15.04.2013 Views

Controlando o poder de matar - Núcleo de Estudos da Violência

Controlando o poder de matar - Núcleo de Estudos da Violência

Controlando o poder de matar - Núcleo de Estudos da Violência

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Desse mesmo ciclo <strong>de</strong> palestras, participou um famoso promotor que, ao se<br />

referir ao “clima” do Júri, mencionou o quanto ele exige “gana”, ou seja, “um estado <strong>de</strong><br />

espírito <strong>de</strong> quem está arrebatado pela causa”. 16<br />

O ponto em questão é que a consciência <strong>de</strong>, no jogo, haver um “faz-<strong>de</strong>-conta”,<br />

ou <strong>de</strong> se estar vivendo um tempo e um espaço artificiais, não impe<strong>de</strong> que ali se aja com<br />

serie<strong>da</strong><strong>de</strong>, enlevo e entusiasmo, a ponto <strong>de</strong> fazer com que os jogadores sintam-se<br />

arrebatados pelo jogo e distantes <strong>de</strong> suas vi<strong>da</strong>s e preocupações cotidianas.<br />

“A alegria que está indissoluvelmente liga<strong>da</strong> ao jogo po<strong>de</strong> transformar-se, não só em<br />

tensão, mas também em arrebatamento. A frivoli<strong>da</strong><strong>de</strong> e o êxtase são os dois pólos que limitam o<br />

âmbito do jogo.” (Huizinga, 1980: 24)<br />

Tratemos <strong>de</strong>ssas emoções, inicialmente, em relação aos réus. É, normalmente,<br />

<strong>de</strong> mãos entrelaça<strong>da</strong>s e repousa<strong>da</strong>s sobre as pernas, <strong>de</strong> cabeça baixa e absortos<br />

naquilo que “só eles sabem”, que a maioria dos réus permanece ao longo <strong>da</strong>s sessões<br />

<strong>de</strong> julgamento pelo Júri. Quando muito, há momentos em que <strong>de</strong>ixam certa tensão<br />

transbor<strong>da</strong>r pelo olhar, por expressões faciais e por um balanço compulsivo <strong>de</strong> pés e<br />

pernas. Mas a maior parte <strong>de</strong>les permanece como permaneceu o “Sr. S” durante uma<br />

entrevista que me conce<strong>de</strong>u. Ele assistia ao julgamento e fora co-autor, já julgado e<br />

inocentado, do crime pelo qual sua companheira também estava sendo julga<strong>da</strong>. Imagino<br />

que, durante seu próprio julgamento, tenha permanecido tal como se portou durante o<br />

julgamento <strong>da</strong> companheira: ar resignado diante do longo ritual e para com o<br />

<strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> seus participantes, como se o fato <strong>de</strong> estar ali fosse, em si mesmo, o<br />

cumprimento <strong>de</strong> uma pena, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do resultado.<br />

Já a tensão que promotor e <strong>de</strong>fensor vivenciam, durante as sessões, é <strong>de</strong> outra<br />

natureza. Está intrinsecamente relaciona<strong>da</strong> aos <strong>de</strong>sempenhos que ca<strong>da</strong> um conseguirá<br />

ter. Esse tipo <strong>de</strong> tensão, como diria Huizinga, significa incerteza, acaso. (...), o jogador quer<br />

(...) conseguir alguma coisa difícil, ganhar (...) e quanto mais estiver presente o elemento<br />

competitivo mais apaixonante se torna o jogo.(...) o elemento <strong>de</strong> tensão lhe confere um certo<br />

valor ético, na medi<strong>da</strong> em que são postas à prova as quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s do jogador: sua força e<br />

tenaci<strong>da</strong><strong>de</strong>, sua habili<strong>da</strong><strong>de</strong> e coragem (...). Apesar <strong>de</strong> seu ar<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ganhar, <strong>de</strong>ve<br />

sempre obe<strong>de</strong>cer às regras do jogo” (Huizinga, 1980: 14).<br />

Não se po<strong>de</strong> afirmar que promotor e <strong>de</strong>fensor abstraiam por completo a pessoa<br />

do réu, a ponto <strong>de</strong> esquecerem que se trata <strong>de</strong> um ser humano que está ali, presente,<br />

sentado, aguar<strong>da</strong>ndo uma sentença que <strong>de</strong>cidirá os próximos anos <strong>de</strong> sua vi<strong>da</strong> e,<br />

16 - Palestra ministra<strong>da</strong> pelo Dr. Octávio Borba <strong>de</strong> Vasconcelos Filho, em 31 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1999,<br />

<strong>da</strong>s 9h às 12h e intitula<strong>da</strong> A postura do Promotor <strong>de</strong> Justiça em plenário.<br />

25

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!