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Reflexões teológicas<br />
J.P.Ramos<br />
E aqui entra um problema bonito:<br />
qual é a relação dessa natureza<br />
com a geometria? Entra ainda um<br />
outro problema: essas formas geométricas,<br />
de que a alma humana é<br />
tão sequiosa, não representam simbolicamente<br />
propriedades de Deus,<br />
sem cuja consideração o homem<br />
não pode viver?<br />
Então, as coisas não são redondas,<br />
quadradas ou losangulares,<br />
principalmente por causa da natureza<br />
delas, mas elas são assim porque<br />
nos dão uma ideia de Deus?<br />
E Deus as criou com essa natureza,<br />
em primeiro lugar, para nos dar<br />
uma ideia d’Ele mesmo e, em segundo<br />
lugar, atendendo às necessidades<br />
naturais delas. Mas a razão<br />
de ser dessas formas todas é muito<br />
menos a natureza das coisas do que<br />
o próprio Deus.<br />
Está dito no Gênesis: “Façamos o<br />
homem à nossa imagem e semelhança”<br />
(Gn 1,26) e “Deus contemplou<br />
toda a sua obra, e viu que tudo era<br />
muito bom” (Gn 1,31). A razão de<br />
ser profunda pela qual as coisas têm<br />
as formas que têm não é a natureza<br />
delas, mas é porque Deus quis que tivessem<br />
aquelas formas para Ele contemplar.<br />
E isso porque elas têm uma<br />
certa semelhança com Ele. Uma semelhança<br />
inefável, que não se pode<br />
exprimir em palavras humanas.<br />
Semelhanças de Deus<br />
no Céu e na Terra<br />
Quem sabe, então, se todo o Céu<br />
Empíreo é uma imensa repetição, de<br />
forma magnífica, de puras formas,<br />
puras cores, puros sons, puros deleites<br />
que têm seu fundamento em Deus<br />
e que ali nos deixam vê-Lo melhor?<br />
Olhando para as coisas desta Terra,<br />
nós devemos também não nos contentar<br />
com a explicação científica,<br />
mas pensar: por que a laranja tem,<br />
vagamente, a forma de uma esfera?<br />
Não é pelas razões que a natureza da<br />
laranja explica, mas é porque Deus<br />
queria que houvesse seres esféricos e<br />
houvesse esferas cor de laranja, com<br />
gosto de laranja, para melhor assemelharem-se<br />
a Ele. É mais ou menos<br />
como um jogo de espelhos.<br />
O caldo da laranja está dentro dela<br />
e ele se explica mais em função de<br />
Deus do que de si próprio. Como<br />
São Lourenço do Escorial<br />
Deus, sendo infinitamente superior<br />
à laranja, de algum modo Se reflete<br />
nela? Porque há uma semelhança<br />
ali. Como é essa semelhança? É dificílimo<br />
ter uma ideia. Mas vale a pena<br />
aguçar o espírito pensando nisso<br />
e como que procurando prelibar.<br />
Dessas considerações vem o verdadeiro<br />
prazer da vida, pois isso nos<br />
faz ver esta Terra com olhos muito<br />
mais maravilháveis, porque compreendemos<br />
o fundamento que essas<br />
coisas têm em Deus.<br />
Certas aulas de ciência natural<br />
quase amputam isso, dando a pura<br />
explicação botânica da forma de uma<br />
laranja; não oferecem uma formação<br />
pela qual se dá o complemento filosófico,<br />
metafísico e até, eventualmente,<br />
com algum fundamento na Revelação<br />
a respeito da natureza da laranja.<br />
Então, fica-se com a ideia de que o<br />
mundo é assim, só porque ele é assim.<br />
Ora, ele é assim para ser semelhante<br />
a Deus, que no mais alto do<br />
Céu é assim.<br />
E nós temos outra noção de tudo<br />
quanto nos cerca. Quando se vê<br />
um homem construir casas – Felipe II<br />
construindo o Escorial, ou levantar-se<br />
em Paris a Catedral de Notre-Dame<br />
–, nós pensamos<br />
em tudo quanto deu razão<br />
de ser àquilo; mas esses<br />
homens, agindo retamente<br />
segundo seu senso artístico,<br />
faziam coisas que espelhavam<br />
a Deus. Era uma<br />
semelhança nova de Deus<br />
que vinha nascendo.<br />
Daí compreendemos<br />
que todo esse Céu Empíreo<br />
é muito mais semelhante<br />
a Deus do que o nosso. E<br />
nisso tem uma beleza que<br />
não podemos imaginar como<br />
é, mas da qual podemos<br />
ter uma ideia através<br />
desta reflexão.<br />
Então as coisas se explicam<br />
mais por Deus do<br />
que pela Terra.<br />
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