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CONVERSAS COM A SABER
J.P: Sempre me fascinou a capacidade que a arquitetura tem de influir
no comportamento das pessoas. Investiguei muito sobre arquitetura
religiosa e arquitetura clássica, fiz várias experiências nos edifícios
religiosos que projetei - foram nove igrejas paroquiais nesta diocese
- e intervim em muitas outras. O controlo da proporção, da dimensão,
da luz, da acústica, em especial no interior do edifício, permite
criar um ambiente que desperta um estado de espirito. Quando uma
pessoa entra numa igreja, o seu comportamento é influenciado pelo
espaço, que deve “funcionar” como um convite à oração, à reflexão, e
ao mesmo tempo, proporcionar bem estar e a alegria da proximidade
do Divino. O espaço influencia o comportamento humano. É um grande
desafio para o arquiteto contribuir para acordar o espirito de contemplação
e estou satisfeito porque penso tê-lo conseguido nas igrejas
que projetei.
Na verdade, a igreja que referiu é muito bonita, pela luz, grandes
dimensões... As pessoas gostam destes espaços...
M.F.: É interessante a Sandra destacar esse aspecto. As igrejas antigas
madeirenses são realmente bonitas, com a riqueza da sua decoração –
a pintura e as imagens, a azulejaria, a talha barroca –, mas é certo que
os edificios modernos oferecem melhor funcionalidade, mais conforto.
São espaços que os paroquianos usam com naturalidade no quotidiano,
para além da celebração da Missa dominical.
J.P.: Procurei, e espero ter conseguido, projetar a arquitetura religiosa
madeirense. Devo realçar a inspiração que trouxe das viagens feitas
com D. Teodoro de Faria e outros peregrinos, nomeadamente à Terra
Santa e em especial a Goa, onde os portugueses deixaram uma pègada
cultural que me impressionou vivamente. Daí nasceu o que chamo
de a minha arquitetura do “torna viagem”, uma interpretação contemporânea
das nossas raízes, um (re)conhecimento dos valores religiosos
e artísticos históricos, atualizado na igreja católica moderna, bem
iluminada, arejada e de perfil contemporâneo.
Os vossos percursos profissionais estão marcados por diversos
momentos, uns mais marcantes do que outros. Que momentos são
esses e porquê?
M.F. Sou arquivista de profissão, pertenço ao quadro do Arquivo Regional
da Madeira. Desde 1997, presto serviço no Arquivo Histórico da
Diocese do Funchal, em virtude de um acordo resolvido pelo Secretário
Regional do Turismo e Cultura João Carlos Abreu e por D. Teodoro
de Faria. Um protocolo assinado em 2017 pelo Secretário Regional
Dr. Eduardo Correia de Jesus e por D. António Carrilho formalizou
esse mesmo acordo, reconhecendo o trabalho feito e que prossegue. A
acção junto do Arquivo diocesano permite nomeadamente que investigadores
devidamente autorizados consultem a documentação histórica
conservada na Diocese, de que boa parte foi aliás microfilmada
pelo Arquivo Regional em 1998. Em 2005, o Arquivo Regional publicou
um volume de variados “Documentos Históricos da Ilha do Porto
Santo” transcritos por mim. Em 2010, em Colóquio Internacional de
Arquivos de Familia no Arquivo Nacional/Torre do Tombo, apresentei
a comunicação “Capela de Nossa Senhora da Ajuda e Morgados dos
Piornais na Ilha da Madeira”. A capela está na posse da mesma família
desde a sua fundação em 1450. A minha comunicação, publicada nas
atas do Colóquio, foi uma achega para um amplo projeto iniciado em
2008 por Maria de Lurdes Rosa, Professora da Faculdade de Ciências
Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e Investigadora do
Instituto de Estudos Medievais: a investigação da história dos morgados
nos séculos XIV a XVII, numa perspetiva comparada, em Portugal,
seus espaços atlânticos e outras sociedades da Europa do Sul. Voltei
à documentação do Porto Santo para tratar o arquivo dos morgados
Bettencourt Perestrelo, instituídos pelo 6º capitão da Ilha Dourada,
Diogo de Bettencourt Perestrelo: escrevi sobre esta família um artigo
publicado em 2019 no nº 1 da Nova Série da revista “Arquivo Histórico
da Madeira”, acessível online no site do Arquivo Regional e Biblioteca
Pública da Madeira. Recordo com gosto a colaboração em exposições
– experiência sempre desafiante, porque a divulgação pública exige
excelência no trabalho apresentado. Fui responsável pela tradução
dos textos da belíssima exposição “Um Príncipe Explorador: Alberto I
do Mónaco à descoberta da Madeira”, realizada no Museu de História
Natural do Funchal em 2017/2018, iniciativa do Arquivo do Principado
do Mónaco com agrado do Governo Regional da Madeira, concretizada
com notável esforço conjunto, que envolveu ainda a Câmara Municipal
do Funchal e o Instituto Oceanográfico do Mónaco. Colaborei,
também como tradutora, na realização de quatro importantes exposições
fotográficas recentemente realizadas pelo Arquivo Regional,
sobre os concelhos de Câmara de Lobos, S. Vicente, Calheta e Machi-
10 saber ABRIL 2020