim podia<br />
esperar o dia em que começaria a ser feliz com Edward.<br />
Mas teria que esperar, porque seu amante não estava em nenhum lugar.<br />
Teria partido cedo para velar por sua reputação. Não seria correto que os<br />
criados fossem testemunhas de seu licencioso comportamento. Não importava<br />
que os criados pudessem ser igual de perversos. Florence entendia o que<br />
esperava dela. Por que obrigar às pessoas a se inteirar de coisas que as<br />
incomo<strong>da</strong>vam, embora elas fizessem o mesmo? Assentiu com um gesto de<br />
cabeça para a casa vazia. Sim, Edward tinha demonstrado uma grande<br />
discrição ao ser o primeiro em abandonar o pavilhão.<br />
E surpresa! Tinha deixado um presente. Seu olhar percebeu algo brilhante,<br />
e Florence agarrou seu anel de ouro entre as almofa<strong>da</strong>s. Deveria ter caído <strong>da</strong><br />
almofa<strong>da</strong> enquanto dormia.<br />
Aquele anel assentava aceitavelmente bem em seu dedo indicador, e seu<br />
pequeno rubi lançava escuros brilhos na luz peneira<strong>da</strong> pela chuva. Freddie não<br />
tinha <strong>da</strong>do um anel de compromisso, um descuido no que ela não tinha<br />
pensado até agora. Emociona<strong>da</strong> até a beira <strong>da</strong>s lágrimas, levou a jóia aos<br />
lábios e deu um beijo nela.<br />
—Te amo – murmurou, pronunciando pela primeira vez as palavras—. Te<br />
amo Edward Burbrooke.<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
De repente, tremeu, sentindo o frio de uma corrente errante. A casa<br />
parecia vazia, sua só presença não bastava para <strong>da</strong>r calor, e agora era uma<br />
ruína similar às <strong>da</strong> antiga mansão de Greystowe.<br />
Deveria me vestir, pensou, e voltar para a casa. Se Edward podia atuar<br />
com discrição, também poderia ela fazer.<br />
Quando chegou em casa, mais ou menos seca graças a um guar<strong>da</strong>-chuva<br />
que encontrou em uma grande vasilha de latão junto à porta, o vestíbulo<br />
estava vazio. Florence sentia o pulso acelerado batendo na garganta quando<br />
conseguiu chegar sorrateiramente ao seu quarto e entrar sem topar com os<br />
criados, que já tinham começado sua jorna<strong>da</strong> de trabalho. Embora se sentisse<br />
alivia<strong>da</strong>, o an<strong>da</strong>r às escondi<strong>da</strong>s lhe <strong>da</strong>va a sensação de que tinha feito algo<br />
errado, e isso não a agra<strong>da</strong>va. Desejava poder simplesmente declarar a<br />
ver<strong>da</strong>de diante de todos.<br />
Ela e Edward estariam juntos. Aquele pensamento era milagroso, ao ponto<br />
de assustar. Embora ela desejava acabar de uma vez com aquele<br />
esclarecimento, sentia horror ante a perspectiva de contar à família de Edward.<br />
No entanto, tinha tido relações íntimas com ele, e aquilo dificilmente podia ser<br />
um motivo de orgulho, sobre tudo quando ain<strong>da</strong> não tinha rompido<br />
oficialmente com Freddie.<br />
Mas, ai, havia valido a pena se expor a todo tipo de coisas curiosas para<br />
compartilhar essa noite! Suas bochechas avermelharam com uma lembrança<br />
especialmente intensa, e de repente deu vontade de vê-lo, de ver Edward,<br />
imediatamente e a sós. Embora não fora mais para se assegurar de que não<br />
tinha sonhado.<br />
Sentia o coração pulsando com força contra as costelas enquanto se<br />
deslocava silenciosamente pelo corredor para seu escritório, se escondendo<br />
rapi<strong>da</strong>mente nas sombras quando acreditava ouvir alguma cria<strong>da</strong>. Por fortuna,<br />
o tapete amortecia seus passos inquietos. O dia era tão escuro que nem sequer<br />
a luz dos abajures neutralizava a penumbra. Uma <strong>da</strong>s portas que deixou atrás<br />
(que, supôs, era um acesso ao porão) de fato deixava escapar volutas de<br />
névoa entre suas pranchas. Teve a sensação de que tinha penetrado em outra<br />
época, ou possivelmente em um conto de fa<strong>da</strong>s, onde ela era a intrépi<strong>da</strong><br />
princesa e Edward o escuro príncipe encantado. Quase deixou escapar um<br />
risinho quando passou diante de uma armadura. Edward era de uma vez<br />
príncipe e dragão, mas ela tinha precisamente o encanto para aplacá-lo. Em<br />
seu bolso, enroscados como um pequeno camundongo, tinha quatro laços<br />
acolchoados de veludo. Logo que podia esperar a ver como desfrutaria de<br />
Edward com eles. A ver que aspecto teria uma vez atados em seus poderosos<br />
pulsos masculinos.<br />
A porta do escritório estava entreaberta. Dela emergia um fulgor dourado,<br />
mas bem um abajur que um artefato de gás. Com o corpo zumbindo de<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
emoção, Florence apareceu para olhar dentro. Sorriu. Edward estava<br />
completamente adormecido, esticado sobre um sofá estofado de couro, com as<br />
largas pernas apoia<strong>da</strong>s e cruza<strong>da</strong>s sobre o braço revestido de latão. Uma mão<br />
descansava sobre o peito a outra se pendurava frouxamente até o chão. A<br />
noite devia havê-lo cansado. Pensou em deixá-lo para que se recuperasse, mas<br />
a tentação já tinha feito presa nela. Aquele braço pendente estava à perfeição<br />
para o que ela queria. Faria isso agora, o amarraria tal como ele tinha feito ela.<br />
Para sua surpresa, o sono de Edward estava muito mais leve que o seu.<br />
Ele deu um resfolego e se ergueu de repente antes que terminasse com o<br />
primeiro pulso. Posou o olhar onde ela o tinha amarrado, à perna central do<br />
sofá.<br />
—Que diabos está fazendo?<br />
Florence tremeu. Aquela não era a reação que ela esperava.<br />
—Oh... sinto muito. cometi um engano? Acaso é algo que não deveria<br />
fazer uma mulher?<br />
—Certamente é algo que nenhuma mulher deveria fazer a mim.<br />
Ela retrocedeu e deixou ele mesmo desatar o nó.<br />
—Sinto muito. Não deveria haver despertado. Está de mau humor.<br />
—Não acontece na<strong>da</strong> a meu humor! – ele exclamou e ficou olhando até<br />
que Florence sentiu que ardiam suas bochechas. E então ele exalou profundo<br />
—. me escute, Florence, sinto haver grunhido desta maneira, mas parece que<br />
não entendeu o que aconteceu ontem à noite.<br />
—O que não entendi? – ela disse, com voz quebradiça.<br />
—Não digo que seja tua culpa. Assumo plena responsabili<strong>da</strong>de. É uma<br />
mulher que carece de experiência e, bem, eu necessitava de uma mulher. Sei<br />
que não há nenhuma desculpa. Só que assim é a vi<strong>da</strong>. —Ao terminar, abriu as<br />
mãos, como expressando uma negação ain<strong>da</strong> mais clara que suas palavras<br />
para aludir a sua responsabili<strong>da</strong>de. Florence ficou olhando aquele gesto com<br />
uma sensação de per<strong>da</strong> <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de. Parecia que falava sério. Sua maneira de<br />
falar era como se tratasse de negócios—. O importante –seguiu, pausa<strong>da</strong>mente<br />
–é que falei com Freddie. Como suspeitava, não era sua intenção te <strong>da</strong>r a<br />
impressão de que tinha perdido interesse no matrimônio. Ao contrário, está<br />
totalmente preparado para seguir adiante com as bo<strong>da</strong>s.<br />
Para seguir adiante, pensou Florence. Eis aí uma elegante maneira de<br />
falar. Mas Edward não tinha acabado.<br />
—Tenho que partir amanhã –anunciou—. Tenho coisas pendentes na<br />
fábrica. Espero que você e Freddie desfrutem deste tempo para solucionar seus<br />
problemas. Para quando voltar, espero que terá esquecido de tudo..., de tudo.<br />
O que aconteceu ontem à noite não deve voltar a acontecer jamais.<br />
O dedo que agitava diante de sua cara devolveu a Florence à reali<strong>da</strong>de.<br />
—Então, que intenção tinha ao me <strong>da</strong>r isto? –perguntou, estendendo<br />
bruscamente a mão acusatória.<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
Ele ficou olhando o anel de seu pai como se jamais o tivesse visto antes.<br />
—De onde o tirou?<br />
—Você o deixou sobre minha almofa<strong>da</strong>.<br />
— Por que eu faria isso? Diabos. –esfregou o rosto com as duas mãos—. Eu<br />
deveria estar cansado durante a noite. Estou acostumado a acontecer quando<br />
me esfrio.<br />
—Então é um milagre que não o tenha perdido.<br />
Edward deixou de esfregar o rosto. A olhou entre os dedos e deixou cair as<br />
mãos. Parecia tão cansado que Florence quis retirar suas palavras. Como podia<br />
ser tão cruel e, de uma vez, <strong>da</strong>r a sensação de que era ele a quem tinham<br />
quebrado o coração?<br />
Estúpi<strong>da</strong> Florence, pensou, sentindo o mesmo cansaço que delatava seu<br />
olhar. Estúpi<strong>da</strong>, volúvel Florence. De repente ergueu os ombros e apertou as<br />
mãos.<br />
— Me acaba de dizer que o que aconteceu ontem à noite não tem nenhum<br />
significado para você. Absolutamente nenhum.<br />
Ele deixou cair as mãos sobre seus joelhos, os dedos soltos, os ombros<br />
curvados por um peso invisível.<br />
— Desfrutei do que fizemos –reconheceu—, mas não significou mais que<br />
isso. Ela olhou em seu rosto, tentando encontrar a marca do mal, o sinal que<br />
deveria ter lido. A única coisa que encontrou era aquilo que tinha aprendido a<br />
amar, o nariz orgulhoso e agudo, as sobrancelhas irrita<strong>da</strong>s, os olhos cor céu do<br />
verão.<br />
—Não merecia havê-lo desfrutado – disse, com a voz tremendo de raiva—.<br />
Os homens como você não merecem desfrutar de na<strong>da</strong>.<br />
Ele desviou o olhar mas guardou silêncio. Não tentou explicar nem pedir<br />
perdão nem pensar de nenhuma <strong>da</strong>s coisas que ela esperava escutar de todo<br />
coração. É um engano, quis gritar. Você me ama. Sei que me ama. Observou<br />
que uma grosa veia palpitava descompassa<strong>da</strong>mente no pescoço.<br />
E então deu meia volta.<br />
Florence percorreu o corredor do segundo an<strong>da</strong>r como uma sonâmbula,<br />
cega diante dos retratos antigos, sur<strong>da</strong> aos passos cautelosos de uma cria<strong>da</strong>.<br />
Tinha querido acreditar com convicção que Edward a amava que tinha chegado<br />
a se convencer de que era ver<strong>da</strong>de. Catherine Exeter tinha razão. Era fácil<br />
enganar às mulheres. Com apenas um pequeno estímulo, colocavam a cabeça<br />
na bri<strong>da</strong> e aos homens que amavam entregavam um chicote.<br />
Deus meu. Deu uns passos incertos quando levou a mão ao coração<br />
descompassado o que faria agora?<br />
Uma parte dela, a parte débil, queria ficar à mercê de Freddie, se case,<br />
dizia, implorava, a parte débil. me dê segurança..<br />
Entretanto, se disse o que Edward disse, ela sabia que Freddie não a<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
queria como esposa. Tinha visto em seus olhos. Tinha sentido em seu beijo.<br />
Sem dúvi<strong>da</strong> haveria dito sim que a queria porque era difícil não atender aos<br />
desejos de Edward.<br />
Ela mesma sabia por experiência tão difícil podia ser se opor a ele.<br />
Enquanto seguia, deslizou os dedos ao longo <strong>da</strong> suave parede de cor curry<br />
dourado. Teria que falar com Freddie. Não estava segura do que devia lhe dizer.<br />
O que seu irmão tinha comprometido sua virtude, e logo a tinha tratado como<br />
um objeto que se encontrou no estábulo? Freddie admirava seu irmão. Não<br />
parecia justo destruir esse vínculo. Mas tinha que dizer algo para explicar por<br />
que não podia permanecer nem um só minuto mais nessa casa.<br />
Perdi<strong>da</strong> em seus pensamentos, sua mão percorreu o brilhante corrimão de<br />
mogno que marcava o giro <strong>da</strong> grande esca<strong>da</strong> para a planta baixa. Baixou até o<br />
primeiro patamar.<br />
Acaso Freddie a devolveria a Keswick? Retornar a Londres estava<br />
descartado. Embora pudesse enfrentar a isso, não tinha dinheiro para<br />
embarcar nessa empresa. Tia Hypatia certamente deixaria de emprestar apoio.<br />
<strong>Além</strong> disso, chegou a duvi<strong>da</strong>r de que inclusive a duquesa pudesse repara o<br />
<strong>da</strong>no que a ruptura do compromisso faria a sua reputação.<br />
Eram muitas coisas que decidir. Explicaria a Freddie o mais delica<strong>da</strong>mente<br />
possível. Ele era um homem inteligente. E era ver<strong>da</strong>de que tinha afeto por ele.<br />
Talvez, veria alguma solução que ela não tinha visto.<br />
Sua sensação de pânico diminuiu quando se aproximou de suas<br />
dependências. A idéia de ser estreita<strong>da</strong> com afeto, embora não fora mais que<br />
por um momento, era como um raio de luz em uma tormenta. Apressou o<br />
passo, e cruzou rapi<strong>da</strong>mente pela sala de bilhar para a ala que ocupava a<br />
família. Bateu na porta com golpe suave e logo a abriu, muito impaciente para<br />
esperar a vinha de Freddie.<br />
No começo não entendia o que seus olhos viam. Sim, sabia que as duas<br />
altas figuras junto à janela estavam se beijando. No entanto, tinham as bocas<br />
aperta<strong>da</strong>s uma contra outra, e suas respectivas mãos agarrando um ao outro<br />
pelo traseiro. A camisa de um deles tinha todos os botões abertos exceto três,<br />
com a conseguinte abertura por cima do ombro. O tecido pendurava até o<br />
cotovelo, deixando nu uns poderosos bíceps e umas costas belas e musculosas.<br />
Demorou só um momento em se <strong>da</strong>r conta de que aquelas era as costas de<br />
Freddie, e demorou algo mais em identificar a seu companheiro como Nigel.<br />
O mordomo de Edward gemia na boca de Freddie como se preferisse<br />
morrer antes que se deter. E Freddie o beijava com todo o apetite que,<br />
conforme havia sustenido era incapaz de sentir por ela. Florence viu línguas e<br />
dentes. Viu uns nódulos que pálidos e pescoços suarentos. Os dois apertavam<br />
seus quadris como gatos no cio. Pelo visão que Florence teve do espaço que<br />
mediava ente aqueles quadris, os dois estavam visivelmente excitados.<br />
Quis recuperar o fôlego como se uma enorme mão a tivesse estado<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
sujeitando sob a água e só agora a deixasse subir a respirar. Ante esse ruído,<br />
os dois homens se separaram rapi<strong>da</strong>mente, como se fossem dois culpados.<br />
Freddie deixou escapar uma maldição em surdina. Nigel ficou branco.<br />
—Florence – disse Freddie, jogando para trás seu cabelo completamente<br />
revolto.<br />
Florence era incapaz de olhá-lo aos olhos. Freddie parecia com Edward<br />
justo depois de que ela o tinha pego em sua boca, gotejando luxúria por todos<br />
os poros. Sua mente girou, turva<strong>da</strong> pela estupefação. Freddie e Nigel. Nigel e<br />
Freddie. Era algo muito inusitado para compreender.<br />
—Me perdoem – disse, começando a retroceder—. Devia esperar até que<br />
respondessem quando bati na porta.<br />
Freddie e Nigel trocaram um olhar.<br />
—Bateu na porta? –inquiriu Freddie—. Por todos os...! Não vá, Florence.<br />
Temos que falar. Por favor.<br />
A intensi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>quele pedido a deteve. Levou as mãos por debaixo do<br />
peito, como se com esse gesto pudesse se proteger de maiores <strong>da</strong>nos.<br />
—Não sei o que podemos nos dizer, exceto agora acredito que entendo<br />
por que não quer se casar comigo.<br />
—Não poderia entender. Não tudo. –Com um grunhido de irritação que<br />
recor<strong>da</strong>va dolorosamente a seu irmão, Freddie puxou a camisa e a arrumou<br />
sobre o ombro—. Maldito seja Edward e seus ridículos planos.<br />
—Edward? – O coração de Florence deu um salto—. O que tem haver<br />
Edward com isto?<br />
Freddie se sentou na beira <strong>da</strong> cama, com as pernas estira<strong>da</strong>s<br />
despreocupa<strong>da</strong>mente, seu rosto expressando uma compaixão tão profun<strong>da</strong> que<br />
Florence teve medo.<br />
—Entre Florence. Contarei tudo isso.<br />
—Devo ir – disse Nigel.<br />
Freddie assentiu com um gesto de cabeça e, nesse gesto, Florence<br />
adivinhou que se ocultava uma história secreta. Durante um estranho<br />
momento, apesar de tudo o que tinha acontecido, sentiu uma ponta<strong>da</strong> de<br />
inveja. Aqueles dois compartilhavam um vínculo que ninguém mais podia<br />
participar.<br />
—Não faça na<strong>da</strong> – disse Freddie.<br />
—Não – Nigel, a voz acalma<strong>da</strong>, mas grave—. Não farei na<strong>da</strong> até que volte<br />
a falar contigo. –Vacilou ao passar junto de Florence e logo se deteve—. Não<br />
posso expressar quanto lamento todo isto, senhorita Fairleigh. Nenhum dos<br />
dois tinha a intenção de ... Digamos que me dou conta de que com minha<br />
maneira de atuar traí profun<strong>da</strong>mente sua confiança. Se houver algo que possa<br />
fazer para ajudá-la, estaria encantado de me emprestar a isso.<br />
Bem poderia ter estado falando em sânscrito. Ao parecer, Nigel entendeu<br />
o que acontecia, e seguiu até a porta. Florence o viu sair, enquanto seu cérebro<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
não fazia outra coisa que girar em ban<strong>da</strong>. Observou suas largas pernas<br />
elegantes, a contratura orgulhosa de seus ombros e sua cabeça. Uma cabeça<br />
pequena, belamente forma<strong>da</strong> sob seu cabelo curto prateado. Os dedos <strong>da</strong> mão<br />
com que fechou a porta eram finos e afiados. Quando a mão desapareceu, ela<br />
se voltou para Freddie.<br />
—Suponho que é um homem, não? –inquiriu, mais confundi<strong>da</strong> do que<br />
jamais tinha estado em sua vi<strong>da</strong>.<br />
Freddie riu um som seco e rouco.<br />
—Sim, é um homem. Se não o fosse, não o teria beijado dessa maneira.<br />
—Só você gosta de beijar aos homens?<br />
O sorriso de Freddie tinha um esgar de tristeza. Separou uma mecha de<br />
cabelo que tinha soltado do seu coque.<br />
—Não me incomodou ter te beijado, queri<strong>da</strong>, mas temo que é ver<strong>da</strong>de. Em<br />
reali<strong>da</strong>de, só eu gosto de beijar aos homens. Suponho que é uma questão de<br />
nascimento.<br />
—Mas, como podia saber?<br />
Freddie se encolheu de ombros.<br />
—Edward acredita que tudo aconteceu em Eton. Culpa a si mesmo por ter<br />
enviado a estu<strong>da</strong>r lá. Existe uma tradição segundo a qual os alunos maiores<br />
maltratam aos menores. Convertem em criados pessoais. Dão quarenta<br />
chicota<strong>da</strong>s por infrações imaginárias. Às vezes, parte dessa servidão implica<br />
favores mais íntimos.<br />
—Os beijos – ela disse, tentando compreender.<br />
Freddie manteve fixo seu olhar nela.<br />
—Mais que beijos. Os meninos aprendem a se <strong>da</strong>r aos prazeres muito<br />
jovens, e a alguns não importa que deem uma mão. Uns poucos, como eu,<br />
preferem uma mão masculina. A primeira vez que um menino me pediu que a<br />
fizesse, me senti como se tivessem tirado de meus olhos dois grandes véus. De<br />
repente, o que eu sempre tinha querido estava claro.<br />
Ele pegou suas mãos e as apertou, seus olhos despedindo um fogo<br />
trêmulo e quente.<br />
—Sei que há pessoas que dizem que não é natural, Florence. Sei que<br />
dizem que é um pecado. Mas eu não vivo como um pecado. O vivo tal como<br />
Deus me criou.<br />
—Não acredito que seja um pecador – ela disse. As palavras vinham<br />
lentamente ao pensamento enquanto procurava no torvelinho de suas<br />
emoções—. Possivelmente, se não te conhecesse, pensaria que o é, mas<br />
sempre pensei que é um homem bom e generoso. Meu pai estava acostumado<br />
a dizer que Deus pesa os pecados de ca<strong>da</strong> homem em privado. Não podemos<br />
prender saber do que parecem as balanças.<br />
—Seu pai soa como um homem sábio.<br />
Um sorriso de lembranças se insinuou nos lábios de Florence.<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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Emma Holly<br />
—Quando se tratava dos corações de outras pessoas, sim.<br />
—De modo que posso ter a esperança de que a filha do pároco me<br />
perdoa?<br />
—Não estou segura de que necessite meu perdão.<br />
Com um suspiro, Freddie levou uma de suas mãos à boca.<br />
—Temo que há mais, Florence, mais coisas que tem direito de saber<br />
Considerando o que acabava de ver, a história do criado não a<br />
surpreendeu. Foi mais inquietante descobrir que o senhor Mowbry também era<br />
o advogado de Edward. Saber que o velho amigo de seu pai se proposto aju<strong>da</strong>r<br />
Edward a salvar a reputação de Freddie e planejar uma união com ela a deixou<br />
boquiaberta. E então, quando pensou que não podia suportar outro golpe,<br />
Freddie revelou que tia Hypatia tinha acessado a colaborar.<br />
—Eles sabiam? – ela perguntou, e o rosto ardia um instante e ao seguinte<br />
era de gelo. Em seu peito, o assombro se debatia com a ira—. Tia Hypatia e<br />
Edward? Sabiam como você é, ain<strong>da</strong> assim, queriam que me casasse contigo?<br />
—Eles não viam dessa maneira. Pensavam que poderia superá-lo. Sabiam<br />
que você necessitava um marido e pensaram que eu seria tão bom como<br />
qualquer.<br />
—Mas me enganaram! Me fizeram acreditar que você realmente sentia<br />
algo por mim.<br />
Ele segurou seu rosto pelo queixo.<br />
—Sim, sinto algo. Isso nunca foi uma mentira. Se Nigel e eu não<br />
houvéssemos... Quer dizer, se não houvéssemos...<br />
—Vamos, continua – ela disse, bruscamente, com um gesto de ira que<br />
podia medir com o <strong>da</strong> duquesa—. Se você e Nigel não tivessem se apaixonado,<br />
poderia ter levado to<strong>da</strong> uma vi<strong>da</strong> me enganando.<br />
Freddie empalideceu como se Florence houvesse dito uma ver<strong>da</strong>de que<br />
não estava preparado para reconhecer. Deixou cair o braço.<br />
—Florence...<br />
Já não importava o que tivesse que dizer.<br />
—São uns mentirosos, todos vocês! Mentirosos e trapaceiros. E Edward é o<br />
pior de todos. Meu Deus! –o tom de sua voz subiu descontrola<strong>da</strong>mente e<br />
Florence retorceu as mãos na saia como se tivesse a intenção de rasgá-la e se<br />
desprender dela—. Não posso acreditar que realmente me preocupava o que<br />
ele pensasse de mim. Não me explico por que tentei ganhar seu respeito. É um<br />
inseto. Um inseto que não vale nem o esforço que terei fazer para esmagá-lo!<br />
—Florence – reprovou Freddie, e um sorriso se insinuou na comissura de<br />
seus lábios.<br />
Enterrou o indicador no seu peito.<br />
—É um malvado asqueroso e repugnante!<br />
Freddie agarrou a mão e tentou acalmá-la. Florence se surpreendeu ao ver<br />
que ain<strong>da</strong> usava o anel de Edward. Antes que ele pudesse vê-lo, retirou<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
bruscamente a mão. O queixo tremia, mas estava decidi<strong>da</strong> a não chorar.<br />
—Não o julgue com tanta dureza – Freddie disse, e desapareceu todo<br />
brilho de humor—. Não digo que seus métodos fossem perfeitos, mas o que<br />
fez, o fez por amor. Protegeria <strong>da</strong> mesma maneira a qualquer um que ama.<br />
Incluindo a você<br />
—Já! –ladrou Florence. Limpou os olhos com a manga antes que<br />
derramasse uma lágrima—. Esta aí um bom conto para ir à cama. Edward<br />
proteger a mim? Seria o primeiro em <strong>da</strong>r a martela<strong>da</strong> para afun<strong>da</strong>r o prego.<br />
Freddie quis protestar, mas ela já tinha escutado o suficiente. Cega pela<br />
emoção, deu meia volta e saiu do quarto. Não tinha por que correr. A feri<strong>da</strong> de<br />
Freddie não permitiria segui-la.<br />
Víbora, pensou, <strong>da</strong>ndo grandes perna<strong>da</strong>s que faziam voar seu vestido. Que<br />
idiota tinha sido em imaginar que Edward tinha um coração. Subiu as esca<strong>da</strong>s<br />
de dois em dois com o fôlego entrecortado pela raiva e a vergonha.<br />
Todos tinham rido dela, mas só Edward a tinha convertido em uma mulher<br />
que sofre os enganos do amor.<br />
Capitulo 13<br />
—Não entendo por que temos que partir — murmurou Lizzie por enésima<br />
vez desde que Florence havia dito que fizesse as malas—. Ao menos por que<br />
tão depressa. Se estiver decidi<strong>da</strong> voltar para Keswick, o visconde Burbrooke se<br />
ocupará de que a levem.<br />
A ignorando delibera<strong>da</strong>mente, Florence franziu o cenho ao olhar o<br />
conteúdo de seu enxoval. Por ordem <strong>da</strong> duquesa, tinham disposto <strong>da</strong> maioria<br />
de seus vestidos antigos. Ficavam muito poucos para levar, só os que havia<br />
trazido com ela de Londres. Com uma careta de desgosto, escolheu os mais<br />
singelos dos vestidos novos. Se as coisas piorassem, poderia vendê-los pelo<br />
preço de um bilhete de trem.<br />
Aquela ideia não a fazia se sentir na<strong>da</strong> cômo<strong>da</strong>. Em reali<strong>da</strong>de, aqueles<br />
vestidos pertenciam a tia Hypatia.<br />
Lizzie aceitou o primeiro, um vestido de musselina de um ligeiro tom<br />
amarelo. O alisou sobre a cama, logo o pregou cui<strong>da</strong>dosamente. Florence já<br />
tinha advertido que não levariam baús na bagagem, só o que as duas<br />
pudessem conduzir em suas respectivas malas.<br />
—Não sei o que pensar o que fará em Keswick — grunhiu Lizzie, <strong>da</strong>ndo<br />
amostras de que sua irritação não minguava.<br />
— Me oferecerei como <strong>da</strong>ma de companhia — Florence disse com mais<br />
confiança do que realmente sentia.<br />
—Já. —Lizzie manuseou a costura de uma prisão fortifica<strong>da</strong>—. Essas<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
pobres velhas não têm mais dinheiro que nós.<br />
—Então terei que convencer a mais de uma para que me contratem.<br />
Dedicarei a reunir um perfeito harém de velhinhas decrépitas.<br />
Agarra<strong>da</strong> por surpresa, Lizzie não pôde reprimir a risa<strong>da</strong>. Mas não<br />
demorou para recuperar sua serie<strong>da</strong>de.<br />
—Não está bem, isso de que você e milorde Freddie se separem.<br />
Qualquer seja o motivo de sua desavença, estou segura de que poderão<br />
solucionar. <strong>Além</strong> disso... —disse com o olhar nublado—, eu não gosto <strong>da</strong> ideia<br />
de ter que ficar com aquela amiga <strong>da</strong> duquesa. Escutei como falam dela os<br />
criados. Dizem que está endoideci<strong>da</strong>.<br />
—Não é nenhuma endoideci<strong>da</strong> — repreendeu Florence, se esforçando em<br />
conservar a paciência—. É uma mulher que viveu não poucos problemas. Igual<br />
a nós.<br />
—Mas...<br />
O mau humor de Florence estava mitigado pela culpa que sentia em<br />
obrigar Lizzie abandonar aquele cômodo lugar, e pela angústia de ter que<br />
abandonar ela mesma.<br />
—Então, fica — disse—. Estou segura de que o conde te encontrará uma<br />
posição. Sempre há alguma possibili<strong>da</strong>de de trabalhar na cozinha.<br />
Lizzie empalideceu. Florence se arrependeu imediatamente.<br />
—Diabos —disse —. Não queria dizer isso. Edward não te man<strong>da</strong>ria<br />
esfregar potes. Estou segura de que se o pedisse, encontraria uma posição<br />
como cria<strong>da</strong> de uma boa senhora entre seus amigos.<br />
—Mas, mas... —Lizzie começou a soluçar—. Não quero ser a cria<strong>da</strong> de<br />
ninguém exceto a sua.<br />
—E bem — Florence disse, com um humor que pensava ter perdido—, o<br />
que passa é que, ao parecer, já não me converterei em senhora.<br />
—Isso não é ver<strong>da</strong>de! —exclamou Lizzie, e se lançou a seus braços—. Eu<br />
sei que não é ver<strong>da</strong>de.<br />
Florence deu uns tapinhas nas costas. Sentia um alívio especial ao<br />
consolar à pequena cria<strong>da</strong>. Pobre Lizzie. Priva<strong>da</strong> de sua luz de gás e de sua<br />
água corrente. Decidiu qualquer que fosse o destino que adotassem os<br />
acontecimentos para ela, pediria a Edward que a aju<strong>da</strong>sse. Estava segura de<br />
que a aju<strong>da</strong>ria, embora não poderia haver dito de onde vinha essa certeza.<br />
—Talvez pudesse se casar com o duque, como alternativa —murmurou<br />
Lizzie, deixando correr suas lágrimas sobre o pescoço de Florence.<br />
Meu Deus pensou Florence. Deus me libere desse destino.<br />
A porta <strong>da</strong> casa de Catherine foi aberta por uma visão, uma mulher<br />
vesti<strong>da</strong> de se<strong>da</strong> cor lavan<strong>da</strong> e encaixe. Maravilhosamente loira,<br />
irrepreensivelmente feminina, a sobrinha de Catherine era ain<strong>da</strong> mais bonita<br />
em pessoa que no retrato.<br />
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Emma Holly<br />
—Olha, olha — disse com um olhar vazio e lábios um pouco torcidos—, é a<br />
fabulosa Florence Fairleigh.<br />
No estado de desassossego que padecia Florence, essa sau<strong>da</strong>ção<br />
condescendente foi mais que suficiente para intimidá-la.<br />
—Sinto muito — disse, retrocedendo—, vim em um mau momento.<br />
Imogene reagiu imediatamente.<br />
—Na<strong>da</strong> disso — disse, agarrando Florence pelo braço—. Minha tia jamais<br />
me perdoaria se permitisse que se vão. É evidente que necessitam de aju<strong>da</strong>.<br />
Se de algum jeito me desculpar por minhas horríveis maneiras, estaria<br />
encanta<strong>da</strong> de aju<strong>da</strong>r como posso.<br />
Com aquelas bonitas palavras, fez entrar sua convi<strong>da</strong><strong>da</strong>. Florence sabia<br />
com muita dificul<strong>da</strong>de o que fazer com aquela criatura cambiável, o que fazer<br />
de suas adoça<strong>da</strong>s exclamações de preocupação. Quaisquer que fossem os<br />
motivos de Imogene, Florence não teve a vontade necessária para resistir a<br />
sua acolhi<strong>da</strong>. Um pouco menos contente, Lizzie a seguiu com seus pequenos<br />
passos.<br />
Catherine se apresentou no salão para ouvi-las chegar. Assim que viu<br />
Florence, a agarrou e a abraçou.<br />
—Pobrezinha queri<strong>da</strong> — disse, com um tom tão maternal que Florence<br />
sentiu um nó na garganta—. Já temia que isto acontecesse. Jamais houve uma<br />
mulher que amasse a um Greystowe que não acabasse conhecendo o<br />
sofrimento.<br />
—Não vai me dizer que Freddie te deixou planta<strong>da</strong>? —murmurou Imogene.<br />
Florence pensou um momento na familiari<strong>da</strong>de <strong>da</strong>quela pergunta, mas ficava<br />
difícil se sentir ofendi<strong>da</strong>. A curiosi<strong>da</strong>de de Imogene era tão delica<strong>da</strong> como ela<br />
mesma. Ficava suspensa no ar como o teia <strong>da</strong> aranha, apenas visível.<br />
Se separou dos abraços de Catherine e secou as lágrimas. As duas<br />
mulheres a observavam com um sotaque gentil no olhar, as pestanas (umas<br />
loiras, as outras chapea<strong>da</strong>s) eleva<strong>da</strong>s em idênticos e magros arcos. Apesar de<br />
sua generosi<strong>da</strong>de, Florence não foi capaz de responder.<br />
Nem sequer agora podia falar mal dos Burbrooke.<br />
—Não — pensou Imogene em voz alta, e com seus olhos cinza e mansos<br />
escrutinou seu rosto—. Freddie Burbrooke não vai por aí rompendo corações,<br />
mas que é o maior...<br />
—Cala — brigou Catherine antes que Florence pudesse fazer outra coisa<br />
que morder o lábio—. Claramente, esta garota está sofrendo. Não devemos<br />
importuná-la com perguntas. Já é suficiente com que esteja aqui, queri<strong>da</strong>. Não<br />
pedimos mais que isso.<br />
Catherine Exeter não queria nem ouvir falar <strong>da</strong> parti<strong>da</strong> de Florence,<br />
embora sua presença, soma<strong>da</strong> a de Imogene, <strong>da</strong>ria mais trabalho aos criados<br />
<strong>da</strong>quele humilde lar.<br />
—Sua garota pode se alojar com a minha no sótão. Estou segura de que o<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
encontrará perfeitamente acolhedor.<br />
Florence teria preferido que Lizzie permanecesse com ela, mas, não contar<br />
com apoio algum (ao parecer, nem sequer o <strong>da</strong> própria Lizzie) não teve<br />
vontade de se opor a esta disposição.<br />
— Você muito generosa — disse, com lágrimas nos olhos.<br />
Sem deixar de tagarelar, Catherine a conduziu aos aposentos de<br />
convi<strong>da</strong>dos no segundo an<strong>da</strong>r. Florence se sentia mais agradeci<strong>da</strong> do que<br />
tivesse podido expressar, e depois de desfazer de sua roupa umedeci<strong>da</strong> pela<br />
chuva, permitiu que a agasalhassem na cama.<br />
—Descansa — disse Catherine, e com sua mão fria acariciou sua testa—. O<br />
sonho é o melhor remédio para os corações destroçados.<br />
Ain<strong>da</strong> não era meio-dia, mas Florence estava esgota<strong>da</strong>. Bertha, a cria<strong>da</strong><br />
robusta e de cara triste, trouxe um belo edredom branco para abrigá-la. Olhou<br />
a suas costas antes de falar.<br />
—Pode ser que as coisas tenham melhor aspecto pela manhã — disse com<br />
uma voz rouca e saliente, como se tivesse medo de que a ouvissem—. Os<br />
homens não são tão maus como... como algumas pessoas queriam nos fazer<br />
acreditar.<br />
Florence sorriu, emociona<strong>da</strong> por seu conselho. Só desejava que fosse<br />
ver<strong>da</strong>de. Se despediu <strong>da</strong> emprega<strong>da</strong> com uma sau<strong>da</strong>ção de mão, e logo, com<br />
um suspiro de cansaço, se enroscou em torno de seu travesseiro engomado<br />
como um animal ferido em sua toca. Estava a salvo, ao menos por agora. Uma<br />
mulher em sua posição não podia pedir mais que isso.<br />
Pela primeira vez em muitos anos para poder recor<strong>da</strong>r, Edward bebeu com<br />
intenção de se embebe<strong>da</strong>r. As prateleiras <strong>da</strong> biblioteca se desdobravam a seu<br />
redor, a sabedoria de séculos entesoura<strong>da</strong> em seus tomos. Mas esses livros<br />
não seriam capazes de lhe aju<strong>da</strong>r, não mais que o álcool que agora bebia.<br />
Depois do quarto uísque, a cabeça <strong>da</strong>va voltas, tinha um amargo sabor na boca<br />
e ain<strong>da</strong> recor<strong>da</strong>va ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s malditas palavras que tinha pronunciado.<br />
Desfrutei o que fizemos, mas não significou mais que isso.<br />
Maldito bastardo pensou, os nervos esticados por aquela lembrança e pelo<br />
matraqueio infernal <strong>da</strong> chuva. Tinha vontade de jogar a garrafa contra a<br />
parede, embora não fosse mais que para interromper esse ruído. Seus dedos<br />
se prepararam para fazer. Felizmente, isso sim, ou infelizmente, Edward não<br />
era um homem que perdesse facilmente o controle. Com um cui<strong>da</strong>do<br />
exagerado, colocou a tampa de cristal esmerilhado no pescoço <strong>da</strong> garrafa.<br />
Assim que Florence abandonou seu escritório, soube que tinha cometido<br />
um terrível engano. O pior de sua vi<strong>da</strong>, um engano que mancharia sua alma<br />
até a morte. Se convenceu de que era preferível que ela deixasse de querê-lo.<br />
Entretanto, no final, o que tinha feito era ferir os dois. Sentia que seu coração<br />
rasgava no peito com ca<strong>da</strong> um dos passos de Florence ao partir. Seu raciocínio<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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Emma Holly<br />
pedia a gritos que a seguisse, que dissesse algo a ela, algo que fizesse retornar<br />
a adoração que tinha visto na noite anterior.<br />
Tinha tanta vontade de ir atrás dela que doíam todos os ossos do corpo.<br />
Mas não podia. Não podia abandonar Freddie. Edward não enganava a si<br />
mesmo. Florence era a última oportuni<strong>da</strong>de que Freddie tinha para se<br />
converter em um homem respeitável. Só um matrimônio assim permitiria<br />
recuperar seu lugar nesse mundo dele. Embora algumas pessoas duvi<strong>da</strong>ssem<br />
<strong>da</strong> sinceri<strong>da</strong>de dos votos pronunciados por seu irmão, saberiam que tinha a<br />
intenção de manter (ao menos levianamente) a imagem que a socie<strong>da</strong>de<br />
desejava projetar. Se Freddie se negava a entrar em razão, eles o despojariam<br />
para sempre de sua respeitabili<strong>da</strong>de.<br />
Meu Deus pensou, e deixou cair para trás a cabeça na poltrona de asa.<br />
Ain<strong>da</strong> via a expressão de Florence quando estendeu o anel de seu pai.<br />
Que‚ intenção tinha ao me <strong>da</strong>r isto? Tinha perguntado, e o único que ele atinou<br />
a pensar foi como assentava bem aquele cilindro dourado em seu dedo. Se ao<br />
menos tivesse tido a gentileza de <strong>da</strong>r de presente Se só tivesse podido amá-la<br />
como desejava.<br />
Agarrou os braços <strong>da</strong> poltrona até que a madeira rangeu com a força que<br />
exercia.<br />
Não podia deixar as coisas assim. Qualquer que fosse o custo, não podia<br />
deixar que Florence o odiasse.<br />
Levantou com um grunhido, como se suas extremi<strong>da</strong>des fossem pesos de<br />
chumbo. Com passos inseguros, percorreu os corredores vazios até suas<br />
dependências. Trocaria a roupa que levava posta <strong>da</strong> noite passa<strong>da</strong>. Escovaria<br />
os dentes e se pentearia. Logo falaria com Florence. Não sabia o que diria só<br />
que antes tinha que adotar um aspecto mais humano.<br />
Seu aju<strong>da</strong>nte de quarto, Lewis, o esperava em seus aposentos. Tinha um<br />
aspecto de uma vez triste e preocupado.<br />
—O que aconteceu? —perguntou Edward enquanto arrancava a gravata.<br />
Lewis se incorporou com rigidez militar.<br />
—Seu irmão partiu milorde. Junto com Nigel West.<br />
—Partiu? — Edward perguntou, congelando seu gesto.<br />
—Sim, milorde. Foram solucionar o conflito dos trabalhadores na fábrica.<br />
—Mas era eu quem tinha que se ocupar disso. Eu queria que Freddie e<br />
Florence... —Guardou silêncio e deixou um dos abotoadora sobre o armário de<br />
gavetas. O ônix lançou um leve brilho sob a luz opaca—. E diz que Nigel o<br />
acompanhava?<br />
—Sim, senhor. Seu irmão deixou esta nota para você. Disse que devia o<br />
entregar pessoalmente. —Lewis parecia desaprovar essa deman<strong>da</strong>. Edward<br />
nem sequer se deu conta. Se Nigel estava com Freddie, talvez não devesse se<br />
preocupar. Edward conhecia seu mordomo desde muitos anos, desde que o<br />
velho duque o tinha tomado sob sua tutela.<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
Nigel, filho de um guar<strong>da</strong>-florestal de Greystowe, era o moço mais<br />
inteligente <strong>da</strong> escola <strong>da</strong> aldeia. Muito inteligente para o exército, havia dito o<br />
velho duque, e o tinha enviado a Oxford. Ele e Freddie, certamente, não tinham<br />
tido uma relação estreita. Nigel era maior e de origem humilde, embora Freddie<br />
soubesse que era um modelo de virtudes quanto a retidão, meticuloso em seu<br />
sentido do bem e o mal, e quase tão fiel à família como o próprio Edward. Se<br />
viajava com ele, ao menos Freddie não provocaria mais escân<strong>da</strong>los.<br />
Nesse momento rompeu o selo <strong>da</strong> carta.<br />
—Meu Deus! —exclamou, ao ler as primeiras linhas.<br />
—Senhor? —disse Lewis.<br />
Edward o despediu com um gesto e se sentou na beira <strong>da</strong> cama. Com o<br />
coração pulsando a arrebentar no peito e as mãos que lhe tremiam, leu a nota<br />
de Freddie do começo.<br />
, começava.
Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
—Onde está Florence? —perguntou, quando Lewis tinha atendido a sua<br />
feri<strong>da</strong>. De repente, não pensava em outra coisa em vê-la. Algo teria que se<br />
salvar depois do naufrágio <strong>da</strong>quele dia.<br />
—A senhorita Fairleigh? —inquiriu Lewis, claramente assombrado por seu<br />
tom de voz—. Não sei. Em seus aposentos, suponho.<br />
Mas Florence não estava em seus aposentos. Tinha partido, levando mais<br />
<strong>da</strong> metade de sua roupa. Sua pequena cria<strong>da</strong>, Lizzie, também tinha recolhido<br />
seu equipamento. Edward ficou parado, como gru<strong>da</strong>do ao chão, entre os<br />
objetos dispersados de sua parti<strong>da</strong>, botas atira<strong>da</strong>s sobre o tapete, um punhado<br />
de grampos chapea<strong>da</strong>s, uma pequena luva rosa<strong>da</strong>. O sangue pulsava no seu<br />
corpo como se fosse um toque de defuntos.<br />
Florence tinha partido. Muito depressa para se despedir. Enquanto ele se<br />
dedicava a beber como um estúpido, ela tinha saído por essa porta.<br />
Ele a tinha afugentado. Tinha afugentado aos dois.<br />
Edward deixou ir a cabeça para trás, desesperado, e de seu peito escapou<br />
um rugido.<br />
Na manhã seguinte, a chuva se converteu em uma garoa o convi<strong>da</strong>ndo ao<br />
mau humor. Embora Edward tivesse descoberto onde estava Florence,<br />
qualquer triunfo que parecia como o êxito de seu trabalho foi prejudica<strong>da</strong> pela<br />
natureza do que ela tinha procurado refúgio.<br />
Não saberia com certeza se teria preferido que Florence tivesse se<br />
refugiado no inferno.<br />
Entretanto, terei que vencer aquele obstáculo. Não podia permitir que<br />
Florence permanecesse naquelas mãos tão pouco afetuosas. Terei que desafiar<br />
à bruxa em sua guari<strong>da</strong>, ou qual fora a metáfora que descrevesse às velhas<br />
solteironas.<br />
Se vestiu cui<strong>da</strong>dosamente com seu traje de montar e botas recém<br />
lustra<strong>da</strong>s. Sua camisa era imacula<strong>da</strong>, sua superiori<strong>da</strong>de tão serena como era<br />
possível. Talvez era sua imaginação, mas Sansón parecia resistente a se deter<br />
diante <strong>da</strong> casa de Catherine Exeter. Enquanto o potro sacudia a cabeça de<br />
cima abaixo, Edward atou as rédeas ao anel do madeiro de gancho.<br />
—É um cavalo sábio — murmurou, <strong>da</strong>ndo tapinhas no pescoço lustroso.<br />
Um cavalo com sorte, em reali<strong>da</strong>de, que podia ficar esperando fora.<br />
Com um sorriso sério, se dirigiu com passo decidido para a porta pelo<br />
atalho de pedrinhas. Foi a própria Catherine Exeter quem abriu. Não fingiu não<br />
conhecê-lo, embora desde aquele incidente com o Freddie e as famílias não<br />
tinham trocado mais de duas palavras. A animosi<strong>da</strong>de que Edward sentia pela<br />
mulher corria pelas suas veias. Florence era tão única, que podia ter<br />
conseguido levá-lo até seus domínios.<br />
Seu castigo se plantou com firmeza entre o corredor de entra<strong>da</strong> e ele.<br />
—É cedo para fazer visitas — disse a mulher.<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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Emma Holly<br />
—Já sabe por que vim.<br />
—Em reali<strong>da</strong>de — sorriu Catherine como um serafim perverso—, se fosse<br />
Freddie, entenderia por que veio. Ah, mas devo ter esquecido. Minha sobrinha<br />
me contou que você alimenta certa debili<strong>da</strong>de pela noiva de seu irmão. Isso<br />
está muito mal, muito mal. É uma conduta muito pouco prudente, lorde<br />
Greystowe.<br />
Edward apertava os dentes com tanta força que doeu a mandíbula. A<br />
relaxou o suficiente para falar.<br />
—Quero falar com ela.<br />
—Com certeza que sim. Entretanto, ela não quer vê-lo. Isso é o que passa<br />
quando se trata às mulheres como se fossem cães. Acabam tendo aversão à<br />
vocês.<br />
—Eu não tratei... —começou Edward, mas um movimento nas estreitas<br />
esca<strong>da</strong>s o distraiu do argumento que tinha em mente. Era Florence quem<br />
baixava. Levava um de seus velhos vestidos, uma mescla de flores rosa<strong>da</strong>s e<br />
amarelas. O algodão estava puído, as mangas eram muito largas e passa<strong>da</strong>s<br />
de mo<strong>da</strong>, embora para Edward o vestido foi uma visão tão deslumbrante como<br />
a se<strong>da</strong> mais fina. Seu olhar foi <strong>da</strong> prisão fortifica<strong>da</strong> do vestido de volta a ela.<br />
Que adorável era, que feminina em todos os sentidos <strong>da</strong> palavra.<br />
—Está bem, Catherine — disse Florence, com voz serena e suave—. Falarei<br />
com ele.<br />
—Mas, queri<strong>da</strong>...<br />
Florence apertou Catherine ligeiramente no ombro ossudo e pequeno.<br />
—É preferível acabar de uma vez por to<strong>da</strong>s.<br />
Depois de uma ligeira vacilação, Catherine consentiu.<br />
—Como você queira. Estarei no salão se necessitar.<br />
Florence ocupou seu lugar na porta. Pelo visto, nenhuma <strong>da</strong>s duas<br />
mulheres tinha a intenção de deixá-lo entrar. Mas isso não importava a Edward.<br />
Não era sua intenção penetrar na casa de Catherine Exeter, sempre e quando<br />
Florence voltasse para a sua.<br />
Durante alguns minutos, ele só atinou a olhá-la, atendendo à curva suave<br />
e rosa<strong>da</strong> de suas bochechas, o brilho de seu cabelo recolhido no alto <strong>da</strong><br />
cabeça, à palidez pouco habitual de sua frente. Tinha as pálpebras cansa<strong>da</strong>s, e<br />
seus olhos verdes cor grama escureciam com aqueles negros e brilhantes<br />
cílios. Sua boca era uma curva rosa<strong>da</strong> de cerejeiras em flor, imensamente<br />
doce. Quando Florence mordeu o lábio inferior, Edward sentiu um<br />
estremecimento de prazer na nuca. Se não fosse por Catherine, a teria beijado<br />
nesse momento e lugar.<br />
—Não sabe aonde vieste parar — disse.<br />
Ela levantou a cabeça.<br />
—Sim sei. E não tenho intenção alguma de ouvir como calúnias. Diga o<br />
que quer e acabemos de uma vez.<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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Fazendo um esforço, Edward relaxou as mãos.<br />
—Quero que volte para Greystowe.<br />
—Para que? —perguntou Florence e cruzou os braços por debaixo do peito<br />
—. Para que me case com seu irmão?<br />
Edward acreditou saber o que ela queria que dissesse, mas não conseguia<br />
articular as palavras. Queria fazê-lo, mas então pensava em Freddie, no futuro<br />
de Freddie como um ser marginalizado. Nem sequer agora era capaz de<br />
reclamá-la como sua própria mulher.<br />
—Não quero que me odeie — disse, e aquela deman<strong>da</strong> pareceu absur<strong>da</strong> a<br />
ele mesmo.<br />
—Não te odeio — disse Florence—. Me dá pena.<br />
Entretanto, o que ele percebeu em sua voz não era pena, e sim como o<br />
que via nos olhos de Catherine Exeter não era a essência <strong>da</strong> bon<strong>da</strong>de humana.<br />
—Tenho sentimentos por você — disse—. Já sei que é difícil para você<br />
acreditar, mas...<br />
—Pelo amor de Deus. —Com um gesto de visível desprezo, Florence o<br />
interrompeu—. Diz ter sentimentos por mim, eu não gostaria de ver como trata<br />
às pessoas que odeia. Deu procuração de minha inocência, Edward, e a<br />
arrastou pelo lodo.<br />
—Não dei procuração de sua inocência — ele alegou, com um assobio de<br />
voz, o bastante baixo para burlar aos ouvidos indiscretos—. Ain<strong>da</strong> é virgem.<br />
—Sim, certamente replicou ela. —Era inconcebível que seu irmão levasse<br />
para cama uma mulher que pecou.<br />
Seu golpe foi tão certeiro que Edward sentiu que uma on<strong>da</strong> de vergonha<br />
subia pelo seu pescoço. Como era natural, Florence também viu.<br />
—É um calhor<strong>da</strong> — disse, cuspindo as palavras—. Se não voltar a verte<br />
nunca mais, será muito pouco.<br />
Antes que ele pudesse pensar em uma resposta, fechou a porta de um<br />
golpe no nariz. Se tivesse sido Catherine Exeter, Edward provavelmente teria<br />
derrubado a porta. Mas Florence... O rechaço de Florence o deixou boquiaberto<br />
e sem fôlego. Balançou sobre os pés, os ouvidos zumbindo depois do golpe <strong>da</strong><br />
pesa<strong>da</strong> porta de madeira.<br />
Era ver<strong>da</strong>de que o odiava. O odiava tanto como Catherine Exeter tinha<br />
odiado a seu pai.<br />
Se sentia incapaz de enfrentar aquilo. Tinha que pensar. Tropeçou duas<br />
vezes enquanto caminhava de volta pelo atalho, sentindo até os músculos<br />
duros. Sansón lambeu sua mão enquanto ele agarrava torpemente as rédeas, e<br />
logo esperou paciente, que montasse. Quando Edward esteve sobre os arreios,<br />
se virou uma última vez para a casa.<br />
Ao princípio, pensou que era uma visão, uma projeção de pesadelo de sua<br />
culpa. Entretanto, quando piscou, a imagem não se desvaneceu. Era Imogene<br />
Hargreave que olhava pela janela do salão, seus olhos pálidos iluminados por<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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um prazer do mais escuro. Meu Deus pensou. O perigo que corria Florence era<br />
superior ao que tinha imaginado.<br />
Florence tinha tirado o anel de Edward. Agora o guar<strong>da</strong>va no bolso de seu<br />
vestido. Uma e outra vez fazia girar o anel dourado, e imaginava sua cara,<br />
ouvia suas palavras, enquanto Catherine tecia meias três - quartos para os<br />
pobres. Sua sobrinha levava o peso <strong>da</strong> conversação, e tagarelava alegremente<br />
de suas numerosas conquistas em Londres. A julgar por seus relatos, meia<br />
ci<strong>da</strong>de tinha caído rendi<strong>da</strong> a seus pés, um alarde que Florence não podia<br />
impugnar, considerando seu engenho e sua elegância e sua beleza de gata<br />
lisonjeadora se oferecendo como um confete ante sua pobre condição de<br />
camponesa.<br />
Meus sentimentos por você são ver<strong>da</strong>deiros, havia disse Edward. Não<br />
quero que me odeie.<br />
Por que iria dizer isso? Acaso era um jogo para ele? Observar com que<br />
cruel<strong>da</strong>de podia tratá-la e ain<strong>da</strong> assim, mantê-la suspensa em um fio?<br />
Meus sentimentos por você são ver<strong>da</strong>deiros, Florence.<br />
Inclusive agora, desejava acreditar. Fez estalar a língua, enoja<strong>da</strong> de si<br />
mesma. Se não tomasse cui<strong>da</strong>do, esse fio de Edward se converteria em uma<br />
cor<strong>da</strong> e a estrangularia.<br />
Catherine elevou a cabeça para ouvir a breve exclamação. Estava senta<strong>da</strong><br />
em sua cadeira de carvalho como um par<strong>da</strong>l vigilante, enquanto o tinido <strong>da</strong>s<br />
agulhas de tecer se tornou tão familiar para Florence como os batimentos de<br />
seu coração. Era o mesmo que faziam as <strong>da</strong>mas de Keswick para passar o<br />
tempo.<br />
—Está segura de que não quer nos aju<strong>da</strong>r? Talvez assim esqueça seus<br />
problemas.<br />
Florence tirou a mão do bolso e alisou a saia.<br />
—Temo que hoje não posso me concentrar em na<strong>da</strong>.<br />
—Como quiser — disse Catherine com esse tom aprazível dela. As agulhas<br />
voltaram a tilintar pensativamente antes que voltasse a falar—. Pode ser que<br />
não acredite queri<strong>da</strong>, mas faz bastante tempo tinha muito mais que meias três<br />
– quartos para oferecer. Quando papai estava vivo, antes que meu desprezível<br />
primo, se me perdoar a expressão, se apropriasse <strong>da</strong> mansão, na<strong>da</strong> tão<br />
imponente como Greystowe, isso sim, mas uma boa proprie<strong>da</strong>de, e próspera.<br />
OH, naquele tempo eram outros os bens que dávamos de presente aos pobres.<br />
Presuntos defumados e conservas e, OH, Deus todo, todo tipo de coisas<br />
encantadoras, algumas <strong>da</strong>s quais agradeceria ter hoje em dia. Mas assim é a<br />
vi<strong>da</strong>. Deus nos dá e Deus nos tira, embora por que tinha que <strong>da</strong>r tanto a esse<br />
pobre tolo de Jeffrey, não poderia te dizer. Ele tinha dinheiro de seu pai. Mas é<br />
assim como os homens arrumaram o mundo. Uma mulher não pode her<strong>da</strong>r a<br />
casa de seu pai e deve ser expulsa, goste ou não, e se arrumar com o melhor<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
que possa. E se não encontrar um marido...<br />
—Ai, ai! Mas estou segura de que tudo será para o melhor. As mulheres<br />
são mais fortes que os homens, já sabe. Somos capazes de carregar com estes<br />
fardos. E é preferível viver modestamente sob seu próprio teto que<br />
amplamente em casa de um déspota.<br />
—É claro que sim — conveio Imogene, enquanto passava as unhas afia<strong>da</strong>s<br />
por seu pescoço de cisne—. Aos homens terá que ensinar qual é seu lugar ou<br />
evitá-los de tudo. Um homem que uma mulher não possa controlar é um perigo<br />
muito grande ao se expor.<br />
Posto que Florence já tinha ouvido abun<strong>da</strong>ntes descrições sobre estes<br />
temas, sabia que não tinha que responder, só assentir de vez em quando e<br />
cantarolar canções. Agora, enquanto cantarolava, virou de um lado no sofá e<br />
apoio o queixo contra o respaldo. Desde que tinha deixado Greystowe, se<br />
sentia como se arrastasse grilhões e cadeias. Pesa<strong>da</strong>. Sem esperança. Todos<br />
seus sonhos se transformaram em dor. A suave la<strong>da</strong>inha de recriminações de<br />
Catherine parecia desenhar uma visão de seu futuro, tão triste como o tempo<br />
que reinava fora. Tinha alcançado em ver um mundo mais largo e agora<br />
sentiria falta. Com a ponta dos dedos, tocou um dos vidros molhados pela<br />
chuva. O caminho mais longe se perdia no manto de uma bruma cinzenta, tão<br />
espessa como a de Londres. E ali, no interior, não era menor a penumbra.<br />
Catherine não podia <strong>da</strong>r o luxo de gastar uns centavos para que ardessem as<br />
velas.<br />
Entretanto, bem aqui seus centavos agora alimentavam Florence.<br />
—Lamento que Freddie fosse embora—disse Florence, revelando uma<br />
informação que tinha irradiado Lizzie—. Sei que me teria acompanhado de<br />
volta a Keswick.<br />
—Não deve se preocupar com isso — disse Catherine—. Um pouco de<br />
companhia é um presente para uma anciã como eu. E para Imogene também,<br />
que foi tão generosa ao me visitar. Já, vejo que você, que estiveste<br />
ultimamente em Londres, é melhor público para suas anedotas.<br />
Imogene murmurou umas palavras agradáveis e falsas. Florence nunca<br />
tinha pertencido à socie<strong>da</strong>de como Imogene. Florence não era esse tipo de<br />
mulher. Florence era singela e aborreci<strong>da</strong> e infelizmente olvidável. Deixou<br />
escapar um suspiro suave e mortuário que foi incapaz de reprimir.<br />
—Vamos, vamos — repreendeu Catherine—. Aguenta queri<strong>da</strong>. O tempo<br />
sara tudo. Antes que te dê conta, terá se libertado <strong>da</strong> maldição dos Burbrooke.<br />
Acaso seria ver<strong>da</strong>de? Parecia que seu coração jamais voltaria a conhecer a<br />
ligeireza.<br />
Capitulo 14<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
Edward se deteve em uma distância prudente <strong>da</strong> cabana do pastor. Era<br />
uma singela, mas sóli<strong>da</strong> construção de pedra e palha. O jardim estava bem<br />
cui<strong>da</strong>do, as flores brilhavam com vi<strong>da</strong>, e uns quantos frangos brancos e gordos<br />
procuravam comi<strong>da</strong> fora do galinheiro. Edward não estava seguro de que os<br />
habitantes <strong>da</strong> casa apreciariam ser objeto de sua cari<strong>da</strong>de, mas Lizzie tinha<br />
informado que Catherine Exeter tinha a intenção de visitá-los esse dia.<br />
—No caso de te interessar — havia dito com gesto secreto, embora não<br />
houvesse ninguém nos arredores.<br />
O tinha procurado na rua, quando ele saía a <strong>da</strong>r seu passeio matutino com<br />
Sansón. Apesar do calor, Lizzie tinha posto o capuz para ocultar o rosto como<br />
um personagem em uma novela de mo<strong>da</strong>. A cesta do mercado que pendurava<br />
no braço delatava a desculpa que tinha utilizado para se ausentar <strong>da</strong> casa de<br />
Catherine Exeter. Edward teria rido de boa vontade ao vê-la em seu melodrama<br />
se não tivesse estado desesperado por ter alguma notícia de Florence. Nos<br />
últimos três dias o tinham despedido sem <strong>da</strong>r a menor possibili<strong>da</strong>de de vê-la.<br />
Começava a temer que teria que raptá-la para falar com ela.<br />
Por algum motivo, pensava que aquilo não melhoraria a opinião que<br />
Florence tinha dele.<br />
Agora, isso sim, tinha outra possibili<strong>da</strong>de graças a Lizzie.<br />
—A essa cria<strong>da</strong> dela, essa Bertha, não gosta de na<strong>da</strong> — confessou—. Me<br />
contou que a senhorita Exeter se dá uns grandes ares com seu papelão de<br />
mecenas. E essa senhora Hargreave nunca vai com ela. Está muito ocupa<strong>da</strong><br />
com seu padre de sonho. Mas eu conheço a senhorita Florence. Seguro que fica<br />
brincando com o bebê. Finge ter vergonha quando agra<strong>da</strong> aos meninos, mas<br />
não será capaz de resistir. E então poderá falar com ela.<br />
Edward esperava que assim acontecesse. Ao menos a maldita chuva tinha<br />
parado. Se sentia ridículo espiando atrás de um arbusto enquanto esperava<br />
que Catherine saísse. Quando a anciã finalmente saiu, sem acompanhante,<br />
Edward soube que a espera tinha valido a pena. Arrumou a gravata, alisou o<br />
cabelo e advertiu a si mesmo que não atuasse como um colegial apaixonado.<br />
Aquilo não foi de grande aju<strong>da</strong>. Tinha as palmas <strong>da</strong>s mãos umedeci<strong>da</strong>s quando<br />
golpeou nas pranchas <strong>da</strong> porta desbota<strong>da</strong>s pela intempérie.<br />
Do outro lado, a mulher de Bartle o olhou piscando e logo sorriu um sorriso<br />
lento e largo, como se soubesse precisamente por que tinha vindo.<br />
Talvez sabia. Talvez levava seu desejo de amante pintado na cara.<br />
—Lorde Greystowe — exclamou, abrindo a porta de tudo para saudá-lo—.<br />
Que amável de sua parte vir a nos visitar. Estava preparando o chá.<br />
Edward entrou com o chapéu na mão. A cabana dos Bartle tinha três<br />
cômodos, uma sala grande onde a família cozinhava e vivia e lavava, uma<br />
despensa para os mantimentos e um pequeno lugar separado por cortinas<br />
onde dormiam o senhor e a senhora Bartle. O chão de pedra estava<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
metodicamente varrido e as paredes recobertos por um gesso que tinha<br />
amarelado com o tempo. Uns ganchos de madeira serviam para pendurar a<br />
roupa em um ordenado desdobramento ao redor <strong>da</strong> sala. A roupa variava de<br />
talha, de menores a maior, e a maioria dos objetos eram uma amostra <strong>da</strong><br />
habili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> senhora Bartle com o fio e a agulha. Seu marido trazia para casa<br />
parte de seu pagamento em lã e a senhora Bartle a fiava e convertia em ouro.<br />
Brilhando em sua própria áurea doura<strong>da</strong>, Florence estava senta<strong>da</strong> em um<br />
ensolarado canto com uma criatura gordinha no colo. Uma pequena, de não<br />
mais de seis anos, car<strong>da</strong>va lã aos seus pés, e com os ombros roçava o joelho<br />
de Florence como se a tivesse conhecido to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong>. Edward cuidou de não<br />
olhar diretamente o motivo de sua visita.<br />
—Hei... vim ver como está seu marido —disse—. Soube que tem uma forte<br />
tosse.<br />
Era ver<strong>da</strong>de, embora soubesse disso fazia semanas.<br />
—Pois, está muito melhor — disse a senhora Bartle —. Por favor, agradeça<br />
à senhora Forster por seu chá.<br />
— Farei —ele respondeu e, por muito que pesasse, não soube que mais o<br />
que dizer. Sentia a presença de Florence como um peso a suas costas. Temia<br />
<strong>da</strong>r a volta e se encontrar com a censura de seu olhar, mas temia ain<strong>da</strong> mais<br />
que pedissem que fosse embora.<br />
Felizmente, a senhora Bartle se compadeceu dele. Era uma mulher boa e<br />
justa, como estava acostumado a dizer Angus Bartle. Robusta e loira, embora<br />
não tão loira como seus quatro filhos. Tinha aquele ar sereno e desenvolvido<br />
que algumas mulheres adquiria à medi<strong>da</strong> que aumenta sua prole.<br />
—Sem dúvi<strong>da</strong> conhece sua prima — disse, e o fez virar com um gesto<br />
amável para que a olhasse.<br />
—Florence — ele saudou, a comendo com o olhar. Com o menino nos<br />
braços, parecia uma Madona. Sua Madona. Nesse momento, teria <strong>da</strong>do seu<br />
braço direito por aquele bebê fosse deles.<br />
Ela manteve o olhar fixo na criatura agasalha<strong>da</strong>.<br />
—Edward — respondeu, pronunciando seu nome com um sussurro. Tinha o<br />
rosto rosado e a respiração acelera<strong>da</strong>. Ambas as coisas podiam ter sido<br />
consequência do desconforto, mas o organismo do Edward reagiu em posição<br />
de atenção tão rapi<strong>da</strong>mente que suas calças poderia haver incendiado. Parecia<br />
horrível e impensável que ele houvesse tocado suas partes mais íntimas, que a<br />
tivesse escutado suspirar de prazer e que agora não pudesse voltar a fazê-lo.<br />
Apenas ouviu a senhora Bartle murmurar algo sobre o chá, porque nesse<br />
momento cruzou a moradia para perto de Florence. Se sentou junto a ela<br />
naquele canto ensolarado. O sofá junto à janela era justo o bastante largo para<br />
os dois. A perna de Florence roçou a sua através de seu vestido floreado. Com<br />
aquele contato, sua luxúria não foi em aumento, mas sentiu um consolo tão<br />
profundo que se assustou. Tivesse querido se sentar ao sol com ela to<strong>da</strong> sua<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
vi<strong>da</strong>.<br />
O bebê começou a gemer quando Florence ficou tensa.<br />
—me deixe segurá-lo. —Só com a intenção de acalmá-la, Edward tirou a<br />
pesa<strong>da</strong> criança dos braços. O bebê abriu os olhos tão grandes eram e logo<br />
gesticulou junto a sua cara. Fascinado por sua energia, Edward fingiu comer o<br />
pequeno punho.<br />
—Como está nosso pequeno Ivan? —grunhiu—. Segue igual de terrível? —<br />
Ivan se retorceu excitado com aquele estímulo e começou a balbuciar sem<br />
parar.<br />
— O conhece? —perguntou Florence, que finalmente se dignou dirigir um<br />
olhar.<br />
—Claro que conheço o Ivan. Os Bartle são inquilinos de minhas terras.<br />
—E terá que dizer que ele é um bom dono — demarcou a senhora Bartle,<br />
chegando com duas xícaras fumegantes de chá—. Não poderia pedir na<strong>da</strong><br />
melhor. —Quando acabou de servir, entregou a sua filha uma pequena bolacha.<br />
A menina, que seguia apoia<strong>da</strong> contra o joelho de Florence, elevou um olhar de<br />
curiosi<strong>da</strong>de para Edward.<br />
— Você trouxe meias três - quartos? —inquiriu.<br />
—OH, não — respondeu Edward, confundido com a pergunta.<br />
—Parece-me bem — disse a menina—, porque ninguém tece meias três -<br />
quartos tão boas como as de mamãe.<br />
—Cala — brigou a senhora Bartle, embora Edward sabia que reprimia um<br />
sorriso.<br />
Não sabia se devia pedir uma explicação. Em seu lugar, conseguiu que o<br />
pequeno Ivan se sentasse e o acomodou junto ao peito no oco do braço.<br />
—Agora te tenho, pequeno. Vejamos se pode alcançar minha xícara de chá<br />
<strong>da</strong>qui.<br />
O bebê lançou um chiado de prazer e fez bater as asas às mãozinhas<br />
gordinhas. Com seus pés diminutos, deu umas bati<strong>da</strong>s sobre a coxa de Edward.<br />
Era um menino forte, forte e cheio de vi<strong>da</strong>.<br />
—É um pequeno gorila — riu Edward.<br />
—Igual a seu pai — conveio a senhora Bartle, que parecia alivia<strong>da</strong> de não<br />
ter que se ocupar por uma vez de seu filho menor. Sorriu com um olhar<br />
cauteloso por cima <strong>da</strong> bor<strong>da</strong> de sua xícara—. É muito bom com os bebês,<br />
Excelência. Quase tão bom como a senhorita Fairleigh.<br />
—Suponho que lembra quando Freddie tinha esta i<strong>da</strong>de — ele disse, e<br />
deixou a xícara no chão para limpar o pequeno Ivan um pouco de baba no<br />
queixo—. Para mim era melhor que um potro recém-nascido. Um bebê feliz,<br />
igual a este jovenzinho.<br />
Florence se levantou bruscamente de seu assento como se algo a tivesse<br />
picado.<br />
—Devo ir agora — disse, com voz tensa—. Catherine se perguntará o que<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
me aconteceu.<br />
—Acompanharei você de volta — disse Edward, levantando com a mesma<br />
rapidez.<br />
—OH, sim — disse a senhora Bartle, e se apressou a receber o seu filho—.<br />
Não deveria an<strong>da</strong>r sem companhia.<br />
Dava a impressão de que Florence não apreciava muito aquela solução,<br />
mas tal como ele tinha esperado, era muito correta para desatar uma rixa<br />
diante <strong>da</strong> senhora Bartle. Depois de assegurar à mulher do pastor que<br />
necessitaria os durante a colheita como todos os anos, ele e<br />
Florence se despediram. Lado a lado, caminharam pela terra verde e semea<strong>da</strong><br />
de rochas. Edward, com as mãos por detrás, Florence com as mãos prega<strong>da</strong>s<br />
por diante.<br />
—Você está bem? — Edward perguntou, quando ela manteve seu<br />
obstinado silêncio.<br />
Ela mordeu os lábios e caminhou mais rápido. Edward se assombrou ao<br />
ver que uma pequena criatura como ela podia caminhar tão depressa. Ao<br />
parecer, a vi<strong>da</strong> no campo tinha feito algo mais que <strong>da</strong>r essas bochechas<br />
rosa<strong>da</strong>s. No que pareceu um segundo, chegaram ao limite do bosque de terra<br />
que conduzia à rua de Catherine Exeter. Edward se debatia em uma derrota<br />
mental. Tinha que dizer algo. Ignorava quando voltaria a se apresentar outra<br />
oportuni<strong>da</strong>de.<br />
—É uma grande família a que tem a senhora Bartle — disse, pigarreando.<br />
Florence se deteve em seco.<br />
—Basta — disse, como se Edward a teria coberto de insultos—. Não é<br />
justo.<br />
—Como que não sou justo? — ele perguntou, aliviado porque se<br />
detiveram, mas confundido.<br />
—Estava brincando com esse bebê como se você gostasse, como se fora<br />
teu.<br />
—Sim eu gosto. Ivan é um bonito bebê e conheço Angus desde que era<br />
menino.<br />
Aquela explicação não satisfez Florence. Com um gesto de impaciência,<br />
afastou uma mecha de cabelo solto.<br />
—Sei o que está pensando — disse—. Está pensando que posso me casar<br />
com Freddie e ter bebês com ele. Pois não me prestarei a isso. Não me<br />
prestarei!<br />
Edward não tinha pensado em na<strong>da</strong> que parecesse. Que ela o acusasse<br />
era para ele um mistério. Apesar de sua feroz negação, Florence não parecia<br />
tão segura como tivesse querido. Animado, Edward se aventurou a tocar o<br />
braço. Ela retirou a mão de um puxão antes que seus dedos pudessem agarrála.<br />
—Não — disse, e levou o punho à boca. Seus olhos brilharam com uma<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
emoção conti<strong>da</strong>, uma cor mais intensa que o <strong>da</strong>s árvores no verão.<br />
Aquele brilho em seus olhos disse a ele que algo nela fraquejava. Pensou<br />
que Florence desejava o consolo que ele podia <strong>da</strong>r. Sem se atrever a respirar,<br />
se aproximou e atraiu a cabeça de Florence para seu peito. Seu coração deu<br />
um suspiro de prazer silencioso quando ela deixou, quando suas mãos o<br />
apertaram por ambos os lados <strong>da</strong>s costas. O sutil movimento de seus dedos<br />
em suas costelas, uma massagem suave e felina, fez sentir um<br />
estremecimento de prazer sensual entre suas pernas. Seu sexo despertou<br />
incapaz de fazer outra coisa, deliciosamente, quando ele se permitiu também<br />
enlaçá-la pelas costas, sem estreitá-la muito, só o suficiente para mantê-la<br />
perto dele.<br />
—Não esteja zanga<strong>da</strong>, Florence — murmurou—. Só tento emen<strong>da</strong>r minhas<br />
faltas.<br />
—Não há maneira de emen<strong>da</strong>r o que tem feito.<br />
Suas palavras eram apaga<strong>da</strong>s, ao bordo <strong>da</strong>s lágrimas. Ele murmurou seu<br />
nome e apertou seus lábios contra a pele cáli<strong>da</strong> e suave de sua frente. O<br />
desejo disparou nele como uma faca. Um desejo e um prazer muito profundo<br />
para as palavras. Queria agarrar a boca de Florence com a sua até que o<br />
desejo se derretesse como a cera e afogasse os dois. Infelizmente, o beijo que<br />
sim obteve, embora muito leve, pareceu recor<strong>da</strong>r a Florence o que tinha<br />
acontecido antes. Com um grito de impaciência, o empurrou pelo peito até que<br />
ele a soltou.<br />
—Não se aproxime de mim — disse, e sua advertência tremeu no ar como<br />
uma folha. Retrocedeu uns passos, e seu vestido roçou as samambaias na<br />
beira do atalho. Pôs uma distância de dois homens entre eles antes de se virar.<br />
Edward quis segui-la, mas o instinto aconselhou que a deixasse ir. Observou-a<br />
até que desapareceu entre o baile de sombras <strong>da</strong>s árvores. Ficou onde estava,<br />
parecido ao chão que cheirava a terra úmi<strong>da</strong>.<br />
Algo estava acontecendo em seu interior, uma mu<strong>da</strong>nça sutil, como a<br />
mu<strong>da</strong>nça <strong>da</strong>s marés. Sua acusação tinha orientado sua imaginação por um<br />
caminho pavoroso.<br />
Florence pensava que ele queria que casasse com Freddie, mas que se<br />
deitasse com ele.<br />
Não entendeu como tinha deixado que um plano dessa aparência<br />
passasse por sua cabeça. Acaso não via que aquilo desvirtuaria o que eles dois<br />
sentiam? Os dois se amaram, ain<strong>da</strong> se amavam, estava certo, não só com seus<br />
corpos, mas também com os corações.<br />
Florence jamais teria tido uma relação tão íntima com ele se isso não fosse<br />
ver<strong>da</strong>de. Florence não era uma dessas filhas enfastia<strong>da</strong>s <strong>da</strong> nobreza. Era a filha<br />
de um pároco, uma mulher boa e doce por direito próprio. O fato de que<br />
pudesse pensar em uma duplici<strong>da</strong>de desta magnitude, embora não fora mais<br />
que por um momento, significava que o amava de ver<strong>da</strong>de.<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
Possivelmente tanto como ele a amava a ela.<br />
Aquela possibili<strong>da</strong>de foi como um calafrio que percorreu seu couro<br />
cabeludo. Se isso fosse ver<strong>da</strong>de... Se ele tinha chegado a ser tão necessário<br />
para sua felici<strong>da</strong>de como ela para a sua, como poderia oferecer menos que<br />
todo o seu? Como era possível que não se casasse com ela? A pergunta o<br />
enjoou e sacudiu nele princípios cuja firmeza tinha tido por granítica. Se casar<br />
com Florence significaria pôr a ela em primeiro lugar, antes que Freddie. Jamais<br />
poria a uma mulher diante de seu irmão. Nem sequer poria a uma mulher por<br />
diante de seus bens. A ideia de tomar uma mulher sempre tinha feito se sentir<br />
impaciente, apanhado. Mas Florence...<br />
Não podia viver sem ela, não se queria conservar um pouco de<br />
tranquili<strong>da</strong>de, tanto para sua alma como para seu coração.<br />
<strong>Além</strong> disso, tinha deixado de acreditar que Freddie podia fazê-la feliz.<br />
Possivelmente ele sim podia. Talvez, de todos os homens no mundo, só<br />
Edward podia. As lágrimas de Florence assim o diziam, embora ela não<br />
estivesse disposta a reconhecê-lo.<br />
Freddie queria se sentir livre de amar onde quisesse. Agora tinha chegado<br />
o momento de Edward o deixasse. Possivelmente, apesar de todos os<br />
argumentos contra, Freddie sabia o que era o melhor para ele mesmo. O<br />
coração pulsava contra as costelas, disparado, como se tivesse participado de<br />
uma carreira. O medo era em parte a fonte dessa acelera<strong>da</strong> percussão, o medo<br />
e algo que ele acreditou podia ser a esperança.<br />
—Isso farei — murmurou para o céu pintalgado de nuvens, para as folhas<br />
que balançava o vento e os pássaros que trilavam nas árvores—. Me casarei<br />
com ela.<br />
Uma on<strong>da</strong> de ligeireza se apoderou de seu corpo. Tendo tomado a decisão,<br />
parecia inevitável, como se tivesse estado aproximando dela do momento em<br />
que a viu na oficina de ma<strong>da</strong>me Victoire. Casaria com Florence. Ele, Edward<br />
Arthur Burbrooke, duque de Greystowe, tomaria à filha do pároco por mulher.<br />
Recordou como a pequena dos Bartle se apoiava contra seu joelho. Aquela<br />
lembrança o fez sorrir. Ele e Florence teriam muitos e muito belos filhos.<br />
A única coisa que tinha que fazer era conseguir que ela chegasse à<br />
mesma conclusão.<br />
Florence se apressou em subir a estreita esca<strong>da</strong> como se alguém a<br />
perseguisse. Sua mora<strong>da</strong> era um pequeno cômodo no segundo an<strong>da</strong>r,<br />
pequeno, mas luminoso. Tinha uma cama, uma cadeira, uma cômo<strong>da</strong> com<br />
gavetas e um lavatório com bacia tão parecido ao que ela tinha em sua casa<br />
que poderia ter sido seu dobro. Coisas singelas para uma vi<strong>da</strong> singela. Não<br />
relaxou os ombros até que se trancou entre eles.<br />
Se equivocou em querer escapar de tudo aquilo, e tinha sido um engano<br />
apontar mais alto do que tinha. Uma garota singela como ela era incapaz de<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
navegar sorteando as armadilhas <strong>da</strong> classe alta.<br />
Era exatamente como havia dito Catherine. Os Burbrooke tinham um<br />
encanto fatal.<br />
Se apoiou na porta, apertando contra a madeira como se queria impedir<br />
que entrassem seus temores. Muito tarde para isso. O perigo espreitava de<br />
dentro. Ao ver Edward, tudo havia retornado, não só as coisas eróticas que ele<br />
tinha feito com ela, mas também as coisas doces.<br />
Agora recordou como protetor se mostrava com Freddie. Como a tinha<br />
pego pela mão e tinha passeado pela Royal Academy of Arts, fazendo alardes<br />
de proprie<strong>da</strong>de só para mostrar um quadro que admirava. Recordou seus<br />
estranhos sorrisos. Seus cenhos habituais. Como a tinha sustentado contra seu<br />
peito na noite. Como tinham <strong>da</strong>nçado na mansão dos Vance como anjos<br />
girando sobre uma nuvem. Sentia falta de sua companhia com uma<br />
intensi<strong>da</strong>de que provocava dor.<br />
Com um sotaque de desagrado, deu um golpe na madeira com os punhos<br />
fechados. Aquelas lembranças eram mentiras. O ver<strong>da</strong>deiro Edward tinha água<br />
gela<strong>da</strong> nas veias. O ver<strong>da</strong>deiro Edward só importava o nome de sua família e<br />
pouca coisa mais. Um demônio vestido de nobre.<br />
Mas o bebê, clamava seu coração esmigalhado. Um demônio não podia<br />
fazer rir a um bebê!<br />
Engoliu com dificul<strong>da</strong>de e se separou <strong>da</strong> porta. Edward não era um<br />
demônio. Era um homem, um homem que bem podia se divertir fazendo saltar<br />
a um bebê e, ain<strong>da</strong> assim, não <strong>da</strong>r um pepino por ela. Certo que ele mesmo<br />
não havia nem sonhado em ter um filho. Não teria pensado, por exemplo, que<br />
boa mãe seria ela, ou como a fascinaria ter uma filha que her<strong>da</strong>sse seus olhos.<br />
Sua única preocupação tinha sido enganá-la para salvar a seu irmão, um irmão<br />
que claramente não queria ser salvado.<br />
Se mantenha firme, pensou, fazendo seu o conselho de Catherine. Se<br />
mantenha firme, mantenha firme.<br />
Quando suas pernas cederam, o anel de Edward, que ain<strong>da</strong> guar<strong>da</strong>va<br />
oculto em seu bolso, caiu no chão com um tinido agoureiro.<br />
Apesar de que Lizzie mantinha Edward informado sobre o ir e vir de<br />
Florence, este não tinha podido surpreendê-la só desde aquele dia na cabana<br />
dos Bartle. Florence se aferrava a Catherine Exeter como se aquela mulher<br />
fosse um salva-vi<strong>da</strong>s em uma tormenta.<br />
Por isso Edward tinha observado, era justamente o contrário.<br />
Dia a dia, a amiga <strong>da</strong> duquesa chupava a vi<strong>da</strong> de sua ama<strong>da</strong>. Roubava seu<br />
fulgor, seus sorrisos, até sua própria alma. E quem sabia que fantasias teria<br />
contado Imogene? Ca<strong>da</strong> vez que ele arquitetava um plano para que seus<br />
caminhos se cruzassem, Florence parecia mais páli<strong>da</strong> e magra. Se tivesse<br />
pensado como um romântico, até haveria dito que estava sob influencia de um<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
encanto.<br />
Estava preocupado com ela. Faria algo para ajudá-la e, entretanto, na<strong>da</strong><br />
podia fazer. Na<strong>da</strong> exceto esperar, claro, esperar outra oportuni<strong>da</strong>de para falar,<br />
para tocá-la, para convencê-la, de algum jeito, de seus sentimentos.<br />
Começou a se perguntar se não era ele, com sua perseguição, o<br />
responsável por essas sombras sob seus olhos. Aquela ideia doía, mas não o<br />
fazia fraquejar em sua determinação. Se fosse ver<strong>da</strong>de, só se devia que a<br />
maldita Catherine Exeter e sua víbora sobrinha se dedicavam a injetar veneno<br />
no ouvido de Florence. Ele podia limpar esse veneno, se só lhe desse uma<br />
oportuni<strong>da</strong>de.<br />
Caso não perdesse a razão antes que a desse.<br />
Pela primeira vez em anos, Edward assistiu aos serviços dominicais na<br />
igreja do povoado. Se sentou na última fila, observando o chapéu inclinado de<br />
Florence sobre seu livro de orações, sentindo como fechava sua garganta<br />
enquanto aquele menino atrás dela tentava subir pelo banco de madeira. Os<br />
pais discutiram e Catherine Exeter os fez calar, mas Florence se virou para<br />
esfregar o pequeno nariz com o polegar. O sorriso tingido de vergonha que<br />
dedicou aos pais que rompeu seu coração. Edward desejou que fosse assim<br />
fácil fazer que sorrisse para ele.<br />
Se situou de maneira conveniente quando as pessoas começaram a sair.<br />
Alguns murmuravam quando o viam. Greystowe não era tão grande para que<br />
não o conhecessem de vista. Alguns homens o sau<strong>da</strong>vam com um gesto de<br />
cabeça e algumas mulheres sorriam, mas sobre tudo sentiam curiosi<strong>da</strong>de. Se o<br />
duque tinha necessi<strong>da</strong>de de ir à celebração <strong>da</strong> liturgia 13 , havia uma capela em<br />
sua proprie<strong>da</strong>de. Não imaginavam o que‚ fazia ali. Com eles. Na parte posterior<br />
de sua singela igreja.<br />
Edward não se importava com o que pensavam. Florence se aproximou,<br />
com a cabeça baixa, fez um gesto que insinuava que o tinha visto. Apertou o<br />
braço com que sustentava o de Catherine e já estava ali, frente a ele. Com um<br />
gesto tranquilo, pegou seu cotovelo. Ela o retirou como se a tivesse queimado.<br />
—Florence — disse Edward, lutando contra a dor para manter a calma—,<br />
tem que falar comigo.<br />
—Não tem que fazer na<strong>da</strong> disso — disse Catherine.<br />
Edward a ignorou. A multidão começava a se juntar frente a eles na porta.<br />
Tinha uns escassos e preciosos segundos antes que Catherine a levasse.<br />
—Florence, por favor. —Passou um dedo pela bochecha inclina<strong>da</strong>, e aquele<br />
calor suave seu fez que lançasse brilhos pelos olhos—. Está destroçando meu<br />
coração, Florence.<br />
— Você não tem um coração para ser destroçado — disse bruscamente<br />
Catherine Exeter, mas Florence levantou a cabeça. As lágrimas sulcavam seu<br />
rosto e deixavam rastros brilhantes que se entrecruzavam. Tinha o rosto fundo<br />
13<br />
- liturgia = Conjunto <strong>da</strong>s cerimônias eclesiásticas.<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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Emma Holly<br />
como jamais o tinha visto.<br />
—Me deixe em paz — disse—. Já não posso continuar suportando isto.<br />
Ele parou, impactado por seu aspecto, por aquela tristeza sur<strong>da</strong> que<br />
adivinhou em sua voz. Era ele quem tinha feito isso? Ele? Antes que pudesse<br />
recuperar a compostura, Catherine puxou diligentemente ela para a porta e a<br />
esca<strong>da</strong>. Edward só atinou a ficar olhando e recuperar o fôlego.<br />
—Vamos, vamos — disse uma mulher maior de aspecto roliço, e lhe deu<br />
um palma<strong>da</strong> no braço—. Já verá Excelência, como entra em razão. As jovens de<br />
sua i<strong>da</strong>de não sabem o que lhes convém.<br />
O fato de que encontrasse consolo no contato de uma desconheci<strong>da</strong> era<br />
uma prova de sua miséria.<br />
Se trancou em Greystowe, e dedicou a passear por seu estúdio e a<br />
escrever milhares de cartas mentalmente. Ao final, enviou uma e, depois, meia<br />
dúzia mais em rápi<strong>da</strong> sucessão. Devolveram-nas to<strong>da</strong>s feitas pe<strong>da</strong>ços. Ele,<br />
sinceramente, ignorava se era Florence quem as tinha destroçado. Imaginava<br />
Imogene as lendo e rindo, e nem sequer o importava. Não importava a opinião<br />
de ninguém exceto de Florence.<br />
Sentia falta de Freddie, e também se alegrava de que seu irmão não o<br />
visse nesse estado. Não bebia, mas tinha um aspecto que insinuava o<br />
contrário. Seus olhos estavam irritados por falta de sono, no queixo desenhava<br />
a sombra <strong>da</strong> barba que nem sequer tinha deixado que Lewis barbeasse. Não<br />
podia se concentrar para ler. Não podia estar sentado. Não podia seguir um fio<br />
de pensamento durante mais de um minuto. De noite, caminhava até o<br />
povoado e ficava na rua sob sua janela às escuras, ansiando vê-la com ca<strong>da</strong><br />
gota de sangue e ca<strong>da</strong> célula de seu corpo.<br />
Outro homem teria subido pela persiana e a teria levado. Edward desejava<br />
ser esse homem. Desejava não temer se Florence gritasse pedindo aju<strong>da</strong>. Mas<br />
o que aconteceria se tivesse razão ao pedir aju<strong>da</strong>? O que aconteceria se ele<br />
fosse o perigo que Catherine sustentava que era? Já não sabia quem era. As<br />
regras que tinham regido sua vi<strong>da</strong> tinham desaparecido.<br />
Só havia uma certeza, que amava até a loucura.<br />
Uma manhã cinza e triste, quando as nuvens permaneciam suspensas,<br />
pesa<strong>da</strong>s como seu próprio ânimo, Lewis e sua tia foram juntos ao seu estúdio.<br />
Lewis deixou um garrafão de cidra sobre sua mesa, e tia Hypatia adicionou um<br />
prato de carne ao forno e pão. Edward duvidou de que sua tia alguma vez o<br />
tivesse levado a alguém um jantar.<br />
—Basta já desta auto compaixão sem sentido — disse—. Eu não sairei<br />
<strong>da</strong>qui até que coma.<br />
—E eu não penso sair <strong>da</strong>qui até que se barbeie.<br />
Edward os olhou, sua tia e seu criado. A preocupação e a irritação se<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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Emma Holly<br />
mesclavam em suas expressões. Um pouco de medo pensando em como<br />
reagiriam, mas menos que sua preocupação. Eles sabiam, pensou, com os<br />
olhos queimando. Todos sabiam que ele a amava.<br />
—Não pode continuar assim — disse a duquesa—. Tem feito muito mal a<br />
essa garota. Temo lhe feito mal. Mas não começará a emendá-lo até que volte<br />
a ser você mesmo.<br />
Edward olhou as mãos, estendi<strong>da</strong>s tão grandes eram sobre sua mesa, e<br />
tentou respirar.<br />
—Sua atitude é simplesmente puro capricho — acrescentou Lewis—. As<br />
mulheres ficam assim. Ninguém deixaria a um cavalo se esconder nos<br />
espinheiros se tivesse medo. Agarraria, o acalmaria e logo o levaria para casa.<br />
—Não sei como fazê-lo — ele disse, suas palavras afoga<strong>da</strong>s—. Não... Ela<br />
não me deixa.<br />
—Come — ordenou sua tia, empurrando o prato para que estivesse a seu<br />
alcance—. Ninguém pode pensar bem com um estômago vazio.<br />
Ele ficou olhando a carne, vermelha e com abun<strong>da</strong>nte suco, tal como<br />
gostava. A senhora Cook superou a si mesma. Sentiu que a boca enchia<br />
d’água. Cortou uma parte e o jogou à boca. Surpreendentemente, comia bem.<br />
Depois do segundo bocado, a cabeça começou a limpar —Não têm por que<br />
ficar — avisou—. Estarei bem.<br />
Sua tia entrecerrou os olhos.<br />
—Quero ver esse prato limpo, Edward. Não vou tolerar dois idiotas em<br />
uma mesma família.<br />
Para sua própria surpresa, Edward sorriu.<br />
— Foste muito amável — disse.<br />
—Hmf — disse a duquesa—. Poderá me agradecer isso quando essa garota<br />
retorne onde merece.<br />
— Nós ain<strong>da</strong> temos o problema de barbear — disse Lewis, e Edward<br />
também sorriu a ele.<br />
Não era um homem mais sábio do que tinha sido antes, mas ao menos<br />
não se sentia sozinho.<br />
Alimentado, barbeado e banhado, Edward começou a pensar de ver<strong>da</strong>de.<br />
Tinha que encontrar a chave para conseguir que Florence voltasse. Tinha que<br />
recor<strong>da</strong>r tudo o que conhecia dela. Só então poderia elaborar um plano.<br />
Esperando que chegasse a inspiração, voltou para seus aposentos. Apalpou os<br />
vestidos que tinha abandonado, recor<strong>da</strong>ndo que‚ aspecto tinha e‚ tinha feito<br />
com ca<strong>da</strong> um deles. Procurou suas novelas e as leu. Afundou uma ponta de seu<br />
lenço em seu perfume. Visitou seus lugares favoritos do jardim e bebeu seu<br />
chá preferido. Sumiu nas lembranças, deixando que sua sau<strong>da</strong>de crescesse até<br />
que doesse. Experimentava um prazer perverso, mas indubitável nessa dor.<br />
Tinha tomado sua resolução. Na<strong>da</strong> nem ninguém poderiam detê-lo.<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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Emma Holly<br />
Nem sequer ela.<br />
Finalmente, voltou para o pavilhão. Ali, reviveu sua noite proibi<strong>da</strong>. Seus<br />
beijos e suspiros, seu bravura e sua valentia. Uma vez mais, a atou entre as<br />
colunas. Uma vez mais, gozou do prazer de sentir suas curvas sedosas. Seus<br />
lábios recor<strong>da</strong>vam, e também seu sexo. Deixou que o aroma longínquo de sua<br />
excitação se apoderasse de sua pele, e se abriu a sentimentos que nunca tinha<br />
experimentado. Se atreveu a enfrentar inclusive até o último, o momento de<br />
sua vergonha quando deslizou de seu abraço adormecido e escapuliu como um<br />
ladrão. Seu engano não tinha sido amá-la. Seu engano tinha sido deixá-la ir.<br />
Esgotado mas sereno, se aproximou do banheiro. Como tinha feito naquela<br />
noite, abriu o armário índio esculpido e tirou do cofre as cartas de seu pai. As<br />
leu uma atrás <strong>da</strong> outra, e pouco a pouco nasceu nele um sentimento de<br />
compaixão por Catherine Exeter que jamais teria imaginado. Aquela mulher<br />
tinha amado o antigo duque, até a loucura, temerariamente, com to<strong>da</strong> a<br />
inocência plena <strong>da</strong> juventude. E então, em sua inspeção do segundo montão,<br />
descobriu algo inesperado. Deixou escapar um grunhido quando se deu conta<br />
do que‚ era.<br />
Pobre imbecil pensou de uma vez desconcertado e horrorizado. Pobre<br />
estúpido, imbecil egoísta.<br />
Stephen Burbrooke tinha amado Catherine. Não a tinha metido em uma<br />
caixa e esquecido. Tinha o escrito, todos os anos, no aniversário de sua<br />
despedi<strong>da</strong>. Tinha entregado seu coração, expressando uma intensi<strong>da</strong>de de<br />
emoções que Edward jamais tinha percebido. Dizia que estava perdido sem ela.<br />
Que se sentia um homem só pela metade. Ela era sua alma. Ela era tudo o que<br />
nele tinha sido ver<strong>da</strong>deiro e bom.<br />
Mas nunca enviou as cartas. Nem sequer uma. Tinha tomado sua decisão.<br />
Se casou com a mãe de Edward, a filha do duque. Teve dois filhos e trouxe<br />
brilho no nome <strong>da</strong> familiar. Sofreu em um rancoroso silêncio, mantendo a todos<br />
a distância, entesourando seu amor por uma mulher que acreditava que ele<br />
tinha banido de seu coração. Quantas vi<strong>da</strong>s teria prejudicado ao pôr sua honra<br />
por cima de seu coração? Certamente, a de sua mulher. Seus filhos, sem<br />
dúvi<strong>da</strong>. E também, suspeitava Hypatia. E Catherine. Tinha prejudicado sua<br />
própria vi<strong>da</strong>. Quem sabe o grande era a lista? E para que? Para merecer a<br />
sau<strong>da</strong>ção de outro duque? Para um convite anual a corte?<br />
Edward estremeceu e sentiu um calafrio que percorria sua coluna.<br />
Os pecados de seu pai bem poderiam ter sido os seus.<br />
Capitulo 15<br />
Acreditando que tinha encontrado a chave, Edward não tinha pressa em<br />
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utilizá-la. Catherine e sua sobrinha tinham feito a sua família muito mal para<br />
isso. Jogou com seu café <strong>da</strong> manhã enquanto possíveis soluções desfilavam por<br />
seus pensamentos. Finalmente, muito nervoso para continuar comendo, se<br />
preparou para partir. Sentia como se seu futuro dependesse <strong>da</strong>quele dia. Um<br />
passo em falso e sua vi<strong>da</strong> acabaria.<br />
O céu estendia claro e azul, sobre os familiares atalhos que conduziam ao<br />
povoado. Edward se içou balançando as pernas por cima de paredes de hera de<br />
escassa altura e cercas fecha<strong>da</strong>s, como se esgotar-se fora um imperativo para<br />
seus nervos esticados pela apreensão. Na distância, os campos já regados<br />
pelas chuvas floresciam, com um impulso tão vigoroso como se crescessem<br />
ávidos de cair sob a foice dos colhedores. Tendo sau<strong>da</strong>des do calor para<br />
acalmar seus nervos, voltou o rosto para o sol. Tinha as cartas de seu pai no<br />
bolso de sua jaqueta de verão, um objeto enrugado que estava acostumado a<br />
usar quando colaborava nos partos dos animais ou nos trabalhos dos<br />
estábulos. O tecido era de cor tabaco desbotado, e era tão antigo que Edward<br />
não recor<strong>da</strong>va quando o tinha comprado. Sua camisa era um objeto corrente,<br />
sem gravata, e suas calças estavam a ponto de se rasgar nos joelhos.<br />
Tinha a intenção de expor sua deman<strong>da</strong> o mais humildemente possível,<br />
vestido como um homem e não como um nobre.<br />
Quando chegou na casa, Catherine estava no jardim arrancando matos. A<br />
diferença do que acontecia com Florence, as margari<strong>da</strong>s pareciam prosperar<br />
sob seus cui<strong>da</strong>dos.<br />
A mulher olhou por debaixo <strong>da</strong> beira de um velho chapéu de palha, a boca<br />
torci<strong>da</strong> com gesto de contrarie<strong>da</strong>de, mostrando uma pele que sob a brilhante<br />
luz do dia, acusava os anos. Edward teve que lutar contra um impulso de<br />
antiga animosi<strong>da</strong>de. Aquelas rugas não eram to<strong>da</strong>s obra de Catherine. A<br />
mulher tinha motivos para cultivar essa amargura dela, pelo menos a princípio.<br />
Mas uma vez que tinha decidido alimentar seu ressentimento, a<br />
responsabili<strong>da</strong>de pelas consequências eram dela.<br />
— Bem? —perguntou, lançando um rápido olhar de desprezo ao traje de<br />
Edward—. Não se pode dizer que não está vestido para trabalhar na mer<strong>da</strong>.<br />
Não acredito que Florence tenha necessi<strong>da</strong>de de continuar escutando suas<br />
cantilenas 14 .<br />
Edward fez um esforço e conseguiu dominar seu gênio.<br />
—É com você com quem vim falar. É a respeito de meu pai.<br />
—Seu pai. —Catherine fincou a pá na terra e levantou com a dificul<strong>da</strong>de<br />
própria de seus anos. Tinha as luvas e o avental manchados de barro—. Não há<br />
na<strong>da</strong> que você possa dizer sobre Stephen Burbrooke que eu queria escutar.<br />
—O que aconteceria se eu pudesse demonstrar que ele jamais a<br />
esqueceu? Que a amou to<strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong>?<br />
O rosto de Catherine se endureceu.<br />
14 - cantilenas = Palavreado astucioso para iludir, enganar.<br />
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—Seria um excelente truque, mas também seria totalmente espúrio.<br />
Agora, se me perdoar, milorde, tenho que me ocupar na lavagem <strong>da</strong>s roupas.<br />
Em duas grandes perna<strong>da</strong>s, Edward se plantou entre ela e a porta.<br />
—Tenho provas — disse—. Tenho cartas que ele escreveu todos os anos<br />
até que morreu. Cartas de amor, Catherine. Meu pai não era o homem que<br />
você pensava. Em seu coração jamais foi indiferente.<br />
A anciã entrecerrou os olhos até que não foram mais que duas linhas de<br />
gelo nebuloso.<br />
—Não me cabe dúvi<strong>da</strong> de que inventou alguma história com que quer me<br />
convencer para que lhe dê outra oportuni<strong>da</strong>de com Florence. Entretanto, o fato<br />
é que ela não deseja absolutamente falar com você. E eu tampouco. Agora, me<br />
deixe passar ou me verei obriga<strong>da</strong> a chamar os guar<strong>da</strong>s.<br />
Dado que a polícia de Greystowe estava financia<strong>da</strong> em grande parte pelo<br />
duque de Greystowe, a ameaça não era conveniente. Sem prestar atenção,<br />
Edward tirou uma <strong>da</strong>s cartas e a desdobrou sobre o peito, ficou parado frente a<br />
Catherine.<br />
—Suponho que reconhece sua letra. E talvez esse apelativo íntimo.<br />
<br />
—Mentiras — ela cuspiu. Voltou para um lado o rosto para não olhar a<br />
carta como se esta fosse a cabeleira de Medusa—. Você tem a mesma língua<br />
viperina que seu pai.<br />
—Talvez prefira que a leia? — ele sugeriu. Pela maneira em que ela<br />
pestanejou, ele soube que sua oferta não era recebi<strong>da</strong> como um favor. Não<br />
importava. Por muito que, em sua opinião, Catherine merecesse ser<br />
marginaliza<strong>da</strong>, e por muito cômo<strong>da</strong> que ela tivesse chegado a se sentir com<br />
essa suas ideias sobre a família dos Burbrooke, não podia consentir que seus<br />
enganos persistissem. Eram enganos que se situavam entre Florence e ele, e<br />
teriam que ser destruídos. Deu a volta na carta para ler, escutando em ca<strong>da</strong><br />
uma <strong>da</strong>s florea<strong>da</strong>s frases o fantasma de um pai que nunca tinha conhecido.<br />
—<br />
Enquanto Edward lia, Catherine levou as mãos ao peito e afundou os<br />
ombros para frente, como se quisesse se proteger de um golpe. Ele pensou que<br />
suas palavras chegavam, mas assim que acabou de ler, ela explodiu.<br />
—Bastardo! —exclamou, querendo arranhar seu rosto—. Não deixarei que<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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seja tua. Não deixarei!<br />
Foi tal a surpresa diante do ataque que, ao retroceder, Edward quase caiu<br />
sobre uma sebe de boj. Rapi<strong>da</strong>mente, Catherine chegou à porta. Ele deu um<br />
salto para que não alcançasse para fechar, mas ela deu uma porta<strong>da</strong> se<br />
apoiando com todo o corpo na porta antes que ele chegasse. Escutou virar<br />
freneticamente a chave e seguido, o ferrolho.<br />
Por todos os infernos, pensou. Ele não colocou a prova, pelo menos não<br />
ela, não desta vez.<br />
Sem parar para pensar, correu até a janela do salão e deu um cotovela<strong>da</strong><br />
no vidro. Este se rompeu ao primeiro intento. Ouviu um grito feminino e logo,<br />
ruído de pega<strong>da</strong>s que corriam. Catherine tentava escapar a sua ira.<br />
Que corra, pensou, sentindo uma determinação como um ferro recém<br />
forjado. Tirou a bota e a utilizou para aumentar o buraco. Caiu o vidro quebrado<br />
e uma parte <strong>da</strong> madeira. A ver<strong>da</strong>de chegaria nos ouvidos dessa mulher embora<br />
tivesse que meter pela garganta.<br />
Como se sua vi<strong>da</strong> dependesse disso, e com o cotovelo tremendo, voltou a<br />
calçar a bota, envolveu a mão com a jaqueta e subiu pela janela quebra<strong>da</strong>. No<br />
interior, lançou a um lado a jaqueta com um gesto de impaciência, passou por<br />
cima de um horrível sofá cor castanha e verde, sem o menor remorso por<br />
deixar rastros de lodo. Um segundo grito o saudou sua entra<strong>da</strong>. Aquela não era<br />
a voz de Catherine. Quando seus olhos se acostumaram à penumbra <strong>da</strong> sala de<br />
cortinas fecha<strong>da</strong>s, viu uma cria<strong>da</strong> páli<strong>da</strong> encolhi<strong>da</strong> como uma vitela<br />
atemoriza<strong>da</strong> que tinha procurado um incerto refúgio depois de um clavicórdio.<br />
—Onde está Florence? —perguntou. Sua tolerância pelas sutilezas<br />
femininas se acabou.<br />
A jovem, horroriza<strong>da</strong>, assinalou para o teto.<br />
—Não desceu de seu quarto está manhã. Nem tampouco ontem.<br />
Edward apertou os dentes e subiu a grandes perna<strong>da</strong>s pela esca<strong>da</strong>. Aquilo<br />
era um pecado mais que atribuir a Catherine. Ter acabado com a vontade de<br />
viver que tão arduamente Florence se forjou.<br />
—Florence! —rugiu, sem saber em que porta golpear—. Florence, sai de<br />
uma vez por to<strong>da</strong>s aqui fora!<br />
A viu aparecer com o fôlego sufocado. Era evidente que a tinha pego se<br />
penteando. Os cachos castanhos caíam sobre os ombros e as costas, até<br />
chegar à cintura, tão suave como a se<strong>da</strong> bruni<strong>da</strong>. Tinha o rosto pálido e<br />
inchado, mas estava vesti<strong>da</strong>.<br />
—Edward — disse. Com a mão que sustentava a escova, quis cobrir a<br />
parte de pele por cima do pescoço—. O que faz?<br />
Ele não perdeu tempo, pegou imediatamente as páli<strong>da</strong>s bochechas entre<br />
as mãos. Tinha a pele fria. Embora aquilo fez sua inquietação aumentar,<br />
aproximou seus lábios à curva de uma sobrancelha.<br />
—Florence — disse, e sua voz soou brusca devido à intensi<strong>da</strong>de de seus<br />
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sentimentos—. Te amo tanto que me envergonho. Quero que venha para casa.<br />
Quero te fazer feliz.<br />
Ela franziu o cenho. Respirou fundo para falar, mas a dúvi<strong>da</strong> pareceu a<br />
silenciar. Sofrendo por sua confusão, Edward acariciou com os polegares o<br />
rosto suave como de um bebê. Confia em mim, amor, pensou. Confia em mim.<br />
—Olha, olha, olha — interrompeu uma voz que ele teria desejado não ouvir<br />
—. Olha quem veio a reclamar seu último prêmio. —Com o rosto rosado pelo<br />
sono e suas malignas intenções, sua antiga amante saiu do segundo quarto.<br />
Usava um vaporoso vestido de noite de cor rosa<strong>da</strong> geleira.<br />
—Você não se meta nisto, Imogene.<br />
— A conhece? —perguntou Florence com um fio de voz.<br />
Ele amaldiçoou a estupidez de sua língua. Tinha suposto que Imogene já<br />
tivesse revelado seu sórdido passado. Ao que parece, esteve guar<strong>da</strong>ndo a<br />
grande revelação para uma ocasião especial. Agora tinha chegado essa<br />
ocasião. Cruzou os braços e sorriu.<br />
—Edward conhece muitas mulheres — disse, os olhos entrecerrados com<br />
uma expressão de prazer—. Mas, cui<strong>da</strong>do, só no sentido bíblico. Não dorme<br />
to<strong>da</strong> a noite se o deixar. Sim, essa é a ver<strong>da</strong>de. É um grande garanhão, nosso<br />
Edward. Sabe como murmurar essas doces palavras que não significam na<strong>da</strong>, e<br />
logo fornica com as <strong>da</strong>mas até as fazer gritar.<br />
—Cala essa boca — Edward advertiu, embora sabia que ela o ignoraria. O<br />
olhar de Florence ia de um a outro com olhos esbugalhados. Ao se precaver<br />
disto, e desfrutando disso claramente, Imogene dirigiu um grande sorriso a<br />
Florence.<br />
— Já fez o numero do amo? —perguntou, e com sua unha enorme roçou a<br />
manga tremente de Florence—. O faz muito bem. Muito chefe <strong>da</strong> mana<strong>da</strong> de<br />
lobos — disse e fingiu burlosamente uma voz masculina—. Devo te possuir,<br />
ama<strong>da</strong>. Nem pense em resistir!<br />
Era uma hipótese muito ardilosa, pois Edward tinha tido esse<br />
comportamento com ela em uma só ocasião. Certamente teria tirado a conta<br />
pelas <strong>da</strong>tas e chegado à conclusão de que ele acreditava em Florença para agir<br />
dessa forma. Do qual Florence, certamente, não sabia na<strong>da</strong>. Seu rosto parecia<br />
tão quente como, efetivamente, estava ao tocá-lo. Com um gesto nervoso,<br />
Florence esfregou os pulsos e Edward soube que nesse momento recor<strong>da</strong>va as<br />
ataduras de veludo. Maldita seja Imogene, pensou em fazer Florence acreditar<br />
que aquilo não tinha na<strong>da</strong> de especial.<br />
—Não —disse —. Nunca com ninguém mais que você. É a única mulher<br />
que amei.<br />
A risa<strong>da</strong> de Imogene tinha o sabor do limão.<br />
—Meu Deus, querido. Deve estar sofrendo um zelo horrível para dizer algo<br />
como isso! A emoção de roubar seu irmão menor deve ser mais atraente do<br />
que eu acreditava.<br />
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Edward se negou a recolher a luva <strong>da</strong> insinuação. Sem fazer conta,<br />
agarrou Florence pelos ombros. Não importava quem o escutasse ou o que<br />
pensassem. Tinha que chegar a Florence embora tivesse que implorar de<br />
joelhos.<br />
—Eu te amo — disse com voz rouca e suave —. Quero me casar contigo,<br />
se você me quiser. Quero compartilhar o nosso futuro juntos.<br />
—Ca... se casar comigo? — Florence balbuciou, justo quando Catherine<br />
subia as esca<strong>da</strong>s. Edward ficou tenso. A velha bruxa devia ter se recomposto<br />
do susto ao vê-lo irromper na casa. Ou possivelmente pensava que sua<br />
sobrinha necessitava reforços.<br />
—Viu? —disse, obrigando Florence a desviar o olhar—. Agora veja quem é?<br />
Minha Imogene tem razão. Um diamante na ponta de um montão de carvão. Os<br />
homens se convertem em cachorrinhos quando ela entra em um salão. Se<br />
mentiu a ela, por que não mentiria a você?<br />
Mesmo quando Edward em seu foro interno já a tinha banido ao inferno,<br />
fez um esforço por dominar seu gênio. Abusar de uma anciã não aju<strong>da</strong>ria em<br />
na<strong>da</strong> a sua causa.<br />
—Jamais menti a Imogene — disse—. E agora não minto a você. Leia as<br />
cartas, Catherine. Meu pai a amava. Assim como eu amo Florence. A única<br />
diferença é que eu não sou tão tolo para deixá-la escapar.<br />
Se produziu um pesado silêncio no corredor, os três fazendo provisão de<br />
seu engenho para a próxima frase na batalha pela confiança de Florence. Para<br />
surpresa de todos, foi ela a primeira a falar.<br />
—Mentiu para mim — disse—. E começou a fazê-lo desde o dia em que<br />
nos conhecemos.<br />
Observou que Edward empalidecia diante de suas palavras trêmulas, e se<br />
perguntou de onde tinha tirado a integri<strong>da</strong>de para as pronunciar. Seu coração<br />
era um tumulto de raiva e confusão. Apesar de sua acusação, acreditava de<br />
ver<strong>da</strong>de que ele a amava. Não era o tipo de homem que falasse facilmente de<br />
seus sentimentos a menos que fossem genuínos, certamente não em público. E<br />
embora tivesse duvi<strong>da</strong>do disso, seu evidente sofrimento a teria convencido.<br />
Mas também acreditava que tinha dormido com Imogene. A bela e poli<strong>da</strong><br />
Imogene, cujos encantos ela não poderia chegar a igualar em mil anos. Sim<br />
Edward se casaria de ver<strong>da</strong>de com ela, mas Florence não se enganava<br />
pensando que poderia guardá-lo só para ela. Algum dia, cedo ou tarde, outra<br />
Imogene se deslizaria em seu leito.<br />
O coração pesava como se já tivesse começado a cair em pe<strong>da</strong>ços.<br />
—Florence — ele murmurou, com expressão atormenta<strong>da</strong>—. Queria me<br />
retratar. Não sabia o <strong>da</strong>no que faria a você. Mas, juro isso, juro pela tumba de<br />
minha mãe que farei todo o possível para compensar isso.<br />
—Freddie terá que encontrar seu próprio caminho. Você foi feita para mim.<br />
Nós dois sabemos.<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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Antes que Florence pudesse responder, Imogene aplaudiu com gesto<br />
pausado e depreciativo.<br />
—Bravo, querido. Deveria haver se dedicado aos palcos.<br />
—Na<strong>da</strong> mais que insensatezes — disse bruscamente sua tia—. Vêm,<br />
Florence, não tem por que‚ escutar as mentiras deste vagabundo. Nós a<br />
protegeremos. Sabemos o que é o que mais te convém.<br />
Florence dirigiu um olhar, logo a Imogene, e foi como se desprendesse um<br />
véu de seus olhos e esclarecesse sua visão. A nenhuma <strong>da</strong>s duas preocupava<br />
protegê-la. Só importava fazer mal a Edward. Catherine queria vingança pelo<br />
pai de Edward, e Imogene porque sua relação tinha terminado. Das duas,<br />
talvez Catherine tivesse um pingo de sinceri<strong>da</strong>de mas, para falar a ver<strong>da</strong>de, as<br />
duas estavam corta<strong>da</strong>s com a mesma tesoura. As duas preferiam ver o mundo<br />
através dos olhos <strong>da</strong> amargura.<br />
Se Florence aceitasse a oferta de amparo de Catherine, talvez acabaria se<br />
convertendo em uma cínica, como sua sobrinha? Talvez se negaria a acreditar<br />
no amor quando este a estava olhando no rosto?<br />
—Florence —Edward, implorou devolvendo à reali<strong>da</strong>de—, a única coisa que<br />
peço é uma oportuni<strong>da</strong>de.<br />
Uma oportuni<strong>da</strong>de. Uma oportuni<strong>da</strong>de para amar e perder como o homem<br />
que a tinha criado. Florence fechou os olhos. Sabia qual teria sido a eleição de<br />
seu pai. Sabia que não teria renunciado à felici<strong>da</strong>de para evitar a dor. Apesar<br />
de to<strong>da</strong> sua tristeza, tinha amado sua vi<strong>da</strong>, seu trabalho, e a tinha amado a ela<br />
com to<strong>da</strong> sua alma. Ela tinha o preço de viver com segurança, de se guar<strong>da</strong>r<br />
<strong>da</strong> mor<strong>da</strong>ci<strong>da</strong>de e a desconfiança. Catherine e Imogene viviam a metade <strong>da</strong><br />
vi<strong>da</strong> que poderiam ter tido, e menos <strong>da</strong> metade <strong>da</strong>s alegrias. Seu pai teria<br />
querido algo melhor para sua filha, ain<strong>da</strong> seu risco de que fizessem mal.<br />
Olhou Edward com o coração pulsando com força, tentando que sua<br />
confiança saísse à superfície.<br />
—Sim — disse, deslizando os braços ao redor de seu pescoço—. Sim, por<br />
favor, me leve para casa.<br />
Ele a estreitou com tanta força para fazê-la ranger, com a força suficiente<br />
para lhe <strong>da</strong>r calor de pés à cabeça.<br />
—Beeem — aplaudiu uma voz agu<strong>da</strong> no fundo <strong>da</strong> esca<strong>da</strong>.<br />
Florence olhou por cima do ombro de Edward. Lizzie tinha estado<br />
escutando, junto com Bertha, a cria<strong>da</strong> de Catherine.<br />
—Começarei a fazer as malas — disse Lizzie, subindo rapi<strong>da</strong>mente a<br />
esca<strong>da</strong>.<br />
—Eu te aju<strong>da</strong>rei — secundou Bertha, subindo pesa<strong>da</strong>mente atrás. Nos<br />
olhos tinha um brilho que Florence jamais tinha visto, um brilho bem<br />
desafiador. Florence ocultou seu sorriso no pescoço de Edward e esperou que<br />
Greystowe tivesse uma habitação para uma cria<strong>da</strong> a mais. Suspeitava que<br />
Bertha não demoraria para ficar sem trabalho.<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
—Se arrependerá — advertiu Catherine quando os quatro desceram com<br />
seus pertences— e a próxima vez, não estarei aqui para te acolher.<br />
Como uma sombra mais discreta que sua tia, Imogene observava <strong>da</strong> porta<br />
de seu quarto.<br />
—Dê minhas sau<strong>da</strong>ções a Freddie —disse, com um ronrono de voz.<br />
Florence não pôde impedir um estremecimento diante do tom meloso de<br />
sua ameaça.<br />
Edward não se lembrou <strong>da</strong>s cartas de seu pai até que tinham an<strong>da</strong>do um<br />
bom trecho pela rua. Ain<strong>da</strong> conservava o pacote na jaqueta, que tinha deixado<br />
jogado entre os vidros no chão do salão. Vacilou por um momento, e logo<br />
seguiu decidi<strong>da</strong>mente seu caminho. Tinha levado essas cartas para Catherine.<br />
Por isso a ela tocava, podiam ficar ali. Talvez as lesse. Ou as lançaria ao fogo.<br />
Aquilo não importava nem um pouco, sempre e quando jamais voltasse a vê-la.<br />
Tampouco confiava em que pudesse ser tão afortunado.<br />
Olhou seus acompanhantes. Se pensar nesse lugar de que tinham<br />
escapado, sua atitude era estranhamente apaga<strong>da</strong>, e pestanejavam sob a luz<br />
do sol como um maço de prisioneiros que abandonaram seu isolamento. Supôs<br />
que seria o impacto emocional. Não acontecia todos os dias de alguém ir o lado<br />
perverso <strong>da</strong> natureza humana se expressar dessa maneira. Por sua parte,<br />
Florence caminhava a uns metros dele, não o bastante longe como para que<br />
sua atitude parecesse um insulto, mas não o bastante perto para tocá-la. As<br />
duas cria<strong>da</strong>s caminhavam atrás, sussurrando furiosas, ocultando o rosto com<br />
as mãos, um par tão díspar como Edward jamais tinha visto, embora<br />
parecessem ter se transformado em amigas de alma.<br />
—Sim, Bertha poderá trabalhar para mim — afirmou, lançando um olhar a<br />
suas costas.<br />
Os murmúrios se converteram em risadinhas. Edward sorriu. Assim parecia<br />
melhor.<br />
—Obrigado, lorde Greystowe! —disseram as duas jovens ao uníssono.<br />
Animado pela mu<strong>da</strong>nça de humor, tentou segurar a mão de Florence. Ela<br />
se sobressaltou com seu contato, mas o deixou sustentá-la. Seu calor era mais<br />
doce que a luz do sol, sua cercania era um bálsamo para sua alma. Se<br />
perguntava como alguém podia <strong>da</strong>r essas alegrias por sentado. Entretanto,<br />
Florence não estava tão feliz como ele.<br />
— Me sinto como uma tola exímia — disse, em voz baixa e envergonha<strong>da</strong><br />
—. Não acreditei quando me advertiu a respeito de Catherine Exeter.<br />
—Não tinha razão alguma para acreditar em mim — ele disse—. E muitas<br />
razões para não me acreditar.<br />
—Entretanto, deveria ter visto...<br />
—Ter visto o que suas amigas mais velhas não viam? Sabe Hypatia não é<br />
uma tola. —Sabendo que Florence precisava se sentir mais segura, a conduziu<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
ao outro lado <strong>da</strong> estra<strong>da</strong> para que se sentassem em uma parede de pedra. Os<br />
campos se estendiam a seu redor e as ovelhas pastavam em rebanhos. Os<br />
campos de grãos se agitavam com a água sob a brisa do verão. As duas jovens<br />
cria<strong>da</strong>s trocaram um sorriso cúmplice quando Edward fez um sinal para que<br />
seguissem. Quando Florence se sentou a seu lado, acariciou todo o<br />
comprimento <strong>da</strong> cabeleira solta. O privilégio de um marido, um privilégio que<br />
esperava logo fosse dele.<br />
—Aquilo era ver<strong>da</strong>de? — ela perguntou—. Das cartas de seu pai?<br />
—Sim.<br />
—Que triste — ela disse, colocando as mãos entre os joelhos.<br />
—Sim — ele disse com voz seca—. Uma história instrutiva.<br />
Florence não sorriu.<br />
—Acredita que algum dia as lerá?<br />
Ele se perguntou por que importaria isso, mas respondeu.<br />
—Não sei. Pode ser que não seja capaz de confrontar a ver<strong>da</strong>de. Pode ser<br />
que o ódio que sente por meu pai seja o único que dá sentido a sua vi<strong>da</strong>.<br />
—Também ensinou Imogene a odiar aos homens, sabe. Ao menos a pensar<br />
que é superior a eles.<br />
Edward sorriu.<br />
—Suponho que aquela é uma lição que, com sua vai<strong>da</strong>de, Imogene estava<br />
predisposta a acreditar — disse, e alisou o cabelo detrás <strong>da</strong> orelha—. Temos<br />
que falar delas? Preferiria muito mais falar de nós. Por exemplo, não me disse<br />
sim se casará comigo.<br />
—Queria fazê-lo — ela murmurou, embora evitasse seu olhar.<br />
—Mas? —acrescentou ele, o mais tranquilamente possível. Quando tentou<br />
olhar o rosto, ela afundou a cabeça entre os ombros—. Não pode dizer que não<br />
me ama, Florence. Vi em seus olhos.<br />
—Te amo — ela disse—. Sim sabe que te amo.<br />
Seu coração se inchou ao escutá-la pronunciar essas palavras, embora já<br />
soubesse que aquilo era ver<strong>da</strong>de.<br />
—Mas? —insistiu.<br />
—Mas tudo é tão novo. Aconteceram tantas coisas nos últimos meses.<br />
Deixar Keswick, e logo Freddie, e Catherine e, ah, é difícil entender tudo.<br />
Acredito quando me diz que me ama, mas me pergunto... —Respirou profundo<br />
para fazer provisão de valor—. Tenho que me perguntar quanto tempo durará.<br />
—Já entendo — disse Edward. E era ver<strong>da</strong>de que entendia à perfeição.<br />
Seria necessário algo mais que bonitas palavras e promessas para desfazer o<br />
<strong>da</strong>no infligido.<br />
Consciente de que havia tocado seus sentimentos, Florence entrelaçou os<br />
dedos em um nó entre os joelhos. Não queria feri-lo, mas tampouco podia<br />
retirar suas palavras. Ela não voltaria a mentir, nem a si mesmo nem a ele.<br />
Pode ser que Imogene tivesse exagerado a ver<strong>da</strong>de, mas Florence sabia que ao<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
menos uma parte do que tinha contado sim era certo. Edward era um homem<br />
acostumado a tomar seus prazeres. Florence o tinha vivido em carne própria.<br />
Dado que ela tinha feito o mesmo, não podia julgá-lo por isso. Entretanto, sim<br />
podia ter medo.<br />
Permaneceram sentados no frio enquanto uma carreta carrega<strong>da</strong> de<br />
frangos passava lentamente a caminho do povoado. Ao contrário de seu dono<br />
calvo, o cavalo levava um chapéu na cabeça que sacudia acima e abaixo. O<br />
condutor os saudou, e Edward devolveu o gesto elevando a mão. Pela<br />
familiari<strong>da</strong>de <strong>da</strong>quele intercâmbio, Florence entendeu que o homem não tinha<br />
reconhecido o seu duque. Sem se <strong>da</strong>r por insultado, Edward deixou descansar<br />
os antebraços sobre os joelhos.<br />
—Florence — disse, uma vez que se desvaneceram os tombos e chiados<br />
<strong>da</strong> carreta—. Já sei que não fui o que deveria ter sido para você, nem como<br />
cunhado nem como amante. Menti quando teria que ter sido sincero. Fui uma<br />
tormenta quando teria que ter sido um refúgio. Se me deixar, isso sim, a partir<br />
deste momento queria ser seu amigo. Queria ter a oportuni<strong>da</strong>de de ganhar sua<br />
confiança.<br />
Sem virar a cabeça, estendeu sua mão para ela, com a palma para cima,<br />
os dedos ligeiramente curvados. Ela sabia que ele não fazia essa oferta à<br />
ligeira. Tinha o braço tenso e a espiava pela extremi<strong>da</strong>de do olho. Florence<br />
suspeitou que se o rechaçasse, talvez não voltasse a tentar.<br />
Conteve a respiração ao mesmo tempo em que ele continha a sua. Estava<br />
quase segura de que era capaz de <strong>da</strong>r o que ele queria. Sabia que não podia<br />
negar a tentar, não quando ele tinha pedido seu perdão com tanta humil<strong>da</strong>de.<br />
Com a sensação de que <strong>da</strong>va um salto para o abismo, pôs sua pequena mão<br />
sobre a sua, enorme. Ele entrelaçou seus dedos com os dela, quentes e<br />
seguros e ligeiramente úmidos. Sua mão falava de uma vez de força e<br />
vulnerabili<strong>da</strong>de. Uma mão sincera. Uma mão amante. As sensações que<br />
inspirava eram tão capitalistas que Florence teve que fechar os olhos.<br />
Lentamente, como se Florence pudesse se arrepender, Edward pôs a mão dela<br />
sobre seu joelho.<br />
—Tão pequena — murmurou acariciando o dorso com gesto de adoração<br />
—. E, entretanto, nesta mão sustenta meu coração. Aquelas palavras a<br />
sobressaltaram, assim como o sentimento que intuiu nelas. Piscou e abriu os<br />
olhos para procurar seu rosto, mas ele se limitou a sorrir e desviou o olhar.<br />
Edward não parecia estar mais preparado que ela para se habituar a este novo<br />
duque, a esse homem mais amável.<br />
—Vamos — ele disse, a empurrando bran<strong>da</strong>mente para que se levantasse<br />
—. Quero te levar para casa.<br />
Florence não tinha a menor ideia do que a esperava quando chegassem.<br />
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Capítulo 16<br />
Passavam as horas no relógio de pé em um canto <strong>da</strong> sala de jantar,<br />
medindo o silêncio, segundo por segundo. Com os nervos tão tensos como a<br />
cor<strong>da</strong> do pêndulo, Edward observava Florence brincar com um pe<strong>da</strong>ço de<br />
cordeiro e as ervilhas em seu prato. Apesar de Florence estar com a cabeça<br />
calcula<strong>da</strong>mente oculta, ele duvi<strong>da</strong>va que tivesse provado mais de uma dúzia<br />
de bocados. Ele mesmo não estava especialmente faminto. Ele forçou a engolir<br />
a comi<strong>da</strong> para <strong>da</strong>r bom exemplo.<br />
Florence ain<strong>da</strong> conservava certa palidez no rosto, como rastro do grave<br />
transe vivido. Se tivesse feito caso a ele, em reali<strong>da</strong>de, à senhora Forster<br />
também, ela teria tido que servir essa comi<strong>da</strong> na cama. Florence tinha resistido<br />
com seu queixo alto, um traço que ele tinha chegado a admirar tanto como a<br />
temer.<br />
—Não é que eu esteja completamente fraca — havia dito Florence—.<br />
Acredito que posso me vestir e descer para jantar.<br />
Nenhuma de suas afirmações para assegurar que ele não acreditava de<br />
tudo, havia enfraquecido, ele tinha desistido de sua intenção. Sua atitude<br />
alarmou a Edward. Temia que, querendo se redimir por ter procurado refúgio na<br />
casa de Catherine Exeter, Florence rechaçaria o refúgio que oferecia a ela.<br />
Já tinha falado com tia Hypatia. Consultado, de fato, pensando que ela<br />
devia saber mais que ele a respeito <strong>da</strong>s mulheres. Hypatia tinha sorrido e <strong>da</strong>do<br />
umas palma<strong>da</strong>s na mão, como se realmente possuísse um segredo.<br />
—Não é somente você em quem desconfia — disse—. Também desconfia<br />
de si mesmo, de seus próprios julgamentos. Se quiser que se sinta menos<br />
vulnerável, você também tem que se fazer mais vulnerável.<br />
Mas Edward não sabia como um homem podia ficar mais vulnerável<br />
pedindo à mulher que amava que se casasse com ele.<br />
—Dê tempo a ela — aconselhou sua tia para acalmá-lo—. Já pensará em<br />
algo.<br />
Devido a este diálogo, agora ele e Florence eram os únicos comensais<br />
sentados a grande mesa de mogno, posto que tia Hypatia havia anunciado<br />
uma conveniente enxaqueca. Os pratos foram disposto adequa<strong>da</strong>mente a<br />
ambos os lados <strong>da</strong> mesa, para que Florence não se sentisse pressiona<strong>da</strong>.<br />
Apesar <strong>da</strong> distância entre eles, Edward nunca tinha estado tão consciente de<br />
sua presença. Ca<strong>da</strong> vez que movia as pestanas, algo se agitava em seu<br />
coração. Os movimentos de suas mãos eram mais eróticos que um tableau<br />
vivant 15 . Usava um dos vestidos comprados por Hypatia, um vestido de se<strong>da</strong><br />
celeste com adornos de encaixe cor marfim. As velas no enorme centro de<br />
mesa faziam <strong>da</strong>nçar as sombras na fen<strong>da</strong> de seu decote, sombras que<br />
15 - tableau vivant = pintura viva<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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alimentavam a dor que sentia Edward nas malhas de sua virilha.<br />
Desejava saber o que causava aquele rápido vaivém de sua cremosa pele.<br />
Eram os nervos? O medo? Ou acaso ela também pensava na noite que se<br />
abatia sobre eles?<br />
Tinha declarado seu amor. Tinha pedido que se casasse com ele. Aquilo<br />
não deveria ter provocado seu hermetismo. Teria que ter esclarecido sua<br />
relação. Teria que havê-los aproximado.<br />
Impaciente diante <strong>da</strong>quilo que parecia um beco sem saí<strong>da</strong>, Edward se<br />
levantou. Florence elevou o olhar. Como sempre, sua beleza provocou nele um<br />
encolhimento do coração, ain<strong>da</strong> mais agora, porque tinha um aspecto tão<br />
magra e frágil. Apertando os dentes, segurou a taça de vinho e seu prato.<br />
—Aproximarei um pouco —disse, com um tom mais agressivo do que era<br />
sua intenção.<br />
Florence se limitou a assentir com um gesto de cabeça e continuou<br />
brincando com as ervilhas nos dentes do garfo.<br />
Murmurando algo em surdina, Edward se sentou junto a ela. Com um<br />
gesto apontou o prato ain<strong>da</strong> cheio.<br />
—A senhora Cook se sentirá mal se não comer.<br />
Florence fez uma careta e deu uma denta<strong>da</strong>. Edward não estava satisfeito.<br />
—Tem que recuperar suas forças — insistiu—. Não tem bom aspecto.<br />
Por alguma razão, aquilo a fez sorrir. Para surpresa de Edward, Florence<br />
estendeu a mão e alisou seu cabelo, o penteou bran<strong>da</strong>mente ao redor <strong>da</strong><br />
orelha. Edward podia contar com os dedos de uma mão as vezes que ela o<br />
havia tocado por iniciativa própria. Sentiu que ficava rígido, sentiu que o fôlego<br />
ficava apanhado nos pulmões. Um estremecimento nasceu do contato com sua<br />
mão, e o efeito <strong>da</strong>quela simples carícia foi devastador. Edward quis estendê-la<br />
sobre a mesa, levantar o vestido e penetrá-la com seu pênis ardente. Queria<br />
afun<strong>da</strong>r os dentes na carne. Queria possuí-la.<br />
Mas se fizesse isso, o mais provável é que a assustasse.<br />
—Esse é o Edward que conheço — ela disse, ligeira e com um indício de<br />
sorriso—. Sempre um diplomático.<br />
Florence deslocou a mão de sua cabeça e seus ombros e logo deu uns<br />
tapinhas no antebraço através <strong>da</strong> manga de sua jaqueta. Agarrou seus dedos<br />
antes que ela pudesse separar de tudo. Florence esticou o braço, mas ele não a<br />
soltou. O desejo pulsava nele no interior, tão insistente que sabia que não<br />
poderia cortejá-la como era devido. Havia tocado seus segredos, tinha provado<br />
o mel de sua necessi<strong>da</strong>de. Não podia seguir atuando como um cavalheiro, não<br />
quando recor<strong>da</strong>va os prazeres que poderiam compartilhar.<br />
—Te desejo — disse, com voz rouca. Quando ela levantou o olhar, viu seus<br />
olhos iludidos e quase exagerados. Temendo o que tinha lido neles, Edward<br />
deslocou seu olhar à curva acetina<strong>da</strong> de seu lábio inferior. Sentiu que o pulso<br />
pulsava na têmpora, quase tão forte como o que palpitava entre suas pernas.<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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Não estava seguro de que devia pronunciar essa confissão, mas as palavras<br />
pareciam brotar sozinhas de seus lábios. Tenho uma dor dentro de mim,<br />
Florence, uma fome que ninguém exceto você pode saciar. Não sei quanto<br />
poderei esperar para que aceite minha proposta.<br />
Quis se amaldiçoar quando ela entendeu suas palavras. A boca de<br />
Florence se torceu em um pequeno bico.<br />
—Não tem que se casar comigo —disse— só para que me meta em sua<br />
cama.<br />
Ele se reclinou para trás em sua cadeira, sem lhe soltar a mão, tentando<br />
furiosamente esclarecer as idéias. Essa era a última resposta que tinha<br />
esperado. Acaso Florence não tinha escapado porque ele não queria se casar<br />
com ela?<br />
—Florence — disse—, eu não faria algo assim. Eu gostaria de nos casar<br />
rapi<strong>da</strong>mente, sim, o mais rápido possível, mas não a trataria como se fosse<br />
uma prostituta. Quero dizer, sei que nós... —Sua voz se apagou quando<br />
recordou aquela noite no pavilhão—. Sei que compartilhamos experiências que<br />
possivelmente não devêssemos, mas agora as coisas são diferentes<br />
— Você não entende — ela disse, sacudindo a cabeça.<br />
—Então, me diga amor — ele pediu, e roçou seus nódulos com um beijo—.<br />
Me Diga.<br />
Como se ela não pudesse de uma vez responder e olhá-lo aos olhos, fixou<br />
seu olhar na mão que tinha sobre o colo. Seus peitos se elevaram<br />
sedutoramente com sua respiração.<br />
—Aquela noite — disse—, quando me buscou, quando nos demos<br />
mutuamente prazer, disse a mim mesma que só desejava saber como se sentia<br />
ser deseja<strong>da</strong>. Tinha a esperança... —Vacilou e se sacudiu a si mesmo—. Depois,<br />
tinha a esperança de que me tinha convertido em algo mais para você, que me<br />
pediria que fosse sua esposa.<br />
—Não te equivocou ao pensar nisso. Deveria ter pedido isso.<br />
—Não. —A mão que tinha no colo se uniu a que ele sustentava. Acariciou<br />
os minúsculos pêlos do dorso do punho, fazendo sua pele arrepiar. Falar seria<br />
supérfluo. E então retirou as duas mãos—. Não é isso o que quero dizer. O que<br />
quero dizer é que antes que... fizéssemos o que fizemos, eu não pensava em<br />
as coisas eram adequa<strong>da</strong>s. De ver<strong>da</strong>de, não me importava. Vi o <strong>da</strong>no que se<br />
pode infligir quando se vive segundo as expectativas <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. O mal a<br />
Freddie, a seu pai. Então, era muito tími<strong>da</strong> para romper as regras. Agora já não<br />
estou tão segura de que as regras importem.<br />
Edward pegou o lado do pescoço e a fez virar o queixo com o polegar.<br />
—Sim que importam amor. Aquelas regras é a maneira que temos de nos<br />
honrar um ao outro. A maneira em que mostramos nosso respeito.<br />
Ela jogou a um lado o queixo.<br />
—Disse que se envergonhava de me amar.<br />
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Por um momento, suas palavras o privaram <strong>da</strong> facul<strong>da</strong>de <strong>da</strong> fala. — Eu<br />
não disse isso. Não poderia ter dito isso.<br />
—Mas o disse. Quando foi me buscar na casa de Catherine, disse que me<br />
queria tanto que tinha vergonha. —Quando Florence cruzou seu olhar com o<br />
dele, seus olhos tinham um rebordo de lágrimas, lágrimas que brilhavam como<br />
esmeral<strong>da</strong>s sob a luz fugidia—. Sigo sendo a filha do pároco, Edward. Não<br />
tenho nenhum encanto, não sou rica. Só sou singela e tími<strong>da</strong> e pobre. Se casar<br />
comigo não acrescentará brilho no nome dos Burbrooke. Tampouco ganhará o<br />
respeito de ninguém. Sei que me quer esta noite, mas quando se cansar de<br />
mim, acaso não preferirá não estar casado?<br />
—Pelo amor de Deus! — ele exclamou, completamente surpreso—. Será<br />
que não me ouviu hoje? Não acredita que aprendi com os enganos de meu pai?<br />
Ela lançou uma labare<strong>da</strong> de fogo pelos olhos.<br />
—Acredito que quer dormir comigo, e que seu maldito sentido de honra<br />
exige que sejamos marido e mulher.<br />
—Meu maldito sentido de honra não tem na<strong>da</strong> que ver. Meu Deus,<br />
Florence, faz poucos dias pensava que queria que se casasse com Freddie e se<br />
deitasse comigo.<br />
—Reconheço que me equivoquei ao pensar nisso — ela reconheceu,<br />
embora reticente.<br />
—Também te equivoca nisto. —A agarrou pelos ombros, tentado sacudi-la<br />
para despertar algum sentido nela—. Quero me casar contigo porque te amo.<br />
Porque enche um espaço dentro de mim que ignorava que estava vazio. Porque<br />
me faz feliz. Sustentando sua mão. Vendo como fascina a um cachorrinho ou<br />
um bebê. São coisas que me procuram a satisfação maior que conheci. Não<br />
posso imaginar minha vi<strong>da</strong> sem elas. Não quero imaginar minha vi<strong>da</strong> sem elas.<br />
<strong>Além</strong> disso, não deixarei de te amar. Pode tirar essa insensatez <strong>da</strong> cabeça<br />
agora mesmo.<br />
Ela se ruborizou, mas a maneira como mordeu o lábio disse que ain<strong>da</strong><br />
resistia.<br />
—São belas palavras — disse Florence—. Mas acho difícil acreditar que<br />
realmente as diz de todo coração.<br />
A frustração se retorceu nele como um grunhido tenso e desesperado.<br />
—Não acredita porque menti antes?<br />
—Possivelmente não acredito porque em reali<strong>da</strong>de não sou ninguém<br />
especial. —OH, Florence. —Edward soltou os ombros para acariciar o rosto—. É<br />
incrivelmente especial.<br />
Florence tremeu o queixo, e logo ficou firme como em atitude de desafio.<br />
—Sou uma bonita garota do campo, na<strong>da</strong> mais. Uma atração breve e<br />
animal. Não sou nenhum diamante. Não poderia colocar aos homens no bolso<br />
nem que quisesse.<br />
Edward amaldiçoou a língua de cobra de Catherine, e estampou um beijo<br />
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em seu cenho enrugado.<br />
—Catherine distorceu os fatos para sua conveniência. A ver<strong>da</strong>de é que<br />
deixei Imogene porque ela não era você, porque sabia que jamais chegaria a<br />
meu coração como você o tem feito. Não há na<strong>da</strong> de breve no que sinto. E se<br />
alguma vez alguém me colocou no bolso, essa pessoa foi você.<br />
Uma lágrima pendurava <strong>da</strong> pestana inferior de Florence. —Quero acreditar<br />
em você — sussurrou—. Quero acreditar com tanta vontade que me dói.<br />
—Então acredite — ele disse—, acredite no que te digo. —Levado de um<br />
impulso repentino, se levantou e a convidou a se levantar de seu assento—.<br />
Vêem comigo.<br />
A confusão de Florence era visível. Aonde vamos? —inquiriu.<br />
Ele mesmo apenas sabia. Começava a ruminar uma idéia, repentina e<br />
nebulosa, uma idéia que poderia demonstrar quão comprometido se sentia a<br />
compartilhar sua vi<strong>da</strong> com ela. Você também deve ser vulnerável, havia dito tia<br />
Hypatia, e agora ele tinha pensado no como. A fez retroceder pelo chão de<br />
madeira.<br />
—Antes de pedi que confie em mim —disse—. Agora vou demonstrar o<br />
quanto confio em você.<br />
Ela resistiu, com os braços tensos. —Não tem por que...<br />
—Sim, quero amor. Sim, quero de ver<strong>da</strong>de.<br />
Caminhando para trás com ambas as mãos nas dele, Edward a levou além<br />
<strong>da</strong> grande esca<strong>da</strong> no vestíbulo, deixando atrás retratos ancestrais e bustos e<br />
tapeçarias desbota<strong>da</strong>s que cheiravam a almíscar e especiarias. Florence<br />
suspeitava que aqueles objetos tivessem sido resgatados <strong>da</strong> velha mansão de<br />
Greystowe, símbolos tangíveis do antigo poder de sua família.<br />
Eu não pertenço aqui, pensou, mas mais por costume que por convicção.<br />
Edward fazia mais fácil que ela acreditasse que podia pertencer, com seu<br />
punho de ferro e seus olhos como duas brasas. Eram olhos que pediam que o<br />
seguisse, que fizesse tudo o que desejava.<br />
Quando chegaram ao arco que conduzia à sala de bilhar, ele se virou e<br />
soltou suas mãos para passar um braço pelas costas. Florence se deu conta de<br />
que tremia, antecipando o que aconteceria. Seu braço era pesado, mol<strong>da</strong>do<br />
pelos músculos. Sua força a fazia se sentir feminina e pequena.<br />
Edward a conduziu pelo corredor <strong>da</strong> ala familiar. Aqui o tapete era novo e<br />
suave, uma mescla de azul marinho e bege. Passaram pelas dependências de<br />
Freddie, agora vazias, posto que ele e Nigel não haviam retornado de seus<br />
assuntos na fábrica. Finalmente, a duas portas <strong>da</strong> estufa, se deteve. A essa<br />
distância <strong>da</strong>s laranjeiras, o ar tinha uma doçura áci<strong>da</strong>.<br />
—Este é meus aposentos — disse, e abriu a porta para que ela entrasse.<br />
Ela esperou justo do outro lado <strong>da</strong> soleira enquanto ele acendia um fósforo<br />
e iluminava com um castiçal de prata. As cortinas estavam abertas, para que<br />
entrasse a suave brisa do anoitecer. As portas janelas se abriam para o jardim<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
anterior. Fora, o céu brilhava, <strong>da</strong> cor safira pontilha<strong>da</strong> de estrelas no mais alto,<br />
até um brilhante verde lima e, ao longe, um brilho de carmesim, mais à frente<br />
o lago de águas encrespa<strong>da</strong>s. As cores se fundiam uns aos outros como se os<br />
céus fossem um exótico licor. Florence quase podia degustar o final do pôr-dosol,<br />
como se aquilo também fosse uma essência que ficava suspensa no ar.<br />
De repente, teve um impulso inesperado de tirar a roupa e se banhar<br />
naquela luz vibrante.<br />
—Por aqui—disse Edward, precedendo através <strong>da</strong> sala de estar para outra<br />
porta.<br />
Esta conduzia ao seu quarto. Edward acendeu um segundo castiçal e<br />
deixou os dois caminhos sobre a mesas junto a sua sóli<strong>da</strong> cama de colunas.<br />
Florence sentiu certa rigidez, incapaz de resistir as conotações <strong>da</strong>quele<br />
decorado. Eram as dependências priva<strong>da</strong>s de Edward, onde dormia, onde se<br />
vestia, onde sonhava no que fora que sonhasse. As colunas <strong>da</strong> cama,<br />
esculpi<strong>da</strong>s em espiral, eram grosas, e as colgaduras eram dignas de um rei. A<br />
cor a<strong>da</strong>masca<strong>da</strong> sangue <strong>da</strong>s dobras brilhava com bor<strong>da</strong>dos de ouro, antigos<br />
mas bem conservados. O resto <strong>da</strong> sala era igualmente escura e rica, madeiras<br />
reluzentes, cadeiras sóli<strong>da</strong>s de abun<strong>da</strong>nte cheio e, aqui e lá, o brilho de metais<br />
preciosos. As paredes eram <strong>da</strong> mesma cor de terracota que a cama.<br />
Por cima <strong>da</strong> chaminé pendurava um pequeno ícone de uma Madona. Com<br />
um grosso halo de espesso pão de ouro, o vestido estava tão bem obtido em<br />
seu realismo que Florence quase estirou a mão para tocá-lo. Aquela virgem era<br />
cheia, sorridente e generosa, curiosamente humana, a pesar do marcado estilo<br />
manierista russo. Com apenas olhá-la, Florence sentiu que brotavam lágrimas<br />
dos olhos.<br />
Se voltou para Edward, sabendo que seu assombro estava no rosto.<br />
—Não — riu, vendo sua expressão—. Não te trouxe aqui para ver isto.<br />
Deu meia volta, e se agachou para abrir um dos armários de teca junto a<br />
sua cama. Reprimindo um suspiro, Florence viu como estiravam as costuras de<br />
sua elegante jaqueta sobre os ombros. Só Edward poderia fazer que aquela<br />
enorme sala parecesse pequena. Ele se levantou com algo na mão, uma bola<br />
de tecido negro. Estendeu com o rosto sério e possivelmente um pouco<br />
inseguro.<br />
—Acredito que tinha a intenção de usar isto — disse—. Comigo.<br />
A curiosi<strong>da</strong>de brotou de seu peito e bateu as asas bran<strong>da</strong>mente em sua<br />
garganta. Cruzou nas pontas dos pés o tapete oriental, e logo teve um<br />
sobressalto ao ver o que ele sustentava. Eram as tiras negras de veludo que<br />
tinha utilizado para atá-la naquela noite no pavilhão.<br />
Florence levou rapi<strong>da</strong>mente a mão ao peito antes que pudesse as tocar.<br />
—Pensava que se supunha que as mulheres não... Que você não gostava...<br />
Edward a tirou de sua confusão.<br />
—É porque confio em você. Estou te <strong>da</strong>ndo o poder para que me ponha a<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
sua mercê. Ain<strong>da</strong> o deseja, não?<br />
A ela fez água na boca pensando nele, nu e preso. To<strong>da</strong> essa força<br />
masculina, to<strong>da</strong> sua para explorá-la, para reinar sobre ela. Sentiu que o corpo<br />
ficava pesado e suave, como se seu sexo fosse uma fruta que maturava.<br />
Engoliu com dificul<strong>da</strong>de.<br />
—Eu — começou a dizer, e teve que voltar a começar—. Não queria fazer<br />
se pensasse que te desgostará.<br />
A risa<strong>da</strong> de Edward não era de to<strong>da</strong> segura.<br />
—Me olhe ---disse—. Estou tão duro como a lança de meu tataravô. Estou<br />
seguro de que na<strong>da</strong> do que possa fazer comigo me desgostará.<br />
O vulto que atirava de suas calças era um argumento a seu favor. Era, em<br />
reali<strong>da</strong>de, imponente, poderoso, com um movimento palpitante que deve ter<br />
sido o eco de seu coração. Sua confusão acabou por convencê-la, mas antes<br />
que começasse tinha que compreender precisamente o que oferecia ele. Não<br />
podia suportar a ideia de voltar a se equivocar.<br />
—Posso fazer o que eu queira? —perguntou—. Dar ou tomar o prazer que<br />
deseje?<br />
O sangue foi a seu rosto como uma maré que lhe deu um repentino tom<br />
brônzeo.<br />
—Qualquer prazer. —A confirmação foi seca, como se sua pergunta o<br />
tivesse excitado—. Minha vontade será tua para que ordene o que queira.<br />
Ela sorriu incapaz de ocultar sua excitação. O duque de Greystowe, o<br />
amargurado resmungão cara de pedra cedesse seu poder a ela era algo muito<br />
difícil de acreditar. Não era só diversão, certamente, o que esperava Florence.<br />
Seu corpo queimava por aceitar sua oferta. Deixou cair às pestanas,<br />
defendendo do fogo que sabia brilhava em seus próprios olhos.<br />
—Acredito que sim eu gostaria — confessou.<br />
Edward tremeu, e estendeu a mão que sustentava os laços. —Então, os<br />
pegue — ordenou—. Antes que troque de opinião.<br />
Ela tomou, os desenrolou cui<strong>da</strong>dosamente um a um, os deixou sobre a<br />
cama, um para ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s grosas colunas. Edward chegaria, pensou,<br />
sentindo um estremecimento quando a imagem se fez presente. Edward era<br />
bastante grande e chegaria. Quando se virou, ele a olhava como um falcão.<br />
Apalpou as lapelas <strong>da</strong> jaqueta e ficou esperando.<br />
—Eu gostaria de tirar sua roupa — Florence disse. Desta vez, foi ele quem<br />
sentiu o estremecimento.<br />
—Não tem que pedir permissão, amor. Não esta noite. Esta noite pode<br />
fazer comigo o que queira.<br />
Finalmente, Florence começava confiar.<br />
Edward pensou que morreria de luxúria antes que ela acabasse de tirar<br />
sua roupa. Peça por peça, foi despindo. Sua jaqueta e seu colete. Suas<br />
abotoaduras e sua gravata cinza de se<strong>da</strong>. Tirar os sapatos e meias três -<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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quartos foi um gesto misterioso, quase insuportavelmente íntimo. Quando<br />
acabou, Florence roçou a ponta dos dedos com a gema dos seus, enviando<br />
estranhas e sensuais descargas por suas pernas.<br />
—Que dedos maiores e largos tem — disse ela com um sorriso misterioso,<br />
semi-oculto.<br />
Com essas palavras, Edward sentiu que seu pênis quase estalava<br />
rompendo as costuras de sua calça. Se sentiu como o lobo do conto. Uma besta<br />
com uma urgência primitiva que reclamava seu casal. Tremeu sob o ataque do<br />
instinto, mas não se moveu. Ela o tinha encadeado com o metal de seu próprio<br />
amor. Tinha que se inclinar diante de sua vontade até que soubesse que ela se<br />
sentia segura.<br />
À medi<strong>da</strong> que ele cedia sua liber<strong>da</strong>de, crescia a confiança de Florence. Ele<br />
observava como lançava seu cabelo a um lado, o vaivém zombador de seus<br />
quadris enquanto <strong>da</strong>va voltas ao redor de seu corpo ca<strong>da</strong> vez mais nu. O<br />
fascinava ver essa transformação, fascinava-lhe como ela deslizava suas mãos<br />
sobre suas costas e ombros, faminta, deixando uma esteira de fogo em seu<br />
caminho, parecendo medir ca<strong>da</strong> músculo e ca<strong>da</strong> gota de suor. Quando suas<br />
mãos seguiram mais abaixo, por cima do vulto de sua calça, apertou as<br />
nádegas involuntariamente.<br />
—Está muito duro aqui — ela disse, apalpando as curvas escuras sem ser<br />
vigia<strong>da</strong>.<br />
Edward apertou a mandíbula, agonizando de desejo. —Estou mais duro<br />
aqui, por diante.<br />
Era uma insinuação que ela não passou por cima. Riu com um sotaque<br />
feminino, doce e sensual. O agarrou por trás e, com as mãos, seguiu os sólidos<br />
músculos de seu peito. Quando baixou ain<strong>da</strong> mais, ele deixou de respirar.<br />
Florence deslizou seus dedos por debaixo de sua cintura, excitando a pele<br />
suave e suarenta do ventre superior. Seu membro disparou para cima e para<br />
fora, desesperado para chegar seu turno de carícias.<br />
—Se terminar de te despir — ela disse, o rosto indo e vindo em um roçar<br />
constante por suas costas—, se pegar sua dureza em minha mão, seguirá<br />
fazendo o que digo?<br />
Ele vacilou, e logo respondeu com voz rouca. —Sim, amor. Esta noite o<br />
poder é todo seu.<br />
Florence beijou o centro <strong>da</strong>s suas costas e logo abriu cui<strong>da</strong>dosamente<br />
suas calças. Posto que estivesse por detrás, movia as mãos quase como ele o<br />
teria feito. Ele a viu manipular os botões com seus finos dedos brancos. Se<br />
sentia deliciosamente vulnerável, de uma maneira que jamais teria pensado<br />
possível. Seu órgão se ergueu ao ser liberado do tecido que o constrangia,<br />
embora com a peculiar sensação de que agora pertencia a ela, não a ele.<br />
Quando baixou o que ficava de suas roupas até os tornozelos, se deteve<br />
brevemente em sua cintura. Tinha a pele quente, uma calidez que ele não<br />
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podia deixar de sentir. Florence estava excita<strong>da</strong>, e isto a excitava ain<strong>da</strong> mais.<br />
Do peito de Edward ameaçava estalando um rugido. Seu autocontrole era uma<br />
cor<strong>da</strong> que se esticou a mais não poder.<br />
—Florence —disse, com voz rouca e afoga<strong>da</strong>—, possivelmente teria que<br />
me atar agora.<br />
Para sua completa surpresa, sentiu que seus dentes roçavam a carne de<br />
suas nádegas. Antes que pudesse se deter, lançou um ligeiro grito. —OH — ela<br />
se desculpou—. O sinto tanto. Tenho feito mal?<br />
—Não. —Edward apertou ain<strong>da</strong> mais os músculos ao sentir como sua mão<br />
esfregava a pele feri<strong>da</strong>—. Só me surpreendeste.<br />
—Não sei o que me aconteceu — ela disse, sem deixar de esfregar, ain<strong>da</strong><br />
contrita—. É tão belo aqui atrás. Tão pequeno comparado com o resto de você.<br />
Você... seu traseiro é como uma maçã. Tinha que morder.<br />
Edward não sabia se ria ou grunhia. Florence tinha introduzido os<br />
polegares entre ambas as nádegas e agora desenhava arcos para seu cóccix<br />
de uma maneira que não era na<strong>da</strong> calmante, caso que acalmá-lo fora sua<br />
intenção.<br />
—Está bem —disse—, não me tem feito mal. —Sua voz se apagou. —De<br />
fato, o que fez é, mas bem excitante.<br />
—OH — ela respondeu, agora sem fôlego—. e... bem. Me alegro. Ele fez<br />
um esforço para não rir até que ela se deslizou e se situou em frente a ele.<br />
Então já nem sequer pôde sorrir, Estava muito ocupado tentando não grunhir.<br />
Com os dedos, Florence arranhou ligeiramente o pêlo do peito, e logo jogou<br />
com os bicos do peito acobreados que encontrou no caminho. Novas sensações<br />
correram por seus nervos, estremecimentos incendiários que o percorreram<br />
por inteiro até o sexo. Ficaram pulsando em seu vértice, ferroando a pele<br />
sensível como gotas de azeite. Seus dedos tinham um poder que nenhuma<br />
outra mulher havia possuído. Edward acreditou que se afogaria com tanta<br />
luxúria, e lutava com to<strong>da</strong>s suas forças para manter o controle, para não<br />
assustá-la com seu próprio apetite. Ela mordeu o lábio quando viu seu pênis se<br />
sacudir e voltar mais escuro.<br />
— Te agra<strong>da</strong> isto? —disse, passando bran<strong>da</strong>mente os polegares pelos<br />
bicos do peito.<br />
O fôlego que ele teria utilizado para reconhecer que sim, que agra<strong>da</strong>va,<br />
desvaneceu quando ela se ajoelhou. Incapaz de resistir, Edward deslocou suas<br />
mãos para trespassar em seu cabelo brilhante e revolto.<br />
—Não me toque — ela disse—. Eu quero fazer isto sozinha. —Então me<br />
amarre — ele pediu—. Porque se me tomar em sua boca, terei que te tocar.<br />
Não poderei me deter.<br />
Ao cabo de um momento de vacilação, Florence se levantou. Olhou seu<br />
membro, erguido como uma lança, e logo olhou a cama. —mudei de opinião—<br />
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disse.<br />
O coração de Edward deu um tombo, uma reação violenta que o<br />
confundiu. Acaso queria dizer que o liberava de sua promessa de deixá-la fazer<br />
com ele o que quisesse? Queria possuí-la, era ver<strong>da</strong>de. Queria arrastá-la no<br />
chão, despojar de sua roupa para pôr descoberto sua pele sedosa e entrar tão<br />
profun<strong>da</strong> e poderosamente entre suas pernas que Florence o sentiria<br />
martelando durante dias. Ansiava aquele triunfo com tudo o que fazia dele um<br />
homem. E, entretanto, apesar de seu impulso de conquistar e subjugar, uma<br />
parte dele queria que ela tomasse primeiro.<br />
Esperou que ela se explicasse, enquanto em seu interior seus desejos<br />
antagônicos travavam uma feroz luta. Ela levou dois dedos aos lábios em<br />
atitude de contemplação, prolongando sem propor aquela tensão.<br />
—Sim — disse finalmente, e a palavra soou decisiva—. Quero te amarrar,<br />
mas o quero de pé.<br />
O coração deu a Edward um segundo tombo galvânico, desta vez, um<br />
tombo de inconfundível excitação.<br />
—Sim se deitar — ela explicou—, não poderei te tocar tanto como<br />
quisesse.<br />
—Perfeitamente de acordo — ele disse, com voz rouca—. O entendo muito<br />
bem.<br />
Ela sorriu um repentino indício de humor.<br />
—Sim? —Seu tom era seguro e sedutor. Levou uma mão no quadril e com<br />
a outra apontou o outro extremo <strong>da</strong> cama. Nesse momento ele viu a professora<br />
nela, à pequena mestra que esperava ser obedeci<strong>da</strong>—. Por favor, se ponha<br />
diante <strong>da</strong>s colunas para que possa te amarrar.<br />
Quando ele obedeceu, sentiu que a pele o ardia. Alcançava justo a agarrar<br />
as espirais poli<strong>da</strong>s <strong>da</strong> madeira. Amarrou seus pulsos com firme concentração,<br />
mais firmemente do que ele esperava, e com numerosos nós. Jamais seria uma<br />
boa blusa de marinheiro, mas os nós aguentariam.<br />
—Não está muito apertado, não? —perguntou. Ele negou com um gesto de<br />
cabeça e deu uma palma<strong>da</strong> no centro do peito. —Só me diga se quiser que<br />
solte isso.<br />
—Mas ele não queria. Para sua surpresa, o agra<strong>da</strong>va se encontrar a sua<br />
mercê, agra<strong>da</strong>va a incerteza de sua seguinte decisão. Qualquer fosse sua<br />
eleição, seria sua própria idéia. Na<strong>da</strong> de obrigá-la, na<strong>da</strong> de intimidá-la, só fazer<br />
exatamente o que ela desejasse. Ele saberia o que ela estava disposta a <strong>da</strong>r.<br />
Aprenderia o que era o que o fazia gozar. Olhou a mão que se apoiava em seu<br />
esterno até seus olhos. Estes brilhavam com a mesma excitação que sentia se<br />
acumular em seus próprios ossos. Não queria destruir a magia com uma<br />
palavra.<br />
Florence sorriu e retrocedeu um passo comprido.<br />
—Vou tirar a roupa — disse, como ausente, como se aquele anúncio<br />
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também a surpreendesse a ela—. E você olhará. Será o primeiro homem que<br />
alguma vez quis que me olhasse.<br />
Edward sentiu que a respiração rugia por sair, esvaziando o ar <strong>da</strong>s<br />
costelas. Não poderia ter articulado palavra, nem que se tratasse de salvar a<br />
vi<strong>da</strong>. Tinha uma vaga idéia do que significava aquilo. Florence nunca se sentiu<br />
cômo<strong>da</strong> com essa maneira que tinham as pessoas de admirar seu aspecto.<br />
Sempre tinha sido muito tími<strong>da</strong>. Mas se agora queria que ele olhasse...<br />
Florence devia amá-lo, realmente, amá-lo de ver<strong>da</strong>de.<br />
Tirou o vestido sem detrás nem grandes gestos coquetes, somente com o<br />
cui<strong>da</strong>do que uma mulher de modos modestos poria com um vestido valioso.<br />
Riu enquanto lutava com alguns dos broches, algo nervosa, mas não como se<br />
desejasse se deter. Não usava espartilho. Ele supôs que o peso que tinha<br />
perdido não o fazia necessário. Ao tirar o vestido, ficou só com a blusa e as<br />
meias, uma bela mescla de encaixe e dobras e linho. Agora via seus mamilos<br />
rosados por cima, e o triângulo de cachos negros entre suas pernas. A imagem<br />
o fez voltar no dia em que a tinha visto na casa de ma<strong>da</strong>me Victoire. A<br />
excitação que havia sentido então, não era na<strong>da</strong> comparado com o desejo que<br />
agora o cravava. Tremia todo seu corpo, e todo seu coração. Era mais do que<br />
seu pênis, que morria pelo doce abraço de seu corpo.<br />
Florence não advertiu o tremor que percorreu suas extremi<strong>da</strong>des. Estava<br />
muito absorta em se desfazer de sua roupa interior antes que perdesse os<br />
nervos.<br />
A camisa tinha jogado o coque por cima <strong>da</strong> cabeça. Teve que saltar em um<br />
pé para tirar a segun<strong>da</strong> perna <strong>da</strong>s meias. Parecia a negação mesma de uma<br />
coquete e Edward jamais a tinha amado tanto.<br />
—Agora sim — disse, com um orgulho nervoso e com a respiração<br />
acelera<strong>da</strong> quando lançou as meias a um canto.<br />
O sorriso de Edward ameaçava partir seu rosto em dois. Outra mulher teria<br />
acariciado aqueles seios formosos ou aquele exuberante lugar de cachos.<br />
Florence simplesmente ficou ali, mordendo o lábio, com o aspecto de querer<br />
retorcer as mãos encantadoras que tinha prega<strong>da</strong>s sobre o ventre. Edward<br />
suspeitou que aquelas mãos tremiam mais que as suas.<br />
Sua valentia o emocionava além do acreditável.<br />
—É a mulher mais bela que jamais vi — confessou.<br />
Ela sorriu e agachou a cabeça. —Isso que diz é uma tolice.<br />
—Não — ele insistiu, totalmente sério—. Ninguém jamais me pareceu tão<br />
bela.<br />
— Bem... Ah, obrigado —disse, com o queixo ain<strong>da</strong> escondido—. Você<br />
também é bastante belo.<br />
Ele soltou uma gargalha<strong>da</strong> para ouvir isso, mas então ela decidiu o<br />
demonstrar —Florence —.<br />
O beijou ca<strong>da</strong> canto de sua pele onde seus lábios podiam chegar, nas<br />
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pontas dos pés para beijar seu pescoço, e se ajoelhando para beijar seus dedos<br />
dos pés. Suas mãos eram a sedução pura, carícias ligeiras como as de uma<br />
pluma, desde suas pernas e quadris até as curvas de seu traseiro que<br />
supostamente tinha forma de maçã.<br />
—Ah, Edward — suspirou Florence, quando fez cócegas no cabelo por<br />
debaixo dos braços estendidos—. Tudo o que há em você é tão interessante.<br />
Ao parecer, também pensava que seu sexo era interessante. Agarrou na<br />
palma <strong>da</strong> mão, sacudiu e esfregou até que ca<strong>da</strong> pausa de Edward se converteu<br />
em um gemido. Quando se inclinou para prová-lo, ele se segurou nas colunas<br />
com tanta força que os dedos adormeceram momentaneamente.<br />
Sua boca era o céu, um céu decidi<strong>da</strong>mente suave, quente e úmido e<br />
sedoso. Agarrando o grosso do membro em uma mão, com a palma <strong>da</strong> outra<br />
segurou os testículo e o chupou até os limites do clímax. Com a língua, banhou<br />
aquele ponto onde confluíam os nervos na parte baixa <strong>da</strong> glande. Com os<br />
lábios atirou para trás do prepúcio. Chupou como se fascinasse seu sabor e sua<br />
textura, como se não houvesse na<strong>da</strong> nele que ela não pudesse aceitar.<br />
Ele sentiu que se inchava a arrebentar, sentiu a dor doce e palpitante se<br />
acumulando na raiz de seu membro.<br />
—Florence — gemeu, sabendo que deveria detê-la. Ao contrário, com os<br />
quadris se impulsionou para o calor intenso e meloso de sua boca.<br />
Um mais, pensou, arranhando as colunas <strong>da</strong> cama com as unhas. Um<br />
celestial impulso mais e gozaria.<br />
Ela parecia intuir o que seu corpo desejava. Suas mãos se fecharam, sua<br />
boca o incitou a sucumbir à agônica necessi<strong>da</strong>de. Edward viu faíscas <strong>da</strong>nçar<br />
diante de seus olhos e avermelhou e então seu pênis se transformou. Inclinou<br />
para frente na altura <strong>da</strong> cintura como se alguém tivesse golpeado, os quadris<br />
atirado para frente e os músculos se retorcendo ao uníssono. Foi um orgasmo<br />
como uma labare<strong>da</strong> aperta<strong>da</strong> e palpitante de sentimento, interminável e<br />
intensa. Edward nem sequer conseguiu exalar um gemido até que acabou, até<br />
que recuperou seu fôlego perdido. As pernas se dobraram e procuraram a<br />
cama, incapazes já de sustentar seu peso.<br />
—Florence — disse, soprando—. Meu Deus.<br />
Ela soltou uma risinho contra seu peito e ele descobriu que a sustentava<br />
em seus braços. Suas mãos estavam livres. Nem sequer tinha sentido desatálo.<br />
Com a respiração ain<strong>da</strong> entrecorta<strong>da</strong>, estendeu sua gloriosa cabeleira sobre<br />
os ombros. Uma última forquilha caiu no chão. Devolveu o abraço.<br />
—Foi maravilhosamente divertido — disse. Não consigo imaginar por que<br />
se supõe que as mulheres não devem fazer isso.<br />
Ele inclinou a cabeça para beijá-la, profun<strong>da</strong>mente, úmido, e seu pênis<br />
voltou a pesar quando ele se deu conta de que podia saborear a si mesmo em<br />
sua boca. Sua semente era salga<strong>da</strong>, agridoce. O fato de que estivessem a<br />
compartilhando parecia alarmantemente erótico. Um som brotou de seu peito,<br />
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impotente e agudo. Aquele ruído despertou algo em Florence. O agarrou pela<br />
nuca e seus seios suaves e nus se agitaram deliciosamente contra o seu. De<br />
repente, faltou fôlego, Edward se separou do beijo. Florence estava apoia<strong>da</strong><br />
nele, aloja<strong>da</strong> entre suas pernas. Por como se retorcia, Edward entendeu que<br />
esperava uma rápi<strong>da</strong> recuperação.<br />
Com uma risa<strong>da</strong> rouca e carinhosa, agarrou seus braços e a lançou sobre a<br />
cama. Ela deixou escapar um grito ao cair, e logo sorriu através dos cabelos<br />
revoltos. A ver nua, em sua cama, era um prazer que Edward jamais tinha<br />
pensado desfrutar.<br />
Ele subiu lentamente ao seu lado, como um pre<strong>da</strong>dor, sentindo que<br />
encarnava a um animal que às vezes ela temia. Se ergueu sobre ela de quatro,<br />
seu membro pendurado, começando a se endurecer enquanto se balançava.<br />
—Edward? — ela aventurou a dizer tocando o ventre com o dorso <strong>da</strong> mão.<br />
Sua voz tremeu como se tivesse medo, mas o rubor de seu rosto era muito<br />
visível.<br />
Edward mostrou seus enormes e afiados dentes, entregue de tudo a seu<br />
gozo.<br />
—E agora, Chapeuzinho Vermelho — disse—, vejamos a diverti<strong>da</strong> que se<br />
pode ser você.<br />
No final, resultou o que era, e muito.<br />
Capítulo 17<br />
Florence tremia nos limites de uma felici<strong>da</strong>de quase aterradora. Edward a<br />
amava. Edward confiava nela. Edward sorria ca<strong>da</strong> vez que seus olhares se<br />
cruzavam.<br />
Como se fossem meninos, tinham ido até a cozinha para saquear a<br />
despensa a meia-noite.<br />
—Tenho que recuperar forças — havia, dito ele, colocando a mão sob a<br />
camisa, sua camisa, o único que a tinha permitido usar.<br />
Aquele Edward brincalhão a fascinava. A doçura de seu sorriso, a<br />
espontanei<strong>da</strong>de de seus gemidos lupinos. Se aproveitava de qualquer<br />
artimanha para tocá-la, brincando com seus dedos e seu cabelo, apertando<br />
seus joelhos, roçando a ponta do nariz com os lábios.<br />
Depois de ter se reprimido tanto tempo, não podia estar com as mãos<br />
quietas.<br />
Agora estavam sentados os dois, com as pernas cruza<strong>da</strong>s no refúgio de<br />
sua cama, com as cortinas fecha<strong>da</strong>s, mordiscando o conteúdo <strong>da</strong> bandeja que<br />
tinham furtado frutas, queijo e fatias de pão com mel. Edward a fez comer uma<br />
fatia de maçã, e seus olhos lançaram um brilho quando a passou junto aos<br />
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lábios.<br />
—Sinto uma fome repentina — disse—, por saber tudo a respeito de você.<br />
Ela se ruborizou diante de seu tom de voz e permitiu deslizar os dentes<br />
contra seu polegar, arranhando lentamente, ousa<strong>da</strong>mente.<br />
—Tudo?<br />
Edward fechou apenas as pálpebras.<br />
—Tudo — insistiu, deslizando langui<strong>da</strong>mente a mão pelo pescoço—. A<br />
primeira palavra. A cor preferi<strong>da</strong>. O nome de sua melhor amiga quando tinha<br />
doze anos.<br />
A calidez de seu contato era como se servissem vinho nas veias. Pelo<br />
visto, a Edward agra<strong>da</strong>va o grande que ficava a camisa. A agarrou pelos<br />
braços, e o tecido branco e engomado recuou em torno de seus dedos.<br />
Florence teve que lutar para pensar mais à frente do prazer de sua cercania.<br />
—Minha primeira palavra foi gatinho — disse—. O azul é minha cor<br />
preferi<strong>da</strong>. E papai sempre foi meu melhor amigo. Tinha um absurdo senso de<br />
humor. Fazia jogos de palavras e todo tipo de brincadeiras. Ninguém me fazia<br />
rir como ele.<br />
Edward apertou nervosamente os lábios, como se a só menção de sua<br />
risa<strong>da</strong> provocará a sua.<br />
—Bola — disse—. Vermelho cereja. E meu melhor amigo foi Freddie,<br />
embora Plunket, meu potro, era um firme competidor.<br />
—Plunket?<br />
—Eu mesmo pus esse nome. Se parecia muito a um de nossos tutores. —<br />
Edward sorriu, os olhos generosos como o ícone <strong>da</strong> parede—. Florence<br />
importaria se te pergunto como perdeu a sua mãe?<br />
—Tinha três anos — ela disse, agarrando a mão para assegurar que a<br />
pergunta não a incomo<strong>da</strong>va—. Morreu durante o parto, e o bebê também. Teria<br />
sido um menino. Eu não a lembro, exceto através <strong>da</strong>s anedotas de papai.<br />
Nasceram na mesma ci<strong>da</strong>de. Nenhum dos dois amou a outra pessoa. Papai<br />
dizia que era a mulher mais doce e inteligente que jamais tinha conhecido, e<br />
que nunca chegava pontualmente a nenhuma parte. Em reali<strong>da</strong>de, nunca se<br />
recuperou quando ela morreu. Não disse, mas às vezes, quando pensava que<br />
eu não o via, seus olhos ficavam terrivelmente tristes. —Florence olhou para<br />
outro lado, como se não quisesse espraiar-se nesse momento, não com Edward<br />
tão perto e tão desejado. Se obrigou a sorrir—. Quando conheci Freddie,<br />
pensei, este é o irmão que nunca tive.<br />
Ocorreu a ela nesse momento, e possivelmente a Edward, que se<br />
aceitasse sua proposta de matrimônio, Freddie seria como um irmão.<br />
Quaisquer fossem seus pensamentos, Edward agarrou as mãos entre aquela<br />
mescla de se<strong>da</strong> e pele onde seus tornozelos se cruzavam. Seus dedos<br />
comunicaram consolo acariciando a palma <strong>da</strong>s mãos.<br />
—Lamento que tenha perdido a seu irmão tão pequeno.<br />
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—Também lamentei — ela disse, quando o cenho franzido de Edward<br />
derreteu o que ficava de coração—.Mas papai era bom comigo. Seus fiéis<br />
estavam acostumados a chamá-lo pai Falleigh Mama Galinha. Ele nunca deixou<br />
de cui<strong>da</strong>r do seu rebanho, e se assegurava de que as anciãs tivessem a alguém<br />
que cui<strong>da</strong>sse delas.<br />
—As velhinhas anciãs?<br />
—Tínhamos um bom numero em Keswick. Papai estava acostumado a<br />
dizer que eram parte de nossa primeira e grande colheita. —Aquela lembrança<br />
a enterneceu e, de repente, ouviu a voz de seu pai com tanta nitidez como<br />
ouvia a de Edward. Como havia esquecido o tão otimista tinha sido, esquecer<br />
que seu pai não tinha vivido chorando pelas coisas perdi<strong>da</strong>s?—. Era um homem<br />
generoso — disse, com firmeza—, e um pai maravilhoso, só que não era muito<br />
hábil com o dinheiro.<br />
—Pensava que Deus proveria?<br />
—Bem, isso foi o que aconteceu! —disse, rindo ante a careta nos lábios de<br />
Edward—. Simplesmente nunca nos <strong>da</strong>va mais do necessário.<br />
—E esta atração nos animais acor<strong>da</strong><strong>da</strong>s... ?<br />
—Só nos gatos — assinalou.<br />
—OH, sim, só os gatos — ele conveio, e uma covinha de tudo inesperado<br />
apareceu em sua bochecha—. Sempre teve o mesmo efeito neles? Inclusive em<br />
crianças?<br />
—Temo que sim. Os meninos no colégio estavam acostumados a me<br />
chamar senhorita sardinha porque, verá às vezes os gatos <strong>da</strong> aldeia me<br />
seguiam para casa todos juntos.<br />
—Uma grande vergonha, suponho.<br />
—Bastante. Quando os pequenos do povoado também começaram a me<br />
perseguir, quase me neguei a sair de casa. Edward estava custando a reprimir<br />
uma risa<strong>da</strong>, que escapava em bufos de seu aristocrático nariz.<br />
—Pobre Florence! —exclamou—. Que prova! Não podia an<strong>da</strong>r pelas ruas<br />
sem sua corte de pequenos súditos adoradores.<br />
—Sim que era uma prova — ela protestou, embora sorrisse. Não havia se<br />
sentido tão relaxa<strong>da</strong> contando algo desde que tinha encontrado um ouvido em<br />
Freddie—. Não pode imaginar como era mortificador.<br />
Edward estendeu a mão para beliscar o nariz.<br />
—É uma maravilha, Florence, mas devo reconhecer que minhas simpatias<br />
se inclinam pelos gatos e os pequeninos. De repente ficou contemplativo, e seu<br />
sorriso se converteu em uma suave curva enquanto acariciava a parte inferior<br />
<strong>da</strong> perna. O gesto era inconsciente, mas curiosamente agradável. Possessivo.<br />
Sua mão pertencia ali, pensou ela. Perto, tranquila, cáli<strong>da</strong>.<br />
—Sua infância parece muito interessante — ele disse, sua expressão<br />
oculta ao olhar de Florence. Ela sabia que a sua devia ter sido diferente. Um<br />
pai frio, uma mãe frágil, e provavelmente mais criados que amigos, ao menos<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
enquanto viveu em Greystowe. Sabia que ele não quereria que ela sentisse<br />
lástima por ele e, ain<strong>da</strong> assim, esse era seu sentimento. Ter a uma pessoa que<br />
o amasse a um incondicionalmente era mais importante que a acumulação de<br />
privilégios. Certamente, Freddie tinha querido Edward <strong>da</strong> mesma maneira, mas<br />
sendo o irmão mais novo, não poderia ter procurado que Edward se sentisse<br />
seguro.<br />
Florence acariciou seu sedoso cabelo.<br />
—E o que tem que sua infância? Freddie me contou algo, mas não tudo.<br />
Ele se encolheu de ombros.<br />
—Não há muito que contar. Freddie foi o melhor que tive em minha<br />
infância. Atormentávamos nossos tutores...<br />
—O ensinou a na<strong>da</strong>r.<br />
—Vejo que contou — disse isso, e apertou o tornozelo—. Sim, aquela é<br />
uma lembrança feliz. Naquele tempo, certamente, nós dois fomos bastante<br />
infelizes. Por não mencionar que quase nos afogamos. Olhe. —Com uma<br />
elegância espontânea, rodou sobre a cama e baixou—. Acredito que ain<strong>da</strong><br />
tenho seu primeiro troféu.<br />
Procurou no armário junto à cama e de repente se levantou com um<br />
“Aqui!” triunfante. Ele entregou uma me<strong>da</strong>lha redon<strong>da</strong>, com uma pátina de<br />
ouro desgasta<strong>da</strong> e que pendurava de uma fita de raias azuis. Florence deslizou<br />
os dedos pelo brunido louro, desejando, com a fala deseja<strong>da</strong> de Freddie ter<br />
conhecido a Edward então, não como menina, mas sim como mulher. Ela<br />
queria proteger as crianças que estavam protegendo um pai que amava<br />
apenas uma memória.<br />
—Realmente a conservou — disse os olhos a bordo <strong>da</strong>s lagrimas—. Todo<br />
este tempo.<br />
Edward tinha voltado para a cama. Uniu a ponta de seu dedo com o dela.<br />
—Sim. Embora fosse jovem, sabia que era um dia que eu gostaria de<br />
recor<strong>da</strong>r.<br />
—Foi um bom irmão.<br />
Uma sombra cruzou por seu rosto, mas Edward a escondeu com um<br />
sorriso.<br />
—Freddie era um bom irmão — disse e com os dedos penteou o cabelo<br />
atrás do ombro—. Suponho que nossa formação foi diferente <strong>da</strong> tua, mas meu<br />
pai se assegurou de que nunca nos faltasse na<strong>da</strong>. Ao menos na<strong>da</strong> material. —<br />
Fez uma pausa para ordenar seus pensamentos, seu olhar distante, mas<br />
tranquilo—. Suponho que era a única maneira em que soube demonstrar que<br />
se preocupava. Manteve a proprie<strong>da</strong>de em pé. Assegurou de que nunca<br />
tivéssemos que lutar para pagar dívi<strong>da</strong>s, como seu próprio pai.<br />
—Não tem por que se sentir culpado por admirar aquilo que tinha de bom<br />
nele.<br />
Edward voltou a elevar um ombro.<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
—Me ensinou o valor <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de. E <strong>da</strong> disciplina. —Sua boca<br />
torceu com um humor repentino—. Embora tema que demonstrei ter muito<br />
pouco disso contigo.<br />
—Possivelmente não esta noite — ela disse, e trocaram um sorriso.<br />
—Ah, Florence. —Com um gesto impulsivo, agarrou suas mãos—. Se<br />
soubesse o quanto eu te amo. Lamento, eu nunca forneceu qualquer motivo<br />
para duvi<strong>da</strong>r de mim.<br />
—Eu também te amo — ela disse, e as palavras eram tão novi<strong>da</strong>deiras que<br />
provocaram nela um leve sorriso. Ele emitiu um ruído rouco e faminto, e se<br />
inclinou para roçar os lábios contra aquela calidez nascente.<br />
—Queria terminar o que começamos — disse, falando contra sua bochecha<br />
—. Quero ficar contigo, me derramar em seu interior, que nossos corpos sejam<br />
um sozinho. O calor se apropriou dela como uma on<strong>da</strong> palpitante, se derramou<br />
sobre seus peitos e seu ventre. A reação foi tão intensa que teve que desviar o<br />
olhar.<br />
—Por favor — ele implorou, apertando mais seus ombros—. Diga que<br />
também quer isso.<br />
Deslizou as mãos pelo peito, por cima de sua bata sentindo através <strong>da</strong><br />
se<strong>da</strong> e os músculos o batimento do coração duro e acelerado de seu coração.<br />
O sentiu bater como se Edward temesse o que diria, como se sua vênia fora<br />
um assunto de grave importância. Apertou os dedos sobre o tecido.<br />
A resposta pendurava de sua mente como uma maçã a ponto de cair.<br />
Sabia que se aceitava, estava se entregando a ele em todo o sentido <strong>da</strong><br />
palavra. Tudo o que era e tudo o que seria, até que a morte os separasse. Sim,<br />
Edward tinha pedido que se casasse com ele, mas uma promessa não era um<br />
fato. Podia mu<strong>da</strong>r de opinião ou se apaixonar amanhã <strong>da</strong> filha do açougueiro.<br />
E Florence seria abandona<strong>da</strong> sem na<strong>da</strong> mais que a lembrança dessa noite.<br />
Era suficiente. Aceitava o risco. Queria se lançar no vazio. Seu coração já<br />
pertencia a Edward. E não tinha intenção alguma de pedir que o devolvesse.<br />
Poderia estar com medo, mas não era uma covarde.<br />
—Sim — disse sua resposta quase serena—. Acredito que eu gostaria<br />
muito. Ele deixou escapar um suspiro. Segurou o seu queixo e acariciou seu<br />
pescoço por debaixo do cabelo.<br />
—Espero que você goste — disse, com uma pita<strong>da</strong> de gravi<strong>da</strong>de—. Mas<br />
tudo o que eu posso prometer é que tomarei cui<strong>da</strong>do. As mãos de Florence<br />
escaparam de seu controle, e se deslizaram por debaixo de sua bata para<br />
encontrar a curva cáli<strong>da</strong> e dura de seu torso.<br />
—Não me importa quando é um pouco selvagem.<br />
O riu, to<strong>da</strong> a risa<strong>da</strong> converti<strong>da</strong> em um fôlego.<br />
—Desta vez não, amor. Poderia te machucar. Mas possivelmente não<br />
esteja familiariza<strong>da</strong> com a logística?<br />
O sorriso de Florence desapareceu em seu pescoço. Edward tinha<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
esquecido quanto podia aprender uma singela garota de campo.<br />
—Estou familiariza<strong>da</strong>, embora duvide ter a suficiente experiência para<br />
saber o que fazer depois de que... depois de que...<br />
—Alcancemos a união deseja<strong>da</strong> de nossos corpos? —aventurou ele,<br />
salvando de seu repentino nervosismo. Seu riso ficou retumbando em Florence<br />
no ouvido e soube que Edward agra<strong>da</strong>va seu acanhamento—. Não tem por que<br />
se preocupar do depois. O depois tem uma maneira de se ocupar de si mesmo<br />
e, como disse, tomarei cui<strong>da</strong>do.<br />
Algo em sua voz chamou a atenção de Florence, uma excitação mais<br />
poderosa, uma tensão que era mais antecipação que preocupação. Se<br />
perguntando o que a tinha provocado, deslizou a mão pela bata aberta, por<br />
cima <strong>da</strong> pele, ossos e músculos. Edward endureceu o ventre quando Florence<br />
deslizou o polegar pelo umbigo e então o encontrou, se elevando grosso e<br />
endurecido do manto negro e denso de seus pêlos. A raiz de seu pênis era mais<br />
larga que o círculo desenhado por seus dedos. Agarrou seu antebraço,<br />
respirando bran<strong>da</strong>mente sua incursão.<br />
—Tomarei cui<strong>da</strong>do — sussurrou, e as palavras tremeram—. Não te farei<br />
mal.<br />
Ela sorriu onde ele não podia vê-la e jurou que jamais o deixaria saber que<br />
tinha adivinhado seu segredo. Uma parte dele, a parte que teria feito um<br />
excelente cruzado, acariciava a idéia de deflorá-la com sua espa<strong>da</strong> simbólica.<br />
Intruso e protetor. Besta primitiva e cavalheiro <strong>da</strong> corte. Os dois eram parte <strong>da</strong><br />
alma de Edward. Florence relaxou a mão e deslizou os dedos ligeiramente para<br />
cima. A poderosa coluna tremeu ante seu contato. Igual a um cachorrinho que<br />
se retorce para receber um presente, pensou enquanto percorria com o dedo a<br />
rede de veias incha<strong>da</strong>s.<br />
—Há uma questão de tamanho — disse com to<strong>da</strong> a serie<strong>da</strong>de que pôde.<br />
Se sentiu excita<strong>da</strong> quando o tremor foi mais violento.<br />
—Shh. —Ele cobriu sua mão, a amol<strong>da</strong>ndo sua pele sedosa e palpitante—.<br />
Estou seguro de que poderá me acolher. —Com a outra mão a agarrou por<br />
debaixo <strong>da</strong> camisa para acariciar a exuberante curva de seu quadril—. Você<br />
está feita para me acolher.<br />
—É ver<strong>da</strong>de, não sou na<strong>da</strong> delica<strong>da</strong>, mas deve reconhecer que seu<br />
instrumento é formidável.<br />
Ele apertou a mão, um espasmo breve e involuntário. Seu membro se<br />
alargou baixo naquele contato mútuo. OH, como gozava com esse roçar. Que<br />
poder tinham os segredos <strong>da</strong>s pessoas! Quando Edward falava, sua voz tinha a<br />
textura pastosa.<br />
—Vejo que, de ver<strong>da</strong>de, não tem medo. Nem sequer treme.<br />
—Mas possivelmente em minha ignorância, não soube apreciar<br />
adequa<strong>da</strong>mente a provocação de...<br />
Ele a silenciou com um beijo que arrancou <strong>da</strong> cabeça sua intenção de<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
provocá-lo. Com uma urgência repentina, a fez ro<strong>da</strong>r até fazê-la ficar por<br />
debaixo dele, apertando com seu peso. O beijo tirou seu fôlego e acendeu o<br />
sangue. Ela soltou só o suficiente para que agarrasse ar, e logo rasgou de<br />
acima a abaixo a camisa. Com uma maldição em surdina, arrancou a bata e<br />
voltou a se afun<strong>da</strong>r sobre ela, adequando sua dureza a suas curvas, as<br />
esfregando juntas até que ca<strong>da</strong> célula do corpo de Florence vibrou de<br />
excitação. Durante compridos minutos, sua mente não pensava em na<strong>da</strong> mais<br />
que a sensação de ter sob suas mãos livres, a pressa de sua respiração, a<br />
busca úmi<strong>da</strong> e urgente de sua boca. Era como se não pudesse aproximá-lo<br />
suficiente a ele nem ele, ao parecer, a ela. Se agarravam e retorciam e<br />
apertavam mutuamente as costas. Sua ereção era uma marca contra sua coxa,<br />
seu quadril, seu ventre. Abriu as pernas para rodeá-lo com elas, mas inclusive<br />
aquele abraço não foi suficiente. Desejava a ele. To<strong>da</strong> sua envergadura, to<strong>da</strong><br />
sua paixão, todos seus desejos ocultos.<br />
—Terá que me dizer — disse, respirando apenas quando seus beijos<br />
subiram para seu peito—. Terá que me dizer o que devo fazer.<br />
—Eu te ensinarei — ele avisou, e chupou o mamilo com os lábios e a<br />
língua. Puxou para sua boca, com uma força assombrosa. Ela se sentiu<br />
fulmina<strong>da</strong> por um desejo que se fundia em seu sexo. Agora se debatia, e seu<br />
desejo fluía como o ouro líquido. Ele se virou para tomar o outro peito e o levou<br />
com a mesma fome à boca.<br />
Florence gemeu e arqueou as costas.<br />
—Queria que me ensinasse logo.<br />
Ele riu baixo e com uma mão cobriu os cachos, apertando o montículo<br />
suave e ardente em sua palma. Ela voltou a gemer, desta vez mais<br />
intensamente que antes. Seus dedos, tão fortes, tão duros, apertaram seus<br />
lábios cheios, mas ele não fez na<strong>da</strong> para aliviar sua necessi<strong>da</strong>de. Deixou<br />
escapar um gemido quando ele tirou a mão.<br />
—Ponha sua mão em meu pênis — disse, com voz rouca e defuma<strong>da</strong>—. Me<br />
ponha contra você. Ponha onde queira que eu me coloque.<br />
Agora sim se sacudiu, embora não pensou que tremesse de medo.<br />
Deslizou a mão pelas costas, ao redor dos quadris, sua respiração rápi<strong>da</strong> e<br />
curta. Os dois saltaram quando ela o tocou. Seu órgão ardia em sua mão, duro,<br />
um fogo palpitante. Ela o aproximou ain<strong>da</strong> mais do coração de seu sexo.<br />
—Levanta os joelhos — ele disse, e elevou uma perna à posição deseja<strong>da</strong>.<br />
Deixou descansar seu peso sobre o outro cotovelo, e deixou ir os quadris para<br />
frente quando ela guiou seu avanço. Ele teve que arquear as costas para olhar<br />
seu rosto, e de repente a diferença de seus tamanhos foi muito patente. Ele<br />
projetava sua sombra sobre ela, afligia e, entretanto, ela não desejava que<br />
fosse de outra maneira. Sabia que ele tomaria cui<strong>da</strong>do com ela. Sabia que<br />
estaria segura.<br />
Edward fechou com força os olhos um momento quando sua ponta se<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
deslizou entre seus lábios. Estava enorme e ansioso, e gotejava enquanto<br />
tentava encontrar seu lugar. Ela não sabia bem como mover, mas os dedos<br />
dele logo encontraram os seus, ajustando, procurando, com uma intimi<strong>da</strong>de<br />
que a fez se ruborizar. Um segundo mais tarde, a ponta redon<strong>da</strong> e quente se<br />
apertava em seu interior, e a sensação de pulsação e o calor a fez suspirar e<br />
lutar contra as vontades de se retorcer. Quando ele abriu os olhos, suas pupilas<br />
haviam quase tragado o azul de seus olhos.<br />
—Aí — murmurou—. Como o sente?<br />
Ela sentiu como se partisse a alma pelo meio, não de dor mais sim de<br />
felici<strong>da</strong>de. Com aquele ato, todo seu ser o acolhia.<br />
—É sedoso — afirmou temerosa de empurrar mais querendo intensamente<br />
fazê-lo—. E quente, e é uma sensação muito, muito agradável. —Seu pênis deu<br />
um salto com essas palavras. Florence não podia temperar a reação de seu<br />
corpo. Seu desejo fluía para ele—. OH, Edward, estou to<strong>da</strong> molha<strong>da</strong> —<br />
anunciou.<br />
Ele deixou escapar um gemido no oco de seu pescoço e a mordeu<br />
ligeiramente.<br />
—Eu gosto que esteja molha<strong>da</strong>. Significa que está pronta para me tomar.<br />
—Mas não se moveu, nem sequer quando Florence fechou os braços por detrás<br />
de sua cintura e o atraiu para ela. Em seu lugar, acariciou, os pêlos de uma<br />
sobrancelha e a beijou. Seus lábios estavam quentes, sua respiração<br />
acelera<strong>da</strong>. Florence não entendia sua passivi<strong>da</strong>de. Acaso não queria possuí-la?<br />
Acaso não queria que os dois fossem um sozinho? Teve um indício de<br />
inquietação.<br />
—Antes, já tinha chegado até aqui — disse—, aquela primeira vez nas<br />
ruínas.<br />
—Sim — ele respondeu. O rosto se apertou como se a lembrança o ferisse.<br />
—Não pensará em voltar atrás desta vez, não?<br />
Ele estremeceu e seus quadris se deslocaram, penetrando mais profundo,<br />
uma atormentadora fração.<br />
—É a única pessoa que poderia me obrigar a voltar atrás.<br />
—Não quero te obrigar. Quero que... - disse e se mordeu o lábio.<br />
— Me diga - ele disse e passou a língua por onde a tinha mordido.<br />
Ela falou com a respiração entrecorta<strong>da</strong>.<br />
—Quero que empurre mais. Quero que entre em mim tudo o que possa.<br />
—Embora possa doer?<br />
—Não me importa — ela disse e apertou seus quadris com as coxas—. Dói<br />
muito esperar.<br />
—Ah, Florence — ele disse, seu nome um mero murmúrio—. Minha valente<br />
e doce Florence.<br />
Voltou a beijá-la, profun<strong>da</strong>mente, e também começou a empurrar<br />
bran<strong>da</strong>mente para trás e para frente contra sua barreira, entrar e soltar, entrar<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
e soltar, até que Florence fincou as unhas nos seus ombros. Os movimentos de<br />
Edward provocavam uma terrível satisfação, mas ain<strong>da</strong> não o bastante terrível.<br />
—Por favor, Edward — respirou apenas, incapaz de suportado—. Por favor,<br />
rogo isso, me possua agora.<br />
Florence sentiu que ele se preparava, sentiu um indício de pressão e de<br />
repente, com um impulso rápido para frente e um gemido de prazer impossível<br />
de reprimir, fendeu o obstáculo entre eles. Empurrou uma vez mais, suspirou e<br />
se obrigou a se deter. Seus ombros estavam perfeitos sob suas mãos, a cabeça<br />
inclina<strong>da</strong> sobre seu peito. A dor de sua penetração já começava a se<br />
desvanecer, a converter em necessi<strong>da</strong>de. Ela sabia que não o tinha tomado<br />
inteiro, nem sequer a metade. Ain<strong>da</strong> ficava uma distância entre os quadris.<br />
—Estou bem — ela disse, e beijou o oco do ombro, acariciando o músculo<br />
apertado e tremente de seu traseiro—. Eu quero o que restou.<br />
—Florence. — Edward levantou a cabeça, e sua voz era tão profun<strong>da</strong> que<br />
quase soava oca—. Quero ver seu rosto quando te possuir.<br />
Seus olhares ficaram fixos um no outro. Ela nunca tinha visto essa<br />
vulnerabili<strong>da</strong>de, ou esse amor. Ele deslizou uma mão grande e cáli<strong>da</strong> por<br />
debaixo de seus quadris, e estendeu os dedos do começo <strong>da</strong>s costas até a<br />
curva de seu traseiro. Finalmente empurrou, lentamente, firmemente,<br />
obrigando a abrir as paredes de sua vagina diante de sua penetração. Na<strong>da</strong> o<br />
detinha. Ela não sentia dor, nem medo, nem limitação <strong>da</strong> carne que não queria<br />
ceder. Ela estava feita para ele. Seu corpo cedeu ante seu movimento lento e<br />
contínuo, lubrificando seu caminho abraçando seu membro martelando. Deixou<br />
escapar um suspiro quando seus quadris se encontraram, encheu até não<br />
poder mais, uni<strong>da</strong> a ele por aquele membro quente e tenso e pelo luxurioso<br />
prazer de um acoplamento estreito e perfeito.<br />
O gemia seu nome, e ia deixando um caminho de beijos no rosto.<br />
—Meu Deus — suspirou—. Que prazer.<br />
Agora que ele estava sentado, soltou sua cintura e levou as mãos à<br />
cabeça, entrelaçando os dedos em um punho fechado e suarento. Não<br />
importava. Se ela estava cativa, ele também o estava. Os dois tremiam, os dois<br />
sorriam aos olhos do outro.<br />
—Amor — ele disse, e começou a sair e empurrar. Na<strong>da</strong> se movia, exceto<br />
seus quadris e sua expressão. Como um homem diante de uma visão que não<br />
queria ver acabar. Entrava sem barreiras e saía. Grosso e forte e singelo.<br />
Entretanto, para sentir algo menos singela. Se sentia conquista<strong>da</strong> e a sua vez<br />
poderosa, necessita<strong>da</strong> e generosa, mendigo e rainha do mundo. Edward a<br />
estava convertendo em mulher no sentido mais primitivo <strong>da</strong> palavra.<br />
Agora sussurrava a respeito de seu prazer, palavras quentes e proibi<strong>da</strong>s<br />
que a faziam se esticar no mais profundo. Estava ardendo, disse. Ardendo por<br />
senti-la sua. Murmurou adulações sobre seus seios, sobre seus pés pequenos e<br />
brancos, sobre as covinhas detrás de seus joelhos. Contou quão duro estava<br />
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quanto o doía. Pediu que se balançasse com ele, e logo amaldiçoou quando<br />
obedeceu. Parecia uma bênção quando ele se deslizava como o cetim dentro<br />
dela, forte como um touro, suave como um cordeiro.<br />
Com ca<strong>da</strong> impulso chegava ao limite, duro mais lento, tão lentamente que<br />
ela logo que podia suportar suas largas ausências. Ca<strong>da</strong> vez parecia estar<br />
penetrando nela pela primeira vez, cativando novamente, como se seu pênis<br />
adorasse aquele roçar.<br />
—Não se apresse — pediu quando viu que Florence ficou impaciente—. Só<br />
teremos uma primeira vez. Soltou as mãos e colocou o polegar entre seus<br />
quadris. Ela estremeceu diante de seu contato, todo o corpo desejando,<br />
descontrolado, a garganta queimando com um grito de impotência.<br />
Ele riu quando ela se desculpou.<br />
—Outra vez — pediu—. Rápido, amor volta a fazê-lo.<br />
Ela não poderia haver resistido nem que quisesse. Era como se ele<br />
soubesse o que seu corpo desejava antes que ela, quando necessitava um<br />
beliscão, uma carícia, um impulso egoísta e incessante. Florence gozou até que<br />
sentiu o corpo murcho de prazer. Entretanto, no final, a necessi<strong>da</strong>de de Edward<br />
o impulsionava a uma dureza que não podia negar.<br />
—Ain<strong>da</strong> posso sair — avisou os braços tremendo, o corpo inteiro suado—.<br />
Não tem que tomar minha semente.<br />
Ela deixou ir a cabeça de um lado ao outro sobre a cama.<br />
—O desejo — disse, atirando pelos quadris—. Quero tudo.<br />
Em seu rosto apareceu uma careta. Seus movimentos agora eram mais<br />
pesados, menos controlados. Já não alcançava a sair tanto. Parecia não poder<br />
tolerá-lo.<br />
—Se a tomares — ele grunhiu—, será melhor que se considere minha<br />
esposa. Se me derramar dentro de você, esta será nossa noite de bo<strong>da</strong>s.<br />
Ela sorriu assombra<strong>da</strong> de ele duvi<strong>da</strong>r ain<strong>da</strong> quando ela já se rendeu.<br />
—É o marido de meu coração. Jamais haverá outro.<br />
Edward se deteve o bastante para procurar seu olhar. Ele mesmo havia<br />
entrecerrado os olhos, procurando a ver<strong>da</strong>de. Ela sorriu diante de sua<br />
serie<strong>da</strong>de, incapaz de reprimir. Edward tinha <strong>da</strong>do tanto prazer. E deve ter visto<br />
aquilo porque finalmente assentiu, o mesmo breve assentimento que a tinha<br />
irritado no passado.<br />
—Muito bem — disse com voz seca, todo ele Edward, todo ele seu ser<br />
amado—, Jamais haverá ninguém mais para mim.<br />
—Então, se derrame. —sem deixar de sorrir, arrastou as unhas pela curva<br />
larga e suarenta <strong>da</strong> coluna—, Me faça tua.<br />
Ele fez uma careta, e logo se ruborizou, e então explodiu em um<br />
movimento entre suas pernas, Florence tinha liberado algo que nem sequer ele<br />
podia controlar. Sua descarga tinha esperado muito tempo nela. Agora não<br />
tomaria seu prazer, seria o prazer o que se apropriaria dele. Seu corpo fez que<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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Emma Holly<br />
Florence se sacudisse mais forte, mais rápido, seu membro convertido em um<br />
pistão de apetite infindável. Ela se agarrou do lado <strong>da</strong> cama para não<br />
escorregar mais, inclusive assim ele a tinha levado rapi<strong>da</strong>mente contra a<br />
cabeceira.<br />
—Se segure — ordenou, afirmando o braço na madeira poli<strong>da</strong>—, Te<br />
agarre... de... mim.<br />
Ela o agarrou, agarrando por detrás dos ombros, se agarrando a maravilha<br />
<strong>da</strong> sua percutente bestiali<strong>da</strong>de. Agora Edward grunhia quando empurrava<br />
frases inacaba<strong>da</strong>s, elogios. Mais dentro, OH, Deus, carinho, mais dentro. Ela<br />
tentava aju<strong>da</strong>r mais a pele de Edward escorregava sob suas mãos, Florence<br />
fincou os pés no colchão e empurrou. Aquela força acrescenta<strong>da</strong> o liberou.<br />
Agora soltou imprecações e inchou, empurrou e entrou com tanta força que<br />
parecia ter aberto uma brecha em sua matriz. Seu corpo ficou suspenso,<br />
tremendo, e logo estremeceu com a primeira on<strong>da</strong> contínua do clímax. Tinha<br />
os punhos fechados, os olhos apertados. Desenhavam com força as veias no<br />
pescoço à medi<strong>da</strong> que tentava se manter em seu lugar, enquanto seu pênis<br />
explodia quente e dura. Ficou sem fôlego, e gemeu e então seus músculos<br />
relaxaram, o próprio orgasmo de Florence se desdobrou como as pétalas de<br />
uma flor. Ain<strong>da</strong> agasalhado nela, seu pênis se agitava com o bater dos pulsos,<br />
em perfeita sintonia com seu prazer. Florence se alegrou de que seu corpo<br />
estivesse esperado, Não quereria ter perdido o drama de seu clímax.<br />
—Meu Deus — suspirou acariciando seu cabelo quando ele se deixou cair<br />
contra seu peito—, foi maravilhoso, Estou impaciente por voltar a fazê-lo.<br />
Seus ombros se sacudiram e Florence se deu conta de que Edward ria,<br />
silenciosamente. Seu membro deslizou fora dela, com aquele movimento,<br />
pesado e murcho e umedecido, um efeito que Florence achou especialmente<br />
erótico.<br />
—Florence — voltou a gemer ele, afun<strong>da</strong>ndo o nariz em seu pescoço. Temo<br />
que tenha que esperar um momento.<br />
Sentia como se a terra tivesse deixado de girar. Pela primeira vez em sua<br />
vi<strong>da</strong>, sentia que sua alma estava em paz. O ar era doce e fragrante, e seu<br />
coração estava tão cheio de amor que pensou que transbor<strong>da</strong>ria. Florence<br />
estava a seu lado, aconchega<strong>da</strong> no oco de seu braço. E tinha sono e tinha o<br />
corpo suave enquanto sua mão se deslizava bran<strong>da</strong>mente por seu flanco.<br />
Agora se sentia cômo<strong>da</strong> com ele, tão cômo<strong>da</strong> como podia estar. Aquela noite<br />
tinha sido uma em um milhão. Na<strong>da</strong> poderia havê-lo preparado para o êxtase<br />
que tinham compartilhado, para a cercania, o profundo sentimento de<br />
mu<strong>da</strong>nça que sentia em sua alma. Florence o tinha chamado o marido de seu<br />
coração.<br />
Se entregou a ele, sem reservas e isto era só o começo. Uma vi<strong>da</strong> de<br />
prazeres se abria em seu pensamento, a sustentando, amando. Seria sua<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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Emma Holly<br />
noiva. Caminhariam para o futuro tirado <strong>da</strong> mão.<br />
Edward pensava que podia viver desta felici<strong>da</strong>de durante anos.<br />
Entretanto, a ver<strong>da</strong>de era que só tinha um dia.<br />
Capítulo18<br />
Se banharam juntos no banheiro privado de Edward. Os ladrilhos eram<br />
granados e dourados, a banheira de mármore negra raiado de branco. A água<br />
saía quente do grifo de prata em um fluxo que parecia interminável. A banheira<br />
era tão profun<strong>da</strong> que Florence podia se afun<strong>da</strong>r nela até o pescoço. Jamais<br />
tinha visto uma maravilha como essa e, entretanto, o luxo maior de todos era<br />
ter a liber<strong>da</strong>de de tocar ao homem que amava. Ele <strong>da</strong>va mostras de sentir o<br />
mesmo, porque não deixava de provocá-la e lhe fazer cócegas, sussurrando<br />
absur<strong>da</strong>s frases amorosas enquanto passava a esponja saponácea pelo corpo.<br />
Florence ronronava com esses cui<strong>da</strong>dos, tão debilita<strong>da</strong> pelo prazer que logo<br />
que podia devolver as carícias.<br />
—É a rainha dos gatos — ele murmurou, quando voltou a se deslizar nela<br />
uma vez mais.<br />
Ain<strong>da</strong> quando a primeira vez os tinha deixado sem fôlego, este<br />
acoplamento úmido e lânguido foi ain<strong>da</strong> melhor. Ensinou o que podia fazer um<br />
pênis realmente ardilosa. Como podia son<strong>da</strong>r e esfregar. Como chorava de<br />
desejo e encontrava lugares tenros e ocultos que também <strong>da</strong>va vontade de<br />
soluçar.<br />
—Assim se faz — a felicitou quando ela soltou um grito e se aferrou a ele.<br />
Que um órgão tão inerentemente egoísta pudesse ser tão generoso foi um<br />
assombro para Florence, quase tão assombroso como o prazer que ela obtinha<br />
como gratificação. Maravilha<strong>da</strong> pela magia que podiam criar juntos, o agarrou<br />
bran<strong>da</strong>mente na palma <strong>da</strong> mão.<br />
—Quando me toca assim — ele disse, e acariciou sua mão—, sei o fraco<br />
que pode ser um homem.<br />
Era uma debili<strong>da</strong>de que ela podia aprender a amar.<br />
Ele a seguiu quando ela foi para o seu quarto para se trocar. Insistiu em<br />
vesti-la ele mesmo, e deu ordens a Lizzie através <strong>da</strong> porta fecha<strong>da</strong> para que se<br />
tomasse o dia livre. Longe de se escan<strong>da</strong>lizar, a cria<strong>da</strong> soltou um risinho e saiu<br />
correndo. Florence estava segura de que a espa<strong>da</strong> de Edward tinha alcançado<br />
os limites de sua potência embora, de algum jeito, durante a rotina de ajudá-la<br />
com os laços de seu novo espartilho francês, encontrou a energia para voltar a<br />
se levantar.<br />
Com a ponta dos dedos, Edward percorreu os broches que a atavam, o<br />
encaixe e o cetim, a entra<strong>da</strong> de sua cintura e a protuberância de seus seios<br />
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realçados.<br />
—meu Deus — disse, como se aquela maravilha o afligisse—. Não posso<br />
ter suficiente de você.<br />
Como se não houvesse um segundo que perder, a virou, inclinou para<br />
frente na beira <strong>da</strong> cama e arrancou suas meias. Seus movimentos eram tão<br />
frenéticos que Florence logo que acreditava que tinha passado horas fazendo<br />
amor. Com os dedos, a abriu, com seu peito a cobriu e com um gemido<br />
comprido e profundo de alívio, entrou nela por trás. Desse ângulo, parecia<br />
enorme, quase um estranho. Ele não esperou mais sim começou a empurrar<br />
como um possuído, a expressão oculta, a sujeitando desespera<strong>da</strong>mente pelos<br />
quadris. Em questão de segundos, sua ereção cresceu até o limite em seu<br />
interior, febril e grosso enquanto rogava que se abrisse, para deixá-lo entrar<br />
até o fundo. Me deixe, gemia, me deixe, com movimentos tão largos e animais<br />
que ela só atinava a se sujeitar. O orgasmo de Edward foi tão rápido que<br />
apenas deu tempo a ela para segui-lo, apesar dos movimentos hábeis de suas<br />
mãos. Seu grito rouco de clímax a lançou por cima do abismo. Quando os dois<br />
se tranquilizaram, ele pediu perdão por sua rudeza, mas Florence declarou que<br />
nunca o havia sentido mais excita<strong>da</strong>.<br />
Sacudindo a cabeça, acariciaram-lhe o rosto suado entre ambas as mãos.<br />
—Não importa o que faça. Suas mãos sempre me excitam porque é todo<br />
teu.<br />
Ele se ruborizou com aquela declaração e murmurou algo assim como “só<br />
o tempo dirá”. Florence estava prepara<strong>da</strong> para demonstrar o que dizia, mais<br />
que prepara<strong>da</strong>. Entretanto, antes, deixou escapar um bocejo prodigioso, tinha<br />
que descansar. Deitaram juntos em sua cama, com a intenção de dormir até a<br />
hora do jantar.<br />
Uns golpes tímidos e persistentes na porta despertaram os dois<br />
—Senhorita Florence — chamou Lizzie através <strong>da</strong> porta—, lorde<br />
Greystowe. O visconde Burbrooke retornou.<br />
Edward se levantou de um salto tão repentino que fez saltar a cabeça de<br />
Florence, apoia<strong>da</strong> em seu peito. Sob os últimos raios do sol, tinha o rosto tão<br />
pálido como os lençóis.<br />
—Freddie — disse, respirando com dificul<strong>da</strong>de e levando o punho ao<br />
coração.<br />
Parecia que uma parte dele não se encontrava em paz com o que tinham<br />
feito.<br />
Freddie tinha mu<strong>da</strong>do. Edward se precaveu disso no momento em que seu<br />
irmão foi ao seu encontro na biblioteca. Tirou o gesso, para começar, mas a<br />
diferença era muito mais notável. Apesar de que em seus olhos se via a<br />
mesma atitude diverti<strong>da</strong> diante do mundo, seu brilho era mais alegre. Parecia<br />
mais dono de si mesmo, mais alto, se aquilo era possível. Sobre tudo, apesar<br />
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de uma leve claudicação, tinha o an<strong>da</strong>r solto e desinibido de um homem que<br />
aconteceu as últimas semanas com alguém muito destro em exercícios de<br />
satisfação <strong>da</strong> luxúria.<br />
Não é que Edward queria se estender sobre esse aspecto.<br />
Preferiu dirigir sua atenção à garrafa de uísque e ao dedo do dourado<br />
líquido irlandês que serviu no copo de Freddie.<br />
—Por todos os céus — disse seu irmão, passeando pela sala onde se<br />
encontravam—. Deve ser algo muito sério se decidiu abrir esse Malte.<br />
—Bastante sério — Edward disse. Entregou a Freddie o copo de cristal, e<br />
logo olhou pela janela através <strong>da</strong> galeria. Divisou umas tochas que iluminavam<br />
os prados como se estivesse preparando uma festa. Edward tinha a sensação<br />
de que Lizzie já havia espalhado as notícias a respeito dele e Florence ao<br />
pessoal. Sem dúvi<strong>da</strong>, aquela era a idéia que tinha a senhora Forster de<br />
estimular os passeios românticos a meia-noite. Sob outras circunstâncias, teria<br />
apreciado aquela insinuação. Entretanto, esta noite, quando recor<strong>da</strong>va as<br />
notícias que tinha que lhe <strong>da</strong>r a seu irmão menor, sentia que o estômago<br />
afun<strong>da</strong>va. O fato de que Freddie certamente a sau<strong>da</strong>ria de bom aspecto não<br />
aju<strong>da</strong>va em na<strong>da</strong>.<br />
Sem saber o que esperava, Freddie saboreou o uísque e o olhou com os<br />
olhos entrecerrados, quase irônicos.<br />
—Se o que pretende é brigar — avisou—, advirto que te pode economizar<br />
a saliva.<br />
—Não é você o que merece as recriminações.<br />
—Então, me diga — pediu Freddie, com um tom libertino e zombador.<br />
Infelizmente, o que Edward tinha que dizer não era um assunto para risa<strong>da</strong>.<br />
Bebeu o que ficava na taça e a deixou em seu lugar com um gesto decidido.<br />
Quando se voltou, seu irmão o olhava com o cenho franzido.<br />
—Penso me casar com Florence — disse.<br />
O anúncio foi seco e desafiador. Sabia que seu olhar era duro, mas não<br />
podia reprimir. Freddie não mu<strong>da</strong>ria de opinião, não mu<strong>da</strong>ria por na<strong>da</strong>.<br />
Certamente, a possibili<strong>da</strong>de de que Freddie queria alterar era muito<br />
improvável. Entretanto, a racionali<strong>da</strong>de não jogava papel algum na conduta de<br />
Edward. Florence pertencia a ele. Portanto, sua intenção era reclamá-la.<br />
Frente à atitude de Edward, a resposta de Freddie foi ligeira. Brincou com a<br />
beira <strong>da</strong> mesa de ébano onde Grimby tinha deixado o uísque, e quando<br />
levantou o olhar sorria.<br />
—Bem — disse—, posto que isto seja algo que eu sabia que você queria<br />
desde antes que você te desse conta, devo perguntar por que essa atitude tão<br />
solene. Se estiver se sentindo culpado, asseguro que não vem ao caso.<br />
Qualquer com dois dedos de frente verão que se você casar com Florence, os<br />
dois serão muito mais felizes.<br />
—Acredita nisto? —perguntou Edward, olhando atentamente a seu irmão.<br />
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Freddie vestia um traje informal, camisa branca e calças de verão. A jaqueta<br />
era uma mescla sutil de se<strong>da</strong> cor marfim e bor<strong>da</strong>dos de ouro, cores que<br />
chamavam a atenção à cor de sua pele, que o sol tinha bronzeado desde sua<br />
parti<strong>da</strong>. Estava na flor <strong>da</strong> i<strong>da</strong>de de ci<strong>da</strong>dão inglês, generoso, ardiloso,<br />
transbor<strong>da</strong>nte de saúde e vi<strong>da</strong> e muito mais atraente do que jamais seria<br />
Edward. Um homem com os dons de Freddie podia fazer de sua vi<strong>da</strong> o que<br />
desejasse muito, algo extraordinária. Edward se perguntou se seu irmão<br />
entendia o que estava renunciando.<br />
—Freddie — disse—, pensou em quão cruel pode ser as pessoas? Por<br />
exemplo, Imogene Hargreave, para começar, jamais deixará acontecer isto.<br />
Quando souberem as notícias de meu matrimônio e se tirem as inevitáveis<br />
conclusões, muitos de seus amigos já não serão seus amigos. Embora tenham<br />
simpatia por você, seu sentido do correto os obrigará a esquecer de você. Não<br />
será bem-vindo em suas casas. Não o sau<strong>da</strong>rão na rua. Sua vi<strong>da</strong>, tal como a<br />
conheceu, deixará de existir.<br />
—Acredita que isso é a única coisa que me importa? —perguntou Freddie<br />
—. O corte de minha jaqueta e as amizades sociais? Por muito desagradável<br />
que seja se converter em emparelha, suspeito que minha que<strong>da</strong> signifique<br />
mais para você e para a duquesa do que significasse para mim.<br />
Edward tentou encontrar um tom razoável.<br />
—Hypatia pode capear qualquer tormenta. Foi um monstro social muito<br />
tempo para que isso modifique. Quanto a mim, se as pessoas deixarem de me<br />
sau<strong>da</strong>r, que assim seja. Mas você... Você não pode negar que desfrutou sendo<br />
o favorito em socie<strong>da</strong>de, porque sabe que é assim. Olhe — disse e se<br />
desabotoou os botões do pescoço que pareciam afogá-lo—, talvez poderíamos<br />
encontrar outra mulher que se casaria contigo. Alguém mais velha.<br />
Possivelmente uma viúva.<br />
Freddie elevou as mãos mais não em gesto de derrota.<br />
—Não — disse, com uma firmeza que Edward nunca tinha visto nele—.<br />
Acabaram as mentiras. Nigel e eu discutimos isto longamente e já tomamos<br />
uma decisão.<br />
—Nigel e você.<br />
—Nigel e eu — repetiu Freddie, como se quisesse que Edward os<br />
reconhecesse como casal à força de repetir acredite ou não, Nigel e eu<br />
estamos apaixonados.<br />
Aquela declaração continha um pingo inegável de orgulho. Também de<br />
maravilha, e a mesma gratidão que sentiria qualquer amante que acaba de se<br />
apaixonar. Debatendo interiormente para entender, para aceitar, Edward se<br />
sentou na beira <strong>da</strong> mesa. Apoiou com força o inicio <strong>da</strong> mão, intuindo as<br />
dificul<strong>da</strong>des que apareciam ante seus olhos.<br />
—Isto será muito difícil para você, Freddie. Muito, muito difícil.<br />
—Isso já sabemos — replicou Freddie, e a calma em sua voz tinha a clara<br />
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intenção de transmitir segurança—. Possivelmente sabemos melhor que você.<br />
Você me quer mais que ninguém. Mais que Nigel, espero, porque o seu é um<br />
sentimento que só o tempo porá a prova. Em qualquer caso, com muita<br />
dificul<strong>da</strong>de poderia albergar ilusões de como reagirá o resto <strong>da</strong>s pessoas<br />
quando você, que me quer mais que ninguém, não pode me aceitar como sou.<br />
—Tento — disse Edward—. De ver<strong>da</strong>de que tento.<br />
—Tenta me proteger. Mas não pode escolher meu caminho desta vez. Tem<br />
que me deixar correr e tropeçar. De outra maneira, jamais poderei gozar de<br />
nenhum tipo de existência.<br />
Edward custava engolir aquilo. Seu estômago se converteu em um nó e as<br />
mãos tremiam reflexo de sua confusão. Ca<strong>da</strong> um de seus instintos dizia que<br />
não deveria deixar Freddie tomar essa decisão. Tinha que haver algum<br />
argumento que tivesse passado por cima, alguma maneira de obrigar a seu<br />
irmão a demonstrar um pingo de sentido comum.<br />
Infelizmente, duvi<strong>da</strong>va que Freddie pudesse perdoar se encontrasse esse<br />
sentido.<br />
—Sabe o que... sabe o que fará? —perguntou, se obrigando que a<br />
pergunta vencesse a resistência em seu foro interno.<br />
—Vamos à França — respondeu seu irmão, o mais suave dos anúncios que<br />
tinha feito—. Provavelmente será muito em breve.<br />
—A França. Bem — Edward disse, afun<strong>da</strong>ndo as mãos trementes nos<br />
bolsos—. Sei que a província é muito bela e que a situação política, ao parecer,<br />
apaziguou. Suponho que poderia voltar a abrir a proprie<strong>da</strong>de que herdou de<br />
mamãe.<br />
—Esse era nosso plano. Fica no Burdeos, como sabe. Nigel e eu pensamos<br />
que provaríamos sorte cultivando vinhas.<br />
—Aquilo sonha... E bem, sonha... Freddie, França fica muito longe.<br />
—Um trem até Dover e um ferry até o Calais.<br />
—Já sabe o que quero dizer. É um país diferente. Um continente diferente.<br />
Não conhece ninguém. Nem sequer fala francês.<br />
—Nigel fala francês — anunciou Freddie, com um sorriso torcido e<br />
pormenorizado—. E eu aprenderei. Isto é o que necessitamos Edward. Um lugar<br />
onde ninguém nos conheça, onde possamos viver como queremos sempre e<br />
quando formos discretos.<br />
O nó que Edward sentia no ventre pareceu aumentar de tamanho.<br />
—Dirá se necessitar alguma coisa? Dinheiro? Cartas de apresentação?<br />
—O faremos saber disso, suponho que estaremos bem —disse e sorriu<br />
com um gesto ain<strong>da</strong> mais marca<strong>da</strong>mente irônico—. Como sabe a facili<strong>da</strong>de de<br />
Nigel para os negócios é formidável.<br />
Edward sabia, mas o alívio que esta notícia poderia ter significado estava<br />
mitiga<strong>da</strong> pelo desassossego. Ele e Freddie tinham acontecido a maior parte de<br />
sua vi<strong>da</strong> juntos. Freddie era mais que um irmão, era a bon<strong>da</strong>de que aliviava<br />
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sua alma.<br />
—França — disse incapaz de renunciar—. Não sei o que dizer.<br />
—Me deseje felici<strong>da</strong>de.<br />
—Claro que sim, Freddie! De todo coração.<br />
Freddie deve ter intuído suas reservas. Estendeu a mão para segurar<br />
Edward pelo pescoço, seu polegar no meio de seu queixo, e o acariciando pela<br />
nuca. Era um gesto de apoio, um gesto que poderia ter sido um pai. A Edward<br />
apertou a garganta ante este curioso invertimento de papéis.<br />
—Sentirei sua falta — disse, nem sequer tentando ocultar sua dor—. E<br />
Florence, não sei como <strong>da</strong>rei a notícia a ela. Tinha tanta vontade de ser sua<br />
irmã.<br />
Freddie riu um som suave e brilhante.<br />
—Onde quer que esteja sempre a quererei como se fosse.<br />
Abraçou Edward. Deu um forte abraço que dizia mais que to<strong>da</strong>s as<br />
palavras. Edward deu umas palma<strong>da</strong>s nas suas costas e o abraçou, desejando<br />
que Freddie voltasse a ser pequeno, desejando que pudesse velar por ele.<br />
Quando se separaram, os dois tiveram que secar os olhos.<br />
— Te quero — disse Edward, e havia naquelas palavras algo mais que a<br />
emoção.<br />
Freddie assentiu com um gesto de cabeça e deu uns passos para trás, os<br />
olhos brilhando nos borde. Certamente sabia que se ficasse, Edward se veria<br />
obrigado a formular outra deman<strong>da</strong>.<br />
Ao sair, a biblioteca ficou em silêncio. Um relógio marcava os segundos<br />
em um dos suportes. O gás assobiava no interior de suas esferas pinta<strong>da</strong>s, um<br />
som mais regular que a respiração de Edward. Esgotado, inclinou a cabeça e<br />
ficou olhando as sombras que <strong>da</strong>nçavam tristemente no teto aboba<strong>da</strong>do. Uns<br />
anjos voavam através de seus murais, de asas tão musculosas como seus<br />
membros. Esta noite, sob a luz débil e amarela<strong>da</strong>, parecia para Edward como<br />
se voassem direto ao inferno.<br />
Seu irmão mais novo se apaixonou por Nigel West. Ia embora do país,<br />
deixando tudo e a todos seus entes queridos. E Edward estava permitindo.<br />
Fechou as mãos até que foram dois punhos suarentos, mas suas tripas já<br />
tinham tomado uma decisão. Sentindo que o calor subia pela garganta como<br />
uma sensação de enjôo, correu ao terraço. O ar fora era suave e a brisa era<br />
como um tecido refrescante. Entretanto, assim que chegou ao jardim, sentiu<br />
violenta e miseravelmente doente. Evitou uma que<strong>da</strong> se agarrando à coluna de<br />
mármore.<br />
Florence o encontrou depois de que o mal-estar tinha passado. Edward se<br />
balançava para frente para trás, na beira do pátio de colunas, com as botas na<br />
grama úmi<strong>da</strong>, a cabeça entre os joelhos. Não teve que olhar para saber quem<br />
se sentou a seu lado.<br />
—Não sei como deixá-lo ir — disse —. Tentei mais é tão difícil. Florence se<br />
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aconchegou junto a ele.<br />
—Não é que o deixe ir. Deixe-o ser ele mesmo.<br />
—O mundo fará todo o possível para o fazer mal. Florence o acalmou<br />
acariciando sua cabeça.<br />
—Possivelmente se perdesse Nigel, sofreria ain<strong>da</strong> mais. Merece uma<br />
possibili<strong>da</strong>de de ser feliz, de amar e ser amado como qualquer outra pessoa.<br />
Talvez seja a única maneira.<br />
—Talvez — Edward gemeu—. Supõe que devo deixar que arrisque tudo de<br />
uma talvez?<br />
—Esse talvez seja quão único temos. Tem que deixá-lo tomar essa decisão.<br />
Edward sabia que tinha razão, mas saber não fazia as coisas mais fáceis.<br />
Se virou em seus braços e se pendurou nela. Sentia miseravelmente<br />
impotente, mais impotente do que tinha estado dos dias em que tinha tentado<br />
proteger a seu irmão pequeno e peralta <strong>da</strong> ira de seu pai. Florence acariciou o<br />
cabelo e o balançou, <strong>da</strong> mesma maneira que qualquer mulher consolaria ao<br />
homem que amava. Entretanto, suas palavras não foram as de qualquer<br />
mulher.<br />
—Ama-o tal como é — disse—. Isso <strong>da</strong>rá força a ele para enfrentar ao<br />
mundo.<br />
Apesar de que a tia Hypatia tinha visto suspeitosamente pouco nos<br />
últimos dias, depois <strong>da</strong> volta de Freddie, mandou pedir a Florence que se<br />
reunisse com ela no estúdio. Saudou com um gesto de cabeça quando Florence<br />
entrou, mas não falou até que serviu às duas uma xícara de chá.<br />
—Tinha atrasado esta conversa —começou dizendo— porque pensava que<br />
te devia uma oportuni<strong>da</strong>de para que se concentrasse na solução de seus<br />
problemas com Edward. Posto que seja evidente que já o têm feito — Hypatia<br />
arqueou as sobrancelhas com um gesto de humor mun<strong>da</strong>no—, acredito que<br />
agora somos nós que devemos esclarecer as coisas. Em primeiro lugar — disse<br />
e elevou uma mão para sossegar as palavras de Florence— queria me<br />
desculpar, pois isso me toca por haver te enganado e por não me ter <strong>da</strong>do<br />
conta de que Catherine era uma pessoa tão vingativa. Jamais imaginei que te<br />
usaria dessa maneira. Considero do mais desafortunado e tudo é minha culpa,<br />
porque não sentiu que podia buscar a mim em meio de sua confusão.<br />
—Tudo... tudo foi por meu bem — Florence disse, com as mãos agarra<strong>da</strong>s<br />
nervosamente em seu colo.<br />
—Gostou que Edward te resgatasse, é isso?<br />
—Sim, Excelência.<br />
—Hmf, bem. —A duquesa lançou um olhar cúmplice—. Parece bem que<br />
tenha tido que despertar. Esse menino sempre foi muito imperturbável. Você,<br />
em qualquer caso, manterá viva sua circulação.<br />
Quando a viu se ruborizar, Hypatia se inclinou o suficiente para <strong>da</strong>r um<br />
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tapinha no joelho. Logo, com um suspiro de resignação, enterrou sua bengala<br />
no tapete e se levantou. As janelas do estúdio <strong>da</strong>vam para o jardim <strong>da</strong>s rosas,<br />
agora convertido em um estalo de flores de finais do verão. Sob a intensa luz<br />
doura<strong>da</strong>, as rugas de seu rosto falavam dos conflitos que Hypatia tinha vivido<br />
em sua própria época.<br />
—Os Burbrooke têm muitas coisas pelas qual responder—disse—.<br />
Pergunto-me se será capaz de nos perdoar.<br />
—Meus próprios atos dificilmente estão por cima de to<strong>da</strong> recriminação —<br />
exclamou Florence, e se sentiu tão aflita que se levantou. Não a culparia se<br />
pensasse que sou <strong>da</strong> pior índole de caça fortunas.<br />
—Na<strong>da</strong> disso — disse Hypatia—. Sei muito bem que a fortuna de Edward<br />
não teve na<strong>da</strong> haver com isto. A ver<strong>da</strong>de é que mentimos, delibera<strong>da</strong>mente e<br />
com a intenção de te enganar. O único argumento que posso oferecer em<br />
minha defesa é que sinceramente pensei que Freddie trocaria por você. Pensei<br />
que se fariam mutuamente felizes.<br />
—Possivelmente teria acontecido assim — disse Florence—, se não nos<br />
tivéssemos apaixonado por outras pessoas.<br />
A duquesa suspirou e se voltou para olhar para o jardim.<br />
—Apesar de tudo o que vi na vi<strong>da</strong>, apesar de tudo o que tenho feito,<br />
poderia pensar que isto não me incomo<strong>da</strong>. Poderia pensar que eu haveria dito<br />
que Freddie tem direito ao amor como pareça. Mas suponho que tudo é<br />
diferente quando afeta a sua própria família — acrescentou, e afundou a<br />
cabeça entre os ombros, que logo voltou a endireitar—. Suponho que<br />
deveríamos estar agradecidos de que não se apaixonou por esse lacaio. Ao<br />
menos este Nigel saberá que garfo tem que usar na mesa. As boas maneiras e<br />
tudo isso.<br />
—Perfeitamente decente — assegurou Florence.<br />
—Agora bem, isto de ir para França — disse a duquesa, sacudindo a<br />
cabeça—. É gente imun<strong>da</strong>. Passam a vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>ndo beijos ou beliscando os<br />
traseiros <strong>da</strong>s mulheres.<br />
Florence não pôde afogar seu risinho.<br />
—E bem — concluiu Hypatia, e levantou o rosto com um gesto travesso—.<br />
Ao menos Freddie e Nigel não terão esse problema.<br />
Golpeou com sua bengala no chão, claramente desfrutando de sua própria<br />
acui<strong>da</strong>de. Florence sentiu que o coração distendia ao rir com ela. Se a duquesa<br />
fazia brincadeiras com isso de beliscar os traseiros, sabia que o pior tinha<br />
passado.<br />
Edward passeava pela biblioteca altas horas <strong>da</strong> noite. Seu irmão partiria<br />
pela manhã. Seu irmão e seu amante. Era difícil se acostumar à idéia, embora<br />
nunca tivesse visto Freddie tão contente. Era como se tivessem tirado um peso<br />
de cima, um peso do que Edward não se precaveu antes.<br />
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Nigel tinha convencido Freddie para que ficassem para a colheita, para<br />
não privar Edward de seu mordomo no momento mais atarefado do ano. Havia<br />
inclusive chegado a convencê-lo de que aju<strong>da</strong>sse no armazenamento <strong>da</strong>s<br />
espigas de milho , um trabalho duro e sujo.<br />
—Se quer ser granjeiro — havia dito Nigel, com aspecto provocador—, terá<br />
que estar disposto a suar.<br />
As festas <strong>da</strong> colheita que tinham celebrado para os camponeses foi a<br />
melhor festa que jamais tivesse conhecido Greystowe e, em opinião <strong>da</strong> senhora<br />
Forster, uma autêntica celebração, uma festa com a que, além disso,<br />
celebravam o enlace de Edward e Florence. A farra se prolongou até bem<br />
entra<strong>da</strong> <strong>da</strong> madruga<strong>da</strong>. Todos e ca<strong>da</strong> um dos homens do con<strong>da</strong>do, incluindo<br />
Freddie e Nigel, tinham tirado Florence para <strong>da</strong>nçar. Por uma vez, ela tinha<br />
esquecido seu acanhamento. Leu contos para os filhos dos camponeses e<br />
repartiu o bolo que ela mesma tinha assado. Com ca<strong>da</strong> um de seus sorrisos,<br />
demonstrou que se sentia em casa, entre sua gente, rindo literalmente até as<br />
lágrimas.<br />
Edward jamais tinha suspeitado que a alegria pudesse ser agridoce. Agora<br />
passeava para o busto de Platón quando o objeto de seus pensamentos<br />
apareceu à cabeça pela porta de duplo batente. Pôs seu vestido de noite, uma<br />
combinação folga<strong>da</strong> e vaporosa de cor rosa<strong>da</strong> que provocou em seu sexo<br />
relegado ao esquecimento um imediato instinto de zelo. Desde que Freddie<br />
tinha retornado, ele e Florence tinham observado a necessária discrição.<br />
Edward queria que a abstinência marital fosse uma demonstração de respeito,<br />
tanto para sua tia como para Florence. Nem sequer tinham se beijado atrás <strong>da</strong>s<br />
portas. Era indubitável que, igual a outras coisas, aquilo contribuía à confusão<br />
de seu estado de ânimo.<br />
—Não entre aqui — advertiu com uma determinação que parecia<br />
inquebrantável—, a menos que queira que eu tire essa saia que está usando.<br />
—Não uso saia — ela disse, e entrou na sala com tímidos passos. Seus<br />
belos pés brancos estavam nus, seus dedos ligeiros e miúdos. Era evidente que<br />
aquela mulher carecia de sentido comum. Para demonstrar, Florence inclinou<br />
sua cabeça para ele e sorriu. Vim para me assegurar de que não estaria<br />
gastando o tapete até deixá-lo desfiado.<br />
—Está brincando com fogo — ele advertiu, mas ela correu ao seu encontro<br />
como se o fogo fosse o que mais desejava.<br />
As boas intenções de Edward se desvaneceram ali mesmo. Tinha as calças<br />
abertas antes que ela chegasse a ele, e a tinha jogado sobre o chão antes que<br />
ela estampasse seu primeiro beijo em seus lábios sorridentes. Não pôde deixar<br />
de amaldiçoar quando se enredou com seu vestido, e logo ao sentir o faminto<br />
estímulo de suas mãos.<br />
—Minha intenção é guar<strong>da</strong>r as formas — protestou, quando ela abriu suas<br />
pernas sob seu peso.<br />
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Emma Holly<br />
Ela murmurou algo que se parecia bastante à “ao diabo com as formas” e<br />
então as dobras de linho e botões se abriram como por arte de magia. Edward<br />
sentiu que seus nervos despediam brilhos como estrelas fugazes. Sentiu a<br />
acolhi<strong>da</strong> de Florence e seu corpo contra seu pênis e já a tinha penetrado antes<br />
que pudesse pensar em se deter. O primeiro roçar foi um prazer essencial, um<br />
prazer puro que fez ranger os dentes. Florence estava quente, aperta<strong>da</strong> e<br />
úmi<strong>da</strong>, e seu breve grito de prazer o fez gemer como um homem agônico.<br />
—Estava muito em falta — ela disse, e o estreitou com braços e coxas—.<br />
Senti tanto sua falta.<br />
Edward tinha perdido todo o controle. Seu acoplamento foi tão rápido e<br />
brusco que os dois ficaram soprando sem fôlego. Ele a fazia se afun<strong>da</strong>r no<br />
tapete e ela o obrigava a entrar ca<strong>da</strong> vez mais profundo apertando com os pés.<br />
Não importava na<strong>da</strong> mais que correr para esse ponto de chega<strong>da</strong>, mas<br />
reafirmando sua proprie<strong>da</strong>de sobre esse sexo dele. Seu clímax estalou como<br />
dourados fogos de artifício, explosivamente prazenteiro, e Edward ficou cego a<br />
qualquer outra coisa que não fosse aquela convulsão larga e ardente. Não teria<br />
se <strong>da</strong>do conta de que ela o seguia se não tivesse sido por seu agudo grito<br />
orgástico.<br />
Quando conseguiu que ela montasse sobre ele, não quis se mover mais.<br />
—Agora — ela disse, escarranchado sobre seu torso, enquanto seu pênis<br />
pulsava ligeiramente em sua fen<strong>da</strong>—. Conte do que falaram você e Nigel<br />
durante essa conversação tão, tão séria.<br />
Edward deixou escapar um suspiro. Não havia mais que deixar que<br />
Florence adivinhasse a causa de seu mal-estar, e tudo ficava mais fácil para<br />
compartilhar com ela.<br />
—Pediu-me desculpas por ter abusado <strong>da</strong> confiança <strong>da</strong> família — disse—.<br />
Como se estas alturas isso importasse. Deu uns quantos conselhos para saber<br />
a quem substituir e me entregou a chave de seus arquivos. <strong>Além</strong> disso, me<br />
assegurou que “cui<strong>da</strong>ria o melhor possível” de meu irmão. Eu me sentia como<br />
o pai <strong>da</strong> noiva.<br />
—Mmm — disse Florence—. E o que disse a ele?<br />
—Assinei uma nota bancária — ele murmurou—. No caso de precisar.<br />
Sentiu que ela sorria contra sua pele.<br />
—Estou segura de que terá apreciado o gesto.<br />
—Certamente que apreciou. A diferença de Freddie, Nigel é um homem<br />
prático.<br />
Florence esfregou a cara contra o peito de Edward. Em algum momento de<br />
seu encontro, tinha aberto sua jaqueta e tirado a camisa. Agora seu braço<br />
deslizou por debaixo para abraçá-lo.<br />
—Estou orgulhosa de você — disse, e estampou um beijo naquele ponto<br />
tenro por cima do coração.<br />
—Não se sinta orgulhosa até manhã — ele objeto, com um bufo—. Terão<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
sorte se não man<strong>da</strong>r deter o maldito trem.<br />
O trem esperava na estação de Greystowe, uma criatura negra e poeirenta<br />
vin<strong>da</strong> do mundo moderno. A chaminé lançou um jorro de fumaça enquanto<br />
esvaziavam a água e carregavam o carvão. De vez em quando seu apito<br />
lançava um lastimoso dobro buzinado, como se dissesse adeus. Florence<br />
ansiava de todo coração que parasse.<br />
—Continuo pensando, eu gostaria que ficasse para as bo<strong>da</strong>s — disse, e o<br />
abraçou com tanta força que Freddie fingiu que se afogava. Edward esperava<br />
uns quantos passos por detrás, e deixou que se despedissem tranquilamente.<br />
—Já sei que não se importa — Freddie disse—. Eu, por meu lado, não<br />
quisesse que o escân<strong>da</strong>lo de minha presença fosse uma distração de seu<br />
grande dia.<br />
—Mas eu gostaria muito mais que fosse você quem me acompanhasse ao<br />
altar, em lugar do advogado de meu pai.<br />
Freddie a empurrou para trás pelos ombros.<br />
—Vamos, graças ao senhor Mowbry, você e Edward se conheceram. Pode<br />
pensar em uma pessoa mais adequa<strong>da</strong>?<br />
—Mas sentirei falta de você — ela confessou, que já começava a sentir sua<br />
ausência. Freddie a fez calar com dois dedos de sua mão finamente enluva<strong>da</strong>.<br />
Sorriu carinhosamente quando a viu fazer um biquinho—. Recor<strong>da</strong> o que te<br />
disse, queri<strong>da</strong>. Você e Edward têm que se pôr à tarefa de trazer herdeiros ao<br />
mundo. Espero que não haja menos de uma meia dúzia que levem meu nome.<br />
—Meia dúzia!<br />
—Sim, sem dúvi<strong>da</strong> — disse, <strong>da</strong>ndo ares—. Freddie, Frederica, Fredwina,<br />
Fredward..., e te deixo os outros dois nomes a você.<br />
—É um caso perdido — ela disse, sem se render à pena de seu coração<br />
entristecido.<br />
Freddie endireitou o chapéu de plumas.<br />
—Conto contigo para que cometas loucuras em minha ausência. Não<br />
podemos permitir que meu irmão afunde na gravi<strong>da</strong>de enquanto eu não esteja.<br />
Certamente, <strong>da</strong>do que seu senso de humor é extremamente primitivo, não<br />
deveria ser um desafio muito difícil.<br />
Edward lançou um bufo a suas costas, mas nem Florence nem Freddie<br />
prestaram atenção.<br />
—Farei todo o possível para cultivar algum grau de insensatez —<br />
prometeu.<br />
—Parece-me bem — respondeu Freddie, e seus olhos umedeceram<br />
repentinamente. Em lugar de <strong>da</strong>r rédea solta a suas emoções, pestanejou um<br />
par de vezes e quadrou os ombros como um sol<strong>da</strong>do ante a inspeção—.<br />
Esperarei com ânsias notícias de seu progresso. Se quiser, man<strong>da</strong>rei instruções<br />
explícitas sobre como encher suas sapatilhas com geléia.<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
Edward já estava farto.<br />
—Está enchendo sua cabeça de tolices — disse, com voz severa, e<br />
abraçou Florence carinhosamente pelos ombros.<br />
Freddie a agarrou pelo queixo antes de se voltar para seu irmão.<br />
—Cuide dela — disse—. Recor<strong>da</strong> que primeiro foi minha noiva. Os dois<br />
irmãos trocaram um olhar largo e carregado de sau<strong>da</strong>de. A expressão de<br />
Edward era séria e Freddie pestanejava, mas Florence sabia que os dois<br />
rememoravam o que o outro tinha significado em sua vi<strong>da</strong>. Finalmente, Edward<br />
procurou em um de seus bolsos.<br />
—Tenho algo para você — disse, e extraiu uma me<strong>da</strong>lha doura<strong>da</strong> que aos<br />
dois era familiar—. Seu primeiro prêmio de natação. Guardei todos estes anos.<br />
Pensei que você gostaria de guardá-lo.<br />
Freddie abriu as duas mãos para que Edward depositasse a me<strong>da</strong>lha e a<br />
cinta sobre sua palma.<br />
—Edward! — exclamou indeciso entre o assombro e a risa<strong>da</strong>—. Se já não<br />
estivesse desarmado como homem, seu presente me teria desarmado agora.<br />
—Sempre será um homem — replicou Edward com sua voz mais grave—.<br />
O demonstrou mais vezes <strong>da</strong>s que posso contar.<br />
Freddie cobriu os olhos e sacudiu a cabeça, com essa atitude bastante<br />
masculina de não chorar diante do irmão. Visivelmente incômodo Edward<br />
apertou o ombro e deu um passo atrás para deixar lugar a tia Hypatia. A<br />
despedi<strong>da</strong> desta foi uma sucessão de abraços e gargalha<strong>da</strong>s explosivas.<br />
Finalmente, Freddie se separou do grupo e foi se reunir com Nigel na esca<strong>da</strong> do<br />
vagão de primeira classe.<br />
Edward se despediu de seu antigo mordomo com um apertão de mãos e<br />
novamente de seu irmão, até que o trem começou a arrancar lentamente.<br />
Florence se lançou a correr antes que o vagão deixasse a plataforma. —<br />
Winifred! —gritou agitando seu lenço junto ao guichê de Freddie.<br />
—Fre<strong>da</strong>lia! — ele respondeu, agitando a mão sem parar.<br />
Foi então que Florence rompeu a chorar. Chorou durante todo o trajeto de<br />
volta a casa, aconchega<strong>da</strong> no peito de Edward. Chorou durante o jantar,<br />
quando se precaveu do lugar vazio de Freddie. Também chorou quando<br />
encontrou a rosa que ele tinha deixado sobre o travesseiro, e voltou a chorar<br />
quando Edward se deslizou em seu quarto em meio <strong>da</strong> noite.<br />
—É uma ver<strong>da</strong>deira fonte! —declarou, a tomando em seus braços—. Se<br />
continuar assim, terei que te levar ao jardim para que regue as flores.<br />
Mas Florence sabia que Edward não estava molesto. Freddie bem valia<br />
essas lágrimas. <strong>Além</strong> disso, suspeitava Florence, a consolar permitia a ele<br />
mesmo se abster de chorar. Entregue a esta importante tarefa, Edward a<br />
balançou em seu colo e a acalmou com seu fôlego, e finalmente beijou as<br />
últimas lágrimas dos olhos.<br />
—fomos agraciados com um presente — disse—, e são poucas as pessoas<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
a quem está <strong>da</strong>do conhecê-lo. Freddie não quereria que estivéssemos tristes.<br />
—Não — ela conveio, soando com seu melhor lenço de se<strong>da</strong>, o mesmo que<br />
até fazia poucos minutos aparecia, impecável, no bolso de sua bata. Era um<br />
sentimento tão prazenteiro, e a menção <strong>da</strong>quele presente, feita sem querer,<br />
era tão pertinente, que quase voltou a se derramar em lágrimas.<br />
Edward riu de seus soluços e a abraçou ain<strong>da</strong> mais forte. —Florence,<br />
Florence, Florence. Onde estaria eu se não estivesse você para me derreter o<br />
coração?<br />
Florence não sabia, nem tampouco importava. Com um último<br />
estremecimento de seu fôlego, levou a mão ao ventre e elevou o olhar para<br />
Edward. O que viu a fez sorrir ain<strong>da</strong> com mais alegria que o segredo que tinha<br />
entesourado to<strong>da</strong> a semana para si.<br />
—Edward — disse—, com um sorriso nos lábios—, estive me perguntando<br />
se te importaria que concebêssemos uma pequena Frederica.<br />
Ele a olhou entrecerrando os olhos e, continuando, deixou escapar um uivo<br />
que provavelmente despertou de seus sonhos metade do pessoal de<br />
Greystowe.<br />
—Se acaso me importar? —perguntou, enquanto a lançava ao ar com<br />
tanta força que Florence também teve que chiar—. Não, não me importa<br />
Florence. Não me importa na<strong>da</strong>.<br />
Florence logo que tinha recuperado o fôlego ao cair quando ele já estava<br />
em cima a beijando, fora de si, murmurando palavras de amor e acariciando o<br />
ventre com uma reverência que fez Florence pensar que a materni<strong>da</strong>de podia<br />
ser uma experiência maravilhosa. Aceitou correr o maior risco que uma mulher<br />
podia assumir, e agora enfrentava às consequências, ain<strong>da</strong> quando não havia<br />
sentido nem a mais mínima apreensão desde dia em que a possibili<strong>da</strong>de se<br />
insinuou em seu pensamento. Tinha esperado, tinha bulido com a emoção<br />
reprimi<strong>da</strong>, mas não tinha temido a respeito de seu futuro. Casa<strong>da</strong> ou não,<br />
nenhuma mulher seria tão respeita<strong>da</strong> como a que levava o filho de Edward. Se<br />
a isso acrescentava o amor que brilhava tão perduravelmente em seu olhar,<br />
Florence sabia que aquele bebê seria algo imensamente maior que uma<br />
surpresa de sete meses.<br />
Aquele bebê seria um presente, um presente que eles tinham <strong>da</strong>do e<br />
recebido. Um presente sem dúvi<strong>da</strong> cheio de mistério, mas envolto na adoração.<br />
—Está passando bem? —perguntou Edward, de repente tenso e<br />
preocupado. Sua mão enorme e cáli<strong>da</strong> se derramou com um gesto protetor<br />
sobre seu ventre—. Tem enjôos? Fadiga?<br />
—Só tive enjôos uma vez — disse, com uma risa<strong>da</strong> apaga<strong>da</strong> que o alarmou<br />
—. Por isso pensei que seria bom começar a contar os dias.<br />
—E a contar suas lágrimas — ele adicionou, inspirado—. Dizem que as<br />
mulheres ficam mais emocionais quando esperam um filho. —E é ver<strong>da</strong>de.<br />
Edward não a viu quando sorria. Estava muito ocupado examinando as<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
curvas ain<strong>da</strong> não altera<strong>da</strong>s de seu corpo. Ou quase não altera<strong>da</strong>s. Quando<br />
segurou um seio na palma <strong>da</strong> mão, Florence sentiu uma ponta<strong>da</strong> ain<strong>da</strong> mais<br />
profun<strong>da</strong> de prazer percorrer sua pele.<br />
—Imagine — disse Edward, sonhador, enquanto tamborilava com o broto<br />
sensível de seu mamilo—. Uma pequena Frederica que possamos balançar em<br />
nossos braços.<br />
A Florence retorceu os dedos dos pés com o prazer de suas carícias.<br />
—Não sei — disse, enquanto sua própria mão começava a explorar—.<br />
Quanto a mim, sou mais bem partidária de Fredward...<br />
Epílogo<br />
Viajar com o duque era uma forma de educação. Florence sabia que seu<br />
marido possuía muitos traços admiráveis, mas jamais tinha imaginado que<br />
tinha a paciência de um santo. Era evidente que um deles necessitava dessa<br />
paciência, porque naquela viagem os acompanhava Frederica. Aos dois anos, a<br />
criatura tinha os olhos verdes de sua mãe, o encanto de seu tio e a teimosia de<br />
seu pai. Hoje, parecia convenci<strong>da</strong> de que podia esporear os cavalos expulsando<br />
vigorosamente sobre os joelhos de seu pai. Edward fazia careta, mas sorria,<br />
como se na<strong>da</strong> pudesse ser mais prazenteiro que esse murro <strong>da</strong> própria filha.<br />
—Se acalme — Florence pediu, acariciando o cabelo encaracolado e loiro<br />
de sua filha—. Papai necessita de seus joelhos para mais tarde.<br />
—Papai, papai, papai! —chiou Fredi, sem se acalmar no mais mínimo.<br />
Aquele estalo foi seguido de um novo broto de inteligência—. Vede — anunciou,<br />
assinalando pela janela do enorme carro de cavalos que tinham alugado—.<br />
Mamãe olhe. Vede bonito.<br />
—Sim — Florence disse—. Verde muito bonito.<br />
Sua filha estava acostuma<strong>da</strong> acertar em suas apreciações, embora não<br />
sempre em sua pronúncia. Em reali<strong>da</strong>de, aquela região de Burdeos era<br />
formosa, com sua exuberante vegetação de finais de primavera, pitoresca em<br />
suas labirínticas aldeias e magia pura em seus velhos castelos. As ro<strong>da</strong>s altas<br />
<strong>da</strong> limusine seguiam por um caminho arenoso onde as breves vistas do rio<br />
Garona alternavam com portais de pedra ruídos e operários se movendo<br />
lentamente pelas fileiras <strong>da</strong>s vinhas. Era uma imagem aprazível e fora do<br />
tempo. Com um suspiro de prazer, Florence agarrou a sua filha e a voltou a pôr<br />
sobre os joelhos.<br />
—Logo? —disse Frederica, se acomo<strong>da</strong>ndo em uma de suas caprichosas<br />
mu<strong>da</strong>nças de humor—. Logo vemos tio Freddie?<br />
—Sim — Florence assegurou, e beijou sua bochecha cáli<strong>da</strong> e redon<strong>da</strong>—. E<br />
então você, senhorita Dedos pegajosos, tomará um bom banho. —Dedo<br />
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Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
pegajoso —riu Fredi, uma risa<strong>da</strong> que logo se transformou em bocejo.<br />
—por que fica sempre adormeci<strong>da</strong> contigo? — Edward perguntou.<br />
—Porque sou bastante inteligente para deixar que você a canse. Edward<br />
saudou sua ocorrência com um sorriso, tão cálido que ain<strong>da</strong> podia fazer brotar<br />
lágrimas em seus olhos. Sua vi<strong>da</strong> tinha sido rica e cáli<strong>da</strong> desde seu<br />
matrimônio, um acontecimento que tinha provocado menos comentários do<br />
que temiam, devido à oportuna revelação de que Charles Hargreave tinha uma<br />
aventura com Millicent Parminster, e de seu posterior abandono de sua mulher<br />
em um castelo de Escócia. Justiça poética, segundo Hypatia. Florence<br />
simplesmente se alegrou de que a antiga amante de seu marido tivesse<br />
decidido levar a sua tia como companhia.<br />
Com este tipo de escân<strong>da</strong>los que entretiveram a nobreza, a surpresa que<br />
suscitou o matrimônio de Florence Fairleigh com o mais velho, que não o mais<br />
novo, dos Burbrooke, foi leve, sobre tudo quando os recém casados se<br />
dedicaram a viver tão tranquilamente. Um casal caseiro se comentava em<br />
socie<strong>da</strong>de, sem imaginar o que preparavam o duque e sua condessa.<br />
Florence sorriu ao recor<strong>da</strong>r aqueles dias. Apesar de que a socie<strong>da</strong>de<br />
censurava sua vi<strong>da</strong> doméstica, a ausência de Freddie foi lamenta<strong>da</strong> ain<strong>da</strong><br />
muito mais profun<strong>da</strong>mente que a sua. Os poucos que adivinharam por que<br />
tinha partido guar<strong>da</strong>ram de comentar por respeito a, ou, em alguns casos<br />
temor, ao formidável duque e a sua tia igualmente formidável. O consenso<br />
parecia dizer que Freddie poderia fazer o que desejasse muito, sempre e<br />
quando eles não estivessem obrigados a se inteirar. A socie<strong>da</strong>de era o que era,<br />
e Florence supunha que aquela era a melhor reação que podiam esperar.<br />
Enquanto isso, a per<strong>da</strong> <strong>da</strong> amizade de Merry Vance era seu único lamento.<br />
As duas mulheres seguiam se vendo, certamente, e Edward era um homem<br />
próximo ao pai de Merry. O duque e ele compartilhavam diversos interesses<br />
políticos. O resultado foi que os convites dos Monmouth eram <strong>da</strong>s poucas que o<br />
casal aceitava. María sempre acolhia Florence cali<strong>da</strong>mente, mas esta se<br />
precavia de que sua atitude não era a que tinha sido. Suspeitava que Merry<br />
não tivesse superado de todo sua teimosia com o duque.<br />
Seu marido a distraiu de seus pensamentos quando acariciou sua<br />
bochecha.<br />
—Aconteceu algo?—perguntou, com aquela amabili<strong>da</strong>de que reservava<br />
para seus seres amados.<br />
Ela negou com a cabeça.<br />
—Só me perguntava se Merry Vance será feliz com aquele tipo que seu pai<br />
parece haver destinado como marido.<br />
—por que não teria que ser? É um homem sério. Se conhecem desde que<br />
são pequenos. <strong>Além</strong> disso, sua posição em questão de finanças é impecável.<br />
Ela evitou acolher com aquele sorriso receita para o amor. —Aqui esta a<br />
famosa encruzilha<strong>da</strong>—disse seu marido, assinalando a igreja com seu<br />
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Emma Holly<br />
campanário. Levou a mão ao pescoço, um sinal seguro de que estava nervoso.<br />
Florence deu uns tapinhas na coxa, mas sabia que pouco podia fazer para<br />
acalmá-lo. Três anos era um tempo comprido para a ausência de um irmão.<br />
Uma breve aveni<strong>da</strong> de plátanos conduzia para a vila de Freddie e Nigel. A<br />
casa era encantadora. Paredes de pedra <strong>da</strong> França com persianas de um azul<br />
cinzento e um teto de telhas vermelhas de barro. Pelas janelas subia um<br />
jasmim branco e o caminho até a porta era de tijolo cor ocre. Tudo era formoso,<br />
mas ligeiramente descui<strong>da</strong>do, como se as pessoas que vivessem ali quisessem<br />
que se sentissem cômodos só os visitantes mais humildes.<br />
O condutor, um francês grande e de cara vermelha, desceu <strong>da</strong> boleia e<br />
começou a desatar a bagagem. Posto que Fredi ain<strong>da</strong> dormisse, Florence a<br />
passou a Edward para que a descesse. O tio tão esperado apareceu por uma<br />
esquina <strong>da</strong> casa justo quando Edward levantava a aldrava. Como era natural,<br />
Freddie estava vestido para suas tarefas de jardinagem, as botas e as calças<br />
cheias de barro, e uma singela camisa de camponês. Sua pele era de uma cor<br />
marrom rosácea, e tinha o cabelo tingido quase loiro branco pelo sol. Tinha<br />
aumentado de peso desde que deixou a Inglaterra, e assentava perfeitamente.<br />
Agora era um homem de constituição sóli<strong>da</strong>, não ficava nem rastro do sotaque<br />
juvenil a não ser um homem com os pés plantados firmemente no chão.<br />
Freddie sorriu e tampou a boca com um gesto de surpresa quando viu sua<br />
sobrinha aconchega<strong>da</strong> dormindo sobre o ombro de seu pai. Seu vestido rosa,<br />
antes bastante elegante, agora era uma massa cheia de rugas devido ao<br />
transporte <strong>da</strong> viagem.<br />
—Olhe à pequena princesa — sussurrou.<br />
—Espera que desperte — advertiu Edward.<br />
Freddie saudou o comentário com uma risa<strong>da</strong> e agarrou o vulto<br />
adormecido em seus braços.<br />
—chegaram rápido — sussurrou por cima do ombro—. Não esperávamos<br />
até esta noite.<br />
—A princesa acor<strong>da</strong> ao amanhecer—disse Edward—. Seus súditos não têm<br />
alternativa senão segui-la.<br />
Freddie sorriu e varreu o espaço ao seu redor com um gesto de braço.<br />
—Bem-vindos ao Chateau Burbrooke.<br />
Seu jardim era um vigamento de narcisistas e rosas, com uma antiga e<br />
cantarina fonte, e uma mesa que Nigel tentava freneticamente cobrir com uma<br />
toalha. Os montões de flores po<strong>da</strong><strong>da</strong>s eram um testemunho do intento de<br />
Freddie de pôr ordem na casa. Ain<strong>da</strong> mais prometedoras eram as duas garrafas<br />
de vinho que deixaram esfriando em um cubo de água. Durante sua viagem,<br />
Florence estava segura de ter engolido a metade do pó dos caminhos <strong>da</strong><br />
França.<br />
—Diabos — disse Nigel—. Quero dizer, bem-vindos a nossa casa. Quanto<br />
celebro que tenham vindo diretamente aqui antes de visitar seus aposentos.<br />
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O olhar que lançou a Freddie deixou claro que aquela não era a sequencia<br />
que tinham acor<strong>da</strong>do.<br />
—Engano — Freddie disse, com um acanhamento tão terno que Florence<br />
não pôde deixar de sorrir.<br />
—me dê — disse, e agarrou a outra ponta <strong>da</strong> toalha—. Deixa que te ajude.<br />
Por isso vejo, faremos um piquenique.<br />
—Sim — Nigel disse—. Quer dizer, tinha pensado em um agradável jantar,<br />
mas bem, no momento temos pão e fruta e um excelente foie gras que<br />
vendem no povoado.<br />
—Perfeito — ela disse—. Nós gostamos de muito dos piqueniques e Fredi<br />
adora o patê.<br />
—Como um porco entre as trufas — balbuciou Edward.<br />
—E bem — Nigel disse, que parecia ligeiramente alarmado—. Espero que<br />
haja suficiente.<br />
—Não se preocupe — disse Edward—. Não despertaremos à pequena<br />
besta até que tenhamos terminado.<br />
Esta declaração, pouco acostuma<strong>da</strong> em um pai, pareceu tomar por<br />
surpresa a Nigel, mas também pareceu acalmá-lo. Antes que assegurasse a<br />
Florence de que poderia se arrumar sozinho, ela o seguiu à casa fresca e<br />
escura, e ele conversou anima<strong>da</strong>mente com ela, o que não deixou de<br />
assombrá-la. Tinha passado muito tempo desde sua tími<strong>da</strong> chega<strong>da</strong> a Londres.<br />
Quando passaram pela sala, Florence se forjou uma impressão a partir <strong>da</strong>s<br />
madeiras antigas e poli<strong>da</strong>s e os móveis singelos, grandes, a casa de um<br />
solteiro, desenha<strong>da</strong> para estar cômodo e depravado. Com apenas entrar, soube<br />
que todos desfrutariam durante sua estadia ali.<br />
Quando finalmente saíram com a comi<strong>da</strong>, os irmãos tinham as cabeças<br />
inclina<strong>da</strong>s juntas sobre a mesa, e Freddie desenhava algo no dorso de um<br />
sobre enrugado. Como um cachorrinho crédulo os seus maiores, Frederica<br />
seguia aconchega<strong>da</strong> e adormeci<strong>da</strong> na jaqueta de Edward em um pequeno<br />
remanso de luz.<br />
—São dez acres — dizia Freddie—, com o passar do rio. Tivemos que voltar<br />
a plantar em partes onde as vinhas secaram, e terei que reconstruir parte <strong>da</strong><br />
drenagem, mas a terra é boa e os rizomas ain<strong>da</strong> são produtivos. Agora mesmo,<br />
vendemos a maior parte de nossa colheita ao Chateau Roudelle, mas<br />
pensamos que, com a aju<strong>da</strong> de uma viúva <strong>da</strong> comarca, podemos elaborar<br />
nossos próprios vinhos.<br />
—Tentamos ganhá-la para nossa causa — Nigel disse, com uma risa<strong>da</strong><br />
igual de infantil que a do Freddie—. A convencemos para que nos acolha sob<br />
sua asa. Que ensine aos torpes anglais 16 a salvar suas pobres vinhas tão<br />
descui<strong>da</strong><strong>da</strong>s.<br />
As risa<strong>da</strong>s que seguiram despertaram Frederica. Esfregando os olhos,<br />
16<br />
Anglais = Ingleses<br />
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<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
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avançou engatinhando sobre a mesa e anunciou que tinha fome.<br />
—Meu Deus —disse Edward—. Aqui vem o poço sem fundo.<br />
Apesar de suas palavras, a facili<strong>da</strong>de com que preparou a sua filha um<br />
prato precisamente do que ela gostava foi um espetáculo digno de ver.<br />
—Mmm — disse a pequena, com a boca cheia de pão e patê—. Fuancia é<br />
boa.<br />
—Brindo por isso — disse Freddie, e tirou uma <strong>da</strong>s garrafas que se<br />
esfriavam no cubo junto a seus pés. O vidro verde escuro tinha uma etiqueta<br />
escrita à mão que dizia “Burbrooke—West 1875 Bordeaux”. Florence aplaudiu.<br />
—É teu? Freddie, que maravilhoso!<br />
—Não é mais que um vinho ordinário — disse, com um sorriso de falso<br />
desprezo—. A maioria de nossas vinhas são jovens. Isso sim, a viúva insiste em<br />
que já se pode saborear o sotaque de futuras grandezas.<br />
Para se tratar de um torpe anglais, serve com grande habili<strong>da</strong>de,<br />
inclinando a garrafa lentamente para não alterar o mosto em seu trajeto até as<br />
pequenas taças cônicas.<br />
—O interessante <strong>da</strong> uva — disse, seguindo com aquele belo ritual—, é que<br />
prospera lutando. O chão aqui é quase todo pedra em vários metros de<br />
profundi<strong>da</strong>de. A água flui junto com quão minerais a planta necessita para<br />
crescer. De maneira que as raízes — disse, enquanto acabava de servir as<br />
últimas duas taças com um giro do punho—, têm que se afun<strong>da</strong>r muito<br />
profun<strong>da</strong>mente se querem encontrar água. Isto faz que o vinho seja forte e as<br />
uvas doces. Só vencendo as dificul<strong>da</strong>des se pode obter um ver<strong>da</strong>deiro grand<br />
crú.<br />
Com um sorriso provocador, repartiu as taças, nenhuma delas encheu até<br />
mais <strong>da</strong> metade, e a de Fredi bastante menos. A menina de dois anos a agarrou<br />
em suas mãos gordinhas, com a mesma concentração de quem agarrasse o<br />
santo graal. Edward não pôde abster-se de manifestar sua preocupação, mas<br />
Florence sacudiu a cabeça.<br />
—Não se preocupe — disse—. Conhecendo nossa pequena, é provável que<br />
mais <strong>da</strong> metade acabe em seu vestido.<br />
—Deveríamos fazer um brinde — Nigel disse, com olhar tímido mas aceso<br />
—. Por... pela família, porque suas uvas mais ricas crescem perto <strong>da</strong> raiz.<br />
—Pela família — secundou Edward, chocando as bor<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s taças com seu<br />
irmão. Ato seguido voltou para Nigel—. E pelo amor, porque o amor é a melhor<br />
colheita de to<strong>da</strong>s.<br />
Ao uníssono, todos os homens se ruborizaram, apesar de que Edward fez o<br />
que pôde para dissimulá-lo com um cenho franzido. —Pelo amor — repetiu<br />
Florence em voz alta, antes que eles começarão a se remover em seus lugares.<br />
Com um pigarro generalizado, se consumou o primeiro brinde. O vinho<br />
novo e fresco era áspero e frutoso, um brilho de sol na língua. Sorriram uns aos<br />
outros enquanto bebiam e todos os que estavam ali, incluí<strong>da</strong> Frederica,<br />
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Tiamat World<br />
<strong>Além</strong> <strong>da</strong> <strong>Inocência</strong><br />
Beyond 1<br />
Emma Holly<br />
souberam que a vi<strong>da</strong>, em reali<strong>da</strong>de, era extremamente prazenteira.<br />
FIM<br />
Sobre a autora:<br />
Emma Holly vive em Minnesota, onde os invernos são longos e a gente se<br />
vale de qualquer desculpa para esquentar-se. Segundo Emma, os melhores<br />
inventos <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de são as duchas quentes, a imprensa, o café, o<br />
chocolate e as calças curtas para os ciclistas. Fascina-lhe ter notícias de seus<br />
leitores, sempre e quando as cartas não sejam muito excêntricas.<br />
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