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Antologia Encontro Literário

Poesias, contos e crônicas

Poesias, contos e crônicas

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MARCOS COSTA FILHO (ORG.)

o esperado entrecôte, mas o meu corpo, tomado por uma sede já visceral,

clamava por uma cerveja leve, gelada e bem suave. E nada como uma bière.

Sorvi-a quase com devoção na primeira taça e não tardei em solicitar outra.

Meus devaneios firmaram-se e a paz do entardecer enternecia.

Foi quando um senhor, surgindo não sei de onde, chegou ao La Maison.

Provavelmente sexagenário, de média estatura, tez morena, traços faciais

angulosos e não calvo, mas com proeminentes “entradas”. Trajava um belo

terno num tom bege, uma camisa alva e uma gravata cor de vinho. Usava

um chapéu Panamá claro e calçava sapatos marrons bem polidos. Era um

senhor de aparência muito distinta, séria e ao mesmo tempo terna.

Em sua chegada, seu cumprimento a todos foi com um discreto bon

soir, prontamente retribuído por todos, inclusive por mim mesmo. Não me

contive e fiquei a observá-lo pois pareceu-me um senhor “à moda antiga”.

Bem trajado, educado, elegante. Eu procurava ser discreto ao observar seus

movimentos, mas não conseguia, pelo visto. Ele percebeu e dirigiu-me um

amistoso sorriso, ao qual, de maneira envergonhada pela minha intrusão

por ele percebida, retribuí.

Eu havia até esquecido da minha fome quando chegou o entrecôte.

Simplesmente divino, temperos especialíssimos. Aliás, tudo estava

inebriante àquelas alturas, dados a atmosfera do entardecer em Marseille, a

bière, o entrecôte e, claro, aquele senhor.

Procurei deter-me à minha refeição, o que estimulou a fome novamente.

Mas mesmo em meio aquele momento, onde o primitivo mais do que

nunca norteia as ações humanas, eu procurava acompanhar os movimentos

do tal senhor. E, para aprofundar a minha estranheza, observei o seu pedido

chegar. Café em um bule médio, leite condensado em um bule pequeno e

um belo prato cerâmico com bolachas champagne. Para mim, confesso, era

algo sobremaneira inusitado. Um pedido daqueles! Afinal, de onde seria

aquele senhor? Francês, simplesmente seguindo costumes? Estrangeiro?

Seriam costumes atuais? Aquilo tudo me parecia tão antigo! Ele percebeu o

quanto fiquei estupefato e, amavelmente, dirigiu-me outro aberto sorriso.

Retribui com um sorriso “amarelado” de vergonha e procurei concentrarme

novamente à minha fome.

Mas não havia como não espiar aquele senhor e maldisse a mim mesmo

por não ser mais discreto. E quando voltei a olhar, tentando hilariamente

esconder-me por detrás da taça enquanto bebia a bière, vi que ele estava,

com uma lupa, analisando minúcias de selos colados em alguns envelopes

postais que ele havia disposto sobre a mesa. Realmente, então pensei, eu

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