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S275[online]

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sempre comentários oportunos e elucidativos. Apercebi-me do que

é ver as paisagens, as aglomerações, os monumentos com olhos

de arquiteto. Gostei muito de visitar Conímbriga. A arte do mosaico

encanta-me e tenho muito interesse pela civilização romana.

Com um pai diplomata, como é que foram a sua infância e adolescência?

M.F.: Houve momentos inesquecíveis. Recordarei sempre um safari

no Krugger Park, na África do Sul, para que fomos convidados por

amigos da comunidade madeirense residente em Durban, onde o

meu pai, Fernão Favila Vieira, foi Cônsul e fez grandes amigos, nomeadamente

por ter promovido a fundação do Clube Português de Natal.

Gostei imenso de ver os animais! Tinha apenas sete anos, a visão próxima

da fauna africana em liberdade, o calor da savana, foram um deslumbramento!

Em Viena de Áustria, gostava de regressar a pé do liceu

francês até à Mayerhofgasse, onde habitávamos, para contemplar as

folhas que douravam o chão, no outono, a visão poética do crepúsculo

no Volksgarten (“Jardim do Povo”) sob a neve, no inverno. Descobri

a sensibilidade e requinte do talento de Klimt, gostava de sonhar no

jardim do Belvedere, quando estava bom tempo… Lembro a abundância

e variedade de conchas na linda praia de Cabo Ledo, onde estive

de férias com os meus cinco irmãos, era o meu pai Cônsul-Geral em

Luanda, no rescaldo da independência. Posso comparar a finíssima

areia coralífera e o quente mar de safira das praias de Varadero e Cayo

Largo, em Cuba, onde passámos a nossa lua de mel, sendo o meu pai

embaixador em Havana, com a areia dourada da praia do Porto Santo!

O mar é sempre um convite ao sonho, à fusão com a Natureza, e

estamos bem servidos na nossa luminosa terra madeirense, seja com

o mar transparente do Garajau, da Madalena do Mar, ou com o mar

batido e fresco do Seixal e do Porto do Moniz. Impressão bem diferente,

foi o choque do desembarque no aeroporto de Luanda, então

patrulhado por militares cubanos.

Arq. Paredes, nasceu em Angola. Que lembranças tem desse país e

em que momento vem para Portugal?

J.P.: Nasci no Lobito (Angola), onde o meu pai, Eng.º António da Cunha

Paredes, trabalhava com o empresário português António Champalimaud,

com quem se dava muito bem. Tinha eu cerca de 1 ano, os

meus pais regressaram a Lisboa, para alegria da minha mãe, saudosa

da família e dos encantos da vida lisboeta. O meu pai era um verdadeiro

“africanista”; fez parte de uma geração que acreditava que o

contributo dos engenheiros mudaria significativamente o mundo português.

Passou longas temporadas em Angola e Moçambique, países

que apreciava imenso e onde regressou frequentemente a convite de

António Champalimaud, para dirigir fábricas de cimento como as do

Lobito e da Beira. A minha mãe acompanhou-o algumas vezes, mas à

medida que os filhos foram nascendo, isso tornou-se mais difícil. Lembro-me

das histórias de África do meu pai: as caçadas, as chuvas torrenciais,

a maneira de viver descontraída, a Natureza abundante de

África... Em Lisboa, completei o ensino secundário, o curso de Design

de Interiores e depois o de Arquitetura. Seguiu-se o mestrado na Universidade

de Glasgow: vivi cinco anos na Escócia. Também frequentei

uma especialização em Urbanismo.

No entanto, regressou a Portugal...

J.P.: Pensei não regressar. Tive convites para trabalhar na Austrália,

na África do Sul, com boas condições de trabalho e remuneração, mas

optei por Portugal, cujo ambiente humano é muito especial. Regressei

a Lisboa, uma cidade que amo, onde conheci a Maria e onde vivemos

os primeiros anos do nosso casamento. Como a Maria é madeirense,

decidimos que a Madeira oferecia melhor qualidade de vida à

nossa família em rápido crescimento. Em Lisboa, o ritmo de trabalho

era intenso, eu chegava a casa noite dentro, as nossas filhas já estavam

a dormir. Optámos por dar-lhes uma infância descontraída e feliz,

com grande proximidade dos pais. Estamos satisfeitos com os resultados,

porque elas estão fazendo o seu percurso de vida com equilíbrio,

dando prova da sua boa formação. Eu pude conciliar vida familiar e

trabalho no meu gabinete de arquitetura, instalado na casa que habitamos

no Funchal. Aqui funcionou o consulado do Brasil, país de que

fui Cônsul Honorário, e irá funcionar em breve o Consulado da Sérvia.

Vivem na Madeira desde quando?

J.P.: Desde 1996. Há 24 anos.

Tendo em conta que é arquiteto, foi o autor do projeto da vossa

casa?

J.P.: Não. Habitamos uma casa de família, herdada pelos meus sogros,

com quem vivemos por períodos alargados, pois eles passavam uma

parte do ano no Funchal, outra em Lisboa. É uma casa histórica: nela

se hospedou Isabella de França na sua visita à Madeira e a Portugal

em 1834/1835. Nela habitaram o dramaturgo Manuel Caetano Pimenta

de Aguiar, os políticos Conselheiro Manuel José Vieira e Major João

Augusto Pereira que eram figuras destacadas do Partido Progressista,

o reitor do Liceu do Funchal, fundador e 1º diretor da Escola do Magistério

do Funchal, Dr. Ângelo Augusto da Silva e sua mulher, D. Berta

Pereira da Silva, que com um grupo de senhoras amigas, incluindo a

mãe do Dr. Alberto João Jardim, fundou e apoiou o Abrigo de Nossa

Senhora de Fátima. O meu sogro, Embaixador Fernão Favila Vieira,

bisneto de Manuel José Vieira, empenhou-se em restaurar esta casa

e eu tive muito prazer em colaborar com ele, projetando a recuperação

e a modernização da casa. Gosto muito de intervir na recuperação

de edifícios antigos, e considero esta casa um bom exemplo deste

tipo de intervenção.

A recuperação de igrejas destaca-se no seu percurso profissional.

Quando e como nasce esse gosto dentro da sua profissão?

saber ABRIL 2020

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