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Lusitano Zurique - nº 243 & 244

Edição dupla

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22<br />

LUSITANO de <strong>Zurique</strong><br />

Língua<br />

Francisco Miguel Valada<br />

e a questão controversa do Acordo Ortográfico<br />

Francisco Miguel Valada,<br />

nasceu no Porto, em 1972.<br />

É licenciado em Tradução<br />

pela ESTG do Instituto Politécnico<br />

de Leiria, pós-graduado<br />

em Interpretação de<br />

Conferência pela Universidade<br />

do Minho Tiago e Maroto mestre em<br />

Linguística e Estudos Literários<br />

pela Universidade Livre<br />

de Bruxelas (VUB).<br />

Foi professor assistente na<br />

ESTG do Instituto Politécnico<br />

de Leiria. É Intérprete<br />

de Conferência de língua<br />

portuguesa, tendo exercido<br />

durante três anos como intérprete<br />

residente da cabina<br />

portuguesa do Tribunal<br />

de Justiça das Comunidades<br />

Europeias no Luxemburgo.<br />

Exerce actualmente<br />

em regime de profissão liberal,<br />

domiciliado em Bruxelas.<br />

“Demanda, Deriva, Desastre<br />

– Os três dês do Acordo<br />

Ortográfico”, Alcochete/<br />

Leiria, Textiverso, 2009, foi<br />

a sua primeira publicação<br />

em formato livro, apresentada<br />

sucessivamente em<br />

Leiria, Porto, Lisboa, Bruxelas<br />

e Luxemburgo.<br />

Nesta entrevista, fala-nos<br />

da forma como vê, ainda<br />

hoje, a questão controversa<br />

do Acordo Ortográfico.<br />

V TONY DA SILVA (*)<br />

[jornalista]<br />

LusoProductions- Em 2009 publicou a<br />

obra “Demanda, Deriva, Desastre - os<br />

Três Dês do Acordo Ortográfico”, onde<br />

criticava duramente o AO. Mantém hoje<br />

a mesma posição?<br />

Francisco Miguel Valada - Digamos que<br />

mantenho a mesma posição, mas tecnicamente<br />

ainda mais fundamentada, pois<br />

entretanto também aprendi mais. Infelizmente,<br />

agora tenho exemplos concretos<br />

para apresentar, em vez de meras hipóteses,<br />

de meras simulações, como em<br />

2009, uma vez que – na óptica do poder<br />

político – o Acordo Ortográfico de 1990<br />

está em vigor. Logo, há muito material à<br />

disposição, não só para confirmar o desastre,<br />

mas também para demonstrá-lo a<br />

todos em geral e aos catequistas da nova<br />

ortografia em particular.<br />

LP- Considera que a aplicação do<br />

Acordo Ortográfico continua ainda<br />

hoje a levantar problemas e a apresentar<br />

fragilidades ou é hoje já consensual<br />

o seu uso?<br />

FMV- Basta consultar o Diário da República,<br />

para se ter uma ideia bem clara do<br />

caos a que isto chegou. No Diário da República,<br />

há ‘fatos’, há ‘contatos’, há ‘contatar’,<br />

há ‘contatado’ e, pior, há gente que<br />

envia para lá textos a achar que assim é<br />

que está bem, há outros que por lá andam<br />

e não corrigem, porque acham que está<br />

bem assim, e temos ainda outros que são<br />

responsáveis por isto tudo e que assobiam<br />

para o ar. Mas não é só no Diário da<br />

República. Qualquer jornal que adopte o<br />

AO90… Ia falar-lhe do Expresso, mas deixe-me<br />

dar-lhe um exemplo da imprensa<br />

regional, tão importante e tão pouco falada.<br />

Num dos últimos números do diário<br />

“As Beiras”, podemos ler “elementos fatuais”<br />

em vez de “elementos factuais”,<br />

numa entrevista a um professor, por acaso,<br />

defensor do AO90. Um leitor desse<br />

diário, um incauto que ache que o AO90 é<br />

criação de gente preparada, sábia, conhecedora<br />

e insuspeita, encontra “elementos<br />

fatuais”, acha que é muito giro,<br />

acredita na imensa sabedoria de quem<br />

produziu tal aberração e vai reproduzi-la,<br />

publicitá-la, divulgá-la e se calhar até defendê-la.<br />

Portanto, respondendo à sua pergunta, o<br />

uso não é consensual e ainda bem. Se<br />

fosse, teríamos uma autêntica calamidade,<br />

em vez de um desastre. Posso acrescentar<br />

que, tendo em conta a proliferação<br />

de ‘fatos’, ‘fatuais’ e ‘contatos’, qualquer<br />

dia corremos o risco de alguém considerar<br />

que estas grafias são as correctas em<br />

português europeu, devido à frequência<br />

de uso, e decidir adoptá-las em conformidade,<br />

em vez de dar o braço a torcer e<br />

acabar com esta coisa duma vez por todas.<br />

LP-Como vê o facto de a maioria dos<br />

países da CPLP não estar a respeitar a<br />

aplicação do AO?<br />

FMV- Devo confessar-lhe que não me interessa<br />

por aí além aquilo que outros fazem<br />

em termos de adopção do AO90.<br />

Aquilo que me preocupa é Portugal querer<br />

à força toda adoptar o AO90, independentemente<br />

da realidade. Preocupar-me-<br />

-ia imenso que Portugal deixasse de<br />

adoptar o AO90 porque outros não adoptam,<br />

em vez de deixar de adoptar o AO90<br />

pelo motivo mais natural de todos: porque<br />

é inadequado para a norma portuguesa<br />

europeia. Preocupar-me-ia, repito. Todavia,<br />

considerando um certo historial, não<br />

me admiraria nada que fosse esse o caminho.<br />

Mas tendo em conta que actualmente<br />

há indivíduos que votaram contra o<br />

AO90 e adoptam o AO90 (ou permitem<br />

que lhes alterem a grafia original, o que se<br />

calhar até é pior) em publicações onde<br />

até se lhes permite a aplicação da norma<br />

de 1945, creio que temos aqui um problema<br />

mais grave, mais profundo, que vai<br />

além da distracção crónica.<br />

LP- Não lhe parece que a unificação ortográfica<br />

entre os países da CPLP poderia<br />

constituir um motivo de agregação<br />

e de consolidação da identidade<br />

da língua portuguesa, para além, claro,<br />

de ser facilitadora da comunicação?<br />

FMV- Nessa entrevista de que há pouco<br />

falava, o autor do texto produziu grafias<br />

como ‘perspetiva’, ‘conceção’ e ‘aspetos’.<br />

Estas palavras foram criadas pelo AO90<br />

exclusivamente para fora do Brasil. Em<br />

Portugal, tais grafias são adoptadas por<br />

quem quer respeitar o AO90, mas são<br />

desconhecidas no Brasil, onde se mantêm<br />

a ‘perspectiva’, a ‘concepção’ e os<br />

‘aspectos’. Se procura unificação ortográfica,<br />

recomendo-lhe que tente noutro sítio.<br />

Respondendo à sua pergunta: com<br />

este Acordo Ortográfico de 1990, tal fito é<br />

impossível. Andaram a vender essa ideia<br />

aos políticos que a aceitaram, a assinaram<br />

de cruz e andaram a pregá-la. Além

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