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Revista ISTOÉ

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Descumprir uma promessa de campanha ou aumentar em<br />

cerca de R$ 5 bilhões no déficit fiscal? A encruzilhada do<br />

presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua equipe econômica<br />

tende a pender para a segunda opção. Por meio de<br />

Medida Provisória (MP), Lula está pronto para isentar<br />

a cobrança de Imposto de Renda para trabalhadores que<br />

recebem até dois salários mínimos, segundo fontes ligadas ao<br />

time do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e líderes sindicais.<br />

A decisão deve ser adotada a partir de 1º de maio, o emblemático<br />

Dia do Trabalhador. Se der certo, a faixa de isenção<br />

passa de R$ 1.903 para R$ 2.640. A partir desse valor, há quatro<br />

faixas de cobrança: 7,5%, 15%, 22,5% e 27,5%. E como a última<br />

correção da tabela ocorreu em 2015, a inflação acumulada nos<br />

últimos oito anos empurra trabalhadores que ganham menos<br />

de um salário mínimo e meio para dentro das faixas de cobrança<br />

do Fisco – frustrando, ao menos neste início de governo, a<br />

expectativa da picanha e da cervejinha.<br />

Apesar da folga orçamentária criada pela PEC do Estouro, a<br />

Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) determina que se indiquem<br />

fontes de compensação. Desde a campanha eleitoral, Lula vinha<br />

prometendo isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil por<br />

mês. O que, obviamente, não acontecer neste ano. Mas pelo<br />

menos parte disso terá de ser entregue por Lula. Em encontro<br />

com representantes sindicais no Palácio do Planalto no fim de<br />

janeiro, o presidente reiterou a promessa, apesar de não ter<br />

falado em prazos ou valores.<br />

O que Lula defende agrada sindicalistas, mas preocupa o<br />

mercado. Para Daniel Miraglia, economista-chefe da Integral<br />

Group, a promessa de aumento de gastos sem indícios de aumento<br />

de arrecadação alimenta das preocupações com a saúde<br />

fiscal da União. “Hoje o mercado está com pouca visibilidade da<br />

real dinâmica fiscal do governo”, afirmou Miraglia. “Essas falas,<br />

sem mostrar de onde virá a contrapartida, aumenta a incerteza<br />

em relação a inflação e os juros sobem. Ou seja, só prejudica.”<br />

O lado bom dessa isenção, além do<br />

alívio ao bolso dos que ganham menos,<br />

pode ser uma aceleração da Reforma Tributária<br />

que deve ser levada ao Congresso<br />

ainda no primeiro semestre, segundo o<br />

economista Fernando Felipe, especialista<br />

da Veedha Investimentos. “Como essa<br />

isenção o governo perde receita num momento<br />

de grande fragilidade na parte fiscal,<br />

a compensação pode estar associada<br />

à aprovação da reforma”, disse.<br />

Segundo o Sindicato Nacional dos<br />

Auditores Fiscais da Receita Federal do<br />

Brasil (Sindifisco Nacional), somente entre<br />

de janeiro de 2019 e junho de 2022, a<br />

defasagem da tabela do Imposto de Renda<br />

somou 26,57%. De 1996 a junho de<br />

2022, o acúmulo é de 147,37%. Para o sindicato,<br />

a falta de correção da tabela atinge<br />

especialmente os mais pobres, que já<br />

perderam poder de compra com a inflação<br />

no período e ainda passariam a ser tributados<br />

com o IR.<br />

A reforma deverá não só sugerir novas<br />

fontes de arrecadação para cobrir o rombo<br />

das contas públicas, como terá de criar<br />

um mecanismo mais confiável de atualização<br />

da tabela do imposto de renda – sem<br />

nenhuma correção desde 2015. A ideia<br />

que deve ser apresentada no retrofit tributário<br />

é substituir uma correção linear<br />

das faixas de cobrança do IR por u sistema<br />

que blinde da inflação as faixas que recebem<br />

os menores salários.<br />

R$5BI<br />

É A PREVISÃO<br />

DE AUMENTO<br />

NO DÉFICIT<br />

FISCAL ESTE<br />

ANO COM A<br />

ISENÇÃO DO<br />

IR PARA<br />

QUEM GANHA<br />

ATÉ R$ 5 MIL<br />

AO MÊS<br />

26%<br />

É A DEFASAGEM<br />

DO IMPOSTO DE<br />

RENDA ENTRE<br />

JANEIRO DE<br />

2019 E JUNHO<br />

DE 2022. NO<br />

ACUMULADO<br />

DESDE 1996 A<br />

DEFASGEM<br />

CHEGA A 147%<br />

OUTRO LEÃO NA LINHA DE FRENTE<br />

O presidente Lula resolveu entrar em uma cruzada durante os 100<br />

primeiros (e talvez mais importantes) dias de seu atual mantado. Era<br />

hora de apresentar projetos, correr, ganhar espaço, mídia e fortalecer a<br />

agenda da frente ampla. Mas ele optou por entrar em outra batalha. Desta<br />

vez com Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central. Em pelo<br />

menos cinco oportunidades desde o inicio de seu governo o petista criticou<br />

as altas taxas de juros. Além de artibuir ao BC o encarecimento do<br />

crédito e da dívida pública, Lula tem cobrado os empresários. “Quando o<br />

BC não era autônomo, era só ter um aumento mínimo que a Fiesp fazia<br />

uma nota de repúdio. Onde estão esses empresários agora? Por que não<br />

cobram?”, questionou. A fala de Lula foi seguida por um silêncio sepulcral<br />

da plateia atenta que acompanhava a posse de Aloizio Mercadante no<br />

BNDES, no Rio de Janeiro, na segunda-feira (6).Lula não parou por aí.<br />

Na visão do petista, não há explicação plausível para a manutenção<br />

do atual patamar da Selic, e segurar a taxa tão alta impedirá o Brasil de<br />

crescer. Ele instou ainda o Senado, que tem autorização para convocar<br />

Roberto Campos Neto, para explicar os caminhos da política monetária.<br />

No Banco Central, o discurso veio em forma da ata após a reunião de 1 o<br />

de fevereiro, quando foi decidido manter a taxa nos atuais 13,75%. Pelas<br />

explicações, o BC joga a batata quente no governo, e culpa a falta de<br />

uma âncora fiscal e a incerteza sobre os gastos como sustentadores de<br />

tais patamares. Briga de leões. (Paula Cristina)<br />

ILUSTRAÇÃO : EVANDRO RODRIGUES I FOTO: ISTOCK<br />

Dinheiro 15/02/2023<br />

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