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Controlando o poder de matar - Núcleo de Estudos da Violência

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• Difícil interrupção<br />

Enquanto os jogos voluntários, especialmente entre adultos, po<strong>de</strong>m ser<br />

facilmente adiados ou suspensos, conforme já apontamos, os <strong>de</strong> caráter obrigatório são<br />

<strong>de</strong> difícil interrupção, exigindo fortes motivos para que não cheguem ao <strong>de</strong>sfecho<br />

esperado.<br />

Em relação às sessões <strong>de</strong> Júri, é sempre muito <strong>de</strong>licado interrompê-las ou<br />

mesmo suspendê-las e impugná-las, antes do anúncio <strong>da</strong> sentença. Quando isso<br />

ocorre, normalmente o juiz respal<strong>da</strong>-se nas próprias regras formais do jogo — do<br />

Código <strong>de</strong> Processo Penal — para justificar a interrupção e, assim, não <strong>de</strong>sacreditar o<br />

jogo e os jogadores.<br />

Para ilustrar essa afirmação, segue uma análise do que <strong>de</strong>terminou a difícil<br />

impugnação <strong>de</strong> uma sessão, quase <strong>de</strong>z horas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> inicia<strong>da</strong>.<br />

Ela começara por volta <strong>da</strong>s 9 horas <strong>da</strong> manhã. Tratava-se do julgamento <strong>de</strong> um<br />

jovem negro, magro, <strong>de</strong> apelido “Nenê”. Ele teria sido vítima <strong>de</strong> roubo (um walkman),<br />

<strong>de</strong>pois do que, <strong>matar</strong>a o assaltante, auxiliado por outro homem, também apeli<strong>da</strong>do <strong>de</strong><br />

Nenê. No Júri, durante seu interrogatório, o réu negou a autoria do <strong>de</strong>lito. Várias<br />

testemunhas foram chama<strong>da</strong>s a <strong>de</strong>por, três <strong>da</strong>s quais <strong>de</strong>legados <strong>de</strong> polícia e dois<br />

investigadores, pois pairavam dúvi<strong>da</strong>s se o réu teria confessado, na <strong>de</strong>legacia,<br />

mediante tortura. Foram longos e tensos esses <strong>de</strong>poimentos. As testemunhas caíram<br />

em contradição, várias vezes, especialmente confundindo o réu-Nenê, com o co-réu-<br />

Nenê e com um terceiro Nenê — também do “pe<strong>da</strong>ço” e “<strong>da</strong> pesa<strong>da</strong>” —, já assassinado.<br />

Em outras palavras, a uma certa altura, falava-se em três “Nenês-neguinhos” e ninguém<br />

mais compreendia quem era quem.<br />

Depois do primeiro intervalo, para almoço, houve um segundo, para um<br />

cafezinho, durante o qual to<strong>da</strong>s as testemunhas, mesmo as que já haviam prestado<br />

<strong>de</strong>poimento, ficaram numa sala contígua à do plenário. Quando <strong>da</strong> retoma<strong>da</strong> <strong>da</strong> sessão,<br />

um dos dois advogados do réu comunicou ao juiz que, nessa tal sala, havia, sobre a<br />

mesa, cópias <strong>de</strong> várias peças acusatórias do processo, às quais, portanto, as<br />

testemunhas tiveram acesso, inclusive as que ain<strong>da</strong> não haviam <strong>de</strong>posto. Nesse<br />

momento, instaurou-se uma confusão generaliza<strong>da</strong>.<br />

Por <strong>de</strong>cisão do juiz, to<strong>da</strong>s as testemunhas <strong>de</strong>puseram, novamente, para <strong>de</strong>clarar<br />

se haviam ou não lido as peças acusatórias e indicar o nome <strong>de</strong> quem as <strong>de</strong>ixara sobre<br />

a mesa (ninguém apontou “o culpado”). O mesmo ocorreu com todos os funcionários<br />

que serviam no Júri, os quais, portanto, passaram a correr o risco <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r o emprego.<br />

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