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Flávio Lourenço<br />
so da moça aflita que ficou pendurada<br />
num fio de eletricidade, prestes a<br />
cair na rua. Deitam-se e dormem um<br />
sono monumental.<br />
Uma pessoa assim pode até encantar-se<br />
doutrinariamente com o<br />
risco enquanto sendo um ornato da<br />
vida, e gosta inclusive de vê-lo na vida<br />
do outro. Mas... em sua vida, ela<br />
mesma não quer riscos, porque não<br />
tem aquela mentalidade e sim a do<br />
Plantin 2 .<br />
E a pessoa sofre uma contradição<br />
interna, a qual tona-se fonte<br />
de mal-estar. Mas ninguém há que<br />
não tenha uma mentalidade segundo<br />
uma certa doutrina. Pode-se estar<br />
dividido entre duas doutrinas<br />
distantes, mas alguém a-doutrinário<br />
não existe.<br />
O explícito vazio e o<br />
implícito envergonhado<br />
Conhecer a doutrina não basta.<br />
Quantos há no Inferno que conheceram<br />
a verdade, entretanto não amoldaram<br />
sua mentalidade.<br />
Alguém dirá: “Mas uma pessoa<br />
nunca será capaz de explicitar isso.”<br />
Quem tem a mentalidade assim não<br />
se incomoda em explicitar,<br />
isso já seria parte do pensamento;<br />
ela gosta de ser.<br />
E esse tipo de mentalidade,<br />
que vive à margem de<br />
sua própria doutrina, até<br />
prefere não explicitar nada,<br />
para não se comprometer.<br />
Voltando ao exemplo<br />
imaginário do rapazinho<br />
lendo o Amadís de Gaula<br />
3 , imaginemos que ele,<br />
enquanto faz a leitura, se<br />
regala em tomar uma coalhada<br />
deliciosa que a<br />
avó lhe preparou. Depois<br />
ele vai passear debaixo<br />
das espaldeiras pensando<br />
consigo: “Como o vovô<br />
é um colosso! Ninguém<br />
o amola.” E o avô lhe diz: “Meu filho,<br />
aprenda comigo. Ah! Vida<br />
sossegada é isso!”<br />
O rapaz percebe de modo<br />
confuso que, se explicitar<br />
a doutrina, ele tem um choque;<br />
então, se há algo que ele<br />
não quer é que as coisas lhe<br />
fiquem claras. É a convivência<br />
vergonhosa de um explícito<br />
vazio com um implícito envergonhado.<br />
Esse é o estado<br />
de espírito.<br />
Se a pessoa não explicita e<br />
persiste em não explicitar, em<br />
determinado momento a Providência<br />
a chama. E Deus,<br />
que odeia a mentira e odeia<br />
que se fechem os olhos para a<br />
verdade, sobretudo a verdade<br />
interior, vem com um castigo.<br />
Começa uma vida ordenada<br />
pela Providência, que<br />
dá esbarrões para convidar a<br />
pessoa à explicitação. Ou poderá<br />
acontecer de a pessoa,<br />
de repente, rachar. Comete<br />
uma infâmia, cai em si: “Isso<br />
eu não deveria ter feito…<br />
agora não tem remédio”, e se<br />
desespera.<br />
Choque de mentalidades;<br />
Judas e o moço rico<br />
Com Judas não terá havido um<br />
processo assim?<br />
Ele foi afundando meio subconscientemente;<br />
em certo momento rouba<br />
um dinheiro do caixa dos Apóstolos.<br />
Ora, onde está Nosso Senhor o<br />
caixa não é de ninguém, porque tudo<br />
é d’Ele. Judas rouba um valor, gasta-o<br />
na ideia de repor depois; mas para isso<br />
roubará outra vez, fazendo um negocinho<br />
para dar o lucro da reposição<br />
e para ele poder tomar mais um trago<br />
de vinho; o negocinho, entretanto, dá<br />
errado e ele desanima de pagar.<br />
Ele começa a ficar com nó, porque<br />
São Pedro percebeu a coisa e<br />
começa a olhar feio; ele fica inseguro<br />
na presença de Nosso Senhor e o<br />
processo segue seu curso. Em cer-<br />
Judas no Horto das Oliveiras - Museu<br />
Nacional Bávaro, Munich<br />
Flávio Lourenço<br />
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