23.01.2024 Views

Revista Dr Plinio 311

fevereiro de 2024

fevereiro de 2024

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Ela tinha uma grande elevação<br />

de alma, porém ela não desdenhava<br />

o mais minúsculo. Eu, às vezes, mexia<br />

com ela dizendo-lhe que ela era<br />

meticulosa demais em certas coisas.<br />

Ela era meticulosa, mas sem deixar<br />

o mais alto, fazendo o mais alto habitar<br />

em tudo, estar presente a tudo,<br />

ordenar tudo e com um seletivo à luz<br />

desse ponto de partida mental, interno,<br />

um seletivo que nunca vi errar.<br />

Algo curioso: Ela podia ter – sobretudo<br />

quando mais moça e que eu<br />

tinha exercido menos influência sobre<br />

ela – lados um tanto liberais de<br />

doutrina subconsciente, que influíam<br />

no seletivo dela. Mas esse erro<br />

mostrado – e com que precisão e<br />

muitas vezes com que reverente truculência,<br />

mas mostradíssimo! –, ela<br />

acabava acertando o passo quando<br />

via que era direito.<br />

Creio que se posso dizer que recebi<br />

algo da lógica dos jesuítas, dela recebi<br />

enormemente outras coisas. Ela<br />

era muito comunicativa dessa elevação.<br />

Ela transmitia muito, irradiava<br />

muito o que, aliás, vê-se pelo Quadrinho;<br />

nele, torna-se evidente.<br />

Amolecedora dos lados<br />

maus das almas<br />

não percebia que isso era touchant 1 ,<br />

fazia com a naturalidade que se possa<br />

imaginar: “Coitado, é bem verdade!<br />

Mas veja, tem tal lado assim e<br />

tal outro e outro que, afinal de contas,<br />

se atendêssemos, veríamos que<br />

ele tem uma atenuante…” Se ela tivesse<br />

tratado com aquela pessoa na<br />

ocasião “X” da vida desse indivíduo,<br />

e tivesse tido essa compaixão, ela teria<br />

amolecido dentro da pessoa, não<br />

o bem, mas o mal.<br />

Ela era uma amolecedora de revoltas<br />

como eu nunca vi coisa igual.<br />

Mas pela compaixão, pela pena. A<br />

pessoa objeto dessa compaixão se<br />

desarmava e tomava uma forma da<br />

doçura, que estou explicando de modo<br />

muito incompleto, mas há certas<br />

coisas que o vocabulário humano<br />

não consegue exprimir.<br />

Como vi gente recusar isso! E recusar<br />

por autossuficiência! “Não quero<br />

que tenham compaixão de mim!”<br />

Ou outras coisas: “Eu sinto que isso<br />

vai me desarmar a revolta e estou utilizando<br />

isso para conseguir tal coisa,<br />

portanto, não quero deixar de me revoltar…”<br />

Não diziam, mas eu percebia.<br />

Isso fica nos imponderáveis em<br />

torno de uma mesa de sala de jantar<br />

ou no living de uma casa. A vida cotidiana<br />

é feita de lances desses.<br />

Irredutibilidade com doçura<br />

Mamãe tinha assim uma espécie<br />

de forma de compassividade que<br />

chegava ao miúdo, entrando nos últimos<br />

meandros do sofrimento da<br />

pessoa, naquele meandrozinho mais<br />

interno onde o caco de vidro infecciona<br />

e arranha mais a ferida e, ali,<br />

Tamara Maria A.<br />

Havia uma atitude nela que afinava,<br />

aliás muito, com o meu modo<br />

de entender a devoção a Nossa<br />

Senhora – a prática da devoção,<br />

não o seu fundamento teológico –,<br />

mas um traço saliente nela, no relacionamento<br />

com os outros, era<br />

o ser compassiva. Eu não conheci<br />

ninguém compassivo como ela. De<br />

uma compaixão ordenante, não de<br />

uma ópera italiana: “Pobre filho!!!<br />

Pobre amada!!!...”<br />

Lembro-me, mais de uma vez, em<br />

relação a essa ou àquela pessoa: eu<br />

afirmava um aspecto no corte da espada…<br />

Ela não negava, ouvia tudo,<br />

depois me dizia – com uma modulação<br />

de voz e um jeito de falar que me<br />

deixava sem saber o que dizer, ela<br />

Virgem com o Menino (coleção particular)<br />

7

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!