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Crónica<br />
JANEIRO <strong>2018</strong> 21<br />
existe nenhuma escola que<br />
prepare os jovens para as artes<br />
e os horários dos autocarros<br />
para a grande cidade não<br />
se ajustam às necessidades.<br />
Quando andava na Universidade<br />
havia um autocarro que<br />
os levava a todos. Pensou em<br />
procurar algo para trabalhar<br />
neste Natal assim poupar algum<br />
para a Faculdade e escreveu<br />
vários currículos on-line.<br />
Ao saber desta intenção do<br />
neto, Arminda sente uma<br />
grande alegria e um calor interior<br />
que anima os seus dias de<br />
solidão. Chamou o António e<br />
este deu-lhe conta da vontade<br />
de começar a trabalhar numa<br />
tenda de campanha de Natal<br />
a poucos quilómetros de sua<br />
casa.<br />
Os horários não permitem ir e<br />
vir à sua aldeia. Teve a ideia<br />
de se instalar na casa da Avó<br />
Arminda.<br />
Que alegria fez estremecer o<br />
coração da Avó, quando António<br />
lhe manifestou esta vontade.<br />
Ele é carinhoso e responsável.<br />
À primeira não quis<br />
tentar porque não quer ser um<br />
peso para a avó, mas sempre<br />
se animou, prometendo que a<br />
ajudará em tudo o que precisa<br />
a avó, em sua casa.<br />
Arminda sabe isso de cor e<br />
salteado e o António nunca foi<br />
um peso, antes pelo contrário.<br />
Sempre foi aquele netinho singular<br />
(sem o dizer a ninguém<br />
para não criar ciúmes).<br />
A avó Arminda sabe que as<br />
aulas estão a correr bem e<br />
acredita que António ainda<br />
tem dúvidas. Ao ver o seu entusiasmo,<br />
insiste para que António<br />
venha para sua casa e a<br />
sua presença lhe basta.<br />
Após a conversa entre avó e<br />
neto, Arminda sente-se menos<br />
cansada e mais tranquila.<br />
António sabe que não lhe vai<br />
tirar anos de vida aos 81 anos<br />
da avó, mas traz-lhe a esperança,<br />
alimenta-lhe a ilusão.<br />
Com o António, está a chegar<br />
uma época de alegria que Arminda<br />
não esperava.<br />
Será que o Senhor ouviu a sua<br />
oração?<br />
Certamente. Este ano, o advento<br />
trouxe a esperança boa<br />
à sua vida.<br />
Esta história de Arminda remete-nos<br />
para a certeza esquecemos<br />
todos os dias: o inferno<br />
e a tortura das avós Armindas<br />
somos nós tanto como o paraíso<br />
e a felicidade dos que estão<br />
juntos de nós podem ser todos<br />
os Antónios do mundo.<br />
Quantas vezes cedemos é inútil<br />
e megalómana tentação de<br />
querer mudar o mundo, essa<br />
entidade abstracta que é igual<br />
a zero em humanidade. É uma<br />
carapaça mental para justificar<br />
a nossa falta de vontade. Depois<br />
diremos, bem tentei, mas<br />
não consegui.<br />
A realidade é concreta. A avó<br />
Arminda é real e está próxima,<br />
ao lado, e é através da nossa<br />
presença junto dela que os<br />
Antónios podem melhorar o<br />
mundo.<br />
A avó Arminda desta história<br />
é realidade pura e os Antónios<br />
desta História deixaram de ser<br />
coincidência.<br />
Todos sabemos que existem<br />
Armindas e Antónios dando a<br />
volta aos problemas e à solidão<br />
sem os chutar das suas<br />
vidas mas tu, eu, nós, devemos<br />
contribuir para a partilha<br />
de esperanças desde que os<br />
Antónios se aventurem ao encontro<br />
com as avós Armindas<br />
Finalmente, os Antónios também<br />
devem avisar as avós<br />
Armindas para não pensarem,<br />
nunca, que as suas dores e<br />
maleitas nos molestam. Há-de<br />
aparecer-lhes um António —<br />
sem se dar conta — para as<br />
ajudar.<br />
As avós Arminda deste tempo<br />
de isolamento em cidades<br />
enormes devem assumir que,<br />
na sua fragilidade, tem de<br />
aprender a pedir ajuda aos Antónios,<br />
ainda disponíveis para<br />
fazer das fraquezas força. A<br />
redoma da solidão transforma-<br />
-se num castelo inexpugnável.<br />
As avós Arminda devem acreditar<br />
nos Antónios que ainda<br />
percebem que “não há justiça<br />
nem paz social enquanto Lázaro<br />
jazer à porta da nossa<br />
casa (cf. Lc 16, 19-21)”.<br />
Existem ainda Antónios que<br />
tratam do Lázaro, pedinte,<br />
coberto de úlceras e faminto<br />
ao ponto de se contentar com<br />
comer das migalhas caídas da<br />
mesa do dono da casa a cuja<br />
porta estava.<br />
O emigrante é uma qualquer<br />
forma de Lázaro, não por ser<br />
pobre, mas porque está distante<br />
dos bens de que necessita,<br />
a eles não tem acesso,<br />
mesmo que esteja fisicamente<br />
próximo deles.<br />
A sua condição primeira de excluído<br />
não é económica, ética<br />
ou política, mas antropológica:<br />
nasce da desclassificação da<br />
sua realidade humana.<br />
Gosto da expressão “atirar pela<br />
janela fora” porque o emigrante<br />
está do lado de fora da casa:<br />
quem está dentro consideram-<br />
-se verdadeiramente humanos<br />
e dignos do banquete.<br />
Mesmo que este “atirar pela<br />
janela fora” se devesse a algo<br />
que Lázaro fizera, a sua erradicação<br />
do meio dos seres humanos<br />
seria sempre excessiva,<br />
pois a nenhum ser humano<br />
compete negar a comum humanidade<br />
a outro. É no seio da<br />
humanidade que os problemas<br />
humanos individuais devem<br />
ser resolvidos.<br />
Hoje, Lázaro é uma pessoa,<br />
um ser humano. Não é para<br />
isto que a humanidade é, para<br />
ser assassina de si mesma.<br />
O possuidor de pão em abundância<br />
que tem Lázaro à porta<br />
esperando pelas migalhas<br />
casuais não é um ser humano,<br />
uma pessoa, mas um ser que<br />
age como se uma besta fora.<br />
Não reconhecer o que é humano<br />
no outro, é não reconhecer<br />
o que tem em comum comigo.<br />
Não se recusa o pão ao amigo.<br />
A recusa do pão é um acto de<br />
inimizade que implica a necessidade<br />
de migrar, para preservar<br />
a vida ou a dignidade.<br />
Negar o pão a alguém é um<br />
acto ético, não de um cão, não<br />
de uma máquina. O mais são<br />
desculpas bem estudadas por<br />
quem é bem pago para as estudar.