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edição de 14 de maio de 2018

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última página<br />

valio84sl/iStock<br />

Retorno<br />

a Veneza<br />

Stalimir Vieira<br />

Volto a Veneza 38 anos <strong>de</strong>pois da minha<br />

primeira visita. Em 1980, saltei do trem<br />

por volta das 5 horas <strong>de</strong> uma madrugada <strong>de</strong><br />

outono, <strong>de</strong>sci as escadarias da estação Santa<br />

Lucia e, diante <strong>de</strong> uma lua cheia fabulosa,<br />

experimentei o ruído das águas batendo<br />

às margens do Canal Gran<strong>de</strong>. Só quando<br />

amanheceu é que tive noção do que realmente<br />

era aquilo.<br />

Passei um dia inteiro perambulando pela<br />

cida<strong>de</strong> e parti para Roma tão zonzo quanto<br />

cheguei. Em <strong>2018</strong>, <strong>de</strong>sembarco do avião no<br />

aeroporto Marco Polo e, em menos <strong>de</strong> meia<br />

hora, estou hospedado às<br />

margens do rio San Felice.<br />

Em duas semanas, esquadrinhei<br />

a cida<strong>de</strong> inteira e daqui<br />

para a frente pretendo imiscuir-me<br />

ainda mais por suas<br />

travessinhas.<br />

Aproveito para estudar e<br />

compreen<strong>de</strong>r um pouco melhor<br />

esse pedaço <strong>de</strong> mundo<br />

improvável, construído sobre o terreno pantanoso<br />

<strong>de</strong> 118 ilhotas que, <strong>de</strong> 1951 para cá, já<br />

per<strong>de</strong>u dois terços <strong>de</strong> sua população, atualmente<br />

em 55 mil habitantes.<br />

Hoje, a evasão <strong>de</strong> moradores é da or<strong>de</strong>m <strong>de</strong><br />

mil por ano. Mesmo período em que é visitada<br />

por 30 milhões <strong>de</strong> turistas. Ou seja, torna-se<br />

cada vez menos um habitat e cada vez mais<br />

um produto. Contribui para essa constatação<br />

a disputa <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s grupos econômicos por<br />

alguns <strong>de</strong> seus edifícios mais importantes,<br />

como a antiga se<strong>de</strong> dos correios convertida<br />

em shopping, uma obra <strong>de</strong> restauração e preservação<br />

magnífica, por sinal.<br />

Há quem diga que, por conta <strong>de</strong>ssa excessiva<br />

mercantilização da cida<strong>de</strong>, se faz necessário<br />

caminhar para além da Piazza <strong>de</strong> San<br />

Marco e da Ponte do Rialto para encontrar<br />

“Hoje, a evasão <strong>de</strong><br />

moradores é da<br />

or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> mil por<br />

ano. mesmo período<br />

em que é visitada<br />

por 30 milHões<br />

<strong>de</strong> turistas”<br />

a “verda<strong>de</strong>ira Veneza”. Foi o que fiz num<br />

<strong>de</strong>sses dias ensolarados e <strong>de</strong> temperatura<br />

extremamente agradável da primavera veneziana.<br />

Saí do Cannaregio e, evitando a muvuca <strong>de</strong><br />

San Marco, fui à esquerda em direção ao Castello,<br />

atravessei o Jardim Público, indo parar<br />

nas ilhas <strong>de</strong> Santa Elena e <strong>de</strong> São Pedro. No<br />

percurso, uma Veneza muito sossegada, moradores<br />

cuidando da vida, crianças saindo da<br />

escola, as mães fazendo uma paradinha no<br />

parque infantil antes do almoço.<br />

Não senti em momento algum a tal fobia<br />

aos turistas. Pelo contrário, <strong>de</strong> um modo<br />

geral esbarrei na simpatia<br />

das pessoas. Mas é fato que<br />

Veneza tem sofrido e não é<br />

pouco. Só este ano os canais<br />

já secaram e houve nevasca<br />

e inundações. Além do que<br />

o excesso <strong>de</strong> turistas obrigou<br />

as autorida<strong>de</strong>s a regularem o<br />

tráfego <strong>de</strong> pe<strong>de</strong>stres, como se<br />

faz com os automóveis nas cida<strong>de</strong>s<br />

normais, o que ocorreu<br />

no feriadão <strong>de</strong> primeiro <strong>de</strong> <strong>maio</strong>.<br />

Cheguei no dia 2 e apenas fiquei sabendo<br />

do fato. Veneza é, a princípio, uma cida<strong>de</strong> cara<br />

e faz sentido, consi<strong>de</strong>rando suas peculiarida<strong>de</strong>s.<br />

Mas para quem alugou um apartamento<br />

pelo Airbnb e faz compras no supermercado<br />

para comer em casa, torna-se bem razoável,<br />

em termos <strong>de</strong> custo/benefício. Principalmente<br />

se comparamos com São Paulo e se tratando<br />

do consumo <strong>de</strong> produtos nacionais: o azeite,<br />

a pasta, o risoto, a mozzarella, o procciutto,<br />

o vinho... Acredito que é muito mais interessante<br />

comer bem em casa do que arriscar um<br />

“menu turístico” na rua, já que comer bem na<br />

rua custa, <strong>de</strong> fato, bastante caro.<br />

Melhor <strong>de</strong>ixar as extravagâncias para uns<br />

drinques no Florian ou no Harry, o que faz<br />

muito mais sentido.<br />

Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing<br />

stalimircom@gmail.com<br />

58 <strong>14</strong> <strong>de</strong> <strong>maio</strong> <strong>de</strong> <strong>2018</strong> - jornal propmark

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