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S275[online]

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desproporcional, que é trágica, mas incontornável,

pois molda o seu comportamento

e a forma como pensam sobre o mundo e

sobre si mesmos. Não é mais possível anular

o impacto da informação partilhada nas

redes, restando, apenas, sensibilizar os mais

novos para os muitos cuidados que devem

obrigatoriamente ter na gestão da sua presença

pública nas muitas redes sociais que

estão ao seu dispor e alcance. Segundo, o

alcance das redes sociais já penetrou o quotidiano

das empresas, dos estabelecimentos

de ensino, das instituições da governação,

dos profissionais, dos casais, dos pais e até

das religiões. Também nestes contextos, as

redes têm desempenhado, a par de outras

funções, um papel muito significativo na troca

de informações pertinentes, na criação

de conteúdos relevantes, na promoção de

novas indústrias, na geração de novas fontes

de riqueza e até na criação de oportunidades

de emprego que não existiam em

gerações anteriores, distantes da realidade

digital contemporânea. Há muito de positivo

nesta evolução e não restam dúvidas de que

um mundo com redes digitais é um mundo

mais interactivo, mais comunicativo e mais

globalizado do que um mundo sem redes sociais.

Dito isto, há muito que as redes sociais

não podem proporcionar, nomeadamente

a interacção, o ambiente social e o contacto

humano, que são elementos fundamentais

para uma existência individual e colectiva

equilibrada. Ter consciência deste aspecto

é importante para evitar os muitos efeitos

nefastos que a ciência releva como estando

associados ao uso excessivo ou indevido

das redes sociais, entre os quais isolamento

social, sedentarismo, diminuição do rendimento

laboral, dificuldade em estabelecer

relações humanas reais, superficialização

das relações interpessoais, e, em casos mais

graves, sintomatologia ansiosa ou depressiva.

Nas redes, como em tantos outros aspectos

da vida, em todos os excessos há um

mal. Terceiro, as redes socias têm vindo a

ser, e poderão sê-lo cada vez mais, a plataforma

para a organização de grandes manifestações

e mobilizações. Um dos exemplos

mais destacados deste fenómeno foi a Primavera

Árabe, a onda revolucionária de protestos

que tiveram lugar no norte de África

e no Médio Oriente, exigindo, e, em alguns

casos, implementando, mudanças culturais

e políticas de grande magnitude na Tunísia,

Egipto, Arábia Saudita, Argélia e Líbia. Fortemente

influenciadas pelas ondas de contestação

germinadas e propagadas através das

plataformas sociais, estas campanhas de

resistência civil conseguiram, com justa eficácia,

fazer incidir a atenção da comunidade

internacional e dos canais de comunicação

social sobre a repressão, a censura e as violações

de Direitos Humanos exercidas pelos

regimes abusivos daquelas regiões, conferindo

à sociedade civil uma oportunidade

para conquistar direitos que lhe têm sido

violentamente suprimidos durante décadas.

Por isso, é óbvio que, pela comunicação que

potenciam, pela força que dão a situações

da vida real, pela influência que têm na opinião

pública e pelos conteúdos que permitem

facilmente criar e disseminar, as redes

sociais estão e passarão a estar para sempre

interligadas de forma muito próxima e íntima

com o exercício da governação, não só

a nível local, mas também a nível nacional e

até internacional. Sendo claros os riscos que

as mesmas amplificam a situações de repressão

psicológica, arbitrariedades opinativas

e até desinformações tendenciosas (popularmente

denominadas de fake news), as

redes socias são parte integrante da política

do presente e do futuro e não mais haverá

um movimento, um partido, um candidato

ou um líder eleito, num estado evoluído ou

num país sub-desenvolvido, que conseguirá

atingir os seus objectivos sem afirmar a

sua voz e o seu espaço no no Facebook, no

Twitter e no Instagram. Trump e Bolsonaro

são exemplos paradigmáticos disso mesmo,

e, em conjunto, têm mais de oitenta e

cinco milhões de seguidores da plataforma

do pássaro azul. Mas Narendra Modi, primeiro-ministro

da India, também o é, com

cinquenta e sei milhões de seguidores, e

ninguém suplanta Barrack Obama, que atinge,

com cada mensagem, cento e dezasseis

milhões de fãs, mais do que dez vezes a população

de Portugal.

Antes de falecer, em Fevereiro de 2016, o

filósofo e linguista italiano Umberto Eco

debruçou-se sobre o tema das redes sociais,

e, com a capacidade analítica que lhe era

mundialmente reconhecida, o homem que

nasceu entre as duas grandes guerras condenou

os comportamentos ofensivos que

encontramos diariamente nas diversas plataformas

digitais de interacção social. Explicando

que nelas proliferavam apelos às classes

sociais mais frustradas e desvalorizadas

pela crise económica e pelas lideranças políticas

para que assumam comportamentos

desviantes e deem voz a uma postura de

ataque a tudo o que não se conforme ao

pensamento das massas protegidas pelo

anonimato, Eco caracterizou as redes sociais

como um meio social subalterno, onde

agem veículos de um fascismo primordial.

Quando nos deparamos com a intransigência,

o sectarismo, a fraca argumentação

e, por vezes, o baixo nível do discurso, que

já existiam no mundo off-line, mas que foram

transportados para o mundo virtual, é

impossível não partilhar a observação feita

por Umberto Eco no estudo referido acima

de que “As redes sociais deram o direito à

fala a legiões de imbecis que, antes, falavam

só no bar, depois de uma taça de vinho, sem

causar dano à colectividade. Diziam-lhes

imediatamente para calar a boca, enquanto,

agora, têm o mesmo direito à fala que um

vencedor do Prémio Nobel.” Num mundo

complexo e de transformações aceleradas,

o comentário toca bem no âmago da identidade

perigosa e arriscada das redes. Contudo,

é um erro pensar que este é um desafio

que se coloca apenas às gerações mais novas.

Pelo contrário, é necessária a consciencialização

de todos os usuários daquelas ferramentas

para que os recursos que também

potenciam a integração de pessoas, a partilha

de informações, o surgimento de novas

oportunidades e a disseminação de ideias

e projectos não se convertam apenas num

instrumento de prossecução, repressão e

arbitrariedade. Sabedoria e ponderação são

as palavras-chave. E, a encerrar, uma pergunta:

Qual é o impacto das redes sociais na

sua vida?. s

saber ABRIL 2020

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