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Edição dia 18 de Março de 2012. Domingo

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O Estado <strong>de</strong> São Paulo/SP - Nacional, <strong>18</strong> <strong>de</strong> <strong>Março</strong> <strong>de</strong> 2012<br />

JUDICIÁRIO | Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral<br />

ENTREVISTA: Miguel Reale Junior, ex-ministro da<br />

Justiça e professor titular <strong>de</strong> Direito Penal da USP<br />

‘Anistia <strong>de</strong> mão dupla foi o preço da<br />

volta à <strong>de</strong>mocracia’<br />

Jurista reconhece ‘custo alto’ para<br />

retorno da ‘paz política e social’, mas vê<br />

‘insegurança jurídica’em <strong>de</strong>núncias<br />

contra militares<br />

Roldão Arruda<br />

A tentativa do Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral (MPF)<br />

<strong>de</strong> punir agentes <strong>de</strong> Estado que cometeram crimes<br />

<strong>de</strong> sequestro e ocultação <strong>de</strong> cadáveres durante a<br />

ditadura militar, sob a alegação <strong>de</strong> que seriam<br />

crimes permanentes, não ajuda a causa dos<br />

direitos humanos. Quem faz essa avaliação é o<br />

jurista Miguel Reale Junior, titular da ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong><br />

Direito Penal da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito da<br />

Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo.<br />

Para o jurista, a investida dos procuradores é nula<br />

do ponto <strong>de</strong> vista jurídico e temerária. “Dar<br />

andamento a essa i<strong>de</strong>ia significaria criar uma<br />

imensa insegurança jurídica”, disse ele em<br />

entrevista ao Estado.<br />

Além <strong>de</strong> professor titular da USP, Reale Junior foi<br />

ministro da Justiça no governo do presi<strong>de</strong>nte<br />

Fernando Henrique Cardoso em 2002 e também<br />

presidiu a Comissão <strong>de</strong> Mortos e Desaparecidos.<br />

Antes disso, no final da década <strong>de</strong> 1970, participou,<br />

como conselheiro fe<strong>de</strong>ral da Or<strong>de</strong>m dos<br />

Advogados do Brasil (OAB), dos <strong>de</strong>bates que<br />

levaram à criação da Lei da Anistia, em 1979.<br />

O <strong>de</strong>bate em torno dos crimes <strong>de</strong> sequestro e<br />

ocultação <strong>de</strong> cadáver ainda está no início. Na<br />

semana passada, após a rejeição da primeira<br />

<strong>de</strong>núncia contra o major da reserva Sebastião<br />

Curió, os procuradores da República anunciaram<br />

que vão recorrer ao Tribunal Regional Fe<strong>de</strong>ral da<br />

1.ª Região. O assunto <strong>de</strong>ve acabar no Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (STF).<br />

Como o sr. vê o texto da <strong>de</strong>núncia<br />

contra o major Curió, acusado <strong>de</strong><br />

crimes na guerrilha do Araguaia?<br />

O documento é importante do ponto <strong>de</strong> vista<br />

histórico, porque faz um relato preciso das<br />

circunstâncias das prisões e narra com <strong>de</strong>talhes o<br />

que aconteceu. Sob o aspecto jurídico, porém, o<br />

valor é nulo.<br />

Por que o sr. <strong>de</strong>staca o valor histórico<br />

da <strong>de</strong>núncia?<br />

Fui presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Mortos e<br />

Desaparecidos por um período <strong>de</strong> cinco anos. No<br />

trabalho à frente <strong>de</strong>ssa comissão, criada pela Lei<br />

9.140 <strong>de</strong> 1995, foi extremamente chocante ouvir os<br />

relatos sobre os <strong>de</strong>saparecidos, especialmente os<br />

casos dos torturados nas <strong>de</strong>legacias, nos porões<br />

da ditadura. Por isso consi<strong>de</strong>ro importante essa<br />

<strong>de</strong>núncia.<br />

E por que não vê valor jurídico no<br />

documento?<br />

A Lei 9.140, que criou a comissão, estabelece em<br />

seu primeiro artigo que se reconhece, para todos<br />

os efeitos legais, a morte das pessoas<br />

<strong>de</strong>saparecidas. Foi em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong>ssa<br />

<strong>de</strong>terminação que houve a emissão <strong>de</strong> certidões <strong>de</strong><br />

óbito pelos cartórios e a abertura <strong>de</strong> processos <strong>de</strong><br />

sucessão, que eram reivindicações dos familiares.<br />

Diante disso, fica absolutamente sem sentido<br />

estabelecer agora que os <strong>de</strong>saparecidos continuam<br />

vivos. Como sustentar uma coisa <strong>de</strong>ssas, se eles<br />

são <strong>de</strong>clarados mortos pela lei e se não existe<br />

nenhum elemento probatório <strong>de</strong> que estão vivos?<br />

Não há um mínimo indício, nada que permita<br />

processar os autores <strong>de</strong>ssas prisões por sequestro<br />

– e não por homicídio, como se preten<strong>de</strong> agora.<br />

Os <strong>de</strong>saparecidos estavam sob a<br />

guarda dos militares.<br />

Eles faziam parte da guerrilha e as eventuais<br />

prisões que ocorreram colocavam-se <strong>de</strong>ntro do<br />

nível da legalida<strong>de</strong>. O ilegal, evi<strong>de</strong>ntemente, seria<br />

torturá-los e matá-los. Portanto, se alguém fosse<br />

encaminhar um processo criminal, se tivesse<br />

elementos para isso, seria emrelação a tortura e<br />

homicídio – jamais por sequestro. Mas o primeiro<br />

contrassenso nesse <strong>de</strong>bate, insuperável, é esse ao<br />

qual já me referi: os <strong>de</strong>saparecidos foram<br />

legalmente <strong>de</strong>clarados mortos. Como é que po<strong>de</strong>m<br />

ser reconhecidos como mortos para outros efeitos,<br />

como sucessão familiar, mas não para esta<br />

<strong>de</strong>núncia? É uma temerida<strong>de</strong>.<br />

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