imaginário dos nossos educandos. Do primeiro grupo – narradores verdadeiros - vieram oscontos de fadas, como forma de resistência aos desmandos dos senhores feudais (Barbosa,1991). Isto porque os contos de fadas davam bons conselhos, e isso funcionava como ajudanuma situação de emergência provocada pelo mito. Segundo Benjamin (1936), o conto defadas é uma das primeiras medidas que a humanidade tomou para se libertar do mito. Éuma forma de sobreviver à morte, pela narrativa: "e viveram felizes para sempre".Ainda existem outros narradores, eficazes por seu distanciamento: as mulheres e osvelhos.As mulheres, contadoras de histórias, fiandeiras, bordadeiras, doceiras, faziam desuas narrações ofício de transmitir ao outro as histórias oriundas de muitas gerações. Erammulheres de mãos cheias e pensamento livre para tecer os relatos da sua memória, comoa Cora Coralina, por exemplo, que com doçura e poesia teceu pedras e versos queemocionam gerações.Das PedrasAjuntei todas as pedrasque vieram sobre mim.Levantei uma escada muito altae no alto subi.Teci um tapete floreadoe no sonho me perdi.Uma estrada,um leito,uma casa,um companheiro.Tudo de pedra.Entre pedrascresceu a minha poesia.Minha vida...Quebrando pedrase plantando flores.Entre pedras que me esmagavamLevantei a pedra rudedos meus versos.Já os velhos, que numa sociedade capitalista são tidos comoimprodutivos, fazem do preconceito que sofrem a liberdade de poderlembrar. Liberdade que, nas comunidades indígenas, serve comoelemento desencadeador do respeito. Para o velho, a memória é algodistinto da vida prática: é sonho, fuga, arte, lazer, contemplação. Este,por findar um ciclo de vida, busca na memória se tornar eterno, atravésdas muitas histórias deixadas de herança para as novas gerações.Contar, para o velho, é viver. Seu único sentido em nossa sociedade.E os narradores homens: que espaço é reservado a eles nomundo do narrativo? Ao homem, o contar histórias só é permitido seeste for viajante, artesão ou velho. Ao homem jovem, sobra o espaço da produção material,53
Fundamentose Didáticada LínguaPortuguesado trabalho. A origem da narrativa está na experiência que passa de pessoapara pessoa. No mundo moderno, a experiência não é valorizada, por isso, anarrativa, de tradição oral, perde importância e, junto com ela, os contadoresde histórias. É o homem perdendo a capacidade de ouvir, de narrar, desde oadvento da sociedade burguesa e da difusão da imprensa até os dias de hoje.O mundo pós-moderno carece, e muito, da oralidade, e, tem seintensificado, num movimento velado, em torno da ascensão dessa oralidadepela veia da Literatura Infanto-Juvenil. No caso do Brasil, a Literatura Infanto-Juvenil começou a ganhar força ainda na década de 60. Portadora de umdiscurso que defendia as idéias das minorias se mostrou terreno livre de censura, portapara as críticas sociais, difíceis de serem feitas durante o governo militar. Ao falar das minoriassociais, a literatura infantil brasileira resgatou sua forma de expressão, a oralidade.Um exemplo belíssimo da utilização da Literatura Infanto-Juvenil é a peça OsSaltimbancos de Chico Buarque que, retratava a união entre os ditos “mais fracos” paraenfrentarem com coragem os donos do poder:Junte um bico com dez unhasQuatro patas, trinta dentes.E o valente dos valentesAinda vai te respeitarTodos juntos somos fortesSomos flecha e somos arcoTodos nós no mesmo barcoNão há nada pra temer- Ao meu lado há um amigoQue é preciso protegerTodos juntos somos fortesNão há nada pra temerAgora já sabemos, contar é estar em linha, é estar em trança, como Rapunzel: "trançade gente", senda de história. É saber passado, presente, futuro: num mundo em que o espaçodo masculino vem se restringindo, pois a mulher vem conquistando espaços que antes lheseram negados, o contar histórias, tantas vezes atribuído ao feminino (Dona Benta, Sherazade,Emília...), passa a ser também uma necessidade dos homens. Afinal, numa sociedade quebusca cada vez mais, no mercado de trabalho, trabalhadoras mulheres, os homens muitasvezes vêem-se responsáveis pela casa, pelos filhos, envolvendo-se com atividades queexigem a ação tranqüilizadora da narrativa. No mundo pós-moderno, a indefinição dos papéissexuais muda os papéis dos casais e dos casamentos: homens e mulheres em busca deseus gêneros. O que é ser homem e o que é ser mulher na sociedade atual?O contar, sempre, é relacionado à esfera da paciência. Tinha paciência a mulher quetecia o fio, Penélope esperando Ulisses com seu manto interminável; tinha paciência omarítimo que viajava, Ulisses vivendo anos longe de sua Ítaca... E, nesta tecelagem que é acriação, importa o narrar, o contar. Ameaçado por um mundo de clones e robôs, em que ohomem pós-moderno resgata o ofício de narrar: desta vez, sua própria história emhomepages, em histórias ouvidas e recontadas de muitas formas.54