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Luzes da Civilização Cristã<br />
gary noon (CC3.0)<br />
no gótico. Cristandade propriamente em seu estado de<br />
saúde é a Idade Média. A pré-Revolução começou, por<br />
assim dizer, a matá-la; ela entrou em estado enfermiço<br />
com o fim da Idade Média e começa a morrer quando<br />
surgem as Revoluções.<br />
Ora, Cristandade, como ela existiu, é a europeia, marcada<br />
por um determinado feitio de alma próprio aos povos<br />
que a graça levou ao auge de si mesmos. Esses povos<br />
tinham diante de si um território, incluindo as ilhas, que<br />
eram agrestes. Em função de um estado de espírito deles,<br />
embebido de catolicismo, eles foram ora selecionando,<br />
agrupando e modelando o que lhes era afim, ora perseguindo<br />
implacavelmente o que lhes era contrário, mas<br />
definindo-se mais pela oposição ao contrário.<br />
De toda fauna que havia, prevaleceram os animais<br />
que correspondem ao gosto deles, por exemplo, a perdiz,<br />
o faisão, o rouxinol, para falar das aves.<br />
Eles foram criando uma literatura e uma<br />
arte que tomavam essas coisas<br />
e as apresentavam como deveriam<br />
ser vistas, ou seja, conforme<br />
o gosto deles. Quem analisa,<br />
por exemplo, uma perdiz,<br />
não a pode ver senão pelo prisma<br />
do europeu, cujo olhar seletivo<br />
afasta os aspectos que não<br />
são os da perdiz de legenda estilizada.<br />
Na Idade Média, o animal aparecia<br />
limpo, direito, como fundo de<br />
quadro da vida humana, mas nunca<br />
como um ser quase mais perfeito que o<br />
homem. É nos tempos modernos que começa<br />
a aparecer o bicho em porcelana de<br />
Sèvres ou em bordados; ele já não é uma unilateralidade<br />
sadia, mas é uma quimera. Ao la-<br />
Loicwood (CC3.0)<br />
é legítimo.<br />
do do bom soldado figura o carneirinho encantador,<br />
com fitinha azul, que não é o carneiro<br />
da realidade, tal como o medieval o<br />
punha. Ao passar os animais para a porcelana<br />
de Sèvres já houve uma decadência.<br />
Na heráldica é intencionalmente mostrado<br />
o símbolo do bicho e não ele em si.<br />
À medida que o europeu foi relegando a<br />
galinha ao galinheiro, por exemplo, ele foi<br />
aprendendo a se lavar, tirando sua conaturalidade<br />
com o animal; o homem foi se elevando,<br />
realizando assim algo de parecido com o<br />
Paraíso Terrestre na Terra não paradisíaca;<br />
é o resgate do calabouço, o qual vai tomando<br />
ares de lugar onde se habita. É algo artificial,<br />
porque não é o Paraíso Terrestre, mas<br />
A Igreja: harmonizadora da Europa cristã<br />
Houve na Europa uma progressiva caça a tudo quanto<br />
era prosaico. Não foi levada até o fim, mas foi tão obstinada<br />
quanto a Reconquista contra os mouros. O fruto<br />
disso foi a modelagem de um mundo construído de acordo<br />
com a mentalidade de certos povos formados à luz<br />
da Igreja, a qual fazia, dentro da raça, o que esta fez no<br />
mundo; é uma regra de três magnífica.<br />
A Igreja foi fazendo aparecer o “príncipe herdeiro”, o<br />
“menino de ouro” de dentro do romano sibarita decadente,<br />
ou dos godos e ostrogodos – elementos constitutivos da<br />
Idade Média – e foi enxotando deles os aspectos reprováveis.<br />
A ascensão como tipo humano do descendente do germano<br />
ou do latino constituiu uma ascensão positiva, na<br />
qual todos os aspectos reprováveis foram desaparecendo<br />
em vista de uma modelagem operada<br />
pela graça, sobrenaturalmente.<br />
Entre a graça e a natureza<br />
não há contradição, só pode<br />
haver uma harmonia. As leis<br />
que existem numa ordem são,<br />
mutatis mutandi, as mesmas<br />
leis para outra ordem, transpostas<br />
para realidades diferentes:<br />
uma natural, a outra<br />
sobrenatural. A graça age na<br />
natureza como uma mão dentro<br />
da luva. De si ela opera esse seletivo,<br />
mas opera devagar.<br />
Por exemplo, um Santo que ensinasse<br />
a prática da pureza; olhando para<br />
o olhar dele, seus discípulos passariam a<br />
se lavar melhor sem que ele recomendasse,<br />
por afinidade e conaturalidade.<br />
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