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desproporcional, que é trágica, mas incontornável,
pois molda o seu comportamento
e a forma como pensam sobre o mundo e
sobre si mesmos. Não é mais possível anular
o impacto da informação partilhada nas
redes, restando, apenas, sensibilizar os mais
novos para os muitos cuidados que devem
obrigatoriamente ter na gestão da sua presença
pública nas muitas redes sociais que
estão ao seu dispor e alcance. Segundo, o
alcance das redes sociais já penetrou o quotidiano
das empresas, dos estabelecimentos
de ensino, das instituições da governação,
dos profissionais, dos casais, dos pais e até
das religiões. Também nestes contextos, as
redes têm desempenhado, a par de outras
funções, um papel muito significativo na troca
de informações pertinentes, na criação
de conteúdos relevantes, na promoção de
novas indústrias, na geração de novas fontes
de riqueza e até na criação de oportunidades
de emprego que não existiam em
gerações anteriores, distantes da realidade
digital contemporânea. Há muito de positivo
nesta evolução e não restam dúvidas de que
um mundo com redes digitais é um mundo
mais interactivo, mais comunicativo e mais
globalizado do que um mundo sem redes sociais.
Dito isto, há muito que as redes sociais
não podem proporcionar, nomeadamente
a interacção, o ambiente social e o contacto
humano, que são elementos fundamentais
para uma existência individual e colectiva
equilibrada. Ter consciência deste aspecto
é importante para evitar os muitos efeitos
nefastos que a ciência releva como estando
associados ao uso excessivo ou indevido
das redes sociais, entre os quais isolamento
social, sedentarismo, diminuição do rendimento
laboral, dificuldade em estabelecer
relações humanas reais, superficialização
das relações interpessoais, e, em casos mais
graves, sintomatologia ansiosa ou depressiva.
Nas redes, como em tantos outros aspectos
da vida, em todos os excessos há um
mal. Terceiro, as redes socias têm vindo a
ser, e poderão sê-lo cada vez mais, a plataforma
para a organização de grandes manifestações
e mobilizações. Um dos exemplos
mais destacados deste fenómeno foi a Primavera
Árabe, a onda revolucionária de protestos
que tiveram lugar no norte de África
e no Médio Oriente, exigindo, e, em alguns
casos, implementando, mudanças culturais
e políticas de grande magnitude na Tunísia,
Egipto, Arábia Saudita, Argélia e Líbia. Fortemente
influenciadas pelas ondas de contestação
germinadas e propagadas através das
plataformas sociais, estas campanhas de
resistência civil conseguiram, com justa eficácia,
fazer incidir a atenção da comunidade
internacional e dos canais de comunicação
social sobre a repressão, a censura e as violações
de Direitos Humanos exercidas pelos
regimes abusivos daquelas regiões, conferindo
à sociedade civil uma oportunidade
para conquistar direitos que lhe têm sido
violentamente suprimidos durante décadas.
Por isso, é óbvio que, pela comunicação que
potenciam, pela força que dão a situações
da vida real, pela influência que têm na opinião
pública e pelos conteúdos que permitem
facilmente criar e disseminar, as redes
sociais estão e passarão a estar para sempre
interligadas de forma muito próxima e íntima
com o exercício da governação, não só
a nível local, mas também a nível nacional e
até internacional. Sendo claros os riscos que
as mesmas amplificam a situações de repressão
psicológica, arbitrariedades opinativas
e até desinformações tendenciosas (popularmente
denominadas de fake news), as
redes socias são parte integrante da política
do presente e do futuro e não mais haverá
um movimento, um partido, um candidato
ou um líder eleito, num estado evoluído ou
num país sub-desenvolvido, que conseguirá
atingir os seus objectivos sem afirmar a
sua voz e o seu espaço no no Facebook, no
Twitter e no Instagram. Trump e Bolsonaro
são exemplos paradigmáticos disso mesmo,
e, em conjunto, têm mais de oitenta e
cinco milhões de seguidores da plataforma
do pássaro azul. Mas Narendra Modi, primeiro-ministro
da India, também o é, com
cinquenta e sei milhões de seguidores, e
ninguém suplanta Barrack Obama, que atinge,
com cada mensagem, cento e dezasseis
milhões de fãs, mais do que dez vezes a população
de Portugal.
Antes de falecer, em Fevereiro de 2016, o
filósofo e linguista italiano Umberto Eco
debruçou-se sobre o tema das redes sociais,
e, com a capacidade analítica que lhe era
mundialmente reconhecida, o homem que
nasceu entre as duas grandes guerras condenou
os comportamentos ofensivos que
encontramos diariamente nas diversas plataformas
digitais de interacção social. Explicando
que nelas proliferavam apelos às classes
sociais mais frustradas e desvalorizadas
pela crise económica e pelas lideranças políticas
para que assumam comportamentos
desviantes e deem voz a uma postura de
ataque a tudo o que não se conforme ao
pensamento das massas protegidas pelo
anonimato, Eco caracterizou as redes sociais
como um meio social subalterno, onde
agem veículos de um fascismo primordial.
Quando nos deparamos com a intransigência,
o sectarismo, a fraca argumentação
e, por vezes, o baixo nível do discurso, que
já existiam no mundo off-line, mas que foram
transportados para o mundo virtual, é
impossível não partilhar a observação feita
por Umberto Eco no estudo referido acima
de que “As redes sociais deram o direito à
fala a legiões de imbecis que, antes, falavam
só no bar, depois de uma taça de vinho, sem
causar dano à colectividade. Diziam-lhes
imediatamente para calar a boca, enquanto,
agora, têm o mesmo direito à fala que um
vencedor do Prémio Nobel.” Num mundo
complexo e de transformações aceleradas,
o comentário toca bem no âmago da identidade
perigosa e arriscada das redes. Contudo,
é um erro pensar que este é um desafio
que se coloca apenas às gerações mais novas.
Pelo contrário, é necessária a consciencialização
de todos os usuários daquelas ferramentas
para que os recursos que também
potenciam a integração de pessoas, a partilha
de informações, o surgimento de novas
oportunidades e a disseminação de ideias
e projectos não se convertam apenas num
instrumento de prossecução, repressão e
arbitrariedade. Sabedoria e ponderação são
as palavras-chave. E, a encerrar, uma pergunta:
Qual é o impacto das redes sociais na
sua vida?. s
saber ABRIL 2020
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